O documento discute como a arteterapia pode ajudar a integrar a mente e o corpo, superando a segregação do eu. Muitas pessoas estão desconectadas de seus corpos, que foram "mortificados" por experiências traumáticas. A arteterapia pode usar fotografias do próprio corpo para ajudar as pessoas a contar suas histórias, integrar conteúdos conscientes e inconscientes, e transformar a relação com o corpo e a vida. Isso permite que o corpo se torne um palco para a ação política e
1. O CORPO NO PROCESSO ARTETERAPÊUTICO: POR UM FIM AO
APARTHEID E SEGREGAÇÃO DO SI-MESMO
Andréa Graupen1
1
andreagraupen@yahoo.com.br
Resumo:
A cisão mente-corpo, a despeito de todas as críticas que tem sofrido nas últimas décadas, é uma
realidade. Enquanto arteterapeutas nos deparamos muitas vezes com corpos mortificados, com
pessoas que se desconectaram da sua experiência corporal. Neste contexto o trabalho propõe uma
práxis que inclua o corpo e discute sobre o papel da arteterapia no sentido de promoção de saúde,
tendo como suporte para intervenções fotografias e imagens do próprio corpo. O corpo torna-se o
palco e a possibilidade de uma ação política e transformadora do ser.
Palavras-chave: APARTHEID. ARTETERAPIA. CORPO.
Abstract:
The mind-body split, despite all the criticism it has suffered in recent decades is a reality. As art
therapists we encounter often with scarred bodies, with people who are disconnected from their bodily
experience. In this context, the paper proposes and discusses a reflection on the role of art therapy in
order to promote health, supported interventions for photographs and images of the body. The body
becomes the stage and the possibility of a transformative political action and of being.
Keywords: APARTHEID. ART THERAPY. BODY.
Resumen:
La división entre mente y cuerpo, a pesar de todas las críticas que ha sufrido en las últimas décadas
es una realidad. Como terapeutas de arte que nos encontramos a menudo con cuerpos marcados,
con personas que están desconectados de su experiencia corporal. En este contexto, el documento
propone y discute una reflexión sobre el papel de la terapia del arte con el fin de promover la salud,
las intervenciones apoyadas por fotografías e imágenes del cuerpo. El cuerpo se convierte en el
escenario y la posibilidad de una acción política transformadora y de ser.
Palabras Claves: APARTHEID. ARTETERAPIA. CUERPO.
tantas transformações sociais e tecnológicas,
Introdução
uma questão contemporânea. Nos consultórios
e grupos de formação em arteterapia nos
A dualidade mente e corpo, questão que não se
chegam a todo instante, homens e mulheres
inicia com Descartes no século XVII, mas que
apartados, desconectados de seus corpos,
tem nele o seu expoente maior é, a despeito de
2. “mortificados” como diria Birman (1980) em seus experiências como agressão física, abuso sexual
estudos sobre a loucura e o processo de e a própria experiência do tempo inscrito na pele
internação em instituição asilar. Temos na deixam marcas no corpo que carregamos ao
mortificação o processo de tornar o corpo objeto, longo da vida. Algumas delas nos levam a uma
de sujeição, processo este também e impossibilidade da experiência de plenitude e de
principalmente estimulado pela mídia (televisiva vida.
e impressa) que nos incita para que tornemos o
corpo em “corpo ideal”, “corpo para consumir e Desenvolvimento
ser consumido”. Através do trabalho arteterapêutico, é possível
criar espaços de diálogos e de (re)apropriação
O apartheid “oficial” é a cruel história de
do próprio corpo, da experiência de estar vivo e
segregação racial, ocorrida na África do Sul, em
conectado consigo mesmo, atualizar e elaborar
meados do século passado. Segundo o
através da imagem corporal vivências
dicionário Michaelis (2009, s/p) o apartheid é a
traumáticas (situações de violência física, abuso
Política de segregação racial, adotada pela República sexual) e vivências ligadas ao tempo (tatuagens,
Sul-Africana, desde 1948 até 1995, entre seus marcas de expressão). O recurso expressivo
habitantes, a qual objetiva o predomínio pleno dos
brancos sobre negros, mestiços e minorias de origem possibilita o contato com o corpo de forma lúdica
asiática.
