SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 4
SAÚDE & BEM-ESTAR


O brinde não é de graça
Por que alguns médicos estão evitando os propagandistas de laboratório

CRISTIANE SEGATTO

"Brindes encarecem os remédios"




TRANSPARÊNCIA
Lopes no consultório onde não entram
propagandistas. "Os médicos não deveriam
aceitar presentes de nenhum tipo", diz.
VERSÃO DA MATÉRIA AMPLIADA

Ninguém gosta de perder tempo na sala de espera do médico. Pior ainda se o horário da consulta
coincidir com a visita de um propagandista de laboratório. Quando o paciente já folheou todas as
revistas amarfanhadas e está quase sendo chamado, surge o fura-fila. Com uma mala de caixeiro-
viajante e um sorriso forçado, o moço avança em direção ao consultório e se tranca com o doutor. Passa
para trás algumas pessoas incomodadas, outras irritadas, a maioria resignada. Para muita gente, o
propagandista é o chato-inofensivo - apenas um sujeito que tenta vender seu peixe e ganhar a vida
honestamente. Ele é muito mais do que isso.
Nos últimos meses, vem ganhando força no mundo todo um movimento que defende a transparência
nas relações entre os médicos e a indústria farmacêutica. Para esse grupo, o propagandista é uma peça-
chave numa engrenagem muito mais complexa. Convencer os médicos a receitar determinadas marcas
é uma das únicas formas de aumentar as vendas e vencer a concorrência. Principalmente em países
como o Brasil, nos quais a legislação não permite que as empresas façam propaganda diretamente ao
consumidor de remédios vendidos com prescrição médica.

O responsável por esse convencimento, na maior parte dos casos, é o representante da indústria. Ele usa
métodos explícitos - amostras grátis, folhetos explicativos, brindes baratos como canetas e termômetros
- e outros nem sempre confessáveis - convites para viagens para o médico e a esposa, equipamentos
para o consultório etc. A bajulação aos médicos até poderia ser considerada uma prática aceitável,
inerente a uma atividade comercial como tantas outras, se a sociedade soubesse o quanto paga por isso
e de que forma ela pode fazer mal à saúde.

Transparência total é a proposta de dois senadores americanos: o republicano Charles Grassley e o
democrata Herb Kohl. Em setembro, eles apresentaram um projeto de lei que pretende obrigar as
companhias farmacêuticas e os fabricantes de equipamentos médicos a revelar quanto gastam com
propaganda para os médicos. Seja na forma de jantares, viagens para resorts, cursos, consultorias ou
qualquer outra. Não por acaso, o projeto recebeu o nome de Physician Payments Sunshine Act (algo
como projeto para lançar luzes sobre os pagamentos recebidos pelos médicos). “O objetivo é colocar
um raio de sol sobre uma situação que contribui para os exorbitantes custos da saúde”, diz outro
senador, Charles Schumer (democrata).

Toda vez que o médico recebe um presente da indústria, quem paga a conta é o paciente. Gastos com
esse tipo de promoção tornam os remédios pelo menos 20% mais caros, segundo estimativa da
professora Marcia Angell, da Harvard Medical School, e autora do livro A verdade sobre os
laboratórios farmacêuticos. “A população tem apoiado medidas de transparência porque está mais
atenta à quantidade de médicos pagos pela indústria”, diz. Apesar disso, ela não acredita que o apoio da
opinião pública garanta a aprovação da lei. “A influência do lobby farmacêutico em Washington é
enorme e os médicos também não vão apoiar esse projeto”, afirma.

Dois estados americanos - Minnesota, em 1993 e Vermont, em 2003 - criaram leis desse tipo. Nos
últimos meses, três outros (Maine, West Virginia e Califórnia) e o distrito de Columbia seguiram o
mesmo caminho. Outros estados discutem se devem adotar a medida. Até o momento, não parece que
leis tenham sido capazes de tornar mais ético o relacionamento entre a indústria e os médicos. Um
estudo publicado em abril no The New England Journal of Medicine revela que 94% dos 3,1 mil
médicos americanos entrevistados têm algum tipo de relação com a indústria farmacêutica. Do total,
83% aceitam comida e bebida no local de trabalho; 73% recebem amostras grátis de remédios; 35%
têm custos com educação ou reuniões médicas pagos pelos laboratórios.

