2. Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que ele não tem.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
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3. Regra básica:
Narrador NÃO É o autor
(assim como sujeito poético)
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4. Tipos de narrador
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5. 1) Quem conta a história?
2) O quanto o narrador sabe?
Onde ele consegue estar?
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6. 1) Quem conta a história?
DEFINIDO (aparece em 1ª pessoa)
INDEFINIDO (aparece em 3ª pessoa)
Se definido, é protagonista
ou assistente da história?
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7. “De que jeito eu podia amar um homem, meu de natureza
igual, macho em suas roupas e suas armas, espalhado rústico
em suas ações?! Me franzi. Ele tinha a culpa? Eu tinha a
culpa? Eu era o chefe. O sertão não tem janelas nem portas.
E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o
sertão maldito vos governa... Aquilo eu repeli?”
Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa
Narrador definido e protagonista
(1ª pessoa protagonista)
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8. “Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha
contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!)
que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se
acaso distraído eu perguntasse “para onde estamos indo?” –
não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse
paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não
importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões
cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente
de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso
rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: “estamos indo
sempre para casa”.
Lavoura Arcaica, Raduan Nassar
Narrador definido e protagonista
(1ª pessoa protagonista)
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9. “Escrever se tornou meu refúgio – minha mutilação saudável.
Meu melhor amigo – o único capaz de entender meu
sofrimento sem recriminação. O único capaz de silêncio
absoluto aos meus desabafos febris – um tolerante ao meu
narcisismo.”
Fugalaça, Mayra Dias Gomes
Obs: eu protagonista é o caso mais
confundido com sujeito poético
Narrador definido e protagonista
(1ª pessoa protagonista)
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10. “Eu estava nessa arrancada. Chegamos como um pé-de-
vento e, conforme boleamos a perna, vimos mesmo que os
negros contavam. E da Maria Altina, nada; da mãe Tanásia,
nada. Apenas no chão da varanda novelos desparramados, a
mesa arredada, o timãozinho novo com um rasgão grande...”
No Manantial, Simões Lopes Neto
Narrador definido
(1ª pessoa coadjuvante, narra em 3ª)
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11. “Sherlock pareceu encantado com a idéia de dividir os
aposentos comigo.
– Estou de olho num apartamento em Baker Street – disse –
que seria ótimo para nós. Espero que não se incomode com o
cheiro de tabaco forte.
– Eu mesmo sempre fumo tabaco de marinheiro – respondi.”
Um Estudo em Vermelho, Sir Arthur Conan Doyle
Obs: quando narrador se manifesta na história,
marca como se fosse diálogo de personagem
Narrador definido
(1ª pessoa coadjuvante, narra em 3ª)
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12. “Mas, curioso que era, agachei-me
atrás da porta da sala, que deixei
entreaberta, de modo a poder seguir
o diálogo.”
O Nome da Rosa, Umberto Eco
Narrador definido
(1ª pessoa coadjuvante, narra em 3ª)
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13. “O estudante Bruno Quadros Rypl, 15 anos, estava a poucos
metros de casa, no bairro Partenon, em Porto Alegre,
quando foi atingido por um tiro na cabeça, no início da
manhã de ontem. Mesmo tendo sido socorrido, ele não
resistiu ao ferimento. Um outro adolescente, de 16 anos, foi
detido e admitiu ser o autor do disparo, mas explicou que a
arma, um revólver calibre 32, teria disparado
acidentalmente. Bruno e um primo voltavam de uma festa
no momento em que o garoto foi baleado. Inicialmente, a
versão apresentada à polícia para o crime foi de que um
motoqueiro teria atirado.”
Zero Hora, 01 de outubro de 2007
Narrador “indefinido”
(3ª pessoa)
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14. “Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara
naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo
raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro,
depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os
filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam
ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados
esmorecera.”
“Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e
com sentimentos revolucionários. (...) Como achasse tudo
em ordem [Sinhá Vitória], queixara-se da vida. E agora
vingava-se em Baleia, dando-lhe um pontapé.”
Vidas Secas, Graciliano Ramos
Narrador “indefinido”
(3ª pessoa)
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15. “Antes de começar o ataque ao casarão, Rodrigo foi à casa
do vigário.
– Padre! – gritou, sem apear. Esperou um instante. Depois:
– Padre!
A porta da meiágua abriu-se e o vigário apareceu.
