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• O ROTEIRO DOS SETE CAPITÃES E A CAPITANIA DE SÃO TOMÉ:
CONFRONTAÇÕES DOCUMENTAIS NUMA PERSPECTIVA
INTERDISCIPLINAR
Renato Pereira Brandão / UNESA

In Anais da I Jornada de Trabalho do Laboratório de Análise do Processo Civilizatório Memória: Contribuições Para a Preservação da Região Norte Fluminense. Campos dos
Goytacazes. Universidade Estadual do Norte Fluminense, 1997, p. 31-36.

RESUMO

O documento denominado "Descrição que faz o Capitão Ayres Maldonado e o Capitão
José de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que
tiveram nas conquistas da capitania do Rio de janeiro e São Vicente, com a gentilidade e
com os piratas n' esta costa", também conhecido como, simplesmente, "Roteiro dos sete
capitães", apesar da controvérsia que o cerca, é considerado como uma das mais
importantes fontes históricas do Norte Fluminense. Abordaremos aqui a polêmica que
cerca este documento, procurando, a partir desta discussão, demonstrar as diversas
leituras e reflexões que podem despertar uma fonte, independente da sua autenticidade ou
veracidade de seu relato.

1
1. A História de Uma Fonte Referencial

Dentre as fontes primárias referenciais para a história colonial do Norte Fluminense, o
"Roteiro dos Sete Capitães" é uma das mais importantes. Sua relevância consiste em relatar as
primeiras expedições feitas no interior da Capitania de São Tomé, já que a primeira, e frustrada,
tentativa de colonização por parte de seu donatário, Pero de Góes, limitou-se a uma pequena
região próxima ao litoral e, posteriormente, às margens do Itabapoana.
O Roteiro assim nos informa que, em 1627, Martim de Sá, Governador do Rio de
Janeiro, dividiu então a abandonada Capitania em grandes sesmarias, doadas aos "7 capitães",
Miguel Aires Maldonado, Miguel da Silva Riscado, Antonio Pinto Pereira, João de Castilho,
Gonçalo Correia de Sá, Manuel Correia e Duarte Correia. Somente em 1632, estes iniciaram a
exploração e divisão das sesmarias, dando logo início à atividade pecuária na região, com a
instalação de diversos "currais".
Registro da conquista primeira dos Campos dos Goytacazes, a partir da memória do
capitão Miguel Aires Maldonado, o documento complementa-se com a narrativa da negociação
sobre uma nova repartição da Capitania encabeçada por Salvador Corrêa de Sá e Benevides,
sucessor de Martim de Sá, seu pai, no governo da Capitania do Rio de Janeiro. Segundo o relato
de Maldonado, Benevides, tendo jesuítas e beneditinos como cúmplices, apropriou-se de grande
parte das terras recém desbravadas pelos sete capitães através de uma escritura de composição,
assinada por Maldonado e Antonio Pinto sob coação.
Finaliza o Capitão Maldonado sua narrativa expressando a razão de tal documento:

2
D'esta maneira trabalhamos e passamos grandes incommodos; passando bem mal,
abrindo caminhos, cortando páos por ainda não haver caminhos bem costeados,
caminhando por grandes areiaes de pé, todos esbaforidos, para estes personagens se
utilizarem com uma bochecha d'agua das nossas propriedades por maneira tal. Deos
louvado, aqui irei dando fim a esta descripção em ponto tão grosseiro, até aonde
possa chegar a minha fraca memoria. Aos 13 de Outubro de 1655 passou-se d'esta
vida prezente o Senhor Antonio Pinto Pereira, meu ultimo companheiro de tantos
annos, e ainda fiquei eu Maldonado para sentir as mortes de todos os meus
companheiros e das insolencias que estão soffrendo todos os herdeiros por esses
campos dos Goytacazes. Com isto darei fim á minha vida; segundo as minhas
circunstancias, juntamente darei fim, com a mesma vida, a esta memoria para que
todos os herdeiros fiquem no conhecimento d'estes negocios, cheios de maximas,
maiormente os do Senhor Miguel Riscado, que estão ficando espalhados por esses
campos. Até aqui tenho escripto pelo meus proprio punho, até 11 de Junho de 1657.
Daqui ao futuro veremos o que vai mais de novo para o participar, e quando Deos
me leve d' esta vida prezente, peço e rogo ao meu compadre o Sr. João
Nepomuceno de Carvalho, morador na cidade de Nossa Senhora d'Assumpção de
Cabo-Frio, que me mande registrar esta memoria no cartorio da Camara, quando
caiba no possivel, a qual lhe será entregue no fim. Aqui me despeço de todos,
maiormente de todas aquellas pessoas que me estimaram, pois, segundo as minhas
circunstancias, não poderei ir muito adiante. Capitania da cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro aos 21 de Fevereiro de 1661. Miguel Ayres
Maldonado.(1893:398)

Desconhecendo-se o paradeiro do documento original, foi descoberto por Augusto de
Carvalho como um translado em livro cartorial de São João da Barra, datado de 1879. Neste
registra-se que o original foi translado para o livro da Câmara de Cabo Frio, conforme desejo de
seu autor, em 1664. Esta primeira reprodução teria, por sua vez, perdido-se "em uma queima
que se fez de alguns livros antigos e varios outros papeis d' esta Camara, por estarem de todo
comido de bixos" (Id.:399) conforme declaração do tabelião responsável por posterior translado
em livro cartorial de Cabo Frio, datado de 1772, quando então foi entregue uma pública forma a
Thomé Riscado da Motta.
Reproduzido por seu descobridor no livro "Apontamentos para a História da Capitania
de São Thomé", foi então publicado em 1893 no Tomo LVI da Revista do IHGB. Em 1909,
Vieira Fazenda, ainda na Revista do IHGB, publicou um artigo sob o título "Roteiro do
Maldonado", onde mostra a impossibilidade deste capitão ter redigido tal documento, pois

3
falecera em 1650. Aponta também algumas incongruências relacionadas com os personagens
descritos, como o fato de Maldonado, ao ser chamado na presença de Benevides, referir-se ao
Governador como um desconhecido, quando, na realidade, eram confrades na Santa Casa da
Misericórdia do Rio de Janeiro, tendo Maldonado substituído

