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O Leitor de Corações
          Autor Anônimo

             Editora United Press

           Digitalizado por Sandra




HTTP://SEMEADORESDAPALAVRA.QUEROUMFORUM.COM
1
      O sonho ocorreu numa noite de domingo, depois de uma tarde de
golfe e um início de noite assistindo a um debate político na televisão a
cabo. Como se fosse a mão divina, ele pegou Sam Bennett pelo colarinho e
o subjugou. Como se estivesse preso diante de uma imensa tela de cinema,
ele viu uma mulher numa minúscula sala de telhado de zinco e chão
imundo, procurando desesperadamente alguma coisa. Ela tirava objetos
dos armários, das prateleiras, mudava-os de posição, erguia as almofadas
do sofá, olhava atrás das portas e debaixo dos tapetes. Era um sonho
frustrante, daqueles que parecem não ter fim, até que Sam viu uma moeda
jogada, com pouco caso, no canto da sala. A mulher no sonho viu-a no
mesmo instante, abaixou-se para pegá-la e pôs-se a chorar de alegria.
      Uma moeda insignificante? Ele pensou. Por que ela ficaria tão
entusiasmada com uma moedinha insignificante? Inquieto, Sam mudou de
posição e enterrou a cabeça no travesseiro. As palavras do pastor no
sermão daquele dia começaram a ecoar em sua mente. Ele havia falado a
respeito de alcançar o mundo perdido e ouvir as necessidades espirituais
das pessoas. Sam não havia escutado com muita atenção as palavras do
pregador, mas naquele momento elas voltaram como frases gravadas
repetindo-se sem parar em sua cabeça, recusando-se a deixá-lo até que
penetrassem nele.
      Então, ele ouviu a voz, a voz que o acordou como se reverberasse
em sua mente com poder divino. "Ephphatha! Ephphatha!" Sam sentou na
cama.
      A palavra vibrou em seu interior, embora ele não entendesse seu
significado. Era hebraico, pensou. Talvez grego. E de quem seria a voz?
      Ele já se encontrava bem desperto, ensopado de suor frio, trêmulo.
Kate, sua esposa, deitada ao seu lado, continuava serena. Em silêncio, Sam
levantou da cama e saiu cambaleando pela casa. Foi até a pia da cozinha e
jogou água no rosto; depois, procurou conforto e refúgio em sua poltrona
reclinável. Eram quatro horas da manhã, cedo demais para levantar, mas
ele não conseguiria voltar a dormir. Não foi o sonho que o deixou tão
perturbado; foi a voz. Ela possuía tanto poder, tanta autoridade!
     Ephphatha! Qual seria o significado desta palavra? Refletindo sobre
isto, Sam teve certeza de que a voz não fazia parte do sonho. Ele havia
visto apenas a mulher e a moeda enquanto dormia. Não, a voz tinha a
autoridade de Deus. Será que o Senhor havia falado com ele aquela noite?
Mas por que Ele falaria em outra língua? Por que Deus expressaria algo
que deixaria sua alma tão perturbada, algo que parecia importante mas
que ele não era capaz de entender? Seria uma espécie de sinal ou iria
esquecê-lo?
     Sam respirou fundo para aliviar a mente. Pensou em voltar para a
cama, mas a idéia de enfrentar tudo de novo foi descartada. Resolveu
preparar um café. Serviu-se de uma xícara e sentou-se para tomá-lo,
enquanto ponderava se valia a pena refletir mais sobre o sonho ou
esquecê-lo completamente.
      Será que ele tinha algo a ver com o sermão tão entediante do dia
anterior? John, o pastor, havia sido muito eloqüente a respeito da ovelha
perdida. Algo sobre deixar as 99 no aprisco para procurar uma.
      Sam estava mais interessado nos ponteiros do relógio. Chegou até a
imaginar que, se John não terminasse logo, haveria uma fila tremenda em
todos os restaurantes da cidade.
      Seria este o motivo do sonho? A palavra Ephphatha seria uma espécie
de repreensão por não ficar atento na igreja? Pensando bem, John estava
um pouco agitado no dia anterior. No final do sermão, o rosto dele estava
vermelho, e ele, inclinado sobre o púlpito, sacudindo as mãos para
enfatizar suas idéias. Sam não o via tão exaltado desde que John havia
dedicado a vida ao ministério, no segundo ano da faculdade. Naquela
época, ele costumava ficar enrubescido e falar alto quando tentava mudar
o coração de Sam e o de seus amigos. A expectativa de Sam era que o
pastor não se demorasse muito na bênção final e não pedisse para a
congregação cantar as quatro estrofes do último hino, permitindo que os
presbiterianos chegassem primeiro aos restaurantes.
     — Você já pensou o que Deus ouve no coração das pessoas? — o
pastor perguntou. — Que necessidades espirituais clamam por Ele? E se
nós pudéssemos ouvir com os ouvidos de Deus?
      John correu o olhar pelo santuário, mirando rosto por rosto. Seus
olhos encontraram os de Sam, que tentou se mostrar mais desperto.
Sentiu-se culpado ao ver o desapontamento na face do pastor.
     — Muitos de vocês nem mesmo ouvem com os ouvidos que