– Capitão! – exclamou ele, aproximando-se do amigo e
erguendo a mão, que Rodrigo apertou com força.
– Foi só pra saber se vosmecê estava aqui ou lá dentro do
casarão. Eu não queria lastimar o amigo...”
O Continente, Erico Verissimo
Obs: estilo preferido do realismo
Narrador “indefinido”
(3ª pessoa)
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16. OFICINA LITERÁRIA ONLINE
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Então, quem conta a história:
1ª pessoa protagonista
1ª pessoa coadjuvante
3ª pessoa
OBS: (Tu) é um caso em que foco está no narratário,
mas há um narrador definido ou não
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17. 2) O quanto o narrador sabe? Onde ele
consegue estar?
ONISCIENTE
ONISCIENTE SELETIVO
CÂMERA
O onisciente é mais comum
em terceira pessoa
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18. “Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara
naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo
raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro,
depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os
filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam
ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados
esmorecera.”
“Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e
com sentimentos revolucionários. (...) Como achasse tudo
em ordem [Sinhá Vitória], queixara-se da vida. E agora
vingava-se em Baleia, dando-lhe um pontapé.”
Vidas Secas, Graciliano Ramos
ONISCIENTE
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19. “Bateu a porta. No corredor do edifício, era partida. Saiu à
rua de olhos muito abertos. Pensou que uma pessoa deveria
fazer apenas aquilo que entendesse. E seguiu pela avenida
vazia de fascinação.”
Um oco e um vazio, Cíntia Moscovich
ONISCIENTE
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20. “Não é possível que Blimunda tenha pensado essa sutileza, e
daí, quem sabe, nós não estamos dentro das pessoas,
sabemos lá o que elas pensam, andamos é a espalhar os
nossos próprios pensamentos pelas cabeças alheias e depois
dizemos, Blimunda pensa, Baltasar pensou, e talvez
tivéssemos imaginado as nossas próprias sensações, por
exemplo, esta de Blimunda nas suas ancas, como se lhes
tivessem tocado o seu homem.”
Memorial do Convento, José Saramago
ONISCIENTE
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21. “Muitas vezes fingi acreditar em fantasmas e fingi acreditar
festivamente, e agora que sou um deles entendo por que as
tradições os representam desconsoladas e insistindo em
voltar para os lugares que conheceram quando foram
mortais. (...) Mas já disse que isso é só o segundo pior, há
algo mais lacerante, que é que agora não somente lembro o
que vi, ouvi e soube quando fui mortal, mas lembro por
completo, isto é, inclusive o que então eu não via, nem
sabia, nem ouvia, nem estava ao meu alcance, mas afetava
a mim ou àqueles com quem me importava e que talvez me
configuravam.”
Quando fui mortal, Javier Marías
ONISCIENTE
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22. “Vou ter que recorrer às minhas folhas, assim elas poderão ir
junto com as crianças em todos os lugares e poderemos ouvir
o que elas falam. (...) Elas pensam que é o vento, não
imaginam que sou eu. É preciso balançar bastante meus
galhos para que caiam muitas folhas. Uma, pelo menos,
pode alcançar e se prender em uma das crianças. Ei,
folhinhas, alguém conseguiu?
Alô, aqui é o Folhada, estou bem acomodado no bolso da
camisa do Matias. Câmbio! (...)”
Pimenta do reino em pó, Cláudio Levitan
ONISCIENTE
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23. “Ela [Amélia] não respondia, respirando muito forte. Amaro pousou-lhe a mão sobre o
ombro, sobre o peito, apertando-lho, acariciando a seda. Toda ela estremeceu. E foi-o enfim
seguindo pela escada, como tonta, com as orelhas a arder, tropeçando a cada degrau na
roda do vestido.
– Entra para aí, é o quarto, disse-lhe ao ouvido.
Correu à cozinha. Dionísia acendia a vela.
– Minha Dionísia, tu percebes... Eu fiquei de confessar aqui a menina Amélia. É um caso
muito sério... Volta daqui a meia hora. Toma! meteu-lhes três placas na mão.
A Dionísia descalçou os sapatos, desceu em pontas de pés e fechou-se na loja do carvão.
Ele voltou ao quarto com a luz. Amélia lá estava, imóvel, toda pálida. O pároco fechou a
porta – e foi para ela, calado, com os dentes cerrados, soprando como um touro.
