1. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
APELAÇÃO CÍVEL Nº 465638-0, DE
MARINGÁ
APELANTES: MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO PARANÁ, ALAOR GREGÓRIO
DE OLIVEIRA, JOÃO ALVES CORREA,
ADILSON DE OLIVEIRA CORSI, BENEDITO
BARBOSA, LUIZ CARLOS BARBOSA,
MARCOS DONIZETE DE SOUZA,
DAGOBERTO FAUSTINO DA SILVA,
DONIZETE ALVES CORREA, INFORMAR
ASSITENCIA TÉCNICA LTDA E JOSÉ
WANDERLEY DOMINGUES
APELADOS: OS MESMOS
RELATORA CONVOCADA: JUÍZA DENISE
KRUGER PEREIRA
REVISOR: DESEMBARGADOR ABRAHAM
LINCOLN CALIXTO
INTERVENÇÃO PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO: 5ª PROCURADORIA DE
JUSTIÇA CÍVEL
PRONUNCIAMENTO N.º 8593
COLENDA 4ª CÂMARA CÍVEL
1. Trata-se de recursos de apelação contra a r. sentença de f.
1303-1348, que julgou procedente a Ação Civil Pública movida pelo
Ministério Público do Estado do Paraná em face de Alaor Gregório de
Oliveira, João Alves Correa, Adilson de Oliveira Corsi, Benedito
Barbosa, Luiz Carlos Barbosa, Marcos Donizete de Souza, Dagoberto
Faustino da Silva, Donizete Alves Correa, Informar Assistência Técnica
Ltda. e José Wanderley Domingues, aos quais se atribuiu a prática de
ato de improbidade administrativa capitulado no artigo 10, incisos I,
VI, VIII, IX, XI e XII, e, subsidiariamente, no artigo 11, inciso I ,
ambos da Lei 8.429/1992, pleiteando-se respectiva e sucessivamente
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a aplicação da sanções dispostas nos incisos II e III do artigo 12 da
mencionada Lei.
2. O Ministério Público do Estado do Paraná apresentou
razões recursais pleiteando a aplicação cumulativa das sanções
previstas na Lei n.º 8.429/1992, ou a elevação e aplicação de outras
medidas em nome do princípio da proporcionalidade.
3. Os réus Informar Assistência Técnica Ltda. e José
Wanderley Domingues apresentaram razões recursais sustentando que
o julgamento antecipado da lide gerou cerceamento de defesa dos
recorrentes; não há necessidade de se publicar o inteiro teor dos
editais, tal como sustentado na r. sentença; não há qualquer
irregularidade na emissão das notas fiscais sem que toda a mercadoria
tenha sido entregue; não houve irregularidades na habilitação da
empresa apelada, pois todas as exigências do edital foram cumpridas;
não há que se falar em superfaturamento, pois o computador vendido
para a empresa Tri-Círculos possuía configuração diversa daquela
requerida pela Câmara Municipal de Maringá, além do que era exigido
pelo Poder Legislativo Municipal garantia estendida dos computadores,
considerando ainda os valores referentes à despesas, comissões e
tributos, os quais não podem ser computados como lucro obtido pela
empresa; a livre iniciativa e a livre concorrência são protegidas
constitucionalmente; a manutenção da sentença acarretará
desequilíbrio econômico, prejudicando a empresa apelante; é
irrelevante que não conste do contrato celebrado a previsão de
garantia estendida pois tal exigência estava devidamente expressa no
procedimento de licitação; a imposição das sanções da Lei n.º
8.429/1992 não observou o princípio da proporcionalidade; a CPI
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realizada pela Câmara Municipal de Maringá chegou a conclusão de
que não houve superfaturamento.
4. O réu Alaor Gregório de Oliveira apresentou razões
recursais aduzindo que sua conduta não induziu ou contribuiu para a
prática de qualquer ato de improbidade; a exigência de contrato
escrito não é absoluta; o fato de a empresa vencedora ter aderido aos
termos do edital afasta a imputação de dolo ou negligência do
apelante em não ter suscitado as irregularidades apontadas pelo
Ministério Público; a ausência de cadastramento da empresa não pode
ser imputada como ilegal, pois a Câmara Municipal de Maringá
somente regulamentou seu cadastro de fornecedores posteriormente
aos fatos narrados; o fato da Câmara Municipal de Maringá não
realizar processos licitatórios de forma constante fez com que aquela
não mantivesse cadastro de fornecedores; o tipo de licitação “técnica
e preço” não era obrigatório na hipótese; não agiu com intenção de
viciar o processo licitatório.
5. O réu João Alves Correa apresentou razões recursais
suscitando preliminarmente sua ilegitimidade passiva, já que os
agentes políticos não se sujeitam às sanções da Lei n.º 8.429/1992; a
Câmara Municipal de Maringá deveria ter integrado a lide, já que se
trata de litisconsórcio necessário; não existem provas de que tenha
ordenado ou influído de qualquer forma no resultado da licitação.
6. Os réus Adilson de Oliveira Corsi e Benedito Barbosa
apresentaram razões recursais suscitando: nulidade da sentença em
razão do julgamento antecipado da lide; os computadores foram
efetivamente entregues, o que afasta a alegação de falsidade do
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termo de recebimento assinado pelos apelantes; suas condutas não
geraram enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário; a sentença deve
ser reformada quanto às sanções e aos honorários de sucumbência.
7. Os réus Luiz Carlos Barbosa, Marcos Donizete de Souza da
Silva e Donizete Alves Correa apresentaram razões de apelação
sustentando o seguinte: não participaram de qualquer ato ilícito; não
havia qualquer obscuridade em relação ao edital; a publicação do
edital foi regular, pois realizada em jornal de grande circulação; não
existiu superfaturamento, pois os valores apresentados pela Comissão
de Licitação foram baseados em revistas especializadas; não era
exigível o cadastramento de empresas, pois não se realizavam
procedimentos licitatórios de forma freqüente; não há irregularidades
no termo de desistência de interposição de recurso; a sentença deve
ser reformada quanto às sanções e aos honorários de sucumbência.
8. Intimado, o Ministério Público do Estado do Paraná
respondeu aos termos dos recursos, pugnando pelo conhecimento e
desprovimento dos inconformismos. Por outro lado, apesar de
devidamente intimados, os réus não apresentaram contra-razões ao
recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná.1
9. Recebido o apelo no douto Juízo de origem, os autos foram
encaminhados a esse egrégio Tribunal de Justiça, sendo distribuídos à
colenda 4ª Câmara Cível, cuja eminente Relatora abriu vista à
Procuradoria-Geral de Justiça para manifestação.
É o relatório.
1
F. 1582 e 1583-1625.
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10. Preliminarmente, nota-se que os recursos interpostos
apresentam todos os requisitos de admissibilidade: cabimento,
legitimidade, interesse em recorrer, tempestividade,
regularidade formal, inexistência de fato extintivo ou
impeditivo do poder de recorrer e preparo, devendo, por isso,
serem conhecidos.
11. Em detida análise, o caso vertente trata de hipótese que
contempla apenas questão de direito, tendo em vista que os fatos
narrados na petição inicial foram devidamente comprovados
documentalmente, não havendo que se falar em cerceamento de
defesa.
Assim, provadas as questões fáticas, resta apenas o
exercício da aplicação do direito. Se a conduta subsume-se ou não à
Lei n.º 8.429/1992 é juízo de valor à luz das regras normativas. Não
constitui cerceamento de defesa o julgamento antecipado do mérito
quando a questão dispensar a dilação probatória, já que, sendo o juiz
o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir a necessidade ou
não da sua realização.
Neste sentido é o entendimento desse egrégio Tribunal:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES.
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. MATÉRIA NÃO
CONHECIDA. COISA JULGADA. APLICABILIDADE DA AÇÃO CIVIL
PÚBLICA AOS AGENTES POLÍTICOS. INOCORRÊNCIA DE
CARÊNCIA DE AÇÃO, DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL E DE
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VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
FRACIONAMENTO DE LICITAÇÃO. OBJETOS SIMILARES.
IMPOSSIBILIDADE. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
CARACTERIZADO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE,
MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. SUSPENSÃO DOS DIREITOS
POLÍTICOS A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO. RECURSO
CONHECIDO PARCIALMENTE E, NA PARTE CONHECIDA,
DESPROVIDO. [...] O julgamento antecipado da lide não implicou em
violação ao princípio do devido processo legal, pois o Juiz é o
destinatário das provas, cabendo a ele decidir sobre a necessidade ou não
da realização de instrução probatória [...].”.2
Colha-se também o entendimento do STJ sobre o tema:
“PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - RESPONSABILIDADE
CIVIL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - FALTA DE COTEJO
ANALÍTICO - AUDIÊNCIA PRELIMINAR - NÃO REALIZAÇÃO -
AUSÊNCIA DE NULIDADE - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE
- CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA.
1 - Quanto à divergência jurisprudencial, a recorrente limitou-se no
recurso especial a transcrever ementas, deixando de proceder ao cotejo
analítico com a finalidade de demonstrar as circunstâncias que
assemelham os casos confrontados.
