SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 5
Downloaden Sie, um offline zu lesen
Angústia e Ma-Fé no O SER e O NADA de Sartre 
Autores 
m rcio Danelon 
Jose Lima Junior 
Apoio Financeiro 
Fap 
1. Introdução 
A obra O Ser e o Nada (1943) de Jean-Paul Sartre emerge como pedra de toque num período de sua 
produção filosófica. Nesta obra, Sartre parte do postulado fenomenológico de Husserl de que toda 
consciência é consciência de alguma coisa, ou seja, a consciência é posicional. Quando, em O Ser e o Nada 
, transfere o foco da visada da consciência posicional do mundo das coisas materiais, denominado por ele 
de Em-si, para o mundo da consciência, denominado de Para-si, constata que a consciência posicional não 
pode ser consciência posicional de si mesma. O ato interrogativo que a consciência inaugura sobre si 
mesma, perguntado pelo seu próprio ser, numa atitude de reflexão (voltar-se para si mesmo), remete-a a 
constatação de que o nada habita seu ser. Assim, a consciência, ao colocar-se a si mesma como objeto, 
nadifica seu ser. Dessa feita, a consciência, em Sartre, é cheia de nada. É nesse sentido que Sartre irá 
definir a consciência humana como aquilo que é o que não é, e não é o que é, ou seja, a consciência 
humana é nada. 
Essa constatação sartreana remete ao problema fundante da condição humana: o homem está cercado pela 
nadificação, pelo niilismo. Não aquele nada que vem de fora, como decadência dos valores morais e/ou 
religiosos, mas o nada que vem de dentro do próprio homem e do qual ele não pode fugir e com o qual tem 
que se haver em todos os momentos de seu cotidiano. Nesse caso, não há uma interioridade ou uma 
substância na qual o homem pode se agarrar dando-lhe sentido para sua existência. O homem está só no 
meio do mundo, condenado a construir a partir de si mesmo, ou seja, a partir do nada de seu ser, sua 
própria existência. É nesse cenário de solidão e de ausência de sentido ou de referenciais éticos, religiosos 
ou políticos que a atitude de má-fé pode emergir como uma solução para a nadificação do homem. 
Refugiar-se na má-fé como uma atitude de fuga do nada de ser, surge como uma possibilidade real para a 
condição humana. É nesse cenário que queremos discorrer sobre as reflexões de Sartre sobre a má-fé: 
como uma possibilidade humana diante do nada de ser. 
2. Objetivos 
Constituem-se como objetivos neste texto retomar, num primeiro momento, as reflexões de Sartre sobre a 
consciência humana, demarcando sua conclusão que remete a conceituação da consciência como vazia de 
qualquer conteúdo e, num segundo momento, remontar o conceito de má-fé como uma atitude humana 
possível diante do nada de ser. Para isso, faremos uso principalmente da obra O Ser e o Nada como lugar 
privilegiado em que Sartre efetua suas reflexões sobre os conceitos de consciência e de má-fé. 
1/5
3. Desenvolvimento 
Para Sartre, a consciência não se define como uma plenitude fechada em si mesma, opaca e maciça. Pelo 
contrário, bebe do principio da fenomenologia husserliana de que a consciência se define como uma 
consciência posicional: "Com efeito, a consciência define-se pela intencionalidade. Pela intencionalidade, ela 
transcende-se a si mesma, ela unifica-se escapando-se" (SARTRE, 1994, p. 47). Ora, dizer que a 
consciência é posicional significa que a consciência toma o objeto que está fora dela, no mundo, como 
objeto para a consciência. Nesse sentido, a consciência é abertura para os objetos que estão soltos no 
mundo, e que o mundo todo está, necessariamente, fora da consciência. 
A reflexão ontológica sobre o princípio fenomenológico da intencionalidade da consciência é retomada com 
maior densidade em O Ser e o Nada, publicado em 1943. Ali, encontramos o resultado da maturação 
filosófica de Sartre, quando insere a intencionalidade numa dimensão da ontologia antropológica do ser do 
ser humano. Se, de acordo com o princípio da fenomenologia, a consciência é sempre posicional, então ela 
sempre tem por seu ser um objeto que não é ela mesma. Dito de outra forma, a consciência, ao visar os 
objetos que estão no mundo, deflagra a percepção de que "em-si" ela nada pode encontrar, exatamente por 
estar todo o mundo fora dela. Assim, para Sartre, a intencionalidade da consciência traz em seu bojo o fato 
de o mundo estar fora da consciência, ou que a consciência é sempre falta: "Toda consciência é falta de... 
para...", (SARTRE, 1997, p. 153) ou ainda, que na consciência não há conteúdo porque ela é abertura para 
o mundo atrás de sua essência: "O primeiro passo de uma filosofia deve ser, portanto, expulsar as coisas da 