***
Meia hora depois Dionísia tossiu na escada.
(narrador interrompe narração em cenas de “confissão”, esquivando-se de narrar cenas de
amor)
O crime do Padre Amaro, Eça de Queirós
ONISCIENTE
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24. CONSTRANGIDA
O atendente da farmácia viu que eu entrei meio sem graça.
Sorriu, malicioso. Eram dez da noite, e eu não tinha cara de
doente. Ele até olhou para a porta, como procurando mais
alguém. Quando cheguei perto da gôndola das camisinhas, o
bobalhão desviou o olhar de mim, disfarçando muito mal.
Fingiu que arrumava uns folders em cima do balcão, mas
sempre com o sorrisinho idiota, que só parou, só se fechou
quando pus na frente o pacote de fraldas.
In Adeus Contos de Fadas, Leonardo Brasiliense
ONISCIENTE SELETIVO
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25. “Ela me enlaçou, beijou meu rosto e abaixou a cabeça.
Murmurou que gostava tanto de Yaqub... Desde o tempo em
que brincavam, passeavam. Omar ficava enciumado quando
via os dois juntos, no quarto, logo que o irmão voltou do
Líbano. “Com o Omar, eu não queria... Uma noite ele entrou
no meu quarto, fazendo aquela algazarra, bêbado,
abrutalhado... Ele me agarrou com força de homem. Nunca
me pediu perdão”.
Ela soluçava, não podia falar mais nada.”
Dois Irmãos, Milton Hatoum
ONISCIENTE SELETIVO
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26. “O velho começou a mexer nela. Alisou o pezinho, o
tornozelinho, os tendõezinhos, a batatinha da perna, cada
joelhinho, as coxinhas, os ossinhos da bacia... Então ele
ergueu a sainha. Talvez a menina quisesse dizer:
– Não.
Mas o fato é que o velho não queria que ela falasse no meio
da sua felicidade. Colocou a mão na boquinha dela. Ficou
com ela ali, sentindo o calor do bafinho que saía cada vez
mais depressa.”
Subúrbio, Fernando Bonasi
ONISCIENTE SELETIVO
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27. “Vê-se pelas feições do rosto, e pelos bilhetes de identidade
se confirmaria, que os soldados são realmente filhos do
povo, mas o major deles, ou também o é e repudiou nos
assentos da escola militar a humilde ascendência, ou
pertence desde o nascimento às classes superiores, para
quem os hotéis do Algarve foram feitos, pela resposta dada
não se pôde saber, Cheguem-se lá para trás. (...) Mas o
comandante paisano clamou irado (...)”
A jangada de pedra, José Saramago
CÂMERA
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28. “Ela gesticula muito. Ele observa, quieto, olhar fixo nos
olhos dela. Não parece ouvir. Mas ela não desiste, fala, fala,
fala, gesticula, chega a chorar. Ele, impassível. Uma pessoa
passa com pressa por eles, a noite é alta, as ruas, escuras, o
perigo, grande. O homem finalmente desvia o olhar da
mulher para conferir se o transeunte não vira o rosto. Não
vira. O homem espera que ela se cale, saca a arma e dá dois
tiros à queima roupa. O barulho assusta/chama a atenção do
transeunte que volta-se para a cena do crime, mas o homem
e seu revólver já vão longe.”
(exercício que faremos a seguir)
CÂMERA
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29. “O estudante Bruno Quadros Rypl, 15 anos, estava a poucos
metros de casa, no bairro Partenon, em Porto Alegre,
quando foi atingido por um tiro na cabeça, no início da
manhã de ontem. Mesmo tendo sido socorrido, ele não
resistiu ao ferimento. Um outro adolescente, de 16 anos, foi
detido e admitiu ser o autor do disparo, mas explicou que a
arma, um revólver calibre 32, teria disparado
acidentalmente. Bruno e um primo voltavam de uma festa
no momento em que o garoto foi baleado. Inicialmente, a
versão apresentada à polícia para o crime foi de que um
motoqueiro teria atirado.”
Zero Hora, 01 de outubro de 2007
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30. Então, o narrador:
• Pode ser em 1ª ou 3ª pessoa;
• Protagonista, coadjuvante ou apenas narrador;
E
• Saber tudo e estar em todos os lugares;
• Saber tudo e estar em todos os lugares que esteja
determinada personagem;
• Como uma câmera, saber só o que vê.
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