2 - Não importa nulidade do processo a não realização da audiência de
conciliação, uma vez que a norma contida no artigo 331 do CPC visa a
dar maior agilidade ao processo e as partes podem transigir a qualquer
momento. Precedentes.
3 - No que se refere à apontada ofensa aos artigos 234 e 330, I, do CPC,
relativa ao julgamento antecipado da lide, o magistrado tem o poder-
2
TJPR - 5ª C.Cível - AC 0385551-2 - Matinhos - Rel.: Des. Luiz Mateus de Lima - Unanime - J.
10.07.2007.
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dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização
audiência para produção de provas, ao constatar que o acervo
documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento. É do
seu livre convencimento o deferimento de pedido para a produção de
quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide.
4 - Agravo regimental desprovido”.3
Ademais, a decisão, nos moldes em que foi prolatada,
decorre do poder legal conferido ao magistrado de determinar as
provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências
inúteis ou meramente protelatórias (art. 130, CPC).
Sob outro enfoque, o juiz também pode indeferir a
inquirição de testemunha sobre fatos já provados por documento (art.
400, inciso I, CPC), o que também corrobora a convicção do Juízo a
quo, no sentido da desnecessidade da produção de prova testemunhal.
Portanto, a verificação da necessidade ou não da produção
de qualquer prova está a cargo do julgador. Cabe a ele dizer, pelo
livre convencimento diante dos elementos existentes nos autos, se é
caso de instrução ou de julgamento antecipado, razão pela qual a
argüição dos apelantes não deve prosperar.
12. O apelante João Alves Correa suscita a existência de
litisconsórcio passivo necessário que não foi observado, pois a Câmara
Municipal de Maringá deveria ter integrado a lide, tal como requerido.
Sem razão o recorrente. A Ação Civil Pública foi proposta justamente
para defender o patrimônio público e a moralidade administrativa em
3
AgRg no Ag 693.982/SC, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 17.10.2006,
DJ 20.11.2006 p. 316. (destacamos).
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vista de atos de improbidade praticados contra a Câmara Municipal de
Maringá.
Da simples leitura da Lei n.º 8.429/1992 (artigo 17, § 3º),
infere-se que a pessoa de direito público lesada pode abster-se de
contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, o que revela, ao
contrário do que sustenta o apelante, a hipótese de litisconsórcio
facultativo, razão porque a manifestação do recorrente não deve ser
levada a efeito.
A Câmara de Vereadores de Maringá até poderia ser a
autora da ação de improbidade administrativa, o que deslocaria o
Ministério Público para a condição de fiscal da lei, jamais, no entanto,
a Casa de Leis, no papel de ré na demanda, conforme requerido por
João Alves.
Portanto, deve ser afastada a preliminar.
13. O apelante João Alves Correa ainda argumenta que, na
condição de agente político, não responde por improbidade
administrativa, aplicando-se ao caso o teor da Reclamação 2138/DF
para afastar a aplicação da Lei n.º 8.429/1992 a agentes políticos.
Contudo, tal pretensão não deve ser acolhida.
Causa espanto que, passados 15 anos da vigência da Lei
n.º 8429/1992, teses apareçam para retirar de seu alcance os
agentes políticos. De norte a sul, pela clareza do texto legal, sua
aplicação vinha sendo efetivada sem turbulência, de modo que
centenas de agentes políticos foram processados e condenados por
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improbidade administrativa, com repercussão altamente positiva no
sentido de extirpar velhos hábitos de malversação do dinheiro público.
Seu efeito pedagógico certamente propiciou incalculável economia ao
erário.
Repare-se que a CF/88 ao estabelecer a diretriz
moralizadora no seu art. 37, § 4º, determina:
“Art. 37. [...].
§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão de
direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens
e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem
prejuízo da ação penal cabível.”
O comando normativo, por sua clareza, destina-se a
abarcar todos os agentes públicos. Não há no texto magno nenhuma
restrição isentando os denominados agentes políticos. É elementar a
regra de hermenêutica: onde o legislador não restringe, não cabe ao
intérprete fazê-lo.
E, a teor do disposto no artigo 2º da Lei n.º 8429/1992:
“Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele
que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
entidades mencionadas no artigo anterior”.
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Apelação Cível nº 465638-0
Além do mais, para reforçar a sua função redentora e
moralizadora, a norma constitucional em referência faz a clara
ressalva de que, independentemente de responder pelas sanções por
ato de improbidade, os agentes públicos responderão também, se for
o caso, pela ação penal respectiva.
Resta claro e induvidoso que as sanções previstas na Lei
8.429/1992 não são de natureza penal. Podem coexistir as sanções de
natureza penal4 e política5 do Decreto-lei 201/1967 e as de natureza
eminentemente civil da Lei 8429/1992, previstas em seu artigo 12:
perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, ressarcimento integral do dano, pagamento de
multa civil, proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios fiscais ou creditícios, suspensão dos direitos
políticos e perda da função pública. Afora esta última sanção, não
há coincidência entre as demais previstas na Lei 8.429/1992 e aquelas
do Decreto-lei sob comento.
O Decreto-lei 201/1967 prevê somente, como sanção
política, a cassação do mandato, não fazendo qualquer alusão à
suspensão dos direitos políticos de Prefeito e Vereadores.
Acresce enfatizar também que o próprio art. 15, incisos III
e V, da Constituição Federal, tratou de forma distinta a condenação
penal e a improbidade administrativa. Essa é, aliás, uma questão
pacificada nos Tribunais. Tratar-se-ia de questão até superada,
4
Penas de reclusão ou detenção, conforme o artigo 1º, § 1º, do Decreto-lei 201/1967.
5
Pena de cassação de mandato, conforme o artigo 4º, caput, do Decreto-lei 201/1967, para Prefeito.
Igual sanção de cassação de mandato aplica-se aos Vereadores, consoante determina o artigo 7º, caput,
do mesmo Decreto-lei..
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desmerecendo maiores digressões. A conclusão é clara e decorre do
próprio texto constitucional.
Seria a consagração de absurdo jurídico acolher-se a tese
formulada neste recurso, no rumo apontado na mencionada
Reclamação 2138/DF, tão-somente para excluir os denominados
agentes políticos, sob a singular consideração do forte conteúdo penal
das sanções cominadas – que a Lei 8.429 não possui – e de que
agentes políticos devem ser submetidos a regime especial, ou seja,
devem responder somente por crimes de responsabilidade (Lei n.º
1079/1950 ou Decreto-Lei n.º 201/1967). Ledo engano. A rigor, os
regimes de responsabilidade da Lei 8.429 e do Decreto-lei 201 se
complementam.
A prevalecer essa tese, reflita-se: somente os servidores
públicos comuns é que poderiam ser processados por improbidade
administrativa? Essa seria a destinação nuclear da norma do art. 37, §
4º, da Constituição Federal?
Imagine-se que determinado Prefeito ou Presidente de
Câmara Municipal, detentor do poder de mando e ordenador das
despesas do Município, determinasse ao servidor de carreira a
efetivação de ato ilícito para desvio de dinheiro público, com ele
agindo em conluio.
O Prefeito ou o Presidente da Câmara responderia tão-
somente na esfera política e criminal (crime de responsabilidade, com
cassação do mandato, e crime comum) e o servidor, a parte
hierarquicamente inferior, este sim responderia na esfera criminal, na
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seara disciplinar (processo administrativo disciplinar, para a perda do
cargo) e também por ato de improbidade, recebendo as sanções da
Lei 8.429/1992. Esse é o sistema formatado pelo nosso ordenamento
jurídico? Evidentemente que não.
De outro ângulo, pondere-se: ao invés de se aplicar a Lei
n.º 8.429/1992, lei flagrantemente moralizadora e consentânea com o
prospectivo contrato social de que se reveste a Constituição Federal,
prefere-se fossilizar a questão, propugnando-se pela aplicação da
vetusta legislação que emergiu nos anos 50 (Lei 1079/1950) ou 60
(Decreto-Lei 201/1967). A tipificação consignada na Lei n.º 1079/1950
e no Decreto-Lei n.º 201/1967 não tem a mesma abrangência e
natureza jurídica do contido nas disposições objeto dos artigos 9º, 10
e 11 da Lei n.º 8.429/1992.
Do simples exame, detecta-se uma diferença gritante
entre aquela legislação (Decreto-lei 201/1967) e a Lei n.º 8429/1992,
no que tange aos comportamentos tipificados, às respectivas sanções
e ao processo de persecução de responsabilidade. Enfim, são coisas
diversas, são instâncias distintas de responsabilidade, que se
completam e não se excluem.
O processo político do Decreto-lei 201/1967 é guiado pela
lógica política – aliás, a CPI municipal já foi arquivada no caso em
testilha, não resultando em qualquer sanção ao Presidente da Câmara
de Maringá –, pela mera conveniência política, o que é fato notório no
Brasil. O processo judicial, da Lei 8.429/1992, é informado pelo Direito
e pela Justiça, pela lógica formal, pela isenção e profissionalismo do
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acusador e do julgador, que agem desprovidos da nefasta
interferência política.