consciência e restabelecer a verdadeira relação entre esta e o mundo, a saber, a consciência como 
consciência posicional do mundo". (SARTRE, 1997, p. 22) 
Como abertura para o mundo, emerge para a consciência a impossibilidade de ser abertura ou 
posicionalidade para si mesma. Isso quer dizer que a posicionalidade da consciência para si mesma é uma 
impossibilidade e um problema que encontra sua reflexão naquilo que Sartre denominou de presença a si: 
Ao contrário, a presença a si pressupõe que uma fissura impalpável deslizou pelo ser. Se o ser é presença a 
si significa que não é inteiramente si. A presença é uma degradação imediata da coincidência, pois 
pressupõe separação. Mas, se indagarmos agora ‘que é que separa o sujeito de si mesmo?’, seremos 
obrigados a admitir que é nada (SARTRE, 1997, p. 126). 
A presença da consciência diante de si instaura a distância de si com relação a si mesma, distância esta 
definida como nada de ser, conforme afirma Sartre: "O Ser da consciência, enquanto consciência, consiste 
em existir à distância de si como presença a si, e essa distância nula que o ser traz em seu ser é o Nada" 
(SARTRE, 1997, p. 127). Dessa forma, não há, na leitura ontológica da realidade humana, nenhum ser que 
determine aquilo que a consciência é. Impossível definir seu ser, posto que seu ser é nada, a consciência se 
caracteriza tão somente como abertura para o mundo, uma abertura que é refratária de toda realidade que 
habita o mundo, conforme afirmar Sartre: "Nenhuma categoria pode ‘habitar’ a consciência e nela residir 
como coisa" (SARTRE, 1997, p. 52). Por fim, a consciência somente pode emergir no mundo através da 
nadificação de seu ser como sendo a possibilidade própria do ser da consciência: "O nada é a possibilidade 
própria do ser e sua única possibilidade [...] A realidade humana é o ser, no seu ser e por seu ser, enquanto 
fundamento único do nada no coração do ser" (SARTRE, 1997, p. 128). 
2/5
A tese sartreana do nada da consciência nos conduziu a um conceito importante na filosofia existencialista 
de Sartre, a saber, o conceito de angústia. Ora, no Existencialismo é um Humanismo, Sartre define o 
homem como angústia, que brota exatamente pela condição humana ser nadificada em seu próprio ser. De 
fato, pelo nada de ser o homem se constitui num ser jogado no meio do mundo, obrigado a conviver, em sua 
solidão de ser, com a angústia de nada ser. O desamparo, assim, é condição perene na realidade humana, 
como um ser sem nenhum fundamento para seu ser nadificado. 
O nada da consciência nos revelou, também, um outro problema antropológico presente na filosofia 
sartreana: a incapacidade humana em conviver com o vazio de ser. Frente a essa situação, para Sartre, o 
ser humano deve, necessariamente, tomar atitudes. Perante o nada de sua consciência e a ausência de 
fundamentos que justifiquem seus projetos, o homem toma atitudes que objetivam amenizar o drama da 
nadificação da consciência. Em outras palavras, uma atitude natural do homem frente ao desconforto é, para 
Sartre, o de mascarar essa situação, na tentativa de enganar-se a si próprio para fugir desta facticidade. Nas 
palavras de Sartre: 
Mas a fuga da angústia não é apenas empenho de alheamento ante o devir: tenta, além disso, desarmar a 
ameaça do passado. Neste caso, tento escapar de minha própria transcendência, na medida em que 
sustenta e ultrapassa minha essência. Afirmo que sou minha essência à maneira de ser do Em-si. [...] Ficção 
eminentemente tranqüilizadora, pois a liberdade estaria enterrada no seio de um ser opaco: na medida em 
que minha essência não é translucidez e é transcendente na imanência, a liberdade se torna uma de suas 
propriedades (SARTRE, 1997, p. 87). 
Essa atitude constitui-se, fundamentalmente, em negar o nada da consciência e instituir uma essência na 
existência, de forma que a essência a preceda. Isso significa que as escolhas feitas, o sentido da existência 
e do mundo, as justificativas dos projetos se encontram, a priori, na essência. Dessa essência emanam as 
luzes que guiam o sujeito em sua existência. Esta atitude é sedutora, pois tira do próprio sujeito as 
responsabilidades de suas escolhas, dando-lhe a possibilidade de desculpas pelos infortúnios da existência. 
Nessa perspectiva, para Sartre, o fato do ser humano ser sua própria angústia, sem dela poder fugir, remete 
o homem ao mascaramento dessa angústia e a supressão de sua liberdade. Essa atitude, como não 
podemos nos furtar tanto da liberdade quanto da angústia, só pode se constituir numa atitude de mentira, de 
engano. Ou seja, é somente no ato de enganar a si próprio que o homem pode desenvolver a crença de que 