O autor do estudo, Eric G. Campbell, do Massachusetts General Hospital, voltou a comentar o assunto
há duas semanas no mesmo periódico. “Embora muitos médicos neguem que receber presentes
influencie as prescrições, as pesquisas mostram que essa correlação existe”, escreveu Campbell. “Se
não existisse, por que as empresas gastariam US$ 19 bilhões por ano para estabelecer e manter relações
com os médicos?”

Nesse terreno, a indústria é muito competente. Monitora preferências, hábitos, desejos. Um
propagandista descobriu que Antonio Carlos Lopes, professor de clínica médica da Universidade
Federal de São Paulo, era corinthiano. E ofereceu ingressos para uma partida importante, com direito a
tribuna de honra e comes-e-bebes. “Fiquei sem graça e peguei os ingressos. Mas resolvi não usá-los
nem repassá-los a ninguém”, diz.Em outra ocasião, um propagandista chegou ao consultório dizendo:
“O sr. não está receitando o meu remédio”. As empresas sabem quais drogas são prescritas por
determinados médicos porque algumas farmácias dispõem de softwares que registram o CRM do
profissional e o nome do remédio na boca do caixa. A informação preciosa chega às empresas e os
propagandistas acertam a mira.

Lopes diz que deixou de receber propagandistas no consultório. Permite a entrada deles apenas na
faculdade porque acredita que eles cumprem um papel importante que é manter os professores
atualizados sobre novos tratamentos. Assim como Lopes, outros médicos estão dizendo “não” aos
promotores. Nos Estados Unidos, muitos pertencem à organização No Free Lunch (Não existe almoço
grátis), que pede aos médicos que não abram as portas aos propagandistas. Fundada em 1999, a
entidade tem apenas 800 membros (entre 800 mil médicos no país). É pouca gente mas há outras
iniciativas do gênero. No mês passado, a Universidade de Boston proibiu a distribuição de presentes e
comida pelos propagandistas.

Isso não significa que todo relacionamento entre a indústria e os médicos seja nocivo aos pacientes. Se
esse vínculo não existisse, praticamente nenhum dos remédios disponíveis atualmente estaria no
mercado. A pesquisa de novas drogas só é possível porque os médicos e a indústria trabalham juntos
para incluir pacientes em estudos clínicos. Desde que esses estudos sejam realizados de acordo com
normas éticas e o vínculo dos pesquisadores com a indústria seja revelado eles são muito bem-vindos.
Da mesma forma, não há nada demais no fato do médico receber a visita de um propagandista. O que
importa é como ela se desenrola e quais são os efeitos dela.

Gabriel Tannus, um executivo da indústria que começou a carreira como propagandista e hoje preside a
Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), diz que as empresas estão preocupadas
em estabelecer normas de conduta na promoção de medicamentos junto aos médicos. “A criatividade
do pessoal de marketing é infinita e isso acabou se voltando contra a própria indústria”, diz. “Pelo
código de conduta da Interfarma, não é permitido pagar viagens de primeira classe nem distribuir
presentes caros, como sacos de golfe, por exemplo”, diz.