Benevides na provedoria da

Confraria, em 1643. Contudo, Vieira Fazenda não aprofunda-se na apresentação das contradições
existentes no documento, afirmado que "Ha muito mais que respingar neste Roteiro apocrypho;
contento-me, entretanto, por ora, com essa descoberta" (1909:12).
Apesar desta crítica ser suficiente para desabonar tal documento, permaneceu ainda
como referencial para diversos estudiosos. O historiador jesuíta Pe. Serafim Leite (1945:83/4)
cita o Roteiro como referência documental para a implantação da Fazenda do Colégio da
Companhia de Jesus dos Campos dos Goytacazes. Lamego Filho, em sua obra datado de 1940,
"O homem e o brejo", diz que "O roteiro de suas viagens, escrito por Maldonado, é um
preciosos documento da região ainda inculta naquela época" (1974:94).
Já Boxer, apesar de informar que a narrativa Maldonado é apócrifa, destacando,
inclusive, a impossibilidade da entrevista de Benevides com Maldonado ter ocorrido na data
descrita no Roteiro, pois em novembro de 1647 Benevides encontrava-se ainda em Lisboa,
reproduz a informação do roteiro de que a região teria sido fracionada em sesmarias,
distribuídas, "por volta de 1627", aos sete capitães.(1)
Mais recentemente, José Honório Rodrigues, no capítulo denominado "Autenticidade
e forjicação"

de sua obra Teoria da História do Brasil, cita o Roteiro como um dos

exemplos brasileiros de forjicação documental. (2)
Apesar da constatação inequívoca da fraude, as principais informações do Roteiro
foram incorporadas na construção da memória histórica do Norte Fluminense. Contudo, a simples
refutação deste documento abriria uma lacuna inaceitável na história seiscentista das Capitanias
de Paraíba do Sul e Rio de Janeiro, já que contextualiza-se de forma inegavelmente consistente
com outra fonte documental, até então não questionada por

sua autenticidade, a referida

escritura de composição. (3) Desta maneira, a discussão sobre o Roteiro perpassa a questão da

4
forjicação, exigindo uma análise contextual, na procura de um novo recorte histórico para a
expansão colonial na Capitania de Pero de Góis.

O Roteiro do Capitão Maldonado Frente as Confrontação Documentais

Inicialmente, constata-se que este Roteiro é resultante da junção de dois documentos
diferenciados, pois somente na parte final do documento, referente à entrevista de composição
com Benevides, o narrador identifica-se como Capitão Maldonado. (4) Na parte inicial, dedicada
a descrição das viagens exploradoras, o narrador é outro personagem não identificado, já que
refere-se nominalmente a todos os "Sete Capitães", inclusive a Maldonado.
Poderíamos, assim, estar frente a um documento em que parte dele seria reprodução
de um registro fidedigno e parte fictício. Verificamos, porém, algumas incongruências na parte
inicial, referente à narrativa exploratória. No trecho em que o desconhecido narrador descreve o
percurso pelas campinas do Campo-limpo, na região da Lagoa-feia, os exploradores seguindo
sempre para o nordeste, descobriram um lago: "- Que apellido avemos de dar a este lago? disse
o Senhor Manoel Corrêa. - Demos-lhe o appelido de Saquarema de Cabo Frio. Pois seja
Saquarema, disse o Senhor Riscado" (p. 373). Contudo, esta referida lagoa situa-se na direção
exatamente oposta de onde se encontravam os exploradores. Além disso, no Livro de Tombo do
Convento Carmelita do Rio de Janeiro consta o translado de uma carta de sesmaria concedida por
Jorge Correa, Capitão-mor de São Vicente, e datada de 1596, correspondente "no cabo frio hua
lagoa de terra de sesmaria tanto de largo como de comprido que partira da ponta de marahitiba
athe o morro de Sauqarema" (Anais, LVII,

p. 283). Assim, bem antes dos sesmeiros ter

descoberto e batizado a lagoa de Saquarema de Cabo Frio, os carmelitas já estavam instalados
em suas margens. Porém, na planície campista, próximo ao Rio Paraíba, ao norte da Lagoa Feia,
havia

uma outra lagoa denominada igualmente Saquarema, diferenciando-se da situada nas

sesmarias carmelitas por ser esta "de Cabo Frio", conforme referida no Roteiro. Ao mesmo

5
tempo, esta parte inicial caracteriza-se pela riqueza de informações etnográficas e ambientais (5).
Parece-nos, assim, que esta parte inicial foi redigida a partir de registros exploratórios da região,
confundindo-se, em algumas passagens, o desconhecido autor na utilização de suas fontes.
Voltando-nos então para a parte narrada por Maldonado, comprovada e inteiramente
fraudulenta, cuja a

finalidade, tudo indica,

foi questionar a validade legal da escritura de

composição feita por Benevides, através de sua "implantação" nos livros da Câmara de Cabo Frio.
Resta-nos saber a procedência da acusação deste documento de composição, elaborado sob a
égides de Benevides, como instrumento de usurpação de terras dos seus legítimos sesmeiros.
Pesquisando então, na relação copilada por Pizarro, das sesmarias registradas no Livro
de Sesmarias e Registros do 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro (6), constata-se que no Livro
25 encontrava-se registrada a sesmaria concedida ao Capitão Gonçalo Corrêa de Sá e outros,
correspondente as terras localizadas do Rio Macaé ao Iguassú, portanto a sesmaria dos sete
capitães. Contudo, o registro cartorial desta sesmaria tem como data 3 de fevereiro de 1631, e
não 1627, conforme quer o roteiro. (7) Mas o que levou tanto esforço e, com certeza, custos,
para alterar em poucos anos esta data? a resposta encontra-se no mesmo Livro 25, onde achavase o registro de uma sesmaria concedida aos jesuítas e

índios de Cabo Frio das terra

compreendidas entre os rios Macaé e Paraíba. (8)
Realmente, consultado o Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro,
encontramos o translado da carta de sesmaria referida no Livro de Registro do 1º Ofício de
Notas. (9) Tem ela o despacho do Governador Martim de Sá, datado de primeiro de agosto de
1630. Nesta, os jesuítas reivindicam uma extensa faixa de terra em nome dos índios da aldeia
Cabo Frio, na sua maioria da etnia Tupi e os da "nação" Goitacá (Aitacazes). Alegam que são
esses indígenas os responsáveis pela defesa desta porção litorânea, que percorrem em cavalgadas,
contra as incursões de corsários holandesas. Identificando-os também como criadores de gado,
alegando os religiosos que estes indígenas necessitavam de "todos os pastos que correm do Rio
Maquiê até a Paraíba". Pedem igualmente que "lhes dê de sesmaria todos os campos que estam
entre Maquiê por costa pera a banda do sul até Itapebussú do Rio de Liripe", no que são

