1) O cantor Roberto Carlos lançou uma nova coletânea de sucessos com apenas uma música inédita, deixando fãs insatisfeitos com a falta de novidades.
2) O poeta joinvilense Rubens da Cunha conquistou o primeiro lugar em um concurso de poesia falada em São Paulo, após anos dedicados ao gênero.
3) A exposição "A Imagem do Som", inspirada em letras de Chico Buarque, reuniu diferentes interpretações artísticas e gerou debate sobre a relação entre arte e liter
1.
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Roberto Carlos passa Música
Leia também: o Natal com coletânea
A imagem do som
Programação do Sem novidades e ressentida dos anos 60, CD de Chico Buarque
Cinema e filmes na funciona como consolo para fãs do Rei
TV. Inspirados em músicas do compositor,
Cinema artistas recriam obras visuais de impacto,
Rubens Herbst
com erros e acertos
Joinville Este foi um ano duro para Roberto Carlos. O câncer que
acometia sua mulher voltou com força total e, segundo a imprensa Walter de Queiroz Guerreiro
tem noticiado, seu estado é crítico, inclusive com poucas chances Especial para o Anexo
de sobrevivência. O tratamento difícil, as viagens para o exterior,
as vigílias pela saúde de Maria Rita e o natural estresse
Felipe Taborda, artista gráfico, desenvolveu o projeto
mantiveram o cantor longe dos estúdios e palcos em 1999, o que culmina, mais uma
de criar uma coleção de arte inspirada na música,
vez, num Natal diferente para os fãs. Sem repertório novo nem especial de fim de ano
melhor diríamos na letra, dos maiores compositores
na Globo uma tradição que vinha se mantendo desde 1974 , eles terão que se
brasileiros contemporâneos. O projeto, iniciado no
contentar mesmo com mais uma coletânea.
ano passado com letras de Caetano Veloso, está
dando frutos saudáveis este ano, com Chico
No ano passado, o mesmo expediente fora utilizado pela Sony, que recheou o Buarque, a que se seguirão Roberto Carlos, Gilberto
lançamento com quatro canções inéditas. Em "30 Grandes Sucessos Volumes 1 e 2" Gil e outros durante oito anos, construindo um painel
há apenas uma nova composição, que abre cada CD da compilação dupla. Com uma das artes visuais de fins do século 20, início do 21.
inspirada levada caipira e o discurso religioso de sempre, "Todas as Nossas
Senhoras" é o resultado da única incursão do "Rei" pelos estúdios neste ano. O
A série intitulada "A Imagem do Som" convida a cada
resto, como já deu para perceber, são velhos sucessos, cavalos de batalha pinçados
ano 80 artistas das mais diferentes linguagens e
de todas as fases da carreira do cantor.
suportes, de ilustradores a artistas conceituais,
abrangendo todos os campos da criação. Para evitar
O lado romântico de Roberto Carlos, aquele que o elevou à condição de maior astro direcionamento do gosto subconsciente, queiramos
nacional a partir dos anos 70, é privilegiado pela compilação. "Detalhes", "Lady ou não, na escolha do tema Taborda optou por
Laura", "Cavalgada", "Outra Vez", "Amada Amante", "Café da Manhã" e, claro, sortear as letras, numa relação representativa da
"Emoções", não poderiam ficar de fora, bem como o Roberto devoto, representado melhor poética de Chico Buarque.
por "Quando Eu Quero Falar com Deus", "Nossa Senhora", "Jesus Salvador" e
"Aleluia". "Canzone Per Te" mostra sua porção italiana, e "Mulher de 40" e
Fornecer letras de música como estímulo à criação
"Caminhoneiro", sua produção mais recente. O filé, porém, está nas faixas menos
plástica é um caminho delicado, pelo perigo de a arte
citadas em shows e especiais mas nem por isso menos importantes , caso de "O
visual se tornar transformação imagética da palavra
Portão", "Como Vai Você", "Não Quero Ver Você Triste", "Desabafo", entre outras.