O processo do Decreto-lei 201 pune somente com a
cassação do mandato. O processo da Lei 8.429 com as sanções de seu
artigo 12, só não se aplicando a cassação do mandato (perda do
cargo) com base na Lei de Improbidade Administrativa, segundo uma
interpretação sistemática dos modelos de responsabilidade, acaso o
processo político a anteriormente tenha decretado, haja vista a
comunicação de instâncias, e para que não se dê o indevido bis in
idem.
Observe-se, para melhor se aferir a incongruência da tese
de defesa, que o Decreto-lei 201/1967 – repita-se –, não prevê sanção
de suspensão dos direitos políticos, expressamente prevista no art.
37, § 4º, da Constituição Federal. A vingar o entendimento do
apelante, restará sem aplicação o disposto no referido preceito
constitucional, bem assim ao artigo 12 da Lei 8.429/1992, negando-se
vigência a ambas as disposições.
De outra banda, o Decreto-lei 201/1967 não prevê as
sanções civis constantes da Lei 8.429/1992 (perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento
integral do dano, pagamento de multa civil, proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou
creditícios), o que significa dizer que, acolhida a tese do recorrente,
os Prefeitos e Vereadores ficariam isentos delas, o que não se pode
admitir, em razão da igualdade de tratamento imposta pelo princípio
republicano.
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14. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
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Implicaria também no aniquilamento do artigo 73 da Lei
Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), seguindo
em sentido contrário ao Decreto 4.410/2002, que promulgou a
Convenção Interamericana contra a Corrupção, abrangendo agentes
nomeados ou eleitos.
O artigo 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe:
“Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão
punidas segundo o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal); a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no
201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e
demais normas da legislação pertinente”. (negrito nosso).
O acolhimento da tese ora refutada, não somente restaria
violado o artigo 37, § 4º, da CF, como igualmente o artigo 73 da Lei
Complementar nº 101/2000 e o artigo 2º da Lei 8.429/1992, o que
demonstra a impropriedade e a falta de sustentação jurídica dessa
alegação da defesa.
Demais disso, falta pertinência temática entre o
julgamento da Reclamação 2138-DF e o caso em questão, posto que
naquele julgamento tratou-se somente da relação entre a Lei
8.429/1992 e a Lei 1.079/1950, sem qualquer referência ao Decreto-
lei 201/1967.
Sendo assim, a preliminar há de ser afastada por essa
colenda 4ª Câmara Cível.
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14. A Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público
de Maringá propôs a presente Ação Civil Pública em virtude de
irregularidades ocorridas em processo licitatório promovido pela
Câmara Municipal de Maringá para a compra de notebooks, tripés e
pilhas AAA.
Analisando a prova documental acostada à petição inicial e
as provas produzidas pelos réus, não restam dúvidas de que o
processo licitatório objeto do edital n.º 02/2005 está eivado de
irregularidades insanáveis, reveladoras inclusive de superfaturamento
na aquisição dos produtos, o que foi precisamente detectado pela r.
sentença recorrida.
Esses fatos ilícitos exigem a recomposição dos danos
patrimonial e moral suportados pela Câmara Municipal de Maringá, e a
imposição das sanções da Lei n.º 8.429/1992 aos agentes e terceiros
que figuram no pólo passivo da demanda, consoante determinado pela
r. sentença apelada, que merece reforma somente no que tange às
sanções aplicadas. Vejamos.
15. A respeito do aviso de licitação, assim determina o artigo
21, caput, da Lei n.º 8.666/1993:
“Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências,
das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no
local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência,
no mínimo, por uma vez: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
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A determinação contida no artigo 21, caput, da Lei n.º
8.666/1993 revela a intenção de se dar a qualquer procedimento
licitatório a maior divulgação possível, para que o maior número de
interessados possam participar do certame, garantindo ao licitante a
obtenção do maior número de propostas a fim de se escolher aquela
mais vantajosa ao interesse público.
E toda a publicidade do processo licitatório tem início com
a publicação do aviso de licitação. Para que se dê azo à publicidade
almejada pelo licitante, a lei exige o cumprimento de determinadas
exigências em relação ao aviso de licitação, dentre elas a de conter no
aviso o objeto da licitação, ou seja, qual é o produto ou serviço de
que necessita o licitante.
No entanto, tal exigência não foi cumprida no caso sob
exame, pois da leitura do aviso de licitação consta expressamente a
abertura de edital para “contratação de empresa para fornecimento de
equipamento para modernização do sistema de processamento”. O
caráter genérico do objeto é evidente. A forma como foi redigido o
documento, impediu que possíveis interessados participassem do
certame, pois não se revelou o verdadeiro objetivo do licitante, que
era a aquisição de 20 notebooks, 2 tripés e 120 pilhas AAA.
Logo, qualquer um que lesse o aviso de licitação não tinha
o mínimo conhecimento acerca do tipo de produto que a Câmara
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Municipal de Maringá pretendia efetivamente adquirir.
6
F. 127.
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Ainda que se faça um esforço para correlacionar a
expressão “sistema de processamento” à aquisição de computadores,
ainda assim a generalidade do documento extrapola os limites
permitidos pela Lei n.º 8.666/1993, pois o aviso de licitação não foi
concebido sequer como meio indiciário de informações acerca do
objeto do processo licitatório, contendo os principais elementos do
edital.
A ilegalidade toma contornos ainda maiores em relação à
aquisição de computadores, tripés e pilhas AAA, pois a expressão
“sistema de processamento” relaciona-se somente a softwares, e não
a notebooks, tripés e pilhas AAA, daí porque o descompasso entre o
aviso publicado e o objeto constante do edital.
Dessa forma, era obrigatório que se constasse
expressamente no aviso de licitação o objeto da licitação: aquisição de
notebooks, tripés e pilhas AAA, permitindo, assim, que os interessados
identificassem naquele documento a possibilidade de negócio,
participando do certame:
“O aviso deverá conter as principais informações acerca da licitação, para
permitir identificar o órgão que promove a licitação, seu objeto e datas e
prazos previstos para prática dos atos pertinentes a ela. O acesso a
informações específicas e exigências impostas para participar se fará
através do edital propriamente dito. Bem por isso, o aviso deverá conter
as indicações suficientes para que os leitores apurem se possuem um
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Apelação Cível nº 465638-0
interesse (ainda que eventual) na licitação, assim como permita a
qualquer cidadão identificar licitação que mereça atenção mais detida”. 7
Descumpriu-se, portanto, com formalidade essencial para
o ato de chamamento, com isso eivando de nulidade a licitação como
um todo.
16. Outras duas patentes ilegalidades constatadas em relação
ao aviso de licitação dizem respeito à ausência de publicação do aviso
no Diário Oficial do Estado do Paraná e à publicação do aviso em jornal
de grande circulação no Estado, como exige o artigo 21, incisos II e
III, da Lei n.º 8.666/1993:
“Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências,
das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no
local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência,
no mínimo, por uma vez: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
[...].
II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal quando se tratar,
respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da
Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal;
(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
III - em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se
houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será
realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o
bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação,
7
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 9 ed. São Paulo:
Dialética. 2002. p. 192.
18
19. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de
competição. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”.
Não restam dúvidas de que as exigências legais não foram
observadas pelos réus João Alves Correa (Presidente da Câmara
Municipal de Maringá), Marcos Donizete de Souza, Luiz Carlos
Barbosa, Donizete Alves Correa e Dagoberto Faustino da Silva
(membros da Comissão de Licitação) e Alaor Gregório de Oliveira
(Assessor Jurídico).
Ademais, não há qualquer prova no sentido de que o aviso
tenha sido publicado no Diário Oficial do Estado, além do que, apesar
de publicado no “Jornal do Povo”, trata-se de jornal de circulação
restrita ao Município de Maringá e outros municípios lindeiros (Ângulo,
Doutor Camargo, Itambé, Ivatuba, Paiçandu e Sarandi), o que revela
a inobservância à exigência de publicação do aviso de licitação em
jornal de grande circulação no Estado.
As ilegalidade reveladas são tão graves que tornaram
passível de anulação o próprio certame, conforme bem reconheceu a
douta sentença, que seguiu a trilha da melhor doutrina a respeito das
conseqüências dos vícios apurados:
“A validade da licitação depende da ampla divulgação de sua existência,
efetivada com antecedência que assegure a participação dos eventuais
interessados. O defeito na divulgação do instrumento convocatório
constitui indevida restrição à participação dos interessados e vicia de
19
20. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
nulidade o procedimento licitatório, devendo ser pronunciado a qualquer
tempo”.8
A conduta dos réus João Alves Correa (Presidente da
Câmara Municipal de Maringá), Marcos Donizete de Souza, Luiz Carlos
Barbosa, Donizete Alves Correa, Dagoberto Faustino da Silva
(membros da Comissão de Licitação) e Alaor Gregório de Oliveira
(Assessor Jurídico) foi tão nefasta, que apenas a empresa ré Informar
Assitencia Técnica Ltda. participou do certame, em vista da gravidade
dos vícios de forma do aviso de licitação, não publicados consoante a
Lei de regência.