e criativa, que se estende para a vida como um
todo. Ao olhar, experimentar e criar no corpo
Utilizo o termo como uma metáfora e penso que
abre-se espaço para contar, recontar e criar a
em termos analíticos e arteterapêuticos o própria história. Sendo a arteterapia, em
apartheid pode ser compreendido por uma especial, as práticas que incluem o corpo, uma
supremacia da minoria branca (persona, possibilidade de fim da segregação do si-
consciente) frente aos conteúdos negros mesmo.
(sombra, inconsciente). E nos conteúdos
sombrios encontramos o próprio corpo. Ao Tendo como suporte inicial fotografias da própria
mesmo tempo em que há uma valorização pessoa (sejam elas do corpo todo ou de partes
excessiva deste corpo, há também uma série de específicas) o trabalho com colagem de
práticas e interdições atuando para calá-lo e materiais diversos, pintura, desenho e recursos
aprisioná-lo, especialmente no que tange a tecnológicos (vídeos e photoshop) permite via
expressão da sexualidade, onde operam imagem revelada trabalhar a luz e a sombra, o
1 claro e o escuro no si-mesmo. Ao utilizar o
dispositivos diversos. (FOUCAULT, 2009).
método de amplificação simbólica no lidar com
Todo este mecanismo, essa política de
as imagens produzidas em atendimento
segregação, cria hiatos de proporções enormes,
promovemos a circularidade da energia psíquica
cisões profundas que se refletem em
aprisionada.
depressões, angústias, baixa auto-estima e
senso de não pertencimento. Além das
Resultados e Conclusões
experiências no nível macro, algumas
Ao utilizar no trabalho em arteterapia imagens do
próprio corpo observa-se uma transformação
1 1
“Um dispositivo é um conjunto heterogêneo de
imediata no que diz respeito ao avivamento da
discursos e práticas sociais, uma verdadeira rede que
se estabelece entre elementos tão diversos como a energia psíquica, a pessoa sai da condição de
literatura, enunciados científicos, instituições e
objeto e passa a ser sujeito da própria história.
proposições morais.” (MISKOLCI, 2009, p. 154-155).
3. Ao revelar a imagem revelam-se potenciais
adormecidos e desconhecidos, revelando a
imagem, revela-se a pessoa. Neste percurso o
reconhecimento se faz presente, histórias são
narradas e transformadas, há uma possibilidade
de libertar a energia aprisionada na
imagem/corpo, promovendo aumento da auto-
estima e da energia de vida, há uma mudança
na relação com o corpo e consequentemente
com toda a vida.
O trabalho a partir da imagem do corpo
(fotografia e vídeo) se apresenta como um
campo criativo, de encontro e promoção da
saúde, via integração de conteúdos conscientes
e inconscientes. Se compreendermos o si-
mesmo como totalidade, incluir o corpo na
experiência de vida torna-se imperativo. O corpo
torna-se o palco e a possibilidade de uma ação
política e transformadora do ser. E quem sabe,
finalmente o apartheid do si-mesmo possa ser
revogado.
Referências Bibliográficas
BIRMAN, J. A Psiquiatria como Discurso da
Moralidade. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
FOUCAULT, M. História da sexualidade 1 - a
vontade de saber. 19. ed. São Paulo: Graal,
2009.
MICHAELIS. Disponível em:
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/in
dex.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=apartheid. Acesso em
11/07/2011.
MISKOLCI, R. A Teoria Queer e a Sociologia: o
desafio de uma analítica da normalização.
Sociologias, Porto Alegre, v. 11, n. 21, p. 150-
182, jan./jun., 2009.