O documento descreve a vida e obra do Prof. Bissaya-Barreto, um homem que se destacou por sua extraordinária obra social em diversas áreas, como saúde, educação e desenvolvimento econômico. O texto também menciona a amizade de longa data entre Bissaya-Barreto e Oliveira Salazar e como ele usou essa influência para ajudar opositores do regime político da época.
1. 10 BISSAYA-BARRETO NOVEMBRO DE 2008
Prof. Bissaya-Barreto:
um Homem do futuro
O Prof. Bissaya-Barreto, para além de prestigiado cirurgião e ilustre mestre de Medicina, destacou-se
por ter levado a cabo uma extraordinária obra social, nas mais diversas áreas, mas também uma relevante
actividade cívica e uma notável acção em termos de empreendedorismo e desenvolvimento do território.
Algumas das suas iniciativas vão citadas nas páginas seguintes, e por elas se pode ficar com uma ideia
do que foi o incansável labor deste Homem em prol do seu semelhante, antes de tudo, mas também do seu País.
Este suplemento pretende ser uma homenagem singela a Bissaya-Barreto e à Fundação com o seu nome,
criada há precisamente 50 anos, e que tem sabido ser digna continuadora dos ideais do seu Patrono
Novembro / 2008 suplemento do jornal
2. arte em café
2II BISSAYA-BARRETO NOVEMBRO DE 2008
Um grande Homem,
O Prof. Bissaya-Barreto é uma figura
notável, seja qual for o ângulo de análi-
se da sua multifacetada actividade.
Uso o verbo, deliberadamente, no pre-
sente (é, e não foi), para significar que
O Prof. Bissaya-Barreto
ele continua a ser, nos tempos que cor- era um homem de acção,
rem, uma personalidade não apenas como o demonstra a espantosa
rara, mas verdadeiramente ímpar! obra que legou, mas era também
um intelectual de inteligência rara
Isso está eloquentemente demonstrado e grande sensibilidade, sempre
na obra, tão vasta quanto valiosa e diversifi- a pensar em novos empreendimentos
cada, que concretizou no passado, muitas que pudessem ajudar
os mais desfavorecidos
vezes com métodos precursores (alguns que
ainda hoje estão espantosamente actuais)
e que, graças a dignos continuadores, per-
manece bem viva e pujante.
Dizer isto, aqui e agora, numa altura
saya, quando o viu pelo vidro, fez-lhe um
em que se celebram os 50 anos da Fun-
cordial aceno para que entrasse.
dação que criou, poderia ser interpreta-
“Então é este o seu herdeiro?” – inda-
do como elogio fácil e sem outra consis-
gou com um sorriso, enquanto me fazia
tência que não a de juntar a voz ao coro
uma festa na cabeça e convidava meu
de loas que, muito justamente, dos mais
Pai a sentar-se frente a ele, no banco de
ilustres aos mais humildes, se tem er-
três lugares forrado de vermelho
guido ao longo de 2008 – ano em que
Começaram a conversar, não sei de
tem vindo a ser concretizado rico progra-
quê. Aliás, nem ouvia o que diziam, ocu-
ma comemorativo, recheado de momen-
pado que estava a olhar aquele senhor
tos de grande elevação em diversos do-
que acabara de conhecer, intimidado,
mínios (apesar de ter sido também um
mas que afinal não era grande e depressa
ano de profunda tristeza, pela morte, tão
se me tornou simpático, pelo sorriso e
prematura, do Eng. Nuno Viegas Nasci-
pelo tom de voz. Numa prateleira, junto
mento, que durante décadas presidiu à
à janela, uma bandeja com uma cháve-
Fundação Bissaya-Barreto).
na, ao lado de um objecto estranho (que
pouco depois verifiquei ser um bule com
Sucede, porém, que as afirmações que
chá, tapado com uma “carapuça” de fel-
aqui deixo agora escritas, são apenas a
tro, para que não arrefecesse).
repetição das que publiquei há três dé-
Lembro-me de meu Pai me dizer de-
cadas no “Jornal de Notícias”, numa al-
pois que o Prof. Bissaya ia a Lisboa, de
tura em que os “ventos revolucionários”
comboio, todas as semanas, alojando-
varreram, finalmente, muitas prepotên-
-se no Hotel Métropole (recordo achar
cias, mas também sopraram, de forma Foi num dia em que entrei, com meu mem grande, alto. Mas apenas apareceu
estranha a fonética, pois pensava que
lamentável, várias injustiças. Pai, no comboio “rápido” que nos leva- um senhor de baixa estatura e andar
se devia dizer metrópole...), que perten-
ria de Coimbra a Lisboa. Embora a CP não apressado que entrou para uma carrua-
cia a outro amigo comum, Alexandre de
(Nesse período conturbado e pouco to- primasse pela pontualidade, certo é que gem de 1.ª classe, enquanto o chefe da
Almeida (um príncipe da hotelaria portu-
lerante, era ousadia elogiar qualquer fi- já passavam vários minutos para além Estação o cumprimentava, tirando o
guesa).