Segundo Tannus, supor que um médico vá receitar um remédio no qual não confia só porque recebeu
um brinde de laboratório é subestimar a inteligência do profissional. O presente - ou a simpatia por
determinado propagandista -- pode não produzir esse efeito. Mas pode ser decisivo quando o médico
precisa escolher entre dois remédios semelhantes. Sob o impacto - consciente ou inconsciente -- da
propaganda, ele corre o risco de receitar o medicamento mais moderno mesmo sabendo que um
concorrente também daria conta do recado. Pode se arrepender mais tarde, quando se descobrir que a
droga mais moderna não era exatamente mais eficiente nem mais segura.
Fontes: Eric G. Campbell, do Massachussetts General Hospital e Marcia Angelli, da Harvard Medical
                                                                                          school

Mais conteúdo relacionado

Último

Despertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccss
Despertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccssDespertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccss
Despertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccssGuilhermeMelo381677
 
LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.
LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.
LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.JosineiPeres
 
A influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptx
A influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptxA influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptx
A influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptxVitorSchneider7
 
Catálogo de Produtos OceanTech 2024 - Atualizado
Catálogo de Produtos OceanTech 2024 - AtualizadoCatálogo de Produtos OceanTech 2024 - Atualizado
Catálogo de Produtos OceanTech 2024 - AtualizadoWagnerSouza717812
 
Soluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdf
Soluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdfSoluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdf
Soluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdfSabrinaPrado11
 
relatorio de estagio de terapia ocupacional.pdf
relatorio de estagio de terapia ocupacional.pdfrelatorio de estagio de terapia ocupacional.pdf
relatorio de estagio de terapia ocupacional.pdfHELLEN CRISTINA
 

Último (6)

Despertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccss
Despertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccssDespertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccss
Despertar SEBRAE [PROFESSOR] (1).pdfccss
 
LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.
LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.
LIDER COACH E SUA IMORTÂNCIA NSS ORGANIZAÇÕES.
 
A influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptx
A influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptxA influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptx
A influência da Liderança nos Resultados Extraordinários.pptx
 
Catálogo de Produtos OceanTech 2024 - Atualizado
Catálogo de Produtos OceanTech 2024 - AtualizadoCatálogo de Produtos OceanTech 2024 - Atualizado
Catálogo de Produtos OceanTech 2024 - Atualizado
 
Soluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdf
Soluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdfSoluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdf
Soluções MNE - Mês das Mães 2024_sv (1).pdf
 
relatorio de estagio de terapia ocupacional.pdf
relatorio de estagio de terapia ocupacional.pdfrelatorio de estagio de terapia ocupacional.pdf
relatorio de estagio de terapia ocupacional.pdf
 

Destaque

2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by Hubspot2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by HubspotMarius Sescu
 
Everything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPTEverything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPTExpeed Software
 
Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsProduct Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsPixeldarts
 
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthHow Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthThinkNow
 
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfAI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfmarketingartwork
 
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024Neil Kimberley
 
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)contently
 
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024Albert Qian
 
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsSocial Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsKurio // The Social Media Age(ncy)
 
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Search Engine Journal
 
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summarySpeakerHub
 
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd Clark Boyd
 
Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Tessa Mero
 
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentGoogle's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentLily Ray
 
Time Management & Productivity - Best Practices
Time Management & Productivity -  Best PracticesTime Management & Productivity -  Best Practices
Time Management & Productivity - Best PracticesVit Horky
 
The six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementThe six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementMindGenius
 
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...RachelPearson36
 

Destaque (20)

2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by Hubspot2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by Hubspot
 
Everything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPTEverything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPT
 
Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsProduct Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
 
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthHow Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
 
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfAI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
 
Skeleton Culture Code
Skeleton Culture CodeSkeleton Culture Code
Skeleton Culture Code
 
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
 
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
 
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
 
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsSocial Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
 
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
 
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
 
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
 
Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next
 
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentGoogle's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
 
How to have difficult conversations
How to have difficult conversations How to have difficult conversations
How to have difficult conversations
 
Introduction to Data Science
Introduction to Data ScienceIntroduction to Data Science
Introduction to Data Science
 
Time Management & Productivity - Best Practices
Time Management & Productivity -  Best PracticesTime Management & Productivity -  Best Practices
Time Management & Productivity - Best Practices
 
The six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementThe six step guide to practical project management
The six step guide to practical project management
 