escrita, ou seja, de a arte visual perder sua liberdade,
tornandose literária. Esse intercâmbio vem de longe,
Mas há um problema ou melhor, dois. O primeiro é que, apesar de a maioria das desde E. Cummings, passando por Ezra Pound sobre
músicas serem essenciais para entender (e curtir) o mito Roberto Carlos, não há fã a aparência da palavra e da teoria de que o poema,
que não tenha tudo isso em casa. Até pelo fato de já ter lançado uma coletânea no como toda forma de arte, é um objeto (vide hoje os
ano passado, a gravadora poderia valorizar um pouco mais o suado dinheirinho do neoconcretos, Haroldo de Campos e afins). No lado
consumidor com algo menos redundante e mais tentador. Às vésperas do fim do oposto, a característica da maioria das obras
milênio, seria uma ótima chance de desencavar sobras de estúdio, velhas canções contemporâneas é desenvolver um código próprio de
inéditas e faixas ao vivo do cantor, sozinho ou com alguns de seus inúmeros leitura que não pode ser lido de maneira autônoma,
parceiros. exigindo um discurso de explicações dos conceitos
subjacentes. A arte conceitual, a mais cerebral das
A segunda pisada, e ainda mais grave, é restringir a fase da Jovem Guarda a uma formas plásticas, buscando autonomia, só sobrevive
única canção, "O Calhambeque". Ora, é impossível mapear a trajetória de Roberto através de códigos suplementares de comunicação,
Carlos dignamente sem lembrar sua contribuição para a música brasileira nos anos pela linguagem escrita. Desta forma há uma simbiose
60, quando ajudou a traduzir para o idioma nacional as inquietações e desejos que em que a obra para ser entendida, transformase em
tomavam conta da juventude ao redor do mundo. Onde estão "Quero que Vá Tudo metalinguagem, no código criado pela própria obra.
para o Inferno", "Splish, Splash", "Parei na Contramão", "Namoradinha de um
Amigo Meu", "Eu Sou Terrível", "É Proibido Fumar", e por aí vai? Imperdoável. Voltemos à exposição inaugurada no Paço Imperial
(Rio de Janeiro) a 2 de dezembro, permanecendo até 5
Sendo assim, a quem pode interessar uma coletânea incompleta e sem novidades de março de 2000. Comparada à exposição de 1998,
como esta? Talvez aos que se preferem apenas o Roberto baladeiro, ou então ao dedicada a Caetano Veloso, houve sensível
fanático que engole qualquer coisa que lhe é empurrado de seu ídolo. Como já foi amadurecimento nas propostas, registradas em
dito, não é de todo ruim, mas fica um gosto esquisito na boca. É triste, como a definitivo num livrocatálogo de alta qualidade
expressão de Roberto na capa do disco. gráfica, patrocinado pela Petrobras.
A multiplicidade de caminhos da arte contemporânea
é vista pela leitura de cada artista, assim como a boa e
má carpintaria na criação artística, a leitura direta e
Poeta joinvilense fácil da letra, a reflexão sobre o conteúdo e a
é premiado em SP obsessão particular de cada um. Esta é, aliás, uma
característica constante na obra contemporânea: o
artista cria um código de leitura que perpassa toda
Entre 441 inscritos e 12 selecionados, Rubens da Cunha obtém o 1º sua criação, desenvolvendo redação dialética com o
lugar no Concurso de Poesia Falada criado anteriormente, compreensível para os que
reconhecem ser sua visão de mundo. Em termos de
GLEBER PIENIZ metalinguagem, existe contradição essencial, o
significante adquirindo significado preciso apenas no
Joinville Oito anos de dedicação à poesia renderam ao joinvilense Rubens da código próprio do autor.
Cunha a maturidade suficiente para conquistar, no último dia 4, o primeiro lugar no
Concurso de Poesia Falada 1999 da Biblioteca Mário de Andrade, de São Paulo. A exposição revela grandes interpretações, como a de
Entre 441 trabalhos inscritos e 12 selecionados para a fase de apresentação, foi Oscar Ramos, sobre a letra de "O Meu Guri". Partindo
"Tratado Sobre a Caça ao Poema" o grande vencedor, texto premiado com R$ 1 mil. da imagem criada por Matisse, em Saint Paul de
No ano passado, Cunha fora classificado em segundo lugar no mesmo concurso. Vance, da Virgem e o Menino Jesus, o artista
substitui Jesus pela foto de um menor de Belém do
2. Em novembro, uma comissão composta por cinco jurados apontou 12 trabalhos que Pará e superpõe uma poesia de Rimbaud sobre o
deveriam ser declamados pelos autores no dia 4 de dezembro para um júri de três garoto que dorme tranqüilo, em oposição à dura
nomes que definiria a premiação. Cunha foi selecionado, apresentou seu trabalho e realidade do pivete com a tarja negra, ocultando a
voltou para Joinville com o primeiro prêmio. Sua conterrânea Patrícia Claudine identidade do menor delinqüente.