gura que, mesmo levianamente, fosse do horário, mas a composição mantinha- boné, para logo de seguida tocar a cor-
E igualmente aprendi de meu Pai, nessa
conotada com o regime deposto. Por isso -se muda e queda nos carris. Meu Pai, o neta de metal amarelo, reluzente, que
inesquecível viagem (quando o questionei
tive a grata satisfação de ver esse meu jornalista José Castilho, talvez impelido dava ordem de marcha ao maquinista.
sobre o facto do Prof. Bissaya, ao contrário
gesto, e outros semelhantes que assumi por curiosidade profissional, saiu da car- Alguns minutos depois, quando o revi-
do que ele afirmara, não ser um homem
ao longo dos anos, serem gentilmente ruagem, comigo pela mão, para indagar sor veio picar, com um alicate, os peque-
grande...), que a grandeza dos homens se
reconhecidos e agradecidos pelo Presi- o que motivava a estranha demora. O nos bilhetes cinzentos, de cartão gros-
não mede aos palmos, pelo tamanho, pela
dente da Fundação, Viegas Nascimento). Chefe da Estação esclareceu, em voz so, meu Pai perguntou-lhe onde se en-
envergadura física, mas antes se determi-
baixa e tom respeitoso: “Estamos à es- contrava o Prof. Bissaya.
na pela estatura moral, pela forma como
Ora o Prof. Bissaya-Barreto, mais pela pera do senhor Professor Bissaya-Bar- Obtida a resposta, lá me levou corre-
passam pela vida.
sua amizade por Salazar do que pelos reto...”. dores adiante, a mão protectora no meu
cargos políticos que ocupou, foi uma das Vi o meu Pai sorrir, o que me tranquili- ombro, a amparar-me dos balanços do
Depois tornei a ver o Prof. Bissaya-Bar-
figuras injustiçadas nessa época em que zou, e enquanto voltávamos a entrar na comboio, mais apertada quando era pre-
reto por diversas vezes, e muitas mais
a Democracia dava os primeiros passos. carruagem perguntei-lhe quem era esse ciso passar de uma carruagem para a se-
ouvi meu Pai a falar com ele por telefo-
Aliás, não só injustiçado, mas esquecido senhor tão importante que até o comboio guinte, sobre chão de ferros assustado-
ne. Lembro-me, particularmente, de uma
e, pior, até mesmo atacado por muitos esperava por ele. ramente movediços e rajadas de vento
acesa polémica escrita que manteve com
daqueles que tanto ajudou!... “É um grande homem e um grande ami- ruidoso.
outro amigo de meu Pai, o Prof. Ibérico
go! Daqui a pouco vais conhecê-lo”.
Nogueira, nas páginas do “Diário de
Sei do que falo, porque, ainda criança, Depressa chegámos à porta de um dos
Coimbra” (de que meu Pai era Chefe de
tive o privilégio de conhecer Bissaya-Bar- Lá fiquei de nariz encostado à janela compartimentos numerados, a que meu
Redacção), numa série de artigos que,
reto. do “rápido”, à espera de ver surgir um ho- Pai nem chegou a bater, pois o Prof. Bis-
3. NOVEMBRO DE 2008 BISSAYA-BARRETO 3
III
uma Obra enorme
se a memória me não falha, tinham por
título “Coimbra precisa de um Hos-
pital-Universidade, Coimbra preci-
sa de um Hospital-Cidade”. E, efec-
tivamente, o Hospital-Geral da Colónia
Portuguesa do Brasil (que Bissaya-Bar- António de Oliveira Salazar
reto criara inicialmente para tratamento e Bissaya-Barreto: uma amizade forjada
da tuberculose) viria a tornar-se num nos bancos da Universidade de Coimbra,
que se prolongou pela vida fora,
modelar Hospital civil de Coimbra, hoje e que não raro Bissaya-Barreto utilizou
designado por Centro Hospitalar de para proteger opositores do regime
Coimbra (vulgarmente conhecido como e para facilitar o lançamento de obras
de importância para Coimbra,
Hospital dos Covões, por caussa da sua para a Região Centro
localização). e para o próprio País
Se evoco esta experiência pessoal, é
para referir algo que me parece impor-
tante para definir a personalidade do
Prof. Bissaya-Barreto.