6
atendidos pelo despacho favorável do Governador Martim de Sá. (10) Esta última data de terra,
porém, que corresponde, segundo nos parece, a região situada entre os rios Macaé e das Ostras,
já havia sido concedida aos mesmos através de carta de sesmaria assinada ainda por Martim de
Sá, coincidentemente no referido ano de 1627.
Encontramo-nos, assim, frente a uma superposição de títulos na concessão de
sesmarias na Capitania de São Tomé, ou Paraíba do Sul, sendo a carta de doação aos jesuítas de
data anterior a dos Sete Capitães. Supomos que Martim de Sá tenha confundindo-se nas diversas
concessões de sesmarias, ou, mais provavelmente, constatando que concedera aos índios, em
nome dos jesuítas, uma extensa faixa territorial, do rio das Ostras ao Paraíba, correspondente a
quase totalidade da porção litorânea da Capitania concedida a Pero de Góes, região que, na
época, ganhava cada vez mais importância econômica, devido a necessária expansão da pecuária.
Propositadamente, teria então Martim de Sá concedido sesmarias na porção já agraciada pelos
índios e jesuítas, a conhecidos e parentes seus, encabeçados por seu irmão, Gonçalo. (11)
Seja qual for o motivo causador da superposição de títulos de sesmarias, entende-se,
assim, a necessidade da escritura de composição feita por Salvador Corrêa de Sá e Benevides.
Este documento encontra-se no Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro sob o
título "Escritura de Composição e Repartição dos Curraes dos Goitacazes. Neste, verifica-se que
a região entre o rio Macaé e Iguassú fora redividida, conforme acertadamente informa o Roteiro,
em 12 quinhões, comportando cada 8 currais, ocupando cada curral 500 braças quadradas. Deste
modo, cada curral possuiria 121 hectares ou 25 alqueires geométricos, área atual correspondente
a uma fazendola. Como cada quinhão possuía 8 currais, sua área corresponderia a quase mil
hectares.
A composição fez então a seguinte distribuição: A Maldonados e outros estariam
reservados oito quinhões, dos quais um seria concedido a Benevides. Ou seja, um quinhão para
cada um dos Sete Capitães ou seus hereos. Dentre estes sete quinhões, Benevides ficaria com
dois. O de seu tio Gonçalo de Sá, que vende sua sesmaria a Baltazar Leitam, de que Benevides
comprou, e a sesmaria de João de Castilho, genro de Maldonado, que a doou a Benevides. Assim,

7
coube ao Governador um total de 3 quinhões. Aos jesuítas caberiam também 3 quinhões e o
quinhão restante foi, de comum acordo, concedido a Pero de Sousa Pereira. Ainda nesta escritura
de composição Antonio Pinto, o outro dos Sete Capitães participante, através de procuração a
seu filho, na composição, concede metade de seu quinhão aos monges do convento de São Bento.
Ficando de fora desta composição a área situada entre os rios Iguassú e Paraíba, esta foi ocupada
por Benevides e Jesuítas, associados como meeiros.
Possuindo assim cada um três quinhões na região entre o Macaé e Iguassú e associados
na exploração da região entre o Iguassú e Paraíba, Benevides e jesuítas tornaram-se assim os
grandes dominadores do espaço da abandonada capitania.
Conhecendo-se então, conforme constatado por Vieira Fazenda, a estreita relação
pessoal entre Maldonado e Benevides, não é difícil constatar que Maldonado, ao contrário do que
procura fazer acreditar o Roteiro, foi cúmplice de Benevides. Ao mesmo tempo este se aproveita
de uma situação de fato conflitante criada não por ele, mas por seu pai, Martim de Sá, cabendo a
ele, agora como Governador, resolver. Considerando-se ser ele já possuidor de 2 quinhões, na
realidade, ao receber "espontaneamente" um dos oito quinhões reservado aos Sete Capitães,
apropria-se indevidamente de 12,5 % da área reservada aos sesmeiros.
Quanto aos jesuítas, a quem caberia, dada a precedência de sua carta de sesmaria, o
direito maior de posse da região, ao aceitar a composição com Benevides permanecem,
juntamente com o Governador, como os maiores latifundiários das terras a serem incorporadas à
Capitania Real do Rio de Janeiro. Além disso, e principalmente, é preciso observar que na carta
de sesmaria concedida por Martim de Sá representam os jesuítas os interesses dos índios, a quem
a desmedida sesmaria é concedida. Na nova escritura de composição, os direitos sobre a terra
passam diretamente para os jesuítas, esbulhando-se, assim, aqueles que, mais do que ninguém,
possuíam os mais legítimos direitos de posse sobre a terra.

8
Considerações Finais
Na realidade, ao contrário do que procura demonstrar o Roteiro, esta é uma
composição, senão harmoniosa, pelo menos conscenciosa, entre poderosos, onde se preserva,
inclusive os direitos dos herdeiros dos Sete Capitães. Qual seria então a razão da forjicação deste
documento ? Responde-nos o seguinte trecho:
-"Sete de mão commum deram um quinhão ao general". Quaes são estes sete?
Porque razão todos sete não estavam assignados? Não seria por já terem passado da
vida prezente? Em outro lugar diz: - "Um quinhão que lhe deu o capitão Miguel
Ayres Maldonado, que lhe pertencia a João de Castilho". Pois não lhe fiz saber, que
este quinhão estava já vendido ao finado Senhor Riscado. Aquella escriptura foi
lavrada a 21 de Agosto de 1616. Apareceu n'este comenos tudo mudado de figura
do nosso roteiro (...) Com estas noticias alguns dos herdeiros do finado Senhor
Miguel Riscado nos vieram expôr, que iam tratar de annullar a escriptura, em razão
do impedimento da minha molestia e avançada idade e do Senhor Antonio Pinto,
não podermos lidar com estes negocios (1893:394/5,397)

O fato do tabelião de São João da Barra ter entregado o translado de descrição em
pública forma a Thomé Riscado da Mota elucida assim a razão de tal Roteiro, ou seja, reivindicar
para os herdeiros de Miguel Riscado o quinhão concedido a Benevides.
Assim, a razão da existência deste Roteiro, como uma fonte documental fraudulenta,
insere-se também em um importante contexto histórico referente à construção do espaço colonial.
Inicialmente, é preciso considerar que sesmarias, capitanias e propriedades são
instâncias diferencias de legitimação da ocupação do solo. Engana-se Feydit (1979: 41) ao
considerar que os Sete Capitães tornaram-se, através de suas sesmarias, donatários da Capitania
da Paraíba do Sul de Campos dos Goitacazes. A sesmaria refere-se, a princípio, a direitos de
posse, que só se legitima com a sua devida ocupação. Se hoje esse direito é materializado,
também, pela manutenção da área cercada, é preciso lembrar que as os arames de cerca foram
inventados muito recentemente.

Nos primeiros séculos, as sesmarias deveriam,

conforme

determinado pelas Ordenações, ser devidamente ocupadas, podendo então a parte não explorada

9
ser concedida a outro requerente. Deste modo, a superposição de áreas concedidas por sesmarias
não foi fato isolado ou excepcional na nossa História Colonial.
Assim, todas estas questões suscitadas pelo Roteiro trazem em seu âmago uma questão
maior: as distorções do sistema de sesmarias aplicada no Brasil. Em recente entrevista, o
ministro Jungman reputou ao sistema de sesmaria a culpa pela concentração de terras no Brasil. A
Lei das Sesmarias, promulgada por D. Fernando, segundo nos parece, é a primeira tentativa legal
de reforma agrária no ocidente. O que nos parece característico da cultura opressora instaurada
no Brasil, é o mal uso de uma boa lei. Na Capitania do Rio de Janeiro, assim como em diversas
partes do Brasil Colônia, a Lei das Sesmarias, concebida como um instrumento de limitação dos
poderes feudais, através de uma distorção engendrada pelos poderosos, tornou-se um verdadeiro
instrumento de feudalização do espaço de conquista colonial.
Do ponto de vista político agrário, presenciamos neste contexto documental práticas
que se perpetuaram até a atualidade : falsificação de documentos e escrituras no intuito de
usurpação fundiária, utilização distorcida da lei das sesmarias e do direito de posse para a
edificação de latifúndios e a reivindicação do direito do índio à terra no intuito de ocupar os
espaços a eles reservados.
Deste modo, o Roteiro, apesar de, senão por razão de, sua forjicação, permanece
como um dos mais importantes documentos referenciais da história da construção espacial da
Capitania do Rio de Janeiro.