não é angústia e sim, uma essência, um fundamento guiando sua existência. Essa atitude de mascaramento 
do nada de ser e da angústia é definida por Sartre como atitude de má-fé. 
Sartre chamará essa atitude de má-fé, pois é pela má-fé que o homem pode acreditar na possibilidade da 
fuga da angústia e da responsabilidade pela sua existência. Sartre conceitua dessa forma a má-fé: 
"Aceitemos que má-fé seja mentir a si mesmo, desde que imediatamente se faça distinção entre mentir a si 
mesmo e simplesmente mentir" (SARTRE, 1997, p. 93). A despeito disso, o ser humano deve se haver com 
seu cotidiano, ou seja, indiferente aos acontecimentos do mundo, o homem deve fazer seus projetos rumo 
ao ser e se haver com sua existência, enfim. Isso fica claro nas palavras de Sartre: 
3/5
Fugir da angústia e ser angústia, todavia, não podem ser exatamente a mesma coisa: se sou minha angústia 
para dela fugir, isso pressupõe que sou capaz de me desconcentrar com relação ao que sou, posso ser 
angústia sob a forma de ‘não sê-la’, posso dispor de um poder nadificador no bojo da própria angústia. Esse 
poder nadifica a angústia enquanto dela fujo e nadifica a si enquanto sou angústia para dela fugir. É o que 
se chama de má-fé. (SARTRE, 1997, p. 89) 
E, mais adiante: "Convém escolher e examinar determinada atitude que, ao mesmo tempo, seja essencial à 
realidade humana e de tal ordem que a consciência volte sua negação para si, em vez de dirigi-la para fora. 
Atitude que parece ser a má-fé" (SARTRE, 1997, p. 93). A partir disso, constatamos que a má-fé constitui-se 
numa atitude possível diante do vazio de ser que habita a realidade humana. Como fuga do nada de ser e 
da angústia, o homem refugia-se numa atitude que nega sua condição ontológica. A má-fé emerge como 
uma atitude plausível porque permite ao homem encontrar um refúgio diante do deserto de seu ser. 
Refugia-se, assim, em ideologias, éticas ou religiões que preenchem sua condição nadificada, dando-lhe um 
norte para a existência, um sentido, uma causa e um fim. O ser humano refugia-se na má-fé para explicar o 
próprio fato de existir, diante da aterradora realidade de não ter uma justificativa para si mesmo. 
4. Resultados 
A concepção antropológica trazida pela ontologia existencialista de Sartre pontua a realidade humana sitiada 
pelo nada, pelo vazio de ser que conduz, nesse caso, à angústia. O homem é angústia diante do nada da 
consciência. Como resposta ao nada e à angústia, o homem toma atitudes de fuga dessa realidade, 
caracterizada por Sartre com o conceito de má-fé. Ora, a má-fé se torna uma postura freqüente na condição 
humana. Encontramo-la, por exemplo, quando assumimos uma identidade ou definimos nosso ser de 
alguma forma. Como o exemplo do garçom, trazido por Sartre em O Ser e o Nada, agimos de má-fé quando 
nos definimos como ser professor, por exemplo. Cristalizamos nosso nada de ser nessa função de ser 
professor, de forma que nos permitimos ver o mundo e interpreta-lo a partir dessa identidade que cristaliza 
nossa consciência. 
5. Considerações Finais 
A atitude de má-fé caracteriza um tipo de postura classificado pelo filósofo francês como inautêntica. 
Trata-se do sujeito que foge de sua própria constituição ontológica. Para além da inautenticidade, o sujeito 
pode assumir uma outra postura diante do nada de seu ser caracterizada, não pela fuga – como é o caso da 
má-fé. Nesse caso, uma existência autêntica toma o nada de seu ser como uma possibilidade total e plena 
de se constituir. Ou seja, se o nada habita o homem, isso significa que ele se constitui como pura 
potencialidade: tudo ele pode ser. Emerge, assim, não um sujeito empastado e coagulado numa única 
identidade, mas um sujeito como multipossibilidade de ser, como total abertura de constituir-se 
autenticamente a partir de si mesmo. O nada de ser permite ao sujeito a condição intrínseca de ser livre. 
Afinal, para Sartre, a liberdade é possível num cenário em que o sujeito tem em sua constituição ontológica 
o nada de ser. Assim, somos livres porque somos nada de ser. O nada da consciência é, então, liberdade de 
ser, como multipossibilidade para viver autenticamente. 
Referências Bibliográficas 
BORNHEIM, Gérard. Sartre: Metafísica e existencialismo. São Paulo: Perspectiva. 
4/5
BURDZINSKI, Júlio César. Má-fé e autenticidade. Ijuí: Editora UNIJUÌ, 1999. 
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Petrópolis: Vozes, 1997. 
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1987. 
SARTRE, Jean-Paul. A transcendência do ego. Lisboa: Edições colibri, 1994. 
5/5

