Este documento discute a gestão da água em Portugal. Em três frases:
1) Portugal tem grandes recursos hídricos, mas estes estão concentrados no inverno, levando a períodos de seca no verão.
2) Investimentos em infraestruturas hídricas custam anualmente 1,6% do PIB português, mas melhoraram a resiliência aos períodos de seca.
3) Há esforços para tornar a agricultura e outros setores mais eficientes no consumo de água, como metas da ONU para
Folha Florestal revista sobre florestas e sustentabilidade
1. Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt
Folha Florestal
Coordenadora: Marta Ribeiro Telles • Suplemento da Aflobei - Associação de Produtores Florestais da
Beira Interior.
Edição/ Design gráfico:: RVJ - Editores, Lda.
EDITORIAL
D
esde sempre, a floresta tem
sido uma fonte imprescindí-
ECOPROGRESSO SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE GARANTE vel de produtos e
Portugal
E E.VALUE subprodutos, que são consumidos ou uti-
lizados por todos nós no dia a dia. No
entanto, nos últimos anos tem-se vindo
Carbono a compreender melhor a real dimensão
com Mercado dos espaços florestais, cuja importância
ultrapassa o seu papel enquanto forne-
Este caderno faz parte integrante da Edição do Expresso nº 1806 de 9 de Junho de 2007, não podendo ser vendido separadamente.
Garantido cedor de vários produtos de consumo.
vai cumprir
Cada vez mais, a floresta é também en-
PÁGS. 2 , 4 E 5 tendida numa perspectiva de prestadora
de serviços essenciais, nomeadamente
ambientais. A fixação de carbono pro-
movida pela floresta, nos dias de hoje, é
já aceite e compreendida pela sociedade
Quioto
como fundamental para o bem-estar de
todos. A floresta tem, claramente, um
papel decisivo na manutenção e preser-
vação dos ecossistemas indispensáveis
ao equilíbrio do planeta - um planeta cada
vez mais poluidor.
O equilíbrio é, portanto, essencial
numa sociedade com estas característi-
cas. E nesse aspecto, a floresta contribui
através de todo um conjunto de funções
ambientais, tais como a conservação da
ENTREVISTA AO natureza, a defesa da biodiversidade, o
PRESIDENTE DO INAG combate às alterações climáticas, a ma-
nutenção da qualidade da água e do ciclo
Portugal é o hidrológico, a melhoria da estrutura dos
solos, a qualidade da paisagem e do ar
País da U.E. que respiramos.
E no centro de todos estes benefíci-
mais bem os públicos estão os proprietários flores-
tais, detentores da esmagadora maioria
servido do território florestal português. E são
de Água estes que, sendo os responsáveis pela
gestão dos espaços agro-florestais, de-
PÁG. 3 vem ser remunerados pelo serviço públi-
co que prestam, de modo a serem incen-
EXTENSITY tivados a explorar de uma forma susten-
tável todo o potencial ambiental das suas
Projecto Agro- propriedades. Falta o reconhecimento
oficial, pela Comunidade Europeia e Es-
Florestal tado Português, dos serviços públicos pres-