Sem um adequado aviso de licitação, ao qual não se deu a
ampla publicidade exigida pela modalidade licitatória empregada,
suprimiu-se o caráter competitivo da tomada de preços, impedindo-se
a realização do melhor negócio pela Câmara Municipal de Maringá, que
pagou pelos bens que comprou o dobro do valor de mercado dos
equipamentos, com evidente prejuízo ao erário municipal.
Demonstrou-se, portanto, a manifesta afronta ao princípio
da legalidade, impessoalidade e publicidade, geradora de prejuízo ao
patrimônio público, ante a limitação indevida da participação de
interessados no processo licitatório, impedindo que a Câmara
Municipal de Maringá selecionasse a proposta mais vantajosa ao
interesse público, o que configurou ato de improbidade administrativa
que causou prejuízo ao erário, como bem reconheceu a sentença.
8
JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit. p. 192.
20
21. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
17. Sem embargo do desrespeito à publicidade exigida para o
aviso de licitação, a participação da empresa ré Informar Assistência
Técnica Ltda. jamais poderia ter sido permitida pelos réus João Alves
Correa (Presidente da Câmara Municipal de Maringá), Marcos Donizete
de Souza, Luiz Carlos Barbosa, Donizete Alves Correa, Dagoberto
Faustino da Silva (membros da Comissão de Licitação) e Alaor
Gregório de Oliveira (Assessor Jurídico).
A teor do disposto no artigo 22, inciso II, § 2º, da Lei n.º
8.666/1993:
“Art. 22. São modalidades de licitação:
[...].
II - tomada de preços;
[...].
§ 2o Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados
devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições
exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do
recebimento das propostas, observada a necessária qualificação”.
Quanto a este aspecto, os apelantes Informar Assistência
Técnica Ltda., José Wanderley, Alaor Gregório de Oliveira, Luiz Carlos
Barbosa, Marcos Donizete de Souza da Silva e Donizete Alves Correa
sustentam a desnecessidade da existência de cadastro de interessados
para que a licitação fosse realizada sob a modalidade “tomada de
preços”.
Tal afirmação é irrelevante para se constatar a manifesta
ilegalidade na habilitação da empresa ré Informar Assistência Técnica
21
22. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Ltda.. Mesmo que a Câmara Municipal de Maringá não mantivesse
cadastro de interessados à época dos fatos, era obrigatória a
observância da segunda parte do referido dispositivo: os interessados
não cadastrados deveriam ter atendido a todas as condições exigidas
para cadastramento, até o terceiro dia anterior à data do
recebimento das propostas.
Vencido o prazo para habilitação, tornou-se a licitação
deserta, face a ausência de interessados, o que imporia à
Administração da Câmara Municipal, não a habilitação extemporânea
da empresa Informar Assistência Técnica Ltda., mas, no dever de
renovação do processo licitatório, em obediência ao estrito
procedimento legal, imposto pelo artigo 4º, parágrafo único, da Lei
8.666/1993. Contrariando mais uma vez a Lei, em última análise
dirigiu-se a licitação para a empresa vendedora, o que é defeso.
Como apurado pelo Ministério Público do Estado do Paraná,
a Comissão de Licitação permitiu que a empresa ré apresentasse seu
cadastramento no dia da abertura das propostas.9 E quanto a este
aspecto, nada disseram os recorrentes. Limitaram-se a sustentar que
a empresa preenchia os requisitos exigidos para participar do certame.
Sem qualquer apego ao formalismo, essencial à licitação, não foi
respeitada a norma contida no artigo 4º, parágrafo único, da Lei
8.666/1993:
“Art. 4º. [...].
9
F. 221.
22
23. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza
ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da
Administração Pública”.
O procedimento licitatório não poderia ser praticado sob a
conveniência particular dos réus. Era dever inarredável deles agir
mediante a análise de critérios objetivos constantes na Lei
8.666/1993. A argumentação dos apelantes é superficial, insuficiente
para afastar a manifesta afronta ao princípio da impessoalidade, pois a
permissão para que a empresa Informar Assistência Técnica Ltda.
participasse do certame configura privilégio inaceitável, revelador do
direcionamento do certame.
As regras da experiência comum possibilitam concluir que
a empresa, em conluio com os demais réus, aguardou até o último
momento para requerer sua habilitação na licitação – inclusive após o
vencimento do prazo estipulado por lei –, fato propositadamente
ocorrido em momento em que nenhum outro interessado poderia
participar da tomada de preços.
O favorecimento é patente. Foram criados mecanismos
para burlar a exigência da publicidade, a fim de limitar tanto quanto
possível que outros interessados tivessem acesso ao edital de
licitação, para depois permitir que a empresa vencedora apresentasse
sua documentação após o tríduo estipulado pelo artigo 22, § 2º, da Lei
n.º 8.666/1993, tudo realizado com a reprovável finalidade de se
conduzir procedimento licitatório para atender a interesses escusos,
apartados do legítimo interesse público.
23
24. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Correta, portanto, a douta sentença, na parte que anulou o
processo licitatório ab initio, reconhecendo os efeitos ex tunc da
decisão, e declarando a manifesta fraude cometida pelos recorrentes,
caracterizadora de ato de improbidade administrativa.
18. Na investigação levada a efeito pela Promotoria de Justiça
de Proteção ao Patrimônio Público de Maringá, constatou-se que, além
da forma ilegal e pessoal como a empresa ré Informar Assistência
Técnica foi habilitada no certame, houve superfaturamento na
aquisição dos notebooks e tripés adquiridos pela Câmara Municipal de
Maringá.
Em relação aos notebooks, tem-se que a empresa
Informar Assistência Técnica Ltda. adquiriu 21 unidades de notebooks
da empresa Itautec Philco S.A. A aquisição se deu da seguinte forma:
20 notebooks a serem entregues à Câmara Municipal de Maringá, ao
custo unitário de R$ 4.983,62 e 1 notebook a ser entregue à empresa
Tri-Círculos Equipamentos de Informática Ltda., ao custo de R$
4.361,14.
O notebook destinado à empresa Tri-Círculos
Equipamentos de Informática Ltda. foi vendido por R$ 5.680,00,
enquanto os notebooks destinados à Câmara Municipal de Maringá
foram vendidos pela espantosa cifra de R$ 10.980,00 cada. Poder-se-
ia cogitar, tal como sustentado pelos apelantes Informar Assistência
Técnica Ltda. e José Wanderley Domingues, que a disparidade de
preços se deu em virtude da natureza das vendas, já que 20
computadores eram destinados ao consumidor final e 1 era destinado
para revenda. Adotando-se esse entendimento, não haveria qualquer
24
25. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
relação de preço entre as vendas e se afastaria o alegado
superfaturamento.
Mas o fato de se ter realizado vendas com naturezas
distintas não é suficiente para descaracterizar a imputação feita na
petição inicial, porquanto acaso fossem respeitadas todas as
exigências quanto à publicidade do aviso de licitação outros
interessados situados no Município de Maringá e a própria
empresa Itautec Philco S.A. poderiam ter participado do
certame, o que redundaria numa economia de aproximadamente
50% (R$ 89.786,80).10
Destaque-se que em pesquisa realizada pelo Ministério
Público do Estado do Paraná, uma gama considerável de empresas
que atua no ramo de informática na cidade de Maringá comercializa
notebooks na faixa de R$ 4.600,00 a R$ 8.970,0011. Apesar de não
serem equipamentos idênticos àqueles adquiridos, a pesquisa
demonstra o quanto pode variar de preço um notebook, dado
lamentavelmente ignorado pelos agentes públicos envolvidos.
Tivessem os envolvidos – em especial o Presidente da
Câmara, ordenador da despesa, e os membros da Comissão de
Licitação – o claro propósito de alcançar o melhor negócio para a
Administração Municipal, teriam eles pesquisado os preços dos
equipamentos no mercado, antes da finalização do negócio, o que
certamente teria resultado na rejeição da proposta da empresa
10
Valor aproximadamente economizado caso os notebooks tivessem sido adquiridos da empresa Itautec
Philco S.A.
11
A pesquisa foi realizada em 4 estabelecimentos comerciais.
25
26. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
vencedora, ante o manifesto superfaturamento dos bens. No mínimo,
foram negligentes com a coisa pública.
Com efeito, é de fácil conclusão a existência de
superfaturamento pela narrativa dos próprios membros da Comissão
de Licitação, extraídos da petição inicial:
“ ‘...que concluiu pelo deferimento da empresa porque a mesma
atendeu os requisitos do edital; que verificou que o preço estava dentro
da dotação orçamentária...’ (réu Dagoberto – fls. 247 do ICP).