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Existencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, Sartre
Existencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, SartreExistencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, Sartre
Existencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, SartreBruno Carrasco
 
Hfc aula jean paul sartre
Hfc aula jean paul sartreHfc aula jean paul sartre
Hfc aula jean paul sartreLuiz
 
O segredo da flor de ouro carl g. jung
O segredo da flor de ouro   carl g. jungO segredo da flor de ouro   carl g. jung
O segredo da flor de ouro carl g. jungMW
 
Sartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitosSartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitosBruno Carrasco
 
Resenha o tempo e o cão de Marion Minerbo
Resenha o tempo e o cão de Marion MinerboResenha o tempo e o cão de Marion Minerbo
Resenha o tempo e o cão de Marion Minerbomarcorambo
 
Escarificacoes na adolescencia
Escarificacoes na adolescenciaEscarificacoes na adolescencia
Escarificacoes na adolescenciaVerônica Ribeiro
 
Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Fernando Pessoa: O Banqueiro AnarquistaFernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Fernando Pessoa: O Banqueiro AnarquistaBurghard Baltrusch
 
A filosofia da existência (2)
A filosofia da existência (2)A filosofia da existência (2)
A filosofia da existência (2)TMSouza123
 
O banqueiro anarquista Fernando Pessoa
O banqueiro anarquista   Fernando PessoaO banqueiro anarquista   Fernando Pessoa
O banqueiro anarquista Fernando PessoaZanah
 
Deleuze, gilles (1964). proust e os signos
Deleuze, gilles (1964). proust e os signosDeleuze, gilles (1964). proust e os signos
Deleuze, gilles (1964). proust e os signosDaliane Nascimento
 
Gabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismoGabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismoBruno Carrasco
 
O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)
O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)
O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)Antonio Carlos Ferreira
 
Pensamento e vontade_-_ernesto_bozzano
Pensamento e vontade_-_ernesto_bozzanoPensamento e vontade_-_ernesto_bozzano
Pensamento e vontade_-_ernesto_bozzanohavatar
 
Merleau ponty - o olho e o espírito
Merleau ponty - o olho e o espíritoMerleau ponty - o olho e o espírito
Merleau ponty - o olho e o espíritoGab Marcondes
 
Introdução ao Existencialismo
Introdução ao ExistencialismoIntrodução ao Existencialismo
Introdução ao ExistencialismoCursoDeFerias
 

Was ist angesagt? (19)

Existencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, Sartre
Existencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, SartreExistencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, Sartre
Existencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, Sartre
 
Hfc aula jean paul sartre
Hfc aula jean paul sartreHfc aula jean paul sartre
Hfc aula jean paul sartre
 
Existencialismo
ExistencialismoExistencialismo
Existencialismo
 
O segredo da flor de ouro carl g. jung
O segredo da flor de ouro   carl g. jungO segredo da flor de ouro   carl g. jung
O segredo da flor de ouro carl g. jung
 
Sartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitosSartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitos
 
Resenha o tempo e o cão de Marion Minerbo
Resenha o tempo e o cão de Marion MinerboResenha o tempo e o cão de Marion Minerbo
Resenha o tempo e o cão de Marion Minerbo
 
Escarificacoes na adolescencia
Escarificacoes na adolescenciaEscarificacoes na adolescencia
Escarificacoes na adolescencia
 
Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Fernando Pessoa: O Banqueiro AnarquistaFernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
 
Jean paul sartre
Jean paul sartreJean paul sartre
Jean paul sartre
 
A filosofia da existência (2)
A filosofia da existência (2)A filosofia da existência (2)
A filosofia da existência (2)
 
O banqueiro anarquista Fernando Pessoa
O banqueiro anarquista   Fernando PessoaO banqueiro anarquista   Fernando Pessoa
O banqueiro anarquista Fernando Pessoa
 
Deleuze, gilles (1964). proust e os signos
Deleuze, gilles (1964). proust e os signosDeleuze, gilles (1964). proust e os signos
Deleuze, gilles (1964). proust e os signos
 
Deleuze proust e os signos
Deleuze   proust e os signosDeleuze   proust e os signos
Deleuze proust e os signos
 
Gabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismoGabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismo
 
O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)
O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)
O conhecimento dos mundos superiores (rudolf steiner)
 
Pensamento e vontade_-_ernesto_bozzano
Pensamento e vontade_-_ernesto_bozzanoPensamento e vontade_-_ernesto_bozzano
Pensamento e vontade_-_ernesto_bozzano
 
Merleau ponty - o olho e o espírito
Merleau ponty - o olho e o espíritoMerleau ponty - o olho e o espírito
Merleau ponty - o olho e o espírito
 
Introdução ao Existencialismo
Introdução ao ExistencialismoIntrodução ao Existencialismo
Introdução ao Existencialismo
 