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
 

Matéria Revista Época12.11.07

  • 1. SAÚDE & BEM-ESTAR O brinde não é de graça Por que alguns médicos estão evitando os propagandistas de laboratório CRISTIANE SEGATTO "Brindes encarecem os remédios" TRANSPARÊNCIA Lopes no consultório onde não entram propagandistas. "Os médicos não deveriam aceitar presentes de nenhum tipo", diz. VERSÃO DA MATÉRIA AMPLIADA Ninguém gosta de perder tempo na sala de espera do médico. Pior ainda se o horário da consulta coincidir com a visita de um propagandista de laboratório. Quando o paciente já folheou todas as revistas amarfanhadas e está quase sendo chamado, surge o fura-fila. Com uma mala de caixeiro- viajante e um sorriso forçado, o moço avança em direção ao consultório e se tranca com o doutor. Passa para trás algumas pessoas incomodadas, outras irritadas, a maioria resignada. Para muita gente, o propagandista é o chato-inofensivo - apenas um sujeito que tenta vender seu peixe e ganhar a vida honestamente. Ele é muito mais do que isso.
  • 2. Nos últimos meses, vem ganhando força no mundo todo um movimento que defende a transparência nas relações entre os médicos e a indústria farmacêutica. Para esse grupo, o propagandista é uma peça- chave numa engrenagem muito mais complexa. Convencer os médicos a receitar determinadas marcas é uma das únicas formas de aumentar as vendas e vencer a concorrência. Principalmente em países como o Brasil, nos quais a legislação não permite que as empresas façam propaganda diretamente ao consumidor de remédios vendidos com prescrição médica. O responsável por esse convencimento, na maior parte dos casos, é o representante da indústria. Ele usa métodos explícitos - amostras grátis, folhetos explicativos, brindes baratos como canetas e termômetros - e outros nem sempre confessáveis - convites para viagens para o médico e a esposa, equipamentos para o consultório etc. A bajulação aos médicos até poderia ser considerada uma prática aceitável, inerente a uma atividade comercial como tantas outras, se a sociedade soubesse o quanto paga por isso e de que forma ela pode fazer mal à saúde. Transparência total é a proposta de dois senadores americanos: o republicano Charles Grassley e o democrata Herb Kohl. Em setembro, eles apresentaram um projeto de lei que pretende obrigar as companhias farmacêuticas e os fabricantes de equipamentos médicos a revelar quanto gastam com propaganda para os médicos. Seja na forma de jantares, viagens para resorts, cursos, consultorias ou qualquer outra. Não por acaso, o projeto recebeu o nome de Physician Payments Sunshine Act (algo como projeto para lançar luzes sobre os pagamentos recebidos pelos médicos). “O objetivo é colocar um raio de sol sobre uma situação que contribui para os exorbitantes custos da saúde”, diz outro senador, Charles Schumer (democrata). Toda vez que o médico recebe um presente da indústria, quem paga a conta é o paciente. Gastos com esse tipo de promoção tornam os remédios pelo menos 20% mais caros, segundo estimativa da professora Marcia Angell, da Harvard Medical School, e autora do livro A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. “A população tem apoiado medidas de transparência porque está mais atenta à quantidade de médicos pagos pela indústria”, diz. Apesar disso, ela não acredita que o apoio da opinião pública garanta a aprovação da lei. “A influência do lobby farmacêutico em Washington é enorme e os médicos também não vão apoiar esse projeto”, afirma. Dois estados americanos - Minnesota, em 1993 e Vermont, em 2003 - criaram leis desse tipo. Nos últimos meses, três outros (Maine, West Virginia e Califórnia) e o distrito de Columbia seguiram o mesmo caminho. Outros estados discutem se devem adotar a medida. Até o momento, não parece que leis tenham sido capazes de tornar mais ético o relacionamento entre a indústria e os médicos. Um estudo publicado em abril no The New England Journal of Medicine revela que 94% dos 3,1 mil médicos americanos entrevistados têm algum tipo de relação com a indústria