A relevantíssima acção de Bissaya Bar-
Meu Pai foi sempre um homem “de es-
reto não se quedou pelas áreas da saú-
querda”, no sentido mais nobre da ex-
de e da assistência (e, dentro destas,
pressão – isto é, lutando toda a sua vida
pelas diversas instituições de ensino que
por uma sociedade mais justa e mais fra-
criou e fomentou, e pelas políticas que
terna e pela liberdade de expressão que
influenciou)
tanto prezava e que a Censura do regi-
A sua sensibilidade estética levou-o a
me impedia (faleceu em 1969, sem ter
reunir uma valiosíssima colecção de
visto concretizado o sonho de mudança
obras de arte, hoje espalhadas por di-
que só chegaria 5 anos depois, com a
versos edifícios da Fundação, com es-
Revolução de 25 de Abril).
pecial destaque para o magnífico recheio
Usava a caneta como esgrimista exí-
da sua residência principal em Coimbra,
mio, belas palavras em golpes geniais,
o palacete junto aos Arcos do Jardim,
corajosos e contundentes, que acaba-
transformado em Casa-Museu Bissaya-
riam por valer-lhe a prisão, pois a Dita-
-Barreto (e que acolhe uma actividade
dura não admitia tais atrevimentos.
cultural intensa, incluindo a sua galeria
Só anos mais tarde, já adolescente,
de arte).
soube que foi graças à intervenção do
Prof. Bissaya-Barreto que o libertaram.
Mas importa sublinhar que Bissaya-
Do mesmo modo que vim a saber que a
Barreto desenvolveu, em simultâneo,
muitos outros opositores do regime ti-
uma outra obra de importância equiva-
nha valido uma palavra de Bissaya-Bar-
lente à que concretizou no plano social.
reto ao seu grande amigo Salazar, para dois antigos condiscípulos. Instituto Maternal, hoje Maternidade
Estou a referir-me ao seu trabalho na
que saíssem das masmorras do regime. A verdade é que isso nunca afectou a Bissaya-Barreto, foi uma instituição al-
área do desenvolvimento económico, so-
Soube também que a amizade de Bis- amizade recíproca. tamente inovadora na época), e o espan-
bretudo de Coimbra e de outras zonas
saya-Barreto por Salazar se forjara nos Uma amizade que Bissaya-Barreto toso “Portugal dos Pequenitos” (que con-
da Região Centro.
bancos da Universidade de Coimbra, sempre aproveitou para conseguir levar tinua a atrair e a deslumbrar, anualmen-
As suas iniciativas foram muitas e di-
onde foram condiscípulos, e que havia a cabo, mais facilmente, os seus pionei- te, centenas de milhar de miúdos e graú-
versificadas, desde a instalação dos Es-
de manter-se pela vida fora, apesar de ros projectos de intervenção e desenvol- dos, nacionais e estrangeiros).
taleiros Navais do Mondego, na Figueira
defenderem ideais bem diversos. vimento social (até mesmo a nível do Go- Mas as preocupações de Bissaya Bar-
da Foz, até à criação do Aeródromo de
verno do País, como sucedeu com a cria- reto não se quedavam pela assistência
Coimbra (que merece referência alarga-
Desde logo, enquanto Salazar era mo- ção do Ministério da Saúde), ao mesmo às crianças e às mães, antes se esten-
da noutro local deste suplemento), pas-
nárquico, Bissaya-Barreto foi sempre, tempo que igualmente ia intercedendo diam a outros seres humanos que a Na-
sando pelo lançamento e pelo apoio a
desde muito jovem, um apaixonado Re- junto do Ditador para livrar muitas pes- tureza penalizara – como os cegos, os
muitas outras empresas e instituições
publicano, que chegou mesmo a afron- soas das perseguições da PIDE (a polí- surdos, os tuberculosos e os leprosos,
dos mais variados sectores, desde o ter-
tar o Rei D. Manuel II, em cerimónia so- cia política do regime salazarista). tendo criado instituições de grande qua-
malismo ao ensino (nomeadamente da
lene na Universidade de Coimbra (epi- lidade no apoio a pessoas afectadas por
enfermagem e do serviço social).
sódio que ficou famoso e que se relata Porque outra das características de estas deficiências e patologias.