Barthes
BarthesBarthes
Barthes
 

Andere mochten auch

Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8
Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8
Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8newsmiami
 
Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]
Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]
Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]AlquimiaWRG
 
2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...
2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...
2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...jornkk
 
Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...
Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...
Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...Erik Eskedal
 
Snapshot of spirit photography
Snapshot of spirit photographySnapshot of spirit photography
Snapshot of spirit photographyPeter Townsend
 

Andere mochten auch (9)

Visit Card
Visit CardVisit Card
Visit Card
 
Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8
Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8
Atlantic Remnants of HANNA Forecast/Advisory Number 8
 
Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]
Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]
Focus On Distraction [infusion 31st october 2014]
 
Eksempel strategi
Eksempel strategiEksempel strategi
Eksempel strategi
 
5 i året
5 i året5 i året
5 i året
 
2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...
2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...
2010 11-22 strategi for tilstedeværelse i sosiale medier v1-0 - slidesharever...
 
Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...
Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...
Har vi kommet lenger eller tar måling vekk moroa fra sosiale medier? - SXSW r...
 
Qimia
QimiaQimia
Qimia
 
Snapshot of spirit photography
Snapshot of spirit photographySnapshot of spirit photography
Snapshot of spirit photography
 

Ähnlich wie 267

a ressonacia etica da negação em sartre.pdf
a ressonacia etica da negação em sartre.pdfa ressonacia etica da negação em sartre.pdf
a ressonacia etica da negação em sartre.pdfRaissaSilva113769
 
constituição do sujeito, subjetividade e identidade
constituição do sujeito, subjetividade e identidadeconstituição do sujeito, subjetividade e identidade
constituição do sujeito, subjetividade e identidadeHarlen D'vis Barcellos
 
Sentido da existência humana
Sentido da existência humanaSentido da existência humana
Sentido da existência humanamluisavalente
 
37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartre
37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartre37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartre
37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartreAdriano Machado
 
Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)
Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)
Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)Jerbialdo
 
Aulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 Revisado
Aulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 RevisadoAulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 Revisado
Aulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 Revisadoelisamello
 
Fenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoFenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoSilvia Cintra
 
o homem e suas angustia exitencial em sartre....pdf
o homem e suas angustia exitencial em sartre....pdfo homem e suas angustia exitencial em sartre....pdf
o homem e suas angustia exitencial em sartre....pdfMarcelo Filosofia
 
Aula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdf
Aula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdfAula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdf
Aula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdfFelipe Pinho
 
Aula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e Existencialismo
Aula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e ExistencialismoAula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e Existencialismo
Aula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e ExistencialismoClaudio Henrique Ramos Sales
 
LeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundo
LeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundoLeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundo
LeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundoLeandro Barbosa
 
CONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADE
CONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADECONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADE
CONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADEAilane Araujo
 

Ähnlich wie 267 (20)

a ressonacia etica da negação em sartre.pdf
a ressonacia etica da negação em sartre.pdfa ressonacia etica da negação em sartre.pdf
a ressonacia etica da negação em sartre.pdf
 
Existenc
ExistencExistenc
Existenc
 
Existencialismo de Sartre - 3º ano
Existencialismo de Sartre - 3º anoExistencialismo de Sartre - 3º ano
Existencialismo de Sartre - 3º ano
 
constituição do sujeito, subjetividade e identidade
constituição do sujeito, subjetividade e identidadeconstituição do sujeito, subjetividade e identidade
constituição do sujeito, subjetividade e identidade
 
Sentido da existência humana
Sentido da existência humanaSentido da existência humana
Sentido da existência humana
 
37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartre
37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartre37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartre
37041549 a-liberdade-segundo-jean-paul-sartre
 
Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)
Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)
Liberdade e Religião no Existencialismo de Sartre (Frederico Pires)
 
Aulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 Revisado
Aulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 RevisadoAulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 Revisado
Aulas EspecíFicas Filosofia 2 Fase Aula 05 E 06 2007 Revisado
 
Fenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoFenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimo
 
o homem e suas angustia exitencial em sartre....pdf
o homem e suas angustia exitencial em sartre....pdfo homem e suas angustia exitencial em sartre....pdf
o homem e suas angustia exitencial em sartre....pdf
 
Biblioterapia_Módulo 2
Biblioterapia_Módulo 2Biblioterapia_Módulo 2
Biblioterapia_Módulo 2
 
Aula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdf
Aula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdfAula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdf
Aula - Introdução à Analítica Existencial de Heidegger 2022.pdf
 
Sartre
SartreSartre
Sartre
 
Aula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e Existencialismo
Aula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e ExistencialismoAula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e Existencialismo
Aula 15 - Liberdade e Responsabilidade - Fenomenologia e Existencialismo
 