Hoffmann, vencedora da última edição do prêmio Lindolf Bell, também foi uma das 12
concorrentes selecionadas para a fase final com "Navegações Léxicas a Respeito do De leitura imediata, e no entanto de alta qualidade, é a
que Fica". Os poemas que concorreram na etapa de apresentação integram, agora, esculturaobjeto de Gabriel Vilella, apontando
uma exposição itinerante pelas bibliotecas públicas paulistanas. claramente em "Com Açúcar, com Afeto", a ligação
literária nas balas verdeamarelas com trechos da
Cunha escreve desde os 20 anos e participa há dois do grupo de poetas Zaragata, música, dentro do tacho de cobre tradicional das
que também tem Patrícia como integrante. "Quando um de nós ganha algum prêmio, doceiras interioranas.
a gente considera como se todo o grupo ganhasse. Prezamos muito pela qualidade
dos poemas", garante o escritor, exsurrealista que admira o trabalho de Hilda Hilst, Criando impacto visível, porém se apropriando da
Jorge Lima e João Cabral de Melo Neto. O convívio com o grupo, admite, lhe deu linguagem única de Arthur Bispo do Rosário, a artista
disciplina, base técnica e conhecimento, elementos preciosos que ainda não são plástica Veronica D'Orey cria o "Brejo da Cruz",
suficientes para que oriente sua poética em um caminho bem demarcado. "Ainda bordando a letra da música e formando uma cruz de
estou meio à cata de um estilo, de uma linha mais conceitual", diz o poeta. "Construo botões coloridos. Como transliteração da música será
um conteúdo poético utilizando imagens e metáforas". válida, não fosse a idéia ser marca registrada de um
grande artista do inconsciente, à margem da
"Tratado Sobre a Caça ao Poema" é um roteiro em versos para a construção poética, sociedade.
texto constituído de metáforas alusivas ao reino animal e à prática da caça. "Parti do
princípio de como desenvolver um poema e usei a imagem dos felinos", explica Arnaldo Pappalardo cria uma macrofotografia, a
Cunha, consciente de que este conteúdo didático e ao mesmo tempo confessional imagem densa de um velho cravo, citado na letra de
do trabalho pode ter colaborado para "seduzir os jurados". A utilização de elementos "Tanto Mar", enquanto Ruth Freithof relê o
como linces, leões, tigres e panteras já faz parte do universo estético do poeta e será "Passaredo" em três gravuras com recursos de
tema para o primeiro livro que Cunha pretende lançar, ainda sem previsão de data. computação, citando pássaros inexistentes na letra, o
"Penso em um livroconceito onde eu trabalharia a metalinguagem usando a figura azul da liberdade, o sangue da vida, a violência do
dos felinos". grafismo prenunciando o homem.
Escritor cuja produção é pouco ligada ao rigor poético, Cunha garante que busca, Dentro da habitual postura irônica de Nelson Leirner,
agora, agregar valores formais à lavra. "Gosto da métrica porque ela me impõe um papa neodadá dos anos 60, "Bemquerer" se
espaço", adianta, "mas não sou afeito à rima". "Se uso rimas em meus poemas, são transforma em arte objeto, o tabuleiro de xadrez
rimas internas", avisa. opondo figuras de presépio em confronto com seres
elementais (gnomos?) de falos eretos, na explicação
da fúria dos casais.
A questão apontada inicialmente quanto à criação de
Tratado sobre a caça ao poema
vocabulário próprio repetitivo como código de
linguagem aparece em Alex Cerveny na leitura de
1 Da preparação
"Noite dos Mascarados", ao enfileirar colagem de
Na caça ao poema é preciso
máscaras. O caso se repete com Amador Perez
destituirse de covardias.
propondo "Último Blues" dentro de sua habitual
execução impecável no desenho ao captar detalhes
É preciso que os tremores vários
da "Gioventú" de Eliseu Visconti, rememorando a
sentidos na preparação
sedução da boca e olhos da ninfeta.
sejam apenas estratagemas das máscaras
para enganar o poema.