10
NOTAS
1- Boxer (1973: 299): Afora essas glebas no recôncavo, Salvador possuía ainda
extensas propriedades territoriais na região nordestina do Rio de Janeiro
conhecida pelo nome de Campos dos Goitacá, onde abundava o gado bravio. Essa
fértil zona pastoril era desde muito tempo um reduto de índios selvagens e o
"refúgio para os criminosos e assassinos" do Rio, em cuja população, rala e
vagabunda, eram elementos predominantes o mameluco e o mestiço. Por volta de
1627 a região havia sido fracionada em sesmarias, que foram distribuídas entre
sete pretendentes, conhecidos popularmente por "sete capitães", embora não
dispusessem, em sua maioria, de recursos suficientes para fazê-las prosperar.
Pouco antes de sua partida de Angola em 1648, Salvador havia feito umas
redistribuição das sesmarias da região, valendo-se de meios em que os seus
inimigos quiseram ver um misto de força e cambalacho. Qual era a verdadeira
situação em que se achavam esses núcleos é coisa que não se pode saber com
clareza, por isso que os documentos mais relevantes se mostram contraditórios e
confusos, quando não são palpavelmente forjado. Assim, o célebre historiador
britânico "dá uma no cravo e outra na ferradura", na medida em que, apesar das
ressalvas, faz uso de suas informações como verdadeiras.
2- Rodrigues (1978:329): Exemplo curioso e importante é o famoso "Roteiro dos
sete capitães" (...). Segundo Afonso Taunay, Capistrano desconfiou da apocrifia do
documento e disso deu parte a Vieira Fazenda. (...) Vieira Fazenda denunciou,
ainda, uma série de graves incongruências no referido "Roteiro", de modo que se
pôde concluir que se não tratava de documento falso, pelo menos fora de tal modo
adulterado que não se poderia sustentar sua genuidade. O intuito da forjicação
fora reivindicar para os herdeiros dos sete capitães a repartição de grandes
sesmarias dos Campos dos Goitacases, de que eles teriam sido os descobridores e
concessionários. Por isso é que ele foi registrado no Cartório da Camâra, em
1662. Rodrigues atribui, em nota, também esta última informação a Vieira Fazenda.
Apesar de, indiretamente, Viera Fazenda relacionar a forjicação à disputa de terras,
em nenhum momento, em sua crítica ao documento, faz tal afirmação.
3- No Livro de Tombo do Colégio da Companhia encontra-se o translado deste
documento sob o título "Escritura de Composição e Repartição dos Curraes dos
Goitacazes". este documento encontra-se igualmente translado nos Livros da
Camara Municipal de Campos dos Goytacazes (Feydit) e no Livro de Tombo do
Colégio de São Bento.
4- Roteiro, Rev. do IHBG p. 389: Aos 7 dias do mez de outubros, estando eu
Maldonado na pouzada de meu companheiro Senhor Antonio Pinto (...).
5- Soffiati Neto, refazendo parte do percurso descrito no Roteiro, considerou como
fidedigna as informações referentes aos contextos ambientais de campos e restingas
(informação verbal).

11
6- Pizarro, responsável por esta relação, identifica os Livros de Sesmarias
consultados não pelo cartório, mas sim pelo tabelião, Antonio Teixeira de Carvalho,
que assumiu a titulação do 4º Ofício de Notas em 1735, conforme se observa na
relação dos tabeliães do Rio de Janeiro, elaborada por D. L. de Macedo. Contudo,
como observa ainda Macedo, parece ter havido uma mistura dos livros dos cartórios
de 1º e 4º Ofícios, já que o nome do citado tabelião aparece nos livros de ambos os
cartórios. Como o 4º Ofício de Notas só foi criado em 1657, a sesmaria concedida a
Maldonado e outros só poderia encontrar-se nos registros do cartório de 1º Ofício
de Notas, criado em 1565, por Mém de Sá.
7- Relação das Sesmarias... p. 120: O Capitam Gonçalo Correia de Sá, e outros
terras desde o Rio de Macahé athé o de iguassu em 3 de Fevereiro 1631.
Descrição que faz o Capitão ...(1893) p. 348: (...) e como o Sr. Governador Martim
de Sá tivesse recebido d' El-Rei uma ordem regia, para todas as donatarias que
ficassem abandonadas concedel-as por sesmaria, e segundo a nossa necessidade
de gados, fizemos uma petição pedindo por sesmaria, segundo o que nos
informaram, desde o rio de Macahé correndo a costa, até o rio que chamam
Iguassú ao Norte do cabo de São-Thomé, e para o sertão até o cume das serras, a
qual nos foi concedida a 20 de Agosto de 1627 em recompensa dos nossos serviços
(...)
8- Relação das Sesmarias, p. 120: Os Reverendo Padres da Companhia de Jesus e
dos Indios de Cabo Frio toda terra e pastos que correm do Rio de Macahe athe o
paraiba e para o certão athé o pé da serra de Itapebucuana - Rio de leripe em 18
de Outubro 1630.
9- Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro. Anais da BH (1962) p.
296.
10- Idem, p. 290/3
11- Apesar de Vieira Fazenda (1909: 17) identificar os tres
como tios de
Benevides, somente Gonçalo C. de Sá era irmão de seu pai, Martim de Sá. Manuel e
Duarte Correas, irmãos, eram, na verdade, meio irmão de Salvador Correa,
portanto tios de Martim de Sá.

12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO e ARAUJO, José Pizarro de Sousa, Mons. (org.)
Relação das sesmarias da Capitania do Rio de Janeiro, extrahida dos Livros de Sesmarias e
Registros do cartório do tabellião Antonio Teixeira de Cavalho. de 1565 a 1796. Rio de
Janeiro, Rev. Trim. do IHGB, T. LXIII, V. 1, 1900.

BOXER, Charles Ralph
Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686. São
Paulo, Ed. Nacional/Ed. da USP, 1973.
Descrição que faz o Capitão Aires Maldonado e o Capitão José Castilho Pinto e seus
companheiros etc. Rev. Trim. do I.H.G.B., Rio de Janeiro, T. LVI, V. 887, 1893.

FAZENDA, José Vieira da
Roteiro do Maldonado. Rio de Janeiro, Rev. Trim. do I.H.G.B.,
T. LXXI, V. 1, 1908.
FEYDIT, Julio
Subsídios para a história dos Campos dos Goitacases. Rio de
Janeiro, Ed. Esquilo, 1979.
LAMEGO, Alberto Ribeiro
O homem e o brejo. Rio de Janeiro, Lidador, 1974.
LEITE, Serafim, S. J.
História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1945. T VI

LIVRO DE TOMBO DO COLÉGIO DE JESUS DO RIO DE JANEIRO. Anais da
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 82, 1962.

TOMBO DOS BENS PERTENCENTES AO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DO
CARMO, DA CAPITANIA DO RIO DE JANEIRO. Anais da Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro, 57, 1935, pp. 187/400.

13
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O Roteiro dos Sete Capitães e a colonização do Norte Fluminense

  • 1. • O ROTEIRO DOS SETE CAPITÃES E A CAPITANIA DE SÃO TOMÉ: CONFRONTAÇÕES DOCUMENTAIS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR Renato Pereira Brandão / UNESA In Anais da I Jornada de Trabalho do Laboratório de Análise do Processo Civilizatório Memória: Contribuições Para a Preservação da Região Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes. Universidade Estadual do Norte Fluminense, 1997, p. 31-36. RESUMO O documento denominado "Descrição que faz o Capitão Ayres Maldonado e o Capitão José de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da capitania do Rio de janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas n' esta costa", também conhecido como, simplesmente, "Roteiro dos sete capitães", apesar da controvérsia que o cerca, é considerado como uma das mais importantes fontes históricas do Norte Fluminense. Abordaremos aqui a polêmica que cerca este documento, procurando, a partir desta discussão, demonstrar as diversas leituras e reflexões que podem despertar uma fonte, independente da sua autenticidade ou veracidade de seu relato. 1
  • 2. 1. A História de Uma Fonte Referencial Dentre as fontes primárias referenciais para a história colonial do Norte Fluminense, o "Roteiro dos Sete Capitães" é uma das mais importantes. Sua relevância consiste em relatar as primeiras expedições feitas no interior da Capitania de São Tomé, já que a primeira, e frustrada, tentativa de colonização por parte de seu donatário, Pero de Góes, limitou-se a uma pequena região próxima ao litoral e, posteriormente, às margens do Itabapoana. O Roteiro assim nos informa que, em 1627, Martim de Sá, Governador do Rio de Janeiro, dividiu então a abandonada Capitania em grandes sesmarias, doadas aos "7 capitães", Miguel Aires Maldonado, Miguel da Silva Riscado, Antonio Pinto Pereira, João de Castilho, Gonçalo Correia de Sá, Manuel Correia e Duarte Correia. Somente em 1632, estes iniciaram a exploração e divisão das sesmarias, dando logo início à atividade pecuária na região, com a instalação de diversos "currais". Registro da conquista primeira dos Campos dos Goytacazes, a partir da memória do capitão Miguel Aires Maldonado, o documento complementa-se com a narrativa da negociação sobre uma nova repartição da Capitania encabeçada por Salvador Corrêa de Sá e Benevides, sucessor de Martim de Sá, seu pai, no governo da Capitania do Rio de Janeiro. Segundo o relato de Maldonado, Benevides, tendo jesuítas e beneditinos como cúmplices, apropriou-se de grande parte das terras recém desbravadas pelos sete capitães através de uma escritura de composição, assinada por Maldonado e Antonio Pinto sob coação. Finaliza o Capitão Maldonado sua narrativa expressando a razão de tal documento: 2
  • 3. D'esta maneira trabalhamos e passamos grandes incommodos; passando bem mal, abrindo caminhos, cortando páos por ainda não haver caminhos bem costeados, caminhando por grandes areiaes de pé, todos esbaforidos, para estes personagens se utilizarem com uma bochecha d'agua das nossas propriedades por maneira tal. Deos louvado, aqui irei dando fim a esta descripção em ponto tão grosseiro, até aonde possa chegar a minha fraca memoria. Aos 13 de Outubro de 1655 passou-se d'esta vida prezente o Senhor Antonio Pinto Pereira, meu ultimo companheiro de tantos annos, e ainda fiquei eu Maldonado para sentir as mortes de todos os meus companheiros e das insolencias que estão soffrendo todos os herdeiros por esses campos dos Goytacazes. Com isto darei fim á minha vida; segundo as minhas circunstancias, juntamente darei fim, com a mesma vida, a esta memoria para que todos os herdeiros fiquem no conhecimento d'estes negocios, cheios de maximas, maiormente os do Senhor Miguel Riscado, que estão ficando espalhados por esses campos. Até aqui tenho escripto pelo meus proprio punho, até 11 de Junho de 1657. Daqui ao futuro veremos o que vai mais de novo para o participar, e quando Deos me leve d' esta vida prezente, peço e rogo ao meu compadre o Sr. João Nepomuceno de Carvalho, morador na cidade de Nossa Senhora d'Assumpção de Cabo-Frio, que me mande registrar esta memoria no cartorio da Camara, quando caiba no possivel, a qual lhe será entregue no fim. Aqui me despeço de todos, maiormente de todas aquellas pessoas que me estimaram, pois, segundo as minhas circunstancias, não poderei ir muito adiante. Capitania da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro aos 21 de Fevereiro de 1661. Miguel Ayres Maldonado.(1893:398) Desconhecendo-se o paradeiro do documento original, foi descoberto por Augusto de Carvalho como um translado em livro cartorial de São João da Barra, datado de 1879. Neste registra-se que o original foi translado para o livro da Câmara de Cabo Frio, conforme desejo de seu autor, em 1664. Esta primeira reprodução teria, por sua vez, perdido-se "em uma queima que se fez de alguns livros antigos e varios outros papeis d' esta Camara, por estarem de todo comido de bixos" (Id.:399) conforme declaração do tabelião responsável por posterior translado em livro cartorial de Cabo Frio, datado de 1772, quando então foi entregue uma pública forma a Thomé Riscado da Motta. Reproduzido por seu descobridor no livro "Apontamentos para a História da Capitania de São Thomé", foi então publicado em 1893 no Tomo LVI da Revista do IHGB. Em 1909, Vieira Fazenda, ainda na Revista do IHGB, publicou um artigo sob o título "Roteiro do Maldonado", onde mostra a impossibilidade deste capitão ter redigido tal documento, pois 3
  • 4. falecera em 1650. Aponta também algumas incongruências relacionadas com os personagens descritos, como o fato de Maldonado, ao ser chamado na presença de Benevides, referir-se ao Governador como um desconhecido, quando, na realidade, eram confrades na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, tendo Maldonado substituído Benevides na provedoria da Confraria, em 1643. Contudo, Vieira Fazenda não aprofunda-se na apresentação das contradições existentes no documento, afirmado que "Ha muito mais que respingar neste Roteiro apocrypho; contento-me, entretanto, por ora, com essa descoberta" (1909:12). Apesar desta crítica ser suficiente para desabonar tal documento, permaneceu ainda como referencial para diversos estudiosos. O historiador jesuíta Pe. Serafim Leite (1945:83/4) cita o Roteiro como referência documental para a implantação da Fazenda do Colégio da Companhia de Jesus dos Campos dos Goytacazes. Lamego Filho, em sua obra datado de 1940, "O homem e o brejo", diz que "O roteiro de suas viagens, escrito por Maldonado, é um preciosos documento da região ainda inculta naquela época" (1974:94). Já Boxer, apesar de informar que a narrativa Maldonado é apócrifa, destacando, inclusive, a impossibilidade da entrevista de Benevides com Maldonado ter ocorrido na data descrita no Roteiro, pois em novembro de 1647 Benevides encontrava-se ainda em Lisboa, reproduz a informação do roteiro de que a região teria sido fracionada em sesmarias, distribuídas, "por volta de 1627", aos sete capitães.(1) Mais recentemente, José Honório Rodrigues, no capítulo denominado "Autenticidade e forjicação" de sua obra Teoria da História do Brasil, cita o Roteiro como um dos exemplos brasileiros de forjicação documental. (2) Apesar da constatação inequívoca da fraude, as principais informações do Roteiro foram incorporadas na construção da memória histórica do Norte Fluminense. Contudo, a simples refutação deste documento abriria uma lacuna inaceitável na história seiscentista das Capitanias de Paraíba do Sul e Rio de Janeiro, já que contextualiza-se de forma inegavelmente consistente com outra fonte documental, até então não questionada por sua autenticidade, a referida escritura de composição. (3) Desta maneira, a discussão sobre o Roteiro perpassa a questão da 4
  • 5. forjicação, exigindo uma análise contextual, na procura de um novo recorte histórico para a expansão colonial na Capitania de Pero de Góis. O Roteiro do Capitão Maldonado Frente as Confrontação Documentais Inicialmente, constata-se que este Roteiro é resultante da junção de dois documentos diferenciados, pois somente na parte final do documento, referente à entrevista de composição com Benevides, o narrador identifica-se como Capitão Maldonado. (4) Na parte inicial, dedicada a descrição das viagens exploradoras, o narrador é outro personagem não identificado, já que refere-se nominalmente a todos os "Sete Capitães", inclusive a Maldonado. Poderíamos, assim, estar frente a um documento em que parte dele seria reprodução de um registro fidedigno e parte fictício. Verificamos, porém, algumas incongruências na parte inicial, referente à narrativa exploratória. No trecho em que o desconhecido narrador descreve o percurso pelas campinas do Campo-limpo, na região da Lagoa-feia, os exploradores seguindo sempre para o nordeste, descobriram um lago: "- Que apellido avemos de dar a este lago? disse o Senhor Manoel Corrêa. - Demos-lhe o appelido de Saquarema de Cabo Frio. Pois seja Saquarema, disse o Senhor Riscado" (p. 373). Contudo, esta referida lagoa situa-se na direção exatamente oposta de onde se encontravam os exploradores. Além disso, no Livro de Tombo do Convento Carmelita do Rio de Janeiro consta o translado de uma carta de sesmaria concedida por Jorge Correa, Capitão-mor de São Vicente, e datada de 1596, correspondente "no cabo frio hua lagoa de terra de sesmaria tanto de largo como de comprido que partira da ponta de marahitiba athe o morro de Sauqarema" (Anais, LVII, p. 283). Assim, bem antes dos sesmeiros ter descoberto e batizado a lagoa de Saquarema de Cabo Frio, os carmelitas já estavam instalados em suas margens. Porém, na planície campista, próximo ao Rio Paraíba, ao norte da Lagoa Feia, havia uma outra lagoa denominada igualmente Saquarema, diferenciando-se da situada nas sesmarias carmelitas por ser esta "de Cabo Frio", conforme referida no Roteiro. Ao mesmo 5
  • 6. tempo, esta parte inicial caracteriza-se pela riqueza de informações etnográficas e ambientais (5). Parece-nos, assim, que esta parte inicial foi redigida a partir de registros exploratórios da região, confundindo-se, em algumas passagens, o desconhecido autor na utilização de suas fontes. Voltando-nos então para a parte narrada por Maldonado, comprovada e inteiramente fraudulenta, cuja a finalidade, tudo indica, foi questionar a validade legal da escritura de composição feita por Benevides, através de sua "implantação" nos livros da Câmara de Cabo Frio. Resta-nos saber a procedência da acusação deste documento de composição, elaborado sob a égides de Benevides, como instrumento de usurpação de terras dos seus legítimos sesmeiros. Pesquisando então, na relação copilada por Pizarro, das sesmarias registradas no Livro de Sesmarias e Registros do 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro (6), constata-se que no Livro 25 encontrava-se registrada a sesmaria concedida ao Capitão Gonçalo Corrêa de Sá e outros, correspondente as terras localizadas do Rio Macaé ao Iguassú, portanto a sesmaria dos sete capitães. Contudo, o registro cartorial desta sesmaria tem como data 3 de fevereiro de 1631, e não 1627, conforme quer o roteiro. (7) Mas o que levou tanto esforço e, com certeza, custos, para alterar em poucos anos esta data? a resposta encontra-se no mesmo Livro 25, onde achavase o registro de uma sesmaria concedida aos jesuítas e índios de Cabo Frio das terra compreendidas entre os rios Macaé e Paraíba. (8) Realmente, consultado o Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro, encontramos o translado da carta de sesmaria referida no Livro de Registro do 1º Ofício de Notas. (9) Tem ela o despacho do Governador Martim de Sá, datado de primeiro de agosto de 1630. Nesta, os jesuítas reivindicam uma extensa faixa de terra em nome dos índios da aldeia Cabo Frio, na sua maioria da etnia Tupi e os da "nação" Goitacá (Aitacazes). Alegam que são esses indígenas os responsáveis pela defesa desta porção litorânea, que percorrem em cavalgadas, contra as incursões de corsários holandesas. Identificando-os também como criadores de gado, alegando os religiosos que estes indígenas necessitavam de "todos os pastos que correm do Rio Maquiê até a Paraíba". Pedem igualmente que "lhes dê de sesmaria todos os campos que estam entre Maquiê por costa pera a banda do sul até Itapebussú do Rio de Liripe", no que são 6
  • 7. atendidos pelo despacho favorável do Governador Martim de Sá. (10) Esta última data de terra, porém, que corresponde, segundo nos parece, a região situada entre os rios Macaé e das Ostras, já havia sido concedida aos mesmos através de carta de sesmaria assinada ainda por Martim de Sá, coincidentemente no referido ano de 1627. Encontramo-nos, assim, frente a uma superposição de títulos na concessão de sesmarias na Capitania de São Tomé, ou Paraíba do Sul, sendo a carta de doação aos jesuítas de data anterior a dos Sete Capitães. Supomos que Martim de Sá tenha confundindo-se nas diversas concessões de sesmarias, ou, mais provavelmente, constatando que concedera aos índios, em nome dos jesuítas, uma extensa faixa territorial, do rio das Ostras ao Paraíba, correspondente a quase totalidade da porção litorânea da Capitania concedida a Pero de Góes, região que, na época, ganhava cada vez mais importância econômica, devido a necessária expansão da pecuária. Propositadamente, teria então Martim de Sá concedido sesmarias na porção já agraciada pelos índios e jesuítas, a conhecidos e parentes seus, encabeçados por seu irmão, Gonçalo. (11) Seja qual for o motivo causador da superposição de títulos de sesmarias, entende-se, assim, a necessidade da escritura de composição feita por Salvador Corrêa de Sá e Benevides. Este documento encontra-se no Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro sob o título "Escritura de Composição e Repartição dos Curraes dos Goitacazes. Neste, verifica-se que a região entre o rio Macaé e Iguassú fora redividida, conforme acertadamente informa o Roteiro, em 12 quinhões, comportando cada 8 currais, ocupando cada curral 500 braças quadradas. Deste modo, cada curral possuiria 121 hectares ou 25 alqueires geométricos, área atual correspondente a uma fazendola. Como cada quinhão possuía 8 currais, sua área corresponderia a quase mil hectares. A composição fez então a seguinte distribuição: A Maldonados e outros estariam reservados oito quinhões, dos quais um seria concedido a Benevides. Ou seja, um quinhão para cada um dos Sete Capitães ou seus hereos. Dentre estes sete quinhões, Benevides ficaria com dois. O de seu tio Gonçalo de Sá, que vende sua sesmaria a Baltazar Leitam, de que Benevides comprou, e a sesmaria de João de Castilho, genro de Maldonado, que a doou a Benevides. Assim, 7
  • 8. coube ao Governador um total de 3 quinhões. Aos jesuítas caberiam também 3 quinhões e o quinhão restante foi, de comum acordo, concedido a Pero de Sousa Pereira. Ainda nesta escritura de composição Antonio Pinto, o outro dos Sete Capitães participante, através de procuração a seu filho, na composição, concede metade de seu quinhão aos monges do convento de São Bento. Ficando de fora desta composição a área situada entre os rios Iguassú e Paraíba, esta foi ocupada por Benevides e Jesuítas, associados como meeiros. Possuindo assim cada um três quinhões na região entre o Macaé e Iguassú e associados na exploração da região entre o Iguassú e Paraíba, Benevides e jesuítas tornaram-se assim os grandes dominadores do espaço da abandonada capitania. Conhecendo-se então, conforme constatado por Vieira Fazenda, a estreita relação pessoal entre Maldonado e Benevides, não é difícil constatar que Maldonado, ao contrário do que procura fazer acreditar o Roteiro, foi cúmplice de Benevides. Ao mesmo tempo este se aproveita de uma situação de fato conflitante criada não por ele, mas por seu pai, Martim de Sá, cabendo a ele, agora como Governador, resolver. Considerando-se ser ele já possuidor de 2 quinhões, na realidade, ao receber "espontaneamente" um dos oito quinhões reservado aos Sete Capitães, apropria-se indevidamente de 12,5 % da área reservada aos sesmeiros. Quanto aos jesuítas, a quem caberia, dada a precedência de sua carta de sesmaria, o direito maior de posse da região, ao aceitar a composição com Benevides permanecem, juntamente com o Governador, como os maiores latifundiários das terras a serem incorporadas à Capitania Real do Rio de Janeiro. Além disso, e principalmente, é preciso observar que na carta de sesmaria concedida por Martim de Sá representam os jesuítas os interesses dos índios, a quem a desmedida sesmaria é concedida. Na nova escritura de composição, os direitos sobre a terra passam diretamente para os jesuítas, esbulhando-se, assim, aqueles que, mais do que ninguém, possuíam os mais legítimos direitos de posse sobre a terra. 8
  • 9. Considerações Finais Na realidade, ao contrário do que procura demonstrar o Roteiro, esta é uma composição, senão harmoniosa, pelo menos conscenciosa, entre poderosos, onde se preserva, inclusive os direitos dos herdeiros dos Sete Capitães. Qual seria então a razão da forjicação deste documento ? Responde-nos o seguinte trecho: -"Sete de mão commum deram um quinhão ao general". Quaes são estes sete? Porque razão todos sete não estavam assignados? Não seria por já terem passado da vida prezente? Em outro lugar diz: - "Um quinhão que lhe deu o capitão Miguel Ayres Maldonado, que lhe pertencia a João de Castilho". Pois não lhe fiz saber, que este quinhão estava já vendido ao finado Senhor Riscado. Aquella escriptura foi lavrada a 21 de Agosto de 1616. Apareceu n'este comenos tudo mudado de figura do nosso roteiro (...) Com estas noticias alguns dos herdeiros do finado Senhor Miguel Riscado nos vieram expôr, que iam tratar de annullar a escriptura, em razão do impedimento da minha molestia e avançada idade e do Senhor Antonio Pinto, não podermos lidar com estes negocios (1893:394/5,397) O fato do tabelião de São João da Barra ter entregado o translado de descrição em pública forma a Thomé Riscado da Mota elucida assim a razão de tal Roteiro, ou seja, reivindicar para os herdeiros de Miguel Riscado o quinhão concedido a Benevides. Assim, a razão da existência deste Roteiro, como uma fonte documental fraudulenta, insere-se também em um importante contexto histórico referente à construção do espaço colonial. Inicialmente, é preciso considerar que sesmarias, capitanias e propriedades são instâncias diferencias de legitimação da ocupação do solo. Engana-se Feydit (1979: 41) ao considerar que os Sete Capitães tornaram-se, através de suas sesmarias, donatários da Capitania da Paraíba do Sul de Campos dos Goitacazes. A sesmaria refere-se, a princípio, a direitos de posse, que só se legitima com a sua devida ocupação. Se hoje esse direito é materializado, também, pela manutenção da área cercada, é preciso lembrar que as os arames de cerca foram inventados muito recentemente. Nos primeiros séculos, as sesmarias deveriam, conforme determinado pelas Ordenações, ser devidamente ocupadas, podendo então a parte não explorada 9
  • 10. ser concedida a outro requerente. Deste modo, a superposição de áreas concedidas por sesmarias não foi fato isolado ou excepcional na nossa História Colonial. Assim, todas estas questões suscitadas pelo Roteiro trazem em seu âmago uma questão maior: as distorções do sistema de sesmarias aplicada no Brasil. Em recente entrevista, o ministro Jungman reputou ao sistema de sesmaria a culpa pela concentração de terras no Brasil. A Lei das Sesmarias, promulgada por D. Fernando, segundo nos parece, é a primeira tentativa legal de reforma agrária no ocidente. O que nos parece característico da cultura opressora instaurada no Brasil, é o mal uso de uma boa lei. Na Capitania do Rio de Janeiro, assim como em diversas partes do Brasil Colônia, a Lei das Sesmarias, concebida como um instrumento de limitação dos poderes feudais, através de uma distorção engendrada pelos poderosos, tornou-se um verdadeiro instrumento de feudalização do espaço de conquista colonial. Do ponto de vista político agrário, presenciamos neste contexto documental práticas que se perpetuaram até a atualidade : falsificação de documentos e escrituras no intuito de usurpação fundiária, utilização distorcida da lei das sesmarias e do direito de posse para a edificação de latifúndios e a reivindicação do direito do índio à terra no intuito de ocupar os espaços a eles reservados. Deste modo, o Roteiro, apesar de, senão por razão de, sua forjicação, permanece como um dos mais importantes documentos referenciais da história da construção espacial da Capitania do Rio de Janeiro. 10
  • 11. NOTAS 1- Boxer (1973: 299): Afora essas glebas no recôncavo, Salvador possuía ainda extensas propriedades territoriais na região nordestina do Rio de Janeiro conhecida pelo nome de Campos dos Goitacá, onde abundava o gado bravio. Essa fértil zona pastoril era desde muito tempo um reduto de índios selvagens e o "refúgio para os criminosos e assassinos" do Rio, em cuja população, rala e vagabunda, eram elementos predominantes o mameluco e o mestiço. Por volta de 1627 a região havia sido fracionada em sesmarias, que foram distribuídas entre sete pretendentes, conhecidos popularmente por "sete capitães", embora não dispusessem, em sua maioria, de recursos suficientes para fazê-las prosperar. Pouco antes de sua partida de Angola em 1648, Salvador havia feito umas redistribuição das sesmarias da região, valendo-se de meios em que os seus inimigos quiseram ver um misto de força e cambalacho. Qual era a verdadeira situação em que se achavam esses núcleos é coisa que não se pode saber com clareza, por isso que os documentos mais relevantes se mostram contraditórios e confusos, quando não são palpavelmente forjado. Assim, o célebre historiador britânico "dá uma no cravo e outra na ferradura", na medida em que, apesar das ressalvas, faz uso de suas informações como verdadeiras. 2- Rodrigues (1978:329): Exemplo curioso e importante é o famoso "Roteiro dos sete capitães" (...). Segundo Afonso Taunay, Capistrano desconfiou da apocrifia do documento e disso deu parte a Vieira Fazenda. (...) Vieira Fazenda denunciou, ainda, uma série de graves incongruências no referido "Roteiro", de modo que se pôde concluir que se não tratava de documento falso, pelo menos fora de tal modo adulterado que não se poderia sustentar sua genuidade. O intuito da forjicação fora reivindicar para os herdeiros dos sete capitães a repartição de grandes sesmarias dos Campos dos Goitacases, de que eles teriam sido os descobridores e concessionários. Por isso é que ele foi registrado no Cartório da Camâra, em 1662. Rodrigues atribui, em nota, também esta última informação a Vieira Fazenda. Apesar de, indiretamente, Viera Fazenda relacionar a forjicação à disputa de terras, em nenhum momento, em sua crítica ao documento, faz tal afirmação. 3- No Livro de Tombo do Colégio da Companhia encontra-se o translado deste documento sob o título "Escritura de Composição e Repartição dos Curraes dos Goitacazes". este documento encontra-se igualmente translado nos Livros da Camara Municipal de Campos dos Goytacazes (Feydit) e no Livro de Tombo do Colégio de São Bento. 4- Roteiro, Rev. do IHBG p. 389: Aos 7 dias do mez de outubros, estando eu Maldonado na pouzada de meu companheiro Senhor Antonio Pinto (...). 5- Soffiati Neto, refazendo parte do percurso descrito no Roteiro, considerou como fidedigna as informações referentes aos contextos ambientais de campos e restingas (informação verbal). 11
  • 12. 6- Pizarro, responsável por esta relação, identifica os Livros de Sesmarias consultados não pelo cartório, mas sim pelo tabelião, Antonio Teixeira de Carvalho, que assumiu a titulação do 4º Ofício de Notas em 1735, conforme se observa na relação dos tabeliães do Rio de Janeiro, elaborada por D. L. de Macedo. Contudo, como observa ainda Macedo, parece ter havido uma mistura dos livros dos cartórios de 1º e 4º Ofícios, já que o nome do citado tabelião aparece nos livros de ambos os cartórios. Como o 4º Ofício de Notas só foi criado em 1657, a sesmaria concedida a Maldonado e outros só poderia encontrar-se nos registros do cartório de 1º Ofício de Notas, criado em 1565, por Mém de Sá. 7- Relação das Sesmarias... p. 120: O Capitam Gonçalo Correia de Sá, e outros terras desde o Rio de Macahé athé o de iguassu em 3 de Fevereiro 1631. Descrição que faz o Capitão ...(1893) p. 348: (...) e como o Sr. Governador Martim de Sá tivesse recebido d' El-Rei uma ordem regia, para todas as donatarias que ficassem abandonadas concedel-as por sesmaria, e segundo a nossa necessidade de gados, fizemos uma petição pedindo por sesmaria, segundo o que nos informaram, desde o rio de Macahé correndo a costa, até o rio que chamam Iguassú ao Norte do cabo de São-Thomé, e para o sertão até o cume das serras, a qual nos foi concedida a 20 de Agosto de 1627 em recompensa dos nossos serviços (...) 8- Relação das Sesmarias, p. 120: Os Reverendo Padres da Companhia de Jesus e dos Indios de Cabo Frio toda terra e pastos que correm do Rio de Macahe athe o paraiba e para o certão athé o pé da serra de Itapebucuana - Rio de leripe em 18 de Outubro 1630. 9- Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro. Anais da BH (1962) p. 296. 10- Idem, p. 290/3 11- Apesar de Vieira Fazenda (1909: 17) identificar os tres como tios de Benevides, somente Gonçalo C. de Sá era irmão de seu pai, Martim de Sá. Manuel e Duarte Correas, irmãos, eram, na verdade, meio irmão de Salvador Correa, portanto tios de Martim de Sá. 12
  • 13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO e ARAUJO, José Pizarro de Sousa, Mons. (org.) Relação das sesmarias da Capitania do Rio de Janeiro, extrahida dos Livros de Sesmarias e Registros do cartório do tabellião Antonio Teixeira de Cavalho. de 1565 a 1796. Rio de Janeiro, Rev. Trim. do IHGB, T. LXIII, V. 1, 1900. BOXER, Charles Ralph Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686. São Paulo, Ed. Nacional/Ed. da USP, 1973. Descrição que faz o Capitão Aires Maldonado e o Capitão José Castilho Pinto e seus companheiros etc. Rev. Trim. do I.H.G.B., Rio de Janeiro, T. LVI, V. 887, 1893. FAZENDA, José Vieira da Roteiro do Maldonado. Rio de Janeiro, Rev. Trim. do I.H.G.B., T. LXXI, V. 1, 1908. FEYDIT, Julio Subsídios para a história dos Campos dos Goitacases. Rio de Janeiro, Ed. Esquilo, 1979. LAMEGO, Alberto Ribeiro O homem e o brejo. Rio de Janeiro, Lidador, 1974. LEITE, Serafim, S. J. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945. T VI LIVRO DE TOMBO DO COLÉGIO DE JESUS DO RIO DE JANEIRO. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 82, 1962. TOMBO DOS BENS PERTENCENTES AO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DO CARMO, DA CAPITANIA DO RIO DE JANEIRO. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 57, 1935, pp. 187/400. 13
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