mais à frente, noutra página deste suple- Bissaya-Barreto era o humanismo, a sua Antes de erguer estas instituições, Bis-
Por tudo isto afirmo, ciente de que não
mento). constante preocupação com os mais saya-Barreto procurava saber o que ha-
exagero, que Bissaya-Barreto foi, na sua
Bissaya-Barreto foi igualmente um desfavorecidos e vulneráveis. via de mais avançado, a nível mundial,
época, e pode considerar-se ainda hoje,
destacado membro da Maçonaria – so- A obra que desenvolveu em prol das em cada uma das áreas em que preten-
para além de cultor da solidariedade, um
ciedade secreta (agora preferem classifi- crianças é absolutamente pioneira e ex- dia intervir, adoptando os métodos e os
pioneiro, um visionário, um empreen-
cá-la como discreta...) que Salazar detes- traordinária, mesmo se avaliada pelos equipamentos mais modernos, que me-
dedor – enfim, um Homem do futuro!
tava. parâmetros actuais. Dos “Ninhos” dos lhorava com adaptações ditadas pela
E muitas outras divergências de con- pequenitos às Casas da Criança, passan- sua inteligência e pela sua capacidade
Jorge Castilho
vicções e de práticas existiam entre os do pela assistência materno-infantil (o inventiva.
4. 4
IV BISSAYA-BARRETO NOVEMBRO DE 2008
PER ANTE O EMBARGO JUDICIAL, BIS SAYA-BARRETO MANDOU AVAN
PERANTE BISSAY
SAYA-BARRETO AV
Aeródromo de Coimbra c
Escrever ou falar sobre o Aeródromo de
Coimbra é referir as várias etapas da sua
evolução, o percurso da aviação civil em
Coimbra e os nomes dos que lhe estão
ligados.
São partes de um mesmo corpo que não
se devem separar.
Como tudo tem um começo há que lem-
brar a génese, o mentor, a acção do ilustre
Homem que foi Bissaya Barreto.
Com vasta e pioneira actividade que ul-
trapassou o nosso distrito, foi em Coimbra
que mais tempo viveu, estudou e planeou
as suas obras, avançadas para a época, das
quais as mais emblemáticas estão nesta
cidade.
Uma delas é o Aeródromo de Coimbra,
que muito justamente tem o seu nome.
Contudo, é de estranhar que este espaço
seja citado por vezes como de Cernache.
Se tal pudesse dizer-se, muito mais racio-
nal seria chamar-lhe de Antanhol porque a
área que ocupa pertence maioritariamente
a esta freguesia.
É minha convicção que tal confusão te-
nha origem no facto de todos os proprietá-
rios dos terrenos adquiridos para neles se
construir o campo de aviação, ao tempo O Prof. Bissaya-Barreto, no banco de trás do helicóptero, no Aeródromo que tem o seu nome
moravam em Cernache. diferente da actual, situando-se perto do camente, um campo de aviação. bra). Este incremento, com a Escola Bissaya
O aeródromo serve Coimbra e a sua re- cruzeiro que, de antigo, só tem a coluna A ideia de dotar a cidade com uma pista e Barreto a formar pilotos que incluíam se-
gião, mas nunca Cernache ou Antanhol em dórica. Para o templo hoje existente pas- escola de pilotos era mais uma das várias nhoras, coincidiu com a direcção de José
particular. sou parte do recheio antigo. Podem ver-se que Bissaya Barreto concretizou durante a Varela dos Reis.
(Embora aquela seja uma bela e simpáti- nele várias esculturas em pedra e madeira. sua vida, sempre a favor de Coimbra. Dos contactos para a compra das 11 par-
ca localidade, com um passado de que se Destas, duas do século XVIII, barrocas, vie- A primeira vez que manifestou publica- celas de terreno que constituíam a deseja-
deve orgulhar, no escrito de hoje inclinar- ram de Coimbra: S. Bernardo, vestido de mente esse desejo foi em 1939, bem antes da área para uma pista, que se pretendia
me-ei para Antanhol, onde existiu o solar branco e, contrastando, S. Roberto, vestido que qualquer outra localidade se adiantas- com 1.000 metros, tratou o dr. José Pimenta
dos Cunhas, família que mais tarde se mu- de negro). se com a mesma intenção. (que foi responsável pelo Turismo de Coim-
dou para Maiorca, Figueira da Foz. Voltando ao Aeródromo: cedo se formou Formou-se uma comissão constituída bra). A apoiar a administração lembro Filipi-
Documentos antigos chamam-lhe “Cava- o grupo de entusiastas que se bateu tam- pelo Professor Bissaya, representando a no Martins (um rádio-amador de prestígio
leiros de Antanhol”, designação que nessa bém por um aeródromo em Coimbra. Bapti- Junta Distrital, com esta a comprar o terre- internacional), cujo nome também está gra-
época era uma honraria. zei-os de “bons guerreiros” porque a sua no, o piloto Carlos Galo e o major Humberto vado no memorial levantado em frente às
A primeira igreja foi edificada em local ambição era nobre e pacífica: voar e, logi- Pais, da Força Aérea Portuguesa (FAP). A instalações do aeródromo. Três nomes a
compra dos terrenos arrastar-se-ia e só vi- não esquecer.