Em leitura bem brasileira e direta, Ana Durães mostra
As máscaras devem ser incorporadas "A Banda", tema adequado ao universo popular,
sobre os escombros da face: como as imagens dos Pífaros de Caruaru, do mesmo
nunca mostrada, nunca vista, modo que Muti Randolph, utilizando recursos de
nunca espelhada em verdades. computação gráfica e plotter, compõe seu "Sabiá"
intensamente tropical e neoantropofágico, clara
Não se preocupe com verdades, homenagem a Tarsila do Amaral.
são animais mitológicos de impossível caça.
Detenhase apenas no poema. Há nomes consagrados que desapontam, como a
instalação de Cildo Meirelles, a montagem fotográfica
2 Da arma de Adriana Varejão, o objeto de Luiz Zerbini.
Na caça ao poema é preciso Surpresa agradável é a escultura de Maninha,
que o sonho seja o predador. assemblage de porcelanas de gosto duvidoso, tão
kitsch quanto as referências às fogueiras, balões e
Transforme seu sonho em fera. luares do sertão da música "Barrão".
Felinos são os mais completos.
Analisar mais é tarefa impossível pela exigüidade de
Leões, leopardos, panteras, linces: espaço (e paciência do leitor). A apenas a visão direta
misto de silêncio e beleza, dessa importante mostra dá a dimensão real da
de amor e violência. experimentação contemporânea. A aparente
indefinição da arte atual, com seus múltiplos
Jamais transforme seu sonho em um tigre. caminhos, é exatamente o que demonstra a validade
Tigres já não caçam mais poemas da arte, leitura e releitura, reflexão e acomodação,
depois que passaram a servir sustentação do visual pela palavra e vôo livre da
à cegueira de Borges. imagem. Definir este relacionamento amoroso, quase
incestuoso entre artes, é missão impossível,
3 Da sabedoria da fome traduzível quiçá numa palavra única: arte, que na
Pense na escrita se fazendo fome origem significa capacidade de realizar.
sobre os espaços em branco.
Faça com que seus felinos
Walter de Queiroz Guerreiro é historiógrafo e
partam em busca da presa
crítico de arte
escondida nos contornos da palavra.
Sinta o alimento respirando nas sombras,
disfarçandose em ausências.
Crônica
Sonhos transmutados em felinos
são sempre silenciosos. Não grite.
Não assuste o poema com a inexatidão da pressa. José Mindlin, bibliófilo
4 Do golpe final Salim Miguel
Felinos sabem matar. Poemas querem morrer.
3. Para falar de uma vida entre livros, título
Deixeos livres, instintivos,
paradigmático de seu livro de memórias, José Mindlin
seguidores de suas próprias naturezas.
começa esclarecendo que não gosta da expressão
"palestra". Muito menos "formal". Considerase um
Não tenha compaixão
contador de histórias, que vai desfiando o fio das
quando um poema tenta a fuga
lembranças e assim envolve o ouvinte e mesmo o
e é pego e estraçalhado e lapidado
leitor que já lera suas andanças pelo mundo, em
pelos intensos dentes dos sonhos.
busca de primeiras edições. É, em síntese, um papo
gostoso, que vai evem, recua e avança, como nas
Depois de abatido, proteja seu poema
histórias das "Mil e uma Noites", de que se mostrou
criando em volta dele
mais do que um apaixonado. Foi uma tarde, na
muralhas transparentes de solidão.
Aliança Francesa de Florianópolis, em que todos nos
O poema morto pode ser visto, cheirado
encantamos com sua facilidade de comunicação, seu
mas jamais poderá ser comido
humor, sua memória prodigiosa, seu prazer de viver.
por quem não o caçou.
Tenha sempre muito cuidado Revelanos que iniciou sua vida entre livros aos 13
com as hienas e os chacais, anos, agora, aos 85, tem cerca de 30 mil. Ou já serão
são caçadores ineptos, vivem de restos, mais? Ele continua comprando. Concorda com sua
desejam sempre adonarse mulher: a partir de certo momento, deixaram de ser
da caça que não lhes pertence. donos dos livros, os livros é que são donos deles.