‘...que nunca lidou com computador portátil; que na hora da análise da
proposta apresentada acatou a mesma porque somente uma foi
apresentada e porque estava dentro da expectativa da dotação
orçamentária...’ (réu Donizete Alves Corrêa – Fls. 244/245)
‘...que não sabe identificar os tipos de computadores; que nunca
trabalhou com computador (sic) portáteis (...) que quando analisou a
proposta enviada pela empresa no processo licitatório não sabia os
preços de notebooks no mercado; que tanto o declarante como os
demais integrantes da Comissão de licitação não procuraram saber os
preços de mercado; que aprovou a proposta apresentada pela empresa
por razões que no momento não se recorda...’ (réu Luiz Carlos Barbosa –
Fls. 242/243).
‘...que após lida a proposta da empresa e verificado os preços se estão
compatíveis com o que foi determinado no edital e dentro do limite
máximo; que se tiver dentro do limite máximo previsto é possível
aceitar a proposta; que no caso da empresa que participou do certame
verificou-se que a mesma preencheu os requisitos...’ (réu Marcos
Donizete de Souza – Fls. 238)”.
26
27. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Ora, os membros da Comissão de Licitação foram
uníssonos no sentido de que se preocuparam apenas com o
enquadramento da proposta da empresa ré à dotação orçamentária, o
que denota inclusive a completa inutilidade do documento de f. 228
(que sequer revela quais são os fornecedores dos produtos pelos
preços que lá constam), citado na contestação dos réus Luiz Carlos
Barbosa, Marcos Donizete de Souza da Silva e Donizete Alves Correa,
na tentativa de desconfigurar o superfaturamento.
O mesmo se diga em relação aos 2 tripés. A empresa ré os
adquiriu da empresa A. A. Mattedi Usinagem Ltda. pelo preço de R$
7.500,00 e os revendeu à Câmara Municipal de Maringá pelo preço de
R$ 14.986,00. Dessa forma, acaso tivessem sido respeitadas
todas as exigências quanto à publicidade do aviso de licitação
outros interessados situados no Município de Maringá e a
própria empresa A. A. Mattedi Usinagem Ltda. poderiam ter
participado do certame, o que redundaria numa economia de
aproximadamente 53% (R$ 5.218,00).
Diante deste elementos, restou indubitavelmente provado
que a Comissão de Licitação ignorou deliberadamente a natureza e os
fins do instituto da licitação, previsto no artigo 3º da Lei n.º
8.666/1993:
“Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa
para a Administração e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
27
28. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do
julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. (destacamos).
A propósito, colaciona-se a doutrina de Marçal Justen
Filho:
“Não se pode conceber que uma licitação conduza à contratação por
preços superiores aos que poderiam ser obtidos se a Administração
comparecesse diretamente ao mercado para contratar”. 12
19. Se não bastassem as grotescas ilegalidades já apontadas,
os réus Adilson de Oliveira Corsi, Benedito Barbosa e Luiz Carlos
Barbosa praticaram crime de falsidade ideológica (artigo 299 do
Código Penal), ao declararem falsamente que haviam recebido todos
os materiais objeto da malfadada licitação. A falsidade é corroborada
pela prova documental acostada às f. 235 e 240 (termo de
recebimento de materiais e serviços).
Entretanto, o Ministério Público do Estado do Paraná
constatou que na data em que os referidos termos foram assinados,
apenas 2 notebooks haviam sido adquiridos pela empresa ré da
empresa Itautec Philco S.A. Um dos notebooks foi entregue à Câmara
Municipal de Maringá e o outro foi entregue à empresa Tri-Círculos
Equipamentos de Informática Ltda..13
Constatou-se que as 19 unidades restantes só foram
adquiridas pela empresa ré em 28.02.2005, ou seja, os réus Adilson
de Oliveira Corsi, Benedito Barbosa e Luiz Carlos Barbosa atestaram o
12
JUSTEN FILHO, MARÇAL. Op. cit. p. 430.
13
F. 460.
28
29. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
recebimento dos produtos em 18.02.2005, sendo que nesta data a
empresa ré sequer possuía os computadores para entrega, os quais só
foram adquiridos do fornecedor 10 dias depois.14
A mesma prática se deu em relação aos tripés. Apesar de
atestado o recebimento dos produtos pelos réus Adilson de Oliveira
Corsi, Benedito Barbosa e Luiz Carlos Barbosa em 18.02.2005, aqueles
só foram adquiridos da empresa A.A. Mattedi Usinagem Ltda. em
25.02.2005.15
A atuação dos réus Adilson de Oliveira Corsi, Benedito
Barbosa e Luiz Carlos Barbosa foi decisiva para que houvesse a
liberação prematura do valor de R$ 236.242,00 em favor da empresa
ré, já que as notas de empenho foram confeccionadas em 17.02.2005
(f. 233-234) e a transferência eletrônica do valor foi realizada no
mesmo dia (f. 239). Dessa forma, em 18.02.2005 a empresa ré
recebeu a vultosa quantia de R$ 236.242,00 sem que tivesse feito a
entrega de todos os produtos.
A atuação dos réus Adilson de Oliveira Corsi, Benedito
Barbosa e Luiz Carlos Barbosa, em conjunto com o réu João Alves
Correa, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal, foi decisiva
para a violação da Lei n.º 4.320/1964, pois a liquidação da despesa
ocorreu sem a comprovação da entrega dos produtos, à luz do artigo
63, § 2º, inciso III, da Lei n.º 4.320/1964:
14
F. 473.
15
F. 462.
29
30. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
“Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito
adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos
comprobatórios do respectivo crédito.
[...].
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços
prestados terá por base:
[...].
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do
serviço”.
Ao festival de graves ilegalidades cometidas pelos réus,
deve ser acrescentada mais esta, igualmente configuradora de
improbidade administrativa.
20. A fraude no certame ainda tinha mais um elemento:
ausência de contrato para amparar a garantia estendida dos
computadores.
Consta no edital a previsão de que a empresa vencedora
deveria atender ao requisito de oferecer garantia estendida aos
notebooks por no mínimo 2 anos. A garantia deveria constar no
contrato a ser celebrado entre a Câmara Municipal de Maringá e a
empresa vencedora do certame.
Entretanto, em virtude da falsa alegação de que teria
ocorrido a entrega imediata dos computadores (item 16 supra), o réu
João Alves Correa, ao prestar informações ao Ministério Público do
Estado do Paraná, sustentou a desnecessidade da celebração do
30
31. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
contrato, o qual poderia ser substituído pelas notas de empenho,
invocando ainda amparo na Lei n.º 8.666/1993.16
Todavia, tratando-se de informação falsa, tem-se que o
réu João Alves Correa, burlando a legislação aplicável à espécie,
ignorou a norma contida no artigo 62, § 4º, da Lei n.º 8.666/1993:
“Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de
concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e
inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas
duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a
Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais
como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de
compra ou ordem de execução de serviço.
[...].
§ 4o É dispensável o "termo de contrato" e facultada a substituição
prevista neste artigo, a critério da Administração e independentemente
de seu valor, nos casos de compra com entrega imediata e integral dos
bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive
assistência técnica”.
Portanto, flagrante é a grave ilegalidade. Quanto a este
aspecto, a argumentação dos réus é pueril, pois além de indispensável
a formalização do contrato, prevendo a assistência técnica por dois
anos, a concessão dessa garantia estendida jamais poderia dobrar o
preço dos computadores, o que reforça a idéia de superfaturamento.
Aliás,como bem asseverou o r. Juízo de primeiro grau:
“O argumento beira o absurdo.
16
F. 124.
31
32. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Não é plausível que a garantia estendida quase dobre (grifei) o preço de
um computador, pois, se assim fosse, ficaria mais barato para o usuário
trocar o equipamento por outro novo e mais moderno ao final da garantia
de fábrica”.17
A ausência de previsão contratual da garantia estendida
revela que a Câmara Municipal de Maringá pagou por serviço não
previsto em contrato, sendo indiscutível o superfaturamento e o
lamentável prejuízo ao erário, prejuízo que haverá de ser
integralmente ressarcido, conforme bem determinou a r. decisão
recorrida.
21. E todas essas ilegalidades foram chanceladas pelo réu
Alaor Gregório de Oliveira, que pouco se importou com a série de
ilegalidades praticadas, devendo assumir a responsabilidade por seus
atos, decorrentes de sua responsabilidade técnico-jurídica.
Na qualidade de assessor jurídico do Município de Maringá,
o réu Alaor Gregório de Oliveira tinha o dever de acompanhar todos os
trâmites do processo licitatório, oferecendo os subsídios jurídicos
necessários para a correta consecução dos atos administrativos
integrantes do processo de licitação, a fim de garantir o respeito ao
objetivo maior da licitação, o de garantir o melhor negócio à
Administração Pública.
O réu, ao emitir parecer referendando o processo licitatório
faltou com o dever inerente ao cargo que ocupa, assumindo o risco na
17
F. 1332.
32
33. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
produção do resultado. Sua conduta é igualmente censurável,18 pois,
em última análise, aderiu ao comportamento ilegal dos demais réus na
ação de improbidade, dando sustentação jurídica aos desatinos
cometidos, no lugar de apontar formalmente as irregularidades,
impedindo-as por meio do exercício de seu ofício.