ria a ser concluída vários anos mais tarde. As terraplanagens tiveram que vencer
Entretanto a pista foi ganhando forma e desníveis nos terrenos e não se livraram de
com tal incremento que em 10 de Março de burocracias por causa da existência de um
1940 aterrou nela o Tiger n.º 146 da FAP, duplo declive, com fosso também duplo. A
pilotado pelo major Humberto Pais, em ex- zona era conhecida por Mata Velha ou Ci-
periência de operacionalidade. dade Velha, sendo este nome mais apro-
Logo em 15 de Julho seguinte, o que exis- priado por haver ali uma “fortificação” ro-
tia do campo de aviação foi inaugurado. mana, que se julga ter pertencido à época
Posteriormente outras inaugurações tive- que medeia entre o avanço de Décimus Ju-
ram lugar, enquanto as obras decorriam. nius Brutus – Callaicos (138-135 A.C.) e o
O grupo de entusiastas também não de- protectorado da Ulterior de Júlio César
sistia dos seus esforços, o que levou à cria- (61 A.C.)”, segundo o Inventário Artístico
ção de uma Secção Aeronáutica na Associ- – Coimbra, de Vergílio Correia e Noguei-
ação Académica de Coimbra, garantida que ra Gonçalves.
estava a pista adequada às necessidades O pouco que restava desta posição mili-
de maior autonomia. À Secção sucedeu o tar, que os romanos terão utilizado por fi-
Centro de Aeronáutica (e mais tarde, em 14 car entre Conímbriga e Aeminium (Coimbra),
Para além das aeronaves civis, o Aeródromo de Coimbra tem servido também
para aterragem de aviões militares, como a imagem documenta de Janeiro de 1976, o Aero Clube de Coim- nunca foi explorado pelos especialistas,
5. NOVEMBRO DE 2008 BISSAYA-BARRETO V5
AS MÁQUINAS PAR RASGAR PISTA DURANTE
ARA
NÇAR A S MÁQUINA S PAR A R A SG AR A PISTA DUR ANTE A NOITE
onstruído à luz do luar!...
deduzindo-se que até os arqueólogos não Força Aérea, com envio de dois aviões, pilo- para aeronaves de média capacidade, in- sul, e da Europa, especialmente Espanha
lhe atribuíram importância. Constava de um tos instrutores e um mecânico. cluindo as internacionais, para o que está e França.
entricheiramento de campanha. Na verda- Na sala de recepção do edifício está um devidamente equipado. Numa altura em que se presta homena-
de, mesmo que em escavações se encon- busto do Prof. Bissaya Barreto, ali coloca- O actual presidente da direcção do Aero gem ao Prof. Bissaya Barreto, era obrigató-
trasse algo como uma fivela de centurião, do aquando de uma home-
moedas, lanças ou punhais, que valia tudo nagem que lhe foi prestada
isso comparado com a existência de uma em 4de Junho de 1997, por
escola de aviadores apoiada numa pista, iniciativa da Câmara Munici-
às portas de Coimbra? pal e do Aero Clube.
Em 22 de Fevereiro de 1958, após reu- A propriedade do conjun-
nião de altas individualidades, foi decidi- to das instalações ficou
do nivelar parte do terreno, deixando uma para a Junta Distrital de Co-
outra com vista a futuras escavações ar- imbra, que em 1984 celebrou
queológicas. um protocolo de cedência
O general Santos Costa, então Ministro da com a Câmara Municipal de
Defesa Nacional, participante da citada reu- Coimbra.