5 Da eterna insaciação O livro é para ele como um ser vivo. Dá exemplos:
Não acorde seus sonhos precisou selecionar cem de seus livros para uma
com a ofensa da derrota. exposição. Foi difícil; todos queriam se mostrar; uma
Felinos nunca sabem o que é perder. ciumeira danada. Teve de acalmar os que não foram
escolhidos, dizendo que mais adiante teriam vez.
Cace eternamente.
Poemas são animais Difícil também foi atender à solicitação de uma lista de
que precisam ser devorados. cem livros importantes, que constituiriam a base do
A sobrevivência deles está diretamente acervo de uma escola. Tarefa impossível, em vez de
ligada à sua própria morte. livros indicou cem autores; não satisfeito fez uma
lista complementar de mais 20. Lancei a isca,
Impregne o papel com a violência do amor, pergunteilhe se conhecia as listas de Carpeaux e
com a beleza insana do poder de caçar um animal Marques Rebelo. O artifício funcionou, Mindlin
que só deseja ser caçado. puxou de uma pasta e leu sua relação, feita em ordem
alfabética. O segundo era Alain Fournier, autor de um
Deixe sua marca no corpo sacrificado do poema. único livro, "Le grand Meaulnes", morto na guerra de
Ele pede por isso. 1914/18. Eu o havia lido por indicação do Marques
Rebelo.
Coma a carne crua de cada verso.
Alimentese com a vida que o poema lhe concedeu. Da lista, ele passa para suas preferências literárias.
Poucos hispanoamericanos e menos ainda norte
Eternizese com o desejo de eternidade americanos. Lê e relê Proust; admira o Joyce de
contido em todo poema que se deixa matar. "Dublinenses", mas não afina com o "Ulisses"; se
fosse forçado a escolher só dois autores, seriam
Balzac e Proust; só um romance, "Guerra e Paz", de
Tostoi. Sublinha a importância de "Os Sertões", mas
diz que organizaria o livro começando pela última
As várias faces parte. Falar de autores contemporâneos lhe é mais
complicado; não consegue dissociar o escritor do
de Barry Adamson cidadão; apesar dos elogios, nunca leu Celine por
causa de sua adesão ao nazifascismo.
GLEBER PIENIZ
Como todo colecionador que se preza, Mindlin
Joinville Barry Adamson é uma referência para se tentar entender um pouco da valoriza certos aspectos do livro, para além de
música atual, mesmo que a lição que tenha a dar pareça confusa. Em 1977, com primeiras ou antigas edições: se o volume é
Howard Devoto (exBuzzcocks), formou a lendária Magazine, banda extinta em 1981. autografado, se passou por mais de um dono, folheia
.. ..
Juntouse a Nick Cave e à primeira formação dos Bad Seeds em 1984. Com o bardo o livro com curiosidade ou ternura, vai à folha de
australiano, compôs e gravou quatro discos sem restringir seu talento apenas ao rosto, ao colofão, estuda a tipologia, as ilustrações e
baixo. Multinstrumentista, ganhou segurança para apostar em uma carreira solo que muito mais. Ele fala com entusiasmo de muitas
jamais pecou pela falta de talento ou de coragem. É esta trajetória irretocável que a preciosidades, entre elas uma Bíblia de Gutenberg.
coletânea "The Murky World of Barry Adamson" (Roadrunner) registra.