Não. No lugar de agir com lealdade à Administração
Pública, com probidade administrativa, preferiu participar da farsa
ilegal e lesiva ao erário municipal, devendo, por isso, também
responder pelas sanções do artigo 10 da Lei 8.429/1992.
22. Deve-se no Estado de Direito, como é sabido de todos –
em especial dos agentes políticos e administrativos –, partir da
premissa já consagrada de que todo e qualquer agente público e
terceiro no trato da res publica, somente pode atuar nos limites e no
estreito espaço das normas regulamentares, legais e constitucionais.
Por outro lado, não se desconhece que nem todo ato ilegal
acarretará improbidade administrativa. É preciso sopesar as
circunstâncias que permeiam o caso concreto. Analisando a questão,
Fábio Medina Osório afirma que:
“A ilegalidade , por si só, não acarreta incidência da lei de improbidade,
porque tal hipótese traduziria o caos na administração pública [...].
Saliente-se, evidentemente, que apenas os atos que, além de ilegais, se
mostrarem fruto da desonestidade ou inequívoca e intolerável
incompetência do agente público” .19
18
F. 231.
19
OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa. Observações sobre a Lei 8.429/92. 2 ed. ampl. e
atual. Porto Alegre: Síntese, 1998, pág. 129.
33
34. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
E prossegue o respeitado doutrinador:
“As presunções se invertem ante a ocorrência de fatos juridicamente
vedados no âmbito do direito administrativo. A legalidade é
interpretada, repita-se, ao inverso: somente é permitido aquilo que é
autorizado por lei. Indícios, portanto, de potencial conhecimento da
ilicitude, e, por decorrência, completa má-fé, tanto no que diz respeito
aos elementos fáticos, como no que tange aos elementos normativos que
regem as condutas dos homens públicos, satisfazem para um juízo
reprovatório” 20.
Aos agentes públicos e terceiros é inescusável, portanto, o
desconhecimento das normas jurídicas. Efetivamente, há o erro
juridicamente permitido. Mas erros grosseiros, atos flagrantemente
imorais e ilegais, não podem ser desconhecidos. É no âmbito dessa
digressão que se insere a questão colocada sob exame.
E, diante das provas coligidas, tem-se que os réus não
trouxeram argumentação sólida de que suas condutas espelharam ou
visaram a legítima consecução do interesse público. Nenhum dos réus
logrou demonstrar qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo
do direito do autor (artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil),
o que deve resultar no integral desprovimento de seus apelos.
Depreende-se, logo, que a atuação dos agentes públicos
envolvidos não atende à expressa determinação contida no artigo 37,
caput, da Constituição Federal, e no artigo 4º da Lei 8.429/92:
20
OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit. p. 136.
34
35. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
“Art. 4º. Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são
obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes
são afetos”.
Tal disposição aplica-se em relação aos réus Informar
Assistência Técnica Ltda. e José Wanderley Domingues, em virtude do
disposto no artigo 3º da Lei n.º 8.429/1992:
“Art. 3º. As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele
que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática
do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta”.
Logo, partindo da máxima de que os agentes públicos e
terceiros devem conduzir seus atos no exercício de suas funções
orientados por padrões comportamentais em que preponderam
valores como a lealdade, a imparcialidade, a honestidade, a boa-fé e a
probidade, é indubitável que no caso vertente os réus, de forma livre e
consciente, contrariando as normas estabelecidas na Constituição
Federal (art. 37, inciso XXI), na Lei 8.666/1993 e na Lei 4.320/1964,
desbordaram do exemplar dever de preservar o interesse público, para
ao revés, atuarem sob o pálio de interesses particulares escusos.
As ilegalidades são grosseiras, intoleráveis e eivadas de
má-fé. Ínsito o potencial conhecimento da ilicitude. O dolo, na
hipótese, é in re ipsa. Outrossim, merece especial destaque o fato de
ser ínsita, na hipótese, a lesão à moralidade administrativa. É bem
35
36. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
verdade que, para fins de configuração da imoralidade, é importante
considerar o elemento volitivo da conduta, porque não se pune
simplesmente o erro. No entanto, o ato ímprobo “[...] é revelado pelo
desvio de finalidade, pela falta de idoneidade ou razoabilidade do
objeto ou dos motivos, estabelecendo-se o dolo in re ipsa ou a culpa
nas suas modalidades (quando cabível)”21.
E não se alegue inexistência de lesão ao erário ao fito de
desfigurar a incidência do artigo 10 da Lei 8.429/92. Todos os réus
agiram de forma dolosa com a finalidade exclusiva de fraudar processo
licitatório, favorecendo terceiro particular, o que revela a prática de
ato de improbidade administrativa que culminou em lesão ao erário.
Assim, as condutas dos réus João Alves Correa, Alaor
Gregório de Oliveira, Adilson de Oliveira Corsi, Benedito Barbosa, Luiz
Carlos Barbosa, Marcos Donizete de Souza, Dagoberto Faustino da
Silva, Donizete Alves Correa, Informar Assistência Técnica Ltda. e José
Wanderley Domingues amoldam-se ao disposto no artigo 10, incisos
I, V, VI, VIII, IX, XI e XII da Lei 8.429/1992:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos
bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e
notadamente:
21
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, 2 ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 40.
36
37. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas
no art. 1º desta lei;
[...].
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou
serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
[...].
VIII – frustrar a ilicitude de processo licitatório ou dispensá-lo
indevidamente;”.
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei
ou regulamento;
[...].
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;”
Além do mais, é imperioso destacar que relativamente aos
atos descritos na petição inicial e capitulados no art. 10 da Lei
8.429/1992, a lesividade material é patente, fruto do insofismável
superfaturamento.
37
38. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
23. Por outra vertente, a conduta dos réus é ofensiva aos
princípios da Administração Pública, à luz do artigo 11, inciso I, da Lei
8.429/1992:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra
os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;”.
A atuação dos réus, completamente dissociada do
interesse público, extrapolou os limites da legalidade, porquanto
realizaram processo licitatório sem a observância das normas legais
aplicáveis à espécie (art. 37, caput e inciso XXI, da Constituição
Federal e Lei 8.666/93), sendo descumpridas as regras de natureza
financeira da Lei 4.320/1964.
A moralidade também foi vilipendiada, em razão do
desvio de finalidade estampado nas condutas dos envolvidos. Os
princípios da impessoalidade e da igualdade foram igualmente
atingidos, já que a Administração Pública não pode atuar com vistas a
prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre
o interesse público que deve nortear o seu comportamento, e, por
conseguinte, o comportamento de seus agentes.
No entanto, em razão da relação de consunção e
especialidade que existe entre o artigo 10 e o artigo 11 da LIA, devem
38
39. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
ser aplicadas somente as sanções relativas àquele tipo de
improbidade, previstas no inciso II do artigo 12, a todos os envolvidos,
agentes públicos e terceiros.
Enfim, os recursos dos réus não merecem provimento.
24. Em relação ao recurso interposto pela douta Promotoria de
Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Maringá, ele merece
parcial acolhimento.
Requer o Órgão do Ministério Público do Estado do Paraná
a elevação das sanções ou mesmo a sua aplicação em bloco. A
questão inicial em exame, gira em torno da discussão acerca da
cumulatividade ou não das sanções previstas na Lei n.º 8.429/1992,
em outras palavras, se a proporcionalidade a que alude o artigo 12,
parágrafo único, da Lei n.º 8.429/1992, limita-se à gradação das
sanções que possuem limites específicos (suspensão dos direitos
políticos e multa civil).
O embate não é pacífico. Tanto na doutrina quanto na
jurisprudência é possível encontrar posicionamentos divergentes. No
entanto, nos parece que a pretendida cumulatividade, tal como
sustentada pela douta Promotoria de Justiça, encontra óbice no
princípio da proporcionalidade.
A determinação contida no artigo 12, parágrafo único, da
Lei 8.429/1992, deve ser observada anteriormente à fixação das
sanções, ou seja, não seria razoável restringir a aplicação do princípio
da proporcionalidade – princípio decorrente da concepção de Estado
39
40. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Democrático de Direito e da necessidade de proteção aos direitos
fundamentais assegurados pela Constituição Federal22 –, àquelas
sanções que possuem gradação própria em cada um dos incisos do
artigo 12 da Lei n.º 8.429/1992.
Caso adotado o entendimento da cumulatividade das
sanções, certamente a proporcionalidade teria seu âmbito restringido
quase que a um aspecto meramente formal, o que pode se concluir na
hipótese de uma condenação pela prática de ato de improbidade
administrativa doloso e outro culposo (art. 10, Lei 8.429/1992), em
que todas as sanções seriam impostas, restringindo-se a
proporcionalidade à gradação das sanções de multa civil e suspensão
dos direitos políticos.