nião, determinou destacar um Serviço de Esta, por sua vez, assinou
Engenharia Militar, com máquinas pesadas outro protocolo com o Aero
e pessoal para iniciar os trabalhos. Mas eis Clube, respeitante à explo-
que surge um embargo judicial , suspenden- ração por este da parte des-
do toda a actividade, com regresso dos mili- portiva e técnica, conservan-
tares ao quartel, mas ficando no terreno toda do, porém, a exploração comercial. Clube é o coronel José Oliveira, que assu- rio falar de mais este arrojado empreendi-
a maquinaria. José Varela tinha estudado o Vai longe a caricata situação de perso- miu o cargo em 30 de Setembro de 2006, mento que Coimbra e o País lhe devem. Por
seu funcionamento antes desta paragem, o nalidades dos governos português e fran- com o entusiasmo dos que sobem mais alto. isso aqui evoco as minhas recordações dos
que foi utilíssimo quando o Prof. Bissaya to- cês, acabadas de aterrar em Coimbra, que Das melhorias que conseguiu para o aeró- vôos que fiz há anos, principalmente com o
mou a grande decisão de sugerir a retoma- ante a falta de instalações sanitárias tive- dromo, saliento a que levou ao desapareci- dr. Viriato Namora, que é sócio efectivo n.º
da dos trabalhos, entusiasmando quem a ram de se encostar aos pinheiros para alí- mento dos bidons de gasolina dos terrenos 1 da Secção Aeronáutica da AAC, data em
aguardava: “Numa destas lindas noi- vio das suas necessidades fisiológicas. Pre- marginais do parque de estacionamento. que já pertencia ao grupo de entusiastas
tes de luar pode-se fazer uma linda sidia então ao Aero Clube o eng. Teles de O combustível está agora num carro-tan- que tanto se esforçaram para que o Aeró-
obra. Avancem!”. E foi numa azáfama in- Oliveira, que de imediato aplicou os seus que, cedido pela FAP. dromo Bissaya Barreto se tornasse numa
descritível, com José Varela manobrando um conhecimentos técnicos na elaboração do Num esforço final, espera-se que o arma- realidade de enorme importância para o
bulldozer à luz dos faróis dos automóveis da projecto no qual saiu o edifício base do zenamento venha a ser subterrâneo. desenvolvimento desta Região.
“muralha”, que se fez o que tinha de ser aeródromo. Em aberto continua um outro plano regio- (Naquele tempo voava e fotografava, o
feito, ao que a cidade correspondeu com As formações de pilotos continuam, au- nal para receber aeronaves maiores, como que me proporcionou alguns bons prémios,
brita e areia em quantidade. Chegara a vez mentando a pleíade com estatuto próprio, o 747 da Boeing e o A380 da Airbus, que já incluindo a publicação em livros, dos quais
do alcatrão. como é timbre dos pilotos de máquinas voa- suplantou tecnicamente aquele seu rival. destaco “Coimbra vista do céu”, do arqui-
A Escola tem formado dezenas de pilo- doras, nas quais fazem os seus primeiros No perímetro do aeródromo está uma tecto Filipe Jorge, e texto do seu colega José
tos, sob a responsabilidade de sucessivos vôos a pensar – quem sabe? – subir mais oficina especializada, empresa particu- António Bandeirinha).
e credenciados instrutores, tendo chegado além, agora em máquinas que podem levá- lar intitulada “Indústrias Aeronáuticas E se este escrito já vai longo, o “culpado”
a formar num só ano mais pilotos que to- -los a outros mundos. de Coimbra”. é o dr. Viriato Namora, que fez o favor de
das as outras escolas do País. Apesar das melhorias rodoviárias, o inte- Trabalha de acordo com a legislação eu- me facultar alguns dados, o que muito lhe
É justo também lembrar que, nos tempos resse deste aeródromo mantém-se, integra- ropeia, dando apoio a aeronaves ligeiras agradeço.
iniciais, esta instrução se ficou a dever à do que está na rede nacional interna e até e os seus clientes vêm do País, de norte a Varela Pècurto
6. que o carac
6
VI BISSAYA-BARRETO NOVEMBRO DE 2008
A eloquência das realizações
Bissaya-Barreto foi um homem de acção, que conseguiu concretizar uma obra ímpar,
quer pela quantidade e diversidade, quer pela qualidade de todos os seus empreendi-
mentos. A relação de alguns deles, que nesta página se publica, é mais eloquente do que
quaisquer palavras.
Mas importa também salientar a sua dedicação ao ensino e à prática da Medicina,
bem como o entusiasmo pelos grandes projectos empresariais que lançou, numa
polivalência que estas imagens pretendem simbolizar.