farmacêutica. Do total, 83% aceitam comida e bebida no local de trabalho; 73% recebem amostras grátis de remédios; 35% têm custos com educação ou reuniões médicas pagos pelos laboratórios. O autor do estudo, Eric G. Campbell, do Massachusetts General Hospital, voltou a comentar o assunto há duas semanas no mesmo periódico. “Embora muitos médicos neguem que receber presentes influencie as prescrições, as pesquisas mostram que essa correlação existe”, escreveu Campbell. “Se não existisse, por que as empresas gastariam US$ 19 bilhões por ano para estabelecer e manter relações com os médicos?” Nesse terreno, a indústria é muito competente. Monitora preferências, hábitos, desejos. Um propagandista descobriu que Antonio Carlos Lopes, professor de clínica médica da Universidade Federal de São Paulo, era corinthiano. E ofereceu ingressos para uma partida importante, com direito a
  • 3. tribuna de honra e comes-e-bebes. “Fiquei sem graça e peguei os ingressos. Mas resolvi não usá-los nem repassá-los a ninguém”, diz.Em outra ocasião, um propagandista chegou ao consultório dizendo: “O sr. não está receitando o meu remédio”. As empresas sabem quais drogas são prescritas por determinados médicos porque algumas farmácias dispõem de softwares que registram o CRM do profissional e o nome do remédio na boca do caixa. A informação preciosa chega às empresas e os propagandistas acertam a mira. Lopes diz que deixou de receber propagandistas no consultório. Permite a entrada deles apenas na faculdade porque acredita que eles cumprem um papel importante que é manter os professores atualizados sobre novos tratamentos. Assim como Lopes, outros médicos estão dizendo “não” aos promotores. Nos Estados Unidos, muitos pertencem à organização No Free Lunch (Não existe almoço grátis), que pede aos médicos que não abram as portas aos propagandistas. Fundada em 1999, a entidade tem apenas 800 membros (entre 800 mil médicos no país). É pouca gente mas há outras iniciativas do gênero. No mês passado, a Universidade de Boston proibiu a distribuição de presentes e comida pelos propagandistas. Isso não significa que todo relacionamento entre a indústria e os médicos seja nocivo aos pacientes. Se esse vínculo não existisse, praticamente nenhum dos remédios disponíveis atualmente estaria no mercado. A pesquisa de novas drogas só é possível porque os médicos e a indústria trabalham juntos para incluir pacientes em estudos clínicos. Desde que esses estudos sejam realizados de acordo com normas éticas e o vínculo dos pesquisadores com a indústria seja revelado eles são muito bem-vindos. Da mesma forma, não há nada demais no fato do médico receber a visita de um propagandista. O que importa é como ela se desenrola e quais são os efeitos dela. Gabriel Tannus, um executivo da indústria que começou a carreira como propagandista e hoje preside a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), diz que as empresas estão preocupadas em estabelecer normas de conduta na promoção de medicamentos junto aos médicos. “A criatividade do pessoal de marketing é infinita e isso acabou se voltando contra a própria indústria”, diz. “Pelo código de conduta da Interfarma, não é permitido pagar viagens de primeira classe nem distribuir presentes caros, como sacos de golfe, por exemplo”, diz. Segundo Tannus, supor que um médico vá receitar um remédio no qual não confia só porque recebeu um brinde de laboratório é subestimar a inteligência do profissional. O presente - ou a simpatia por determinado propagandista -- pode não produzir esse efeito. Mas pode ser decisivo quando o médico precisa escolher entre dois remédios semelhantes. Sob o impacto - consciente ou inconsciente -- da propaganda, ele corre o risco de receitar o medicamento mais moderno mesmo sabendo que um concorrente também daria conta do recado. Pode se arrepender mais tarde, quando se descobrir que a droga mais moderna não era exatamente mais eficiente nem mais segura.
  • 4. Fontes: Eric G. Campbell, do Massachussetts General Hospital e Marcia Angelli, da Harvard Medical school