O mesmo raciocínio é aplicável a uma condenação pela
prática de ato de improbidade administrativa que gerou
enriquecimento ilícito (art. 9º, Lei n.º 8.429/1992) e outra que
afrontou os princípios da Administração Pública (art. 11, Lei n.º
8.429/1992).
Para melhor aclarar a questão, é oportuno trazer trecho de
acórdão proferido por esse e. Tribunal:
“[...] o sistema sancionatório da Lei n. 8.429/92 está mal organizado, por
ter agrupado em uma mesma categoria infrações de gravidade altamente
variável, em bloco fechado de penalidades que não obedecem a um
critério adequado e compatível. Desse modo, as sanções do art. 12 não
precisam incidir sempre e em bloco, com a adoção da conjunção "e" a
22
GARCIA, Emerson, ALVES, Rogério Pacheco. Op. cit., p. 66.
40
41. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
inúmeras penalidades, cabendo ao julgador, com base no princípio da
proporcionalidade, o dever de dosar a penalidade.
Daí porque se adota aqui, dadas as peculiaridades do caso, considerada a
gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário e as circunstâncias do
fato, a cominação isolada das penas previstas no art. 12, II, para a
hipótese do art. 10, da lei em comento, na esteira do entendimento
adotado no RecEsp n. 300.184-SP, da 2ª Turma do STJ, Rel. Min. Franciulli
Netto”.23
E, nesse sentido, é o entendimento pacífico do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. LEI
8.429/92. VEREADOR. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES
INFORMAIS. REPASSE DE REMUNERAÇÃO PELO SERVIDORES
FORMAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. LESÃO AO
ERÁRIO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE
BENEFÍCIO SOCIAL. AFERIÇÃO INTERDITADA NA VIA ESPECIAL.
SÚMULA 7/STJ.
[...].
8. As sanções do art. 12, da Lei n.° 8.429/92 não são necessariamente
cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como deixa
entrever o parágrafo único do mesmo dispositivo.
9. O espectro sancionatório da lei induz interpretação que deve conduzir
à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção,
critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada
pela jurisprudência do E. STJ. Precedentes: RESP 664856/PR, desta
relatoria, DJ de 02.05.2006; RESP 507574/MG, Relator Ministro Teori
Zavascki, DJ de 08.05.2006; RESP 513.576/MG, Relator p/ acórdão
23
TJPR - 5ª C.Cível - AC 0417407-8 - Terra Rica - Rel.: Des. Ruy Fernando de Oliveira - Por maioria - J.
09.10.2007.
41
42. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Ministro Teori Zavascki, DJ de 06.03.2006; RESP 291.747, Relator Ministro
Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/03/2002; RESP 300.184/SP,
Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 03.11.2003 e RESP 505.068/PR,
desta relatoria, DJ de 29.09.2003.
[...].
Precedentes do STJ: (RESP 825673/MG, Relator Ministro Francisco
Falcão, DJ de 25.05.2006 e RESP 505068/PR, desta relatoria, DJ de
29.09.2003.' 12. O juiz deve observar para realizar a dosimetria da pena
critérios como a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo
agente, à luz do princípio da proporcionalidade.
[...]”.24
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO CUMULATIVA
DAS PENALIDADES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92.
INADEQUAÇÃO. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Na hipótese examinada, o Ministério Público do Estado do Rio Grande
do Sul ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa
contra Luiz Carlos Heinze (Prefeito do Município de São Borja/RS), ora
recorrido, com fundamento no art. 11, I, da Lei 8.429/92, em face de
desvio de finalidade de verba orçamentária. Por ocasião da sentença, o
ilustre magistrado, após reconhecer a configuração de ato de
improbidade administrativa, aplicou pena de multa, afirmando que "há
de levar em conta a ausência de prejuízo material pelo desembolso do
valor destinado à aquisição do veículo, resumindo-se ele (prejuízo) na
burla, que, ao final, não restou demonstrada se procedida de forma
intencional ou culposa" (fl. 179), a qual foi mantida pelo Tribunal de
24
REsp 713.537/GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23.10.2007, DJ 22.11.2007
p. 188.
42
43. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
origem. O ora recorrente interpôs recurso especial com fundamento na
alínea a do permissivo constitucional, no qual alega violação do art. 12,
III, da Lei 8.429/92. Sustenta que, configurado ato de improbidade
administrativa, as penalidades previstas no referido artigo devem ser
aplicadas cumulativamente.
2. A aplicação das penalidades previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 exige
que o magistrado considere, no caso concreto, "a extensão do dano
causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente"
(conforme previsão expressa contida no parágrafo único do referido
artigo). Assim, é necessária a análise da razoabilidade e
proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade e à
cominação das penalidades, as quais não devem ser aplicadas,
indistintamente, de maneira cumulativa.
3. Nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 713.146/PR, 2ª Turma,
Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 22.3.2007, p. 324; REsp 794.155/SP, 2ª
Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 4.9.2006, p. 252; REsp 825.673/MG,
1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 25.5.2006, p. 198; REsp
513.576/MG, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ
de 6.3.2006, p. 164; REsp 300.184/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto,
DJ de 3.11.2003, p. 291; REsp 505.068/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux,
DJ de 29.9.2003, p. 164.
4. Desprovimento do recurso especial”.25
Embora o recurso ministerial deva ser desprovido na parte
em que requer a aplicação em bloco das sanções, por outro lado, em
relação às sanções impostas pelo Juízo de primeiro grau, assiste razão
à Promotoria em almejar a elevação daquelas que foram pespegadas,
posto que na aplicação das sanções cabe ao Juiz atentar para o já
mencionado princípio da proporcionalidade, sopesando a extensão do
25
REsp 626.204/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07.08.2007, DJ
06.09.2007 p. 194.
43
44. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
dano, assim como proveito patrimonial obtido pelos agentes. Com
efeito, diante da gravidade dos fatos, pífias foram as sanções
aplicadas.
Vejamos.
25. João Alves Correa, Vereador e Presidente da Câmara
Municipal foi condenado somente ao reembolso da Câmara Municipal
da importância de R$ 236.242,00, corrigida monetariamente pelo
INPC e acrescida de juros de mora, na base de 1% ao mês, a partir do
desembolso.
A empresa Informar Assistência Técnica Ltda. e José
Wanderlei Domingos, representante legal dela, foram condenados ao
ressarcimento, solidariamente ao Presidente da Casa de Leis, e à
proibição de contratar com o poder público e receber benefícios fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente.
Luiz Carlos Barbosa, Adilson de Oliveira Corsi, Benedito
Barbosa, Marcos Donizete de Souza, Dagoberto Faustino da Silva,
Donizete Alves Correa e Alaor Gregório de Oliveira, “apenas em multa
correspondente à uma remuneração”.26
Evidente é a desproporcionalidade entre a fraude
perpetrada e os prejuízos produzidos, de um lado, e as sanções
aplicadas, de outro. Equivocou-se a decisão, ainda, em afirmar que as
sanções políticas não poderiam ser aplicadas ao Vereador, bem assim
condenar os servidores municipais com base no artigo 11.
26
F. 1346.
44
45. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
O único conjunto de sanções que merece preservação, diz
respeito à empresa Informar Assistência Técnica Ltda. e ao seu
representante legal, José Wanderlei Domingos. O ressarcimento
integral dos valores e as proibições de contratar são, a nosso ver,
suficientes e proporcionais.
26. Os demais agentes devem ter suas punições agravadas,
em consonância com o que foi reconhecido na própria sentença, que,
aliás, de modo preciso, detectou que cada uma das condutas foi
determinante para o passo seguinte, visando a consumação da fraude
ao processo de licitação. No item 2.6 da sentença, averbou-se que:
“[...].
Além do mais, como ordenador das despesas e administrador da coisa
pública o réu assinou o aviso de edital sem dar pleno conhecimento do
objeto licitado e empenhou o pagamento da empresa fornecedora um dia
antes do falso recebimento das mercadorias.
Tais dados confirmam que o réu não só tinha pleno conhecimento do que
se passava como foi ele próprio quem engendrou a fraude.
Assim, é inconteste a responsabilidade do réu JOÃO ALVES CORREA
pelo ilícito praticado, pois, na qualidade de Presidente da Câmara
Municipal, arquitetou desde o início um procedimento licitatório
fraudulento com vistas a direcionar e capitalizar a empresa vencedora,
bem como superfaturar a compra.
A responsabilidade da INFORMAR ASSISTÊNCIA TÉCNICA LTDA e de
seu proprietário JOSÉ WANDERLEY DOMINGUES segue na mesma
linha de raciocínio, eis que a fraude só foi possível, logicamente, com a
participação ativa e consciente de que os preços eram superfaturados, o
45
46. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
procedimento viciado, inclusive com mediante falsidade e que
beneficiaram (sic).
Os réus LUIZ CARLOS BARBOSA, MARCOS DONIZETE DE SOUZA,
DAGOBERTO FAUSTINO DA SILVA e DONIZETE ALVES CORREA
concorreram para a fraude na medida em que compondo a Comissão
Permanente de Licitação da Câmara conduziram um processo licitatório
eivado de vícios, ainda que a mando do ordenador de despesas, o que
não os desobrigada (sic) de observar a legalidade dos seus atos e a
lealdada (sic) para com a administração.