Além de bibliófilo apaixonado, Mindlin é um
Em 12 faixas (três inéditas), Adamson mostra o que de melhor sua concepção de benemérito das artes. Sei que ele não aprecia o
música pode oferecer, ainda que seu universo temático não seja nada agradável. "benemérito". Paciência. Não tenho outra maneira
Como Cave e David Lynch (diretor de "A Estrada Perdida", filme para o qual gravou para definilo. Durante anos, com sua empresa Metal
quatro músicas), Adamson tem uma visão peculiar do lado negro da vida, do amor e Leve, ele lançou importantíssimas edições fac
da frustração, da ruína e da redenção. Vertidas em disco, estas crônicas malditas similares (entre outras a "Revista de Antropofagia",
ganham leitura sofisticada e abordagem digna da tradição das big bands, com metais de Oswald de Andrade, e a "Revista Verde", do
em destaque, piano e uma gama fabulosa de timbres de teclados. Grupo de Cataguazes/MG), ou patrocinou
lançamentos como "Frente e Verso", sobre Carlos
Enganase quem considera o trabalho deste músico, compositor e arranjador um Drummond de Andrade, onde figura uma foto dos
sinônimo de purismo e austeridade. Longe de apresentar uma música sisuda ou jovens do Grupo Sul, num encontro com o poeta, na
datada, Adamson deturpa uma aparente reverência ao passado com intervenções década de 50. Temos experiência direta de seu apoio a
eletrônicas, linhas de baixo marcantes, bases prégravadas e vocais que vão da projetos culturais. Durante todo o tempo em que
rouca insinuação à pura canastrice. De "Moss Side Story", seu primeiro disco solo circulou a revista "Ficção (RJ, 1976/79), manteve nela
(1988), saem "The Man With the Golden Arm" e "The Big Bamboozle", temas anúncio da sua Metal Leve. É bom lembrar que esta
bastante ortodoxos amparados pelo baixo e pelos metais que são trazidos à empresa pioneira, devida à política entreguista do
modernidade para contrapor vozes distorcidas. "007, A Fantasy Bond Theme" (de atual governo, teve, como tantas outras, de ser
"Soul Murder", 1992) ambienta em paragens tropicais uma versão quase vendida para um grupo estrangeiro.
irreconhecível do tema do agente secreto.
Alguém lhe perguntou: quantos livros formam sua
"The Vibes Ain't Nothing but the Vibes" (de "Oedipus Schmoedipus", de 1996) biblioteca? Respondeu que uns 30 mil. Outro: já leu
mistura piano, aplausos e uma voz a la Barry White sobre base cândida de vibrafone, todos? Retrucou: impossível, precisaria ter o dobro
instrumento que também se faz ouvir em "Can't Get Loose", fazendo oposição à bela da idade que tenho. Lembreime de um diálogo
melodia vocal sobre uma base póspunk. A crueza dá o tom na inédita "Mitch and parecido, quando eu lhe disse: ledo engano, você
Harry", construída apenas de uma narração ao pé do ouvido aliada a um tema de sempre teria novos velhos livros para adquirir e ler,
suspense. Voltando aos exageros polifônicos, Adamson dá personalidade à "Saturn seria necessário mais tempo de vida e assim
4. in the Summertime" acrescentandolhe assobios, violinos e o trumpete com surdina sucessivamente.
de Guy Barker. A melodia vocal reassume a condução na inédita "Walk the Last
Mile" e passa incólume até mesmo pelos loops eletrônicos. Do jazz ao drum 'n' bass, José Mindlin insiste em que o livro é imprescindível e
do rock a ousadias harmônicas, "The Murky World" é a melhor porta de entrada insubstituível para quem sabe ler, supera tudo o que
para o universo de irreverentes revisionismos e contradições temporais de Barry surge pensando suplantá lo. Confirma, assim, uma
Adamson. Tome cuidado e seja bemvindo. frase de Alberto Manguel, autor da excelente "Uma
História da Leitura". Perguntado a respeito da
afirmativa de Bill Gates de que a era do livro chegara
ao fim, retrucou: "Para dizer isto Bill Gates escreveu
um livro".
"De Corpo e
Alma" estréia no Guairão
Joel Gehlen
Especial para o Anexo
Curitiba O Balé do Teatro Guaíra, de Curitiba, entra em cena hoje estreando "De
Corpo e Alma", um espetáculo de dança, em muitos aspectos, especial. O programa
composto por dois números, "O Segundo Sopro" e "Tango", comemora os 25 anos
de inauguração do grande auditório do teatro, conhecido como "Guairão", e
promove uma espécie de renascimento do BTG, companhia das mais importantes do
País, que está completando 30 anos de atividades.