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  • 2. 1 O sonho ocorreu numa noite de domingo, depois de uma tarde de golfe e um início de noite assistindo a um debate político na televisão a cabo. Como se fosse a mão divina, ele pegou Sam Bennett pelo colarinho e o subjugou. Como se estivesse preso diante de uma imensa tela de cinema, ele viu uma mulher numa minúscula sala de telhado de zinco e chão imundo, procurando desesperadamente alguma coisa. Ela tirava objetos dos armários, das prateleiras, mudava-os de posição, erguia as almofadas do sofá, olhava atrás das portas e debaixo dos tapetes. Era um sonho frustrante, daqueles que parecem não ter fim, até que Sam viu uma moeda jogada, com pouco caso, no canto da sala. A mulher no sonho viu-a no mesmo instante, abaixou-se para pegá-la e pôs-se a chorar de alegria. Uma moeda insignificante? Ele pensou. Por que ela ficaria tão entusiasmada com uma moedinha insignificante? Inquieto, Sam mudou de posição e enterrou a cabeça no travesseiro. As palavras do pastor no sermão daquele dia começaram a ecoar em sua mente. Ele havia falado a respeito de alcançar o mundo perdido e ouvir as necessidades espirituais das pessoas. Sam não havia escutado com muita atenção as palavras do pregador, mas naquele momento elas voltaram como frases gravadas repetindo-se sem parar em sua cabeça, recusando-se a deixá-lo até que penetrassem nele. Então, ele ouviu a voz, a voz que o acordou como se reverberasse em sua mente com poder divino. "Ephphatha! Ephphatha!" Sam sentou na cama. A palavra vibrou em seu interior, embora ele não entendesse seu significado. Era hebraico, pensou. Talvez grego. E de quem seria a voz? Ele já se encontrava bem desperto, ensopado de suor frio, trêmulo. Kate, sua esposa, deitada ao seu lado, continuava serena. Em silêncio, Sam levantou da cama e saiu cambaleando pela casa. Foi até a pia da cozinha e jogou água no rosto; depois, procurou conforto e refúgio em sua poltrona reclinável. Eram quatro horas da manhã, cedo demais para levantar, mas ele não conseguiria voltar a dormir. Não foi o sonho que o deixou tão perturbado; foi a voz. Ela possuía tanto poder, tanta autoridade! Ephphatha! Qual seria o significado desta palavra? Refletindo sobre
  • 3. isto, Sam teve certeza de que a voz não fazia parte do sonho. Ele havia visto apenas a mulher e a moeda enquanto dormia. Não, a voz tinha a autoridade de Deus. Será que o Senhor havia falado com ele aquela noite? Mas por que Ele falaria em outra língua? Por que Deus expressaria algo que deixaria sua alma tão perturbada, algo que parecia importante mas que ele não era capaz de entender? Seria uma espécie de sinal ou iria esquecê-lo? Sam respirou fundo para aliviar a mente. Pensou em voltar para a cama, mas a idéia de enfrentar tudo de novo foi descartada. Resolveu preparar um café. Serviu-se de uma xícara e sentou-se para tomá-lo, enquanto ponderava se valia a pena refletir mais sobre o sonho ou esquecê-lo completamente. Será que ele tinha algo a ver com o sermão tão entediante do dia anterior? John, o pastor, havia sido muito eloqüente a respeito da ovelha perdida. Algo sobre deixar as 99 no aprisco para procurar uma. Sam estava mais interessado nos ponteiros do relógio. Chegou até a imaginar que, se John não terminasse logo, haveria uma fila tremenda em todos os restaurantes da cidade. Seria este o motivo do sonho? A palavra Ephphatha seria uma espécie de repreensão por não ficar atento na igreja? Pensando bem, John estava um pouco agitado no dia anterior. No final do sermão, o rosto dele estava vermelho, e ele, inclinado sobre o púlpito, sacudindo as mãos para enfatizar suas idéias. Sam não o via tão exaltado desde que John havia dedicado a vida ao ministério, no segundo ano da faculdade. Naquela época, ele costumava ficar enrubescido e falar alto quando tentava mudar o coração de Sam e o de seus amigos. A expectativa de Sam era que o pastor não se demorasse muito na bênção final e não pedisse para a congregação cantar as quatro estrofes do último hino, permitindo que os presbiterianos chegassem primeiro aos restaurantes. — Você já pensou o que Deus ouve no coração das pessoas? — o pastor perguntou. — Que necessidades espirituais clamam por Ele? E se nós pudéssemos ouvir com os ouvidos de Deus? John correu o olhar pelo santuário, mirando rosto por rosto. Seus olhos encontraram os de Sam, que tentou se mostrar mais desperto. Sentiu-se culpado ao ver o desapontamento na face do pastor. — Muitos de vocês nem mesmo ouvem com os ouvidos que