Com um grupo de seus alunos finalistas de Medicina, no Hospital dos Covões
· 3 Sanatórios · 1 Instituto de Surdos
anti-tuberculose · 1 Instituto de Cegos
· 1 preventório · 26 Casas da Criança
· 2 Hospitais · 3 Colónias de Férias
Psiquiátricos · 2 Bairros Sociais
· 1 Colónia Agrícola · Escola de Enfermagem
Psiquiátrica “Bissaya Barreto”
· 1 Leprosaria · Escola Normal Social
· 1 Creche/Preventório · Escola de Enfermeiras
para filhos de leprosos Puericultoras
· 1 Centro de Reabilitação · Escola Profissional de
para ex-leprosos Agricultura, Artes e Ofícios -
· 1 Hospital Geral Central em Semide
· 1 Hospital Pediátrico · Dispensários, Brigadas
· 1 instituto Materno Infantil móveis, Postos rurais
· Casa da Mãe · Portugal dos Pequenitos
(Figueira da Foz) · Aeródromo de Coimbra
· 1 Centro de Neurocirurgia · Estaleiros Navais
· 1 Centro Hospitalar do Mondego
· etc ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Bissaya-Barreto “escrevia poemas” com o bisturi
(assim salvando muitas vidas),
e fazia “intervenções cirúrgicas” com a caneta,
em textos polémicos em que defendia os seus ideais
e tudo aquilo que achava poder contribuir
Ao centro, em cerimónia de “bota-abaixo” de um novo barco nos Estaleiros Navais para melhorar a sociedade,
do Mondego, na Figueira da Foz, um dos seus grandes empreendimentos na área sempre com os olhos postos no futuro
empresarial, que muito contribuiu para o desenvolvimento do País
7. NOVEMBRO DE 2008 BISSAYA-BARRETO 7
VII
HÁ PRECISAMENTE UM SÉCULO (A 20 DE NOVEMBRO DE 1908)
O jovem estudante republicano
que rejeitou prémio do Rei
O Rei D. Manuel II (imagem ao lado) ficou atónito e vexado quando Fernando Bissaya-Barreto
(foto abaixo) se recusou a ir receber, das mãos do também jovem monarca, os prémios
que este pretendia entregar-lhe. “Eu não conheço o Rei!”. Esta foi a ousada afirmação
do estudante republicano, que ficou para História
Bissaya Barreto desde muito cedo se revelou um apaixonado lutador
pelos princípios republicanos, numa altura em que Portugal era ainda
uma Monarquia.
Foi um activista corajoso e consequente, enquanto aluno da Universi-
dade de Coimbra, vindo mesmo a fazer parte do grupo de 160 estudan-
tes republicanos que receberam a designação de “Os Intransigentes”,
durante a greve académica de 1907. Essa militância levou a que tivesse
sido escolhido como delegado ao Congresso do Partido Republicano.
Mas seria no ano seguinte que o jovem Fernando Bissaya-Barreto
viria a protagonizar um episódio que ficou para a História.
Foi no dia 20 de Novembro de 1908 (há precisamente cem anos),
quando o Rei D. Manuel II se deslocou à Universidade de Coimbra para,
como era tradição, entregar os prémios aos melhores alunos das diver-
sas Faculdades (aqueles que haviam conseguido obter nota igual ou
superior a 18 valores).
A cerimónia pomposa decorria na Sala Grande dos Actos, e o Rei lá ia
entregando os prémios aos alunos laureados.
Bissaya-Barreto conquistara o direito às distinções pelas elevadas classificações
que obtivera nos cursos de Medicina, mas também de Matemática e de Filosofia.
A verdade é que proferido o seu nome por três vezes, para receber, das maõs do Rei,
os prémios a que fazia jus, o jovem Fernando ousou manifestar o seu republicanismo,
ignorando ostensivamente as chamadas, apesar de estar mesmo nas filas da frente.
Na Sala Grande dos Actos, repleta de professores, estudantes e autoridades, fez-se
um silêncio sepulcral. O Rei D. Manuel II, de diplomas nas mãos, aguardava que o
estudante premiado se levantasse e se lhe dirigisse para receber a honraria.
Em vez disso, porém, Bissaya-Barreto manteve-se sentado no seu lugar, impassí-
vel. E enquanto todos os olhos nele se fixavam, o jovem exclamou, num desabafo de
alma:
“Eu não conheço o Rei!”.
Bissaya-Barreto (em cima, ao centro) com alguns A ousadia teve ecos nos jornais da época, e fez dele um herói entre os republicanos
outros estudantes do grupo “Os Intransigentes” que, dois anos mais tarde, a 5 de Outubro de 1910, viriam a derrubar a Monarquia.
8. 8
VIII BISSAYA-BARRETO NOVEMBRO DE 2008
NO DIA 26 DE NOVEMBRO (QUARTA-FEIRA)
Fundação Bissaya Barreto
completa meio século
No próximo dia 26 (quarta-feira) a Fun-
dação Bissaya-Barreto completa meio
século de intensa e diversificada activi-
dade.
Ao longo de 2008, têm sido muitas e
variadas as iniciativas para assinalar,
condignamente, os 50 anos de existên-
cia da Fundação, num programa vasto e
de grande qualidade.