Criado em 1969, o Balé do Teatro Guaíra possui um respeitável repertório, com obras
de alguns dos mais expressivos nomes da dança nacional e internacional. Já foi
dirigido por grandes nomes do balé mundial, como Yurek Shabelewski, Hugo
Delavalle e Carlos Trincheiras. Ao longo de sua existência, o BTG tem trabalhado
com importantes coreógrafos, dentre eles John Butler ("Catulli Carmina", de Carl
Orff, em 1981), Maurice Bèjart ("Opus V", de Webern, em 1981), Renato Magalhães
("Concerto em Sol", de Ravel, em 1986), Vasco Wellenkamp ("Exultate Jubilate", de
Mozart, em 1987), Rodrigo Pederneiras ("Dança da MeiaLua", de Edu Lobo e Chico
Buarque, em 1988), Luiz Arrieta ("Estância", de Alberto Ginastera, em 1991), Milko
Sparembleck ("Os Sete Pecados Capitais", de Kurt Weill, em 1992; e "Canções de
Wesendonck", de Wagner, em 1993), Márcia Haydée ("Coppelius, o Mago", de
Delibes, em 1996).
Para esta última temporada do século, o BTG passou por uma renovação, do elenco à
direção. Para dirigilo, foi contratada a jornalista e exbailarina Suzana Braga,
personalidade conhecida em Santa Catarina pelas participações como crítica de
dança do ANFestival, suplemento especial publicado por A Notícia durante a
realização do Festival de Dança de Joinville.
Desde que Suzana assumiu a direção artística do BTG, em setembro último, a
companhia selecionou 12 novos bailarinos. Entre eles, Saulo Fujita, bailarino paulista
também conhecido em Joinville, onde, além de premiações oficiais no FDJ, recebeu o
Troféu ANFestival, de A Notícia, em 1998. Outra personalidade com passagem pelo
festival que passou a integrar o staff do Guaíra é Beatriz de Almeida, exprimeira
bailarina do Stuttgart Ballet, da Alemanha, que ocupa o cargo de maitre de ballet.
Congraçamento com
a dança brasileira
Para coreografar os dois espetáculos de "De Corpo e Alma" foram contratados o
argentino Eduardo Ibañez e a paulista Roseli Rodrigues.
Em "O Segundo Sopro", Roseli trabalha com os sentidos de elementos como o
vento, a água e pedras semipreciosas, levando ao extremo algumas de suas marcas:
ousadia, intensidade e fluidez em formas acrobáticas, deslizantes e unidas. O grande
desafio que Roseli propõe aos bailarinos é dançarem no palco coberto por água,
elemento dificílimo, que exige grande técnica e sincronismo perfeito. O resultado é
um espetáculo a um só tempo lírico e audacioso. A peça tem música especial,
composta por Fábio Cardia.
"Tango", o segundo número da noite, é inspirado (e, ao mesmo tempo, tributo) a um
século do ritmo portenho. A coreografia de Eduardo Ibañez trabalha com os
componentes básicos desta dança sedutora, desde os temas musicais históricos
como "El Dia en que me Quieras" até composições modernas como "Tangueira", de
Astor Piazzolla. Dançado em seus passos tradicionais e nas pontas, "Tango" faz um
passeio pelas principais personalidades desta música, em seus cem anos.
A estréia de hoje à noite, comemorando os 25 anos do Guairão e os 30 anos do BTG,
será também um congraçamento com a dança brasileira, reunindo em Curitiba
representantes de todas as companhias oficiais do País e muitos nomes expressivos
da dança nacional.
Escola de balé encerra
o ano com noite beneficente
Joinville A Escola Municipal de Ballet da Casa da Cultura da Joinville faz, hoje à
noite, seu espetáculo de encerramento de ano no palco do Centreventos Cau
5. Hansen. Do clássico ao contemporâneo, bailarinas e coreógrafos apresentam à
comunidade os números que, durante todo o ano, foram premiados em Santa
Catarina e em outros Estados.
No início do ano, o grupo juvenil da Escola Municipal de Ballet da Casa da Cultura
obteve o primeiro lugar no Festival de Dança de Niterói, no Rio de Janeiro, com as
coreografias "Pássaro Azul" e "Vulnerasti", ambas de Marcos André Sage, um dos
professores da Casa da Cultura de Joinville.
"Dueto Para Sylvia", outra coreografia de Marcos Sage, voltou do festival carioca
com o prêmio pelo terceiro lugar, mesma colocação que "Ad Genua" (um fragmento
de "Todas as Mulheres da Minha Vida") obteve no Festival 5º Santa Maria em
Dança, no Rio Grande do Sul, realizado em setembro.