Ao sustentar o preço mesmo diante do disparate do preço de aquisição e
de venda, dos vícios do procedimento, inclusive falsidade ideológica, do
valor sugerido de R$ 265.000,00, bem demonstra a consciência do
superfaturamento orquestrado porque não membros da comissão de
compra.
Quanto aos réus ADILSON DE OLIVIERA e BENEDITO BARBOSA,
membros da Comissão Permanente de Recebimento, está configurada
participação, visto que responsáveis pelo recebimento de materiais e
serviços (vide Portaria n.º 209/2003 de fls. 236.), lavram Termos de
Recebimento de Materiais e Serviços (fls. 235 e 240) falsos, foram desleais
para com a administração.
E, finalmente, a concorrência do réu ALAOR GREGÓRIO DE OLIVEIRA
está também cabalmente demonstrada, pois na condição de Assessor
Jurídico emitiu parecer técnico de fls. 231 expressando sua concordância
com o procedimento licitatório manifestamente ilegal e deixou de
elaborar o contrato, faltou lealdade”. 27
Não há razão, portanto, para o abrandamento na
imposição das sanções tal como determinado no decisum objurgado. A
27
F. 1338-1341.
46
47. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
gravidade da conduta dos réus impõe uma maior severidade na
aplicação das penalidades do artigo 12, II, da LIA.
27. Vejamos, inicialmente, o caso de JOÃO ALVES CORREA,
Vereador e Presidente da Câmara Municipal. O simples ressarcimento
solidário dos valores pagos não é sanção, mas, mera reparação diante
de seu ilícito e grave comportamento doloso.
A sentença é contraditória no que tange ao ordenador da
despesa, pois, de um lado afirma que “... é inconteste a
responsabilidade do réu JOÃO ALVES CORREA pelo ilícito
praticado, pois, na qualidade de Presidente da Câmara
Municipal, arquitetou desde o início um procedimento
licitatório fraudulento com vistas a direcionar e
capitalizar a empresa vencedora, bem como superfaturar a
compra”, mas, de outro, concretamente, o isentou de responsabilidade
pelo ato de improbidade administrativa cometido, não lhe aplicando as
sanções da Lei 8.429.
A rigor, a ação de improbidade serviu para muito pouco –
mero ressarcimento civil –, negando-se vigência ao artigo 37, § 4º da
CF, e ao artigo 12, inciso II, da Lei 8.429/1992. Com efeito, a referida
norma constitucional é clara ao estabelecer, sem ressalvas, que “os
atos de improbidade administrativa importarão a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública,..., e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em
lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
47
48. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Ora, não há o menor sentido na afirmação de que não se
pode aplicar a ele, Presidente da Câmara Municipal, a perda do cargo
e a suspensão dos direitos políticos, posto que a “sanção política
ao Vereador e Presidente da Casa deve ser aplicada pela
Câmara de Vereadores nos termos do art. 7º, inciso I, do
Decreto Lei 201/67 em face da reconhecida dualidade de
normatização (grifei)”.28
Ledo engano. O artigo 37, § 4º, da CF, autoriza sem
ressalvas a aplicação de tais sanções.
Em última análise, a sentença transgrediu as regras de
hermenêutica, no sentido de que a norma de superior hierarquia
revoga a de menor hierarquia, bem como a de que a regra nova
revoga a anterior. No lugar do decisum aplicar a Constituição de 1988,
seu § 4º do artigo 37, e a Lei 8.429/1992, reguladora da disposição
constitucional de eficácia contida, que instituiu o novo modelo de
responsabilidade, paralelamente ao Decreto-lei de 1967, a decisão
afastou a norma da Constituição e a respectiva Lei reguladora, dando
prevalência à Lei velha e de inferior hierarquia.
O desacerto da sentença, neste ponto, é evidente, e, além
disso, contraditório, pois ao afastar a preliminar de legitimidade
passiva aduzida pelo Vereador e Presidente da Câmara, reconheceu a
aplicação da Lei 8.429/1992. No entanto, na hora de aplicar as
sanções da LIA, invocou a indevida e infundada ressalva, negando
aplicação a parcela das sanções do artigo 12 do citado diploma.
28
F. 1346.
48
49. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
Como visto alhures, do simples exame das Leis sob
análise, detecta-se uma diferença gritante entre aquela legislação
(Decreto-lei 201/1967) e a Lei n.º 8429/1992, no que tange aos
comportamentos tipificados, às respectivas sanções e ao processo de
persecução do crime de responsabilidade e dos atos de improbidade
administrativa. Enfim, são coisas diversas, são instâncias distintas de
responsabilidade, que se completam.
O processo político do Decreto-lei 201/1967, é guiado pela
lógica política – aliás, a CPI municipal já foi arquivada no caso em
testilha, não resultando em qualquer sanção ao Presidente da
Câmara de Maringá –, pela mera conveniência política, o que é fato
notório em processos desse jaez no Brasil. Como já afirmamos, o
processo judicial, da Lei 8.429/1992, é informado pelo Direito e pela
Justiça, pela lógica formal, pela isenção e profissionalismo do acusador
e do julgador, que agem desprovidos da nefasta interferência política.
O processo do Decreto-lei 201 pune somente com a
cassação do mandato. O processo da Lei 8.429 com as sanções de
seu artigo 12: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente
ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa
civil, proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios fiscais ou creditícios.
Observe-se, para melhor se aferir a incongruência do
aludido fundamento da sentença, o Decreto-lei 201/1967 não prevê
sanção de suspensão dos direitos políticos, expressamente prevista no
art. 37, § 4º, da Constituição Federal.
49
50. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
A vingar o entendimento judicial, restará sem aplicação ao
Vereador-Presidente essa sanção de ordem política prevista no
mencionado dispositivo constitucional, e, igualmente, no artigo 12 da
Lei 8.429/1992, negando o decisum vigência a ambas as disposições e
ferindo o princípio da igualdade, posto que em se tratando de ímprobo
Vereador ou Prefeito, esses jamais poderiam ter seus direitos políticos
suspensos, enquanto os réus alcançados pela Lei 8.429/1992 – e este
é o caso –, poderiam ser atingidos pela suspensão.
A solução adequada não reside em se deixar para a
própria Câmara de Vereadores a aplicação da cassação do mandato,
ignorando-se a suspensão dos direitos políticos, como fez a sentença.
O problema se resolve pelo reconhecimento de ambos os modelos de
responsabilidade – responsabilidade política e responsabilidade por ato
de improbidade administrativa –, a partir de uma interpretação
constitucional e sistemática do Decreto-lei 201, e pela natural
comunicação das instâncias de responsabilidade.
Portanto, a sentença só não se aplicaria a cassação do
mandato, que a Lei 8.429/1992 denomina de perda do cargo, em duas
hipóteses:
1º - diante do não cabimento, no caso concreto, tendo em vista a
desproporcionalidade entre o fato ilícito e as punições de perda do
cargo e de suspensão dos direitos políticos; e
2º - acaso o processo político já tivesse decretado a cassação do
mandado de Vereador, antes da prolação da sentença na ação de
50
51. 5ª Procuradoria de Justiça Cível
Apelação Cível nº 465638-0
improbidade administrativa, haja vista a comunicação de instâncias, e
para que não ocorresse o indevido bis in idem.
Afastada a primeira hipótese, haja vista a gravidade dos
ilícitos, como no caso em testilha nada se fez na instância política,
está o Poder Judiciário autorizado com base nos artigos 37, § 4º, e
129, inciso III, da Constituição Federal, e com base nos artigos 10, 11,
12 e 17 da Lei 8.429/1992, a decretar a perda da função pública por
parte do Presidente da Câmara de Vereadores de Maringá, João Alves
Correa, bem assim a suspender seus direitos políticos por 8 (oito)
anos, sem prejuízo do solidário ressarcimento do dano, já decretado.
Neste particular aspecto, é oportuno transcrever excerto
da obra de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:
“Tomando-se como parâmetro a estrutura organizacional da
administração pública, erigida fundamentalmente sobre o princípio da
hierarquia administrativa, constata-se que maior reprovabilidade
assumirão os atos de improbidade praticados por aqueles que tem o
dever de fiscalizar seus subordinados por ocupar o ápice da pirâmide
funcional, pois, nas palavras de Aristóteles (A Ética, 1ª parte, p. 28), „é
preciso que tenha sido educado em hábitos honestos aquele que deverá
estar em condição de ouvir falar de honestidade, de justiça e, em geral, de
coisas políticas‟. Francisco Bilac Moreira Pinto (ob. cit., p. 91) acresce que
„a falta de observância dos altos padrões, a que o público tem o direito
de esperar, por parte dos funcionários públicos, lança um estigma sobre
o grupo, sobretudo quando a indisciplina emana daqueles que detêm a
51