Como refere o Comissário das Come-
morações, Dr. Carlos Páscoa, “neste ano
de cinquentenário da Fundação que Bis-
saya Barreto criou, relembra-se o Homem
cuja memória se respeita e acentua-se
o muito que tem sido feito para dar se-
quência à sua obra”.
Desde 1981, a responsabilidade de di-
rigir a Fundação esteve confiada eo Eng.
Nuno Viegas Nascimento, que a esse di-
fícil papel se dedicou de forma apaixo-
nada ao longo de 27 anos, até que a
morte o levou, prematuramente, no pas-
sado dia 29 de Julho.
O testemunho foi passado a sua Mu-
lher, Dr.ª Patrícia Viegas Nascimento, que
assumiu a Presidência da Fundação e lhe
manteve o rumo e o dinamismo.
ORIGENS DA FUNDAÇÃO
Foi a 26 de Novembro de 1958 que o
Governo de então oficializou a criação Na origem da Fundação estava, natu- 27 SERÁ O PRIMEIRO DIA
da Fundação, através de um despacho ralmente, a vontade do Prof. Bissaya- DO PRÓXIMO MEIO SÉCULO Bissaya-Barreto, com o seu exemplo,
Barreto de arranjar forma de incremen- continuará, certamente, a apontar
que publicava também os respectivos
o rumo do futuro da sua Fundação
Estatutos. tar a sua acção social diversificada, ga- Nascido em Castanheira de Pêra a 29
Como fundadores, um grupo de notá- rantindo, ao mesmo tempo, que ela iria de Outubro de 1886, Fernando Bissaya-
veis. amigos e admiradores de Bissaya- perdurar para além da sua morte. Barreto viria a ter uma carreira académi-
Barreto: D. Ernesto Sena de Oliveira (Ar- Nos Estatutos referia-se, a dado pas- ca brilhante, quer enquanto aluno, quer
cebispo Bispo-Conde de Coimbra); Coro- so do Artigo 10.º: depois, como Professor da Faculdade de
nel Ernesto Nogueira Pestana (então Go- “(...) Os signatários constituem, na ci- Medicina, de que viria a ser catedrático.
vernador Civil de Coimbra); Juiz Conse- dade de Coimbra, uma instituição parti- Notável foi igualmente a sua acção
lheiro José Perestrelo Botelheiro (na épo- cular de utilidade pública e fins de as- como médico, invulgar a sua actividade
ca Presidente do Tribunal da Relação de sistência, ao abrigo (...) destinada a con- política (iniciada ainda enquanto aluno
Coimbra); Dr. Joaquim Moura Relvas (mé- tinuar a obra criada e mantida durante da Universidade de Coimbra, em prol dos Daí que se não estranhe que algumas
dico radiologista, e na altura Presidente mais de meio século pelo Prof. Doutor ideais republicanos). das mais destacadas personalidades da
da Câmara Municipal de Coimbra); Dr. Bissaya Barreto, quer como cidadão quer Mas os aspectos mais relevantes da vida nacional tenham vindo a participar
José dos Santos Bessa (médico pedia- como orientador de organismos assis- sua vida (faleceu a 16 de Setembro de neste relevante programa comemorati-
tra, colaborador muito próximo de Bis- tenciais”. 1974, em Lisboa, poucos dias antes de vo que agora chega ao fim.
saya-Barreto e então deputado da As- E acrescentava-se: completar 88 anos e poucos meses após Porque, disso estamos certos, 27 de
sembleia Nacional); Eng. José Horácio de “Como justa homenagem e devida gra- a Revolução de 25 de Abril) foram, sem Novembro será o primeiro dia do próxi-
Moura (que viria a ser Governador Civil tidão às altas qualidades e serviços pres- dúvida, as múltiplas iniciativas de carác- mo meio século de existência da Funda-
de Coimbra de 1959 a 1970); e Dr. Lino tados à sociedade no vastíssimo campo ter social e assistencial que promoveu, ção, que saberá ir encontrando, como até
Cardoso de Oliveira (advogado e então da sua actividade, a Fundação adoptou a par com outras que muito contribuíram aqui, os que melhor conseguirem dar
Presidente da Câmara Municipal de Can- o nome daquele iminente professor mé- para o progresso de Coimbra, da Região continuidade à extraordinária obra de
tanhede). dico-cirurgião. (...)”. Centro e do País. Bissaya-Barreto.
O CENTRO agradece à Fundação Bissaya-Barreto
Novembro / 2008 a cedência das imagens que ilustram este suplemento suplemento do jornal