Em julho, fragmentos de "Weltlos" deram a Marcos André Sage e ao grupo juvenil
da escola o primeiro lugar no Festival de Dança de Joinville. "Referência",
coreografia de Sigrid Nora, também deu ao Grupo Cidade de Joinville da Casa da
Cultura o primeiro lugar na última edição do maior festival de dança do País.
Produção
O espetáculo de hoje à noite é beneficente e seu programa prevê a apresentação de
15 coreografias divididas em duas partes que mostram a produção dos professores
Marcos Sage, Alessandra Beatriz Hilário, Fabine Évelin Romão e Maria Antonieta
Spadari à frente de seus alunos de diversas idades.
A apresentação de encerramento de ano da Escola Municipal de Ballet da Casa da
Cultura da Joinville inicia às 20h30 e tem como ingresso apenas um quilo de alimento
nãoperecível.
Papai Noel perde espaço
na publicidade de Natal
Agências esquecem do espírito natalino e colocam atores no lugar
do "bom velhinho"
Rodrigo Teixeira
TV Press
Papai Noel está em baixa neste Natal. E isso fica claro nas publicidades natalinas. O
"bom velhinho" perdeu espaço para atores, apresentadores e até desconhecidos
contratados por agências. O ator Thiago Lacerda, por exemplo, aproveita o embalo
de seu personagem Matheo, de "Terra Nostra", e além dos inúmeros comerciais
regionais, aparece incessantemente no reclame da Caixa Econômica Federal. Já Gugu
Liberato, apresentador do "Domingo Legal", no SBT, encabeça a campanha natalina
da Arno. Na compra de qualquer produto da marca, o consumidor vai estar ajudando
famílias carentes do Nordeste, pois uma parcela do dinheiro vai ser revertida em
cestas básicas.
Um dos únicos comerciais em que aparece o representante brasileiro do Papai Noel é
do celular Nokia. Mesmo assim, o "bom velhinho" não diz uma palavra e só segura o
aparelho na mão, seguido da frase em off "neste Natal, o mundo todo só fala nele".
No anúncio da CocaCola, a participação do Papai Noel também é quase nula. Ele só
dá o ar da graça no último take, quando com uma garrafa do refrigerante na mão,
pede silêncio para o comboio da CocaCola passar por uma cidade.
As mensagens dos anúncios também estão mais ligadas à tentativa de reforçar o
produto e não passar uma mensagem que, além de atiçar o espectador a comprar, o
faça pensar sobre o que representa a festa natalina. A campanha da Arno é uma das
poucas com uma proposta social. A Bauducco também tenta passar alguma
mensagem, já que trabalha com o slogan "aproveite o Natal para aprender a dividir",
mas não vai além de mostrar crianças com panetones. Já os comerciais da Caixa
Econômica com Thiago Lacerda são muito mais para abocanhar o 13º dos brasileiros,
enquanto a Estrela se resume a dizer que "neste Natal, não importa o brinquedo, tem
que ser Estrela". Só usam a festa natalina como gancho, porque nem a imagem do
Papai Noel utilizam.
Até mesmo as emissoras estão demorando para exibir suas mensagens natalinas ou
de próspero Ano Novo. A Globo, que sempre produz chamadas de seu elenco no
início de dezembro, até a primeira quinzena deste mês se limitava a chamar os
programas dedicados ao Natal e a passagem do ano e insistir na frase persecutória
"todo mundo de olho na Globo". A Band, por exemplo, assim como SBT e Record, só
irá mostrar os funcionários dedicando "feliz Natal e um próspero ano novo" poucos
dias antes das datas festivas. Até mesmo as músicas natalinas tradicionais ou novas
canções publicitárias não estão sendo exploradas este ano. O jingle de Marcos Valle,
usado pela Globo desde a década de 70 ("hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é
de quem quiser, quem vier..."), parece que foi esquecido por completo.
A ausência de alguns comerciais de marcas famosas também ajuda para o "bom
velhinho" estar sentado no banco dos reservas das agências. Uma propaganda
como a do extinto Banco Nacional, por exemplo, é até hoje lembrada. Mas parece que
os profissionais de criação publicitária atuais não conseguem repetir a fórmula, já
que o comercial contava com uma melodia de fácil assimilação e uma letra simples