100 DICAS ENEM PARTE 07
100 DICAS ENEM PARTE 07100 DICAS ENEM PARTE 07
100 DICAS ENEM PARTE 07
 
ANGUSTIA E EXISTENCIA.pdf
ANGUSTIA E EXISTENCIA.pdfANGUSTIA E EXISTENCIA.pdf
ANGUSTIA E EXISTENCIA.pdf
 
Apostila 1 filosofia cpia
Apostila 1 filosofia   cpiaApostila 1 filosofia   cpia
Apostila 1 filosofia cpia
 
LeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundo
LeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundoLeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundo
LeandroFerreiraBarbosa Ser-no-mundo
 
CONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADE
CONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADECONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADE
CONHECE A TI MESMO E COCRIE TUA REALIDADE
 
O InefáVel Sentido Da Vida
O InefáVel Sentido Da VidaO InefáVel Sentido Da Vida
O InefáVel Sentido Da Vida
 

267

  • 1. Angústia e Ma-Fé no O SER e O NADA de Sartre Autores m rcio Danelon Jose Lima Junior Apoio Financeiro Fap 1. Introdução A obra O Ser e o Nada (1943) de Jean-Paul Sartre emerge como pedra de toque num período de sua produção filosófica. Nesta obra, Sartre parte do postulado fenomenológico de Husserl de que toda consciência é consciência de alguma coisa, ou seja, a consciência é posicional. Quando, em O Ser e o Nada , transfere o foco da visada da consciência posicional do mundo das coisas materiais, denominado por ele de Em-si, para o mundo da consciência, denominado de Para-si, constata que a consciência posicional não pode ser consciência posicional de si mesma. O ato interrogativo que a consciência inaugura sobre si mesma, perguntado pelo seu próprio ser, numa atitude de reflexão (voltar-se para si mesmo), remete-a a constatação de que o nada habita seu ser. Assim, a consciência, ao colocar-se a si mesma como objeto, nadifica seu ser. Dessa feita, a consciência, em Sartre, é cheia de nada. É nesse sentido que Sartre irá definir a consciência humana como aquilo que é o que não é, e não é o que é, ou seja, a consciência humana é nada. Essa constatação sartreana remete ao problema fundante da condição humana: o homem está cercado pela nadificação, pelo niilismo. Não aquele nada que vem de fora, como decadência dos valores morais e/ou religiosos, mas o nada que vem de dentro do próprio homem e do qual ele não pode fugir e com o qual tem que se haver em todos os momentos de seu cotidiano. Nesse caso, não há uma interioridade ou uma substância na qual o homem pode se agarrar dando-lhe sentido para sua existência. O homem está só no meio do mundo, condenado a construir a partir de si mesmo, ou seja, a partir do nada de seu ser, sua própria existência. É nesse cenário de solidão e de ausência de sentido ou de referenciais éticos, religiosos ou políticos que a atitude de má-fé pode emergir como uma solução para a nadificação do homem. Refugiar-se na má-fé como uma atitude de fuga do nada de ser, surge como uma possibilidade real para a condição humana. É nesse cenário que queremos discorrer sobre as reflexões de Sartre sobre a má-fé: como uma possibilidade humana diante do nada de ser. 2. Objetivos Constituem-se como objetivos neste texto retomar, num primeiro momento, as reflexões de Sartre sobre a consciência humana, demarcando sua conclusão que remete a conceituação da consciência como vazia de qualquer conteúdo e, num segundo momento, remontar o conceito de má-fé como uma atitude humana possível diante do nada de ser. Para isso, faremos uso principalmente da obra O Ser e o Nada como lugar privilegiado em que Sartre efetua suas reflexões sobre os conceitos de consciência e de má-fé. 1/5
  • 2. 3. Desenvolvimento Para Sartre, a consciência não se define como uma plenitude fechada em si mesma, opaca e maciça. Pelo contrário, bebe do principio da fenomenologia husserliana de que a consciência se define como uma consciência posicional: "Com efeito, a consciência define-se pela intencionalidade. Pela intencionalidade, ela transcende-se a si mesma, ela unifica-se escapando-se" (SARTRE, 1994, p. 47). Ora, dizer que a consciência é posicional significa que a consciência toma o objeto que está fora dela, no mundo, como objeto para a consciência. Nesse sentido, a consciência é abertura para os objetos que estão soltos no mundo, e que o mundo todo está, necessariamente, fora da consciência. A reflexão ontológica sobre o princípio fenomenológico da intencionalidade da consciência é retomada com maior densidade em O Ser e o Nada, publicado em 1943. Ali, encontramos o resultado da maturação filosófica de Sartre, quando insere a intencionalidade numa dimensão da ontologia antropológica do ser do ser humano. Se, de acordo com o princípio da fenomenologia, a consciência é sempre posicional, então ela sempre tem por seu ser um objeto que não é ela mesma. Dito de outra forma, a consciência, ao visar os objetos que estão no mundo, deflagra a percepção de que "em-si" ela nada pode encontrar, exatamente por estar todo o mundo fora dela. Assim, para Sartre, a intencionalidade da consciência traz em seu bojo o fato de o mundo estar fora da consciência, ou que a consciência é sempre falta: "Toda consciência é falta de... para...", (SARTRE, 1997, p. 153) ou ainda, que na consciência não há conteúdo porque ela é abertura para o mundo atrás de sua essência: "O primeiro passo de uma filosofia deve ser, portanto, expulsar as coisas da consciência e restabelecer a verdadeira relação entre esta e o mundo, a saber, a consciência como consciência posicional do mundo". (SARTRE, 1997, p. 22) Como abertura para o mundo, emerge para a consciência a impossibilidade de ser abertura ou posicionalidade para si mesma. Isso quer dizer que a posicionalidade da consciência para si mesma é uma impossibilidade e um problema que encontra sua reflexão naquilo que Sartre denominou de presença a si: Ao contrário, a presença a si pressupõe que uma fissura impalpável deslizou pelo ser. Se o ser é presença a si significa que não é inteiramente si. A presença é uma degradação imediata da coincidência, pois pressupõe separação. Mas, se indagarmos agora ‘que é que separa o sujeito de si mesmo?’, seremos obrigados a admitir que é nada (SARTRE, 1997, p. 126). A presença da consciência diante de si instaura a distância de si com relação a si mesma, distância esta definida como nada de ser, conforme afirma Sartre: "O Ser da consciência, enquanto consciência, consiste em existir à distância de si como presença a si, e essa distância nula que o ser traz em seu ser é o Nada" (SARTRE, 1997, p. 127). Dessa forma, não há, na leitura ontológica da realidade humana, nenhum ser que determine aquilo que a consciência é. Impossível definir seu ser, posto que seu ser é nada, a consciência se caracteriza tão somente como abertura para o mundo, uma abertura que é refratária de toda realidade que habita o mundo, conforme afirmar Sartre: "Nenhuma categoria pode ‘habitar’ a consciência e nela residir como coisa" (SARTRE, 1997, p. 52). Por fim, a consciência somente pode emergir no mundo através da nadificação de seu ser como sendo a possibilidade própria do ser da consciência: "O nada é a possibilidade própria do ser e sua única possibilidade [...] A realidade humana é o ser, no seu ser e por seu ser, enquanto fundamento único do nada no coração do ser" (SARTRE, 1997, p. 128). 2/5
  • 3. A tese sartreana do nada da consciência nos conduziu a um conceito importante na filosofia existencialista de Sartre, a saber, o conceito de angústia. Ora, no Existencialismo é um Humanismo, Sartre define o homem como angústia, que brota exatamente pela condição humana ser nadificada em seu próprio ser. De fato, pelo nada de ser o homem se constitui num ser jogado no meio do mundo, obrigado a conviver, em sua solidão de ser, com a angústia de nada ser. O desamparo, assim, é condição perene na realidade humana, como um ser sem nenhum fundamento para seu ser nadificado. O nada da consciência nos revelou, também, um outro problema antropológico presente na filosofia sartreana: a incapacidade humana em conviver com o vazio de ser. Frente a essa situação, para Sartre, o ser humano deve, necessariamente, tomar atitudes. Perante o nada de sua consciência e a ausência de fundamentos que justifiquem seus projetos, o homem toma atitudes que objetivam amenizar o drama da nadificação da consciência. Em outras palavras, uma atitude natural do homem frente ao desconforto é, para Sartre, o de mascarar essa situação, na tentativa de enganar-se a si próprio para fugir desta facticidade. Nas palavras de Sartre: Mas a fuga da angústia não é apenas empenho de alheamento ante o devir: tenta, além disso, desarmar a ameaça do passado. Neste caso, tento escapar de minha própria transcendência, na medida em que sustenta e ultrapassa minha essência. Afirmo que sou minha essência à maneira de ser do Em-si. [...] Ficção eminentemente tranqüilizadora, pois a liberdade estaria enterrada no seio de um ser opaco: na medida em que minha essência não é translucidez e é transcendente na imanência, a liberdade se torna uma de suas propriedades (SARTRE, 1997, p. 87). Essa atitude constitui-se, fundamentalmente, em negar o nada da consciência e instituir uma essência na existência, de forma que a essência a preceda. Isso significa que as escolhas feitas, o sentido da existência e do mundo, as justificativas dos projetos se encontram, a priori, na essência. Dessa essência emanam as luzes que guiam o sujeito em sua existência. Esta atitude é sedutora, pois tira do próprio sujeito as responsabilidades de suas escolhas, dando-lhe a possibilidade de desculpas pelos infortúnios da existência. Nessa perspectiva, para Sartre, o fato do ser humano ser sua própria angústia, sem dela poder fugir, remete o homem ao mascaramento dessa angústia e a supressão de sua liberdade. Essa atitude, como não podemos nos furtar tanto da liberdade quanto da angústia, só pode se constituir numa atitude de mentira, de engano. Ou seja, é somente no ato de enganar a si próprio que o homem pode desenvolver a crença de que não é angústia e sim, uma essência, um fundamento guiando sua existência. Essa atitude de mascaramento do nada de ser e da angústia é definida por Sartre como atitude de má-fé. Sartre chamará essa atitude de má-fé, pois é pela má-fé que o homem pode acreditar na possibilidade da fuga da angústia e da responsabilidade pela sua existência. Sartre conceitua dessa forma a má-fé: "Aceitemos que má-fé seja mentir a si mesmo, desde que imediatamente se faça distinção entre mentir a si mesmo e simplesmente mentir" (SARTRE, 1997, p. 93). A despeito disso, o ser humano deve se haver com seu cotidiano, ou seja, indiferente aos acontecimentos do mundo, o homem deve fazer seus projetos rumo ao ser e se haver com sua existência, enfim. Isso fica claro nas palavras de Sartre: 3/5
  • 4. Fugir da angústia e ser angústia, todavia, não podem ser exatamente a mesma coisa: se sou minha angústia para dela fugir, isso pressupõe que sou capaz de me desconcentrar com relação ao que sou, posso ser angústia sob a forma de ‘não sê-la’, posso dispor de um poder nadificador no bojo da própria angústia. Esse poder nadifica a angústia enquanto dela fujo e nadifica a si enquanto sou angústia para dela fugir. É o que se chama de má-fé. (SARTRE, 1997, p. 89) E, mais adiante: "Convém escolher e examinar determinada atitude que, ao mesmo tempo, seja essencial à realidade humana e de tal ordem que a consciência volte sua negação para si, em vez de dirigi-la para fora. Atitude que parece ser a má-fé" (SARTRE, 1997, p. 93). A partir disso, constatamos que a má-fé constitui-se numa atitude possível diante do vazio de ser que habita a realidade humana. Como fuga do nada de ser e da angústia, o homem refugia-se numa atitude que nega sua condição ontológica. A má-fé emerge como uma atitude plausível porque permite ao homem encontrar um refúgio diante do deserto de seu ser. Refugia-se, assim, em ideologias, éticas ou religiões que preenchem sua condição nadificada, dando-lhe um norte para a existência, um sentido, uma causa e um fim. O ser humano refugia-se na má-fé para explicar o próprio fato de existir, diante da aterradora realidade de não ter uma justificativa para si mesmo. 4. Resultados A concepção antropológica trazida pela ontologia existencialista de Sartre pontua a realidade humana sitiada pelo nada, pelo vazio de ser que conduz, nesse caso, à angústia. O homem é angústia diante do nada da consciência. Como resposta ao nada e à angústia, o homem toma atitudes de fuga dessa realidade, caracterizada por Sartre com o conceito de má-fé. Ora, a má-fé se torna uma postura freqüente na condição humana. Encontramo-la, por exemplo, quando assumimos uma identidade ou definimos nosso ser de alguma forma. Como o exemplo do garçom, trazido por Sartre em O Ser e o Nada, agimos de má-fé quando nos definimos como ser professor, por exemplo. Cristalizamos nosso nada de ser nessa função de ser professor, de forma que nos permitimos ver o mundo e interpreta-lo a partir dessa identidade que cristaliza nossa consciência. 5. Considerações Finais A atitude de má-fé caracteriza um tipo de postura classificado pelo filósofo francês como inautêntica. Trata-se do sujeito que foge de sua própria constituição ontológica. Para além da inautenticidade, o sujeito pode assumir uma outra postura diante do nada de seu ser caracterizada, não pela fuga – como é o caso da má-fé. Nesse caso, uma existência autêntica toma o nada de seu ser como uma possibilidade total e plena de se constituir. Ou seja, se o nada habita o homem, isso significa que ele se constitui como pura potencialidade: tudo ele pode ser. Emerge, assim, não um sujeito empastado e coagulado numa única identidade, mas um sujeito como multipossibilidade de ser, como total abertura de constituir-se autenticamente a partir de si mesmo. O nada de ser permite ao sujeito a condição intrínseca de ser livre. Afinal, para Sartre, a liberdade é possível num cenário em que o sujeito tem em sua constituição ontológica o nada de ser. Assim, somos livres porque somos nada de ser. O nada da consciência é, então, liberdade de ser, como multipossibilidade para viver autenticamente. Referências Bibliográficas BORNHEIM, Gérard. Sartre: Metafísica e existencialismo. São Paulo: Perspectiva. 4/5
  • 5. BURDZINSKI, Júlio César. Má-fé e autenticidade. Ijuí: Editora UNIJUÌ, 1999. SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Petrópolis: Vozes, 1997. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1987. SARTRE, Jean-Paul. A transcendência do ego. Lisboa: Edições colibri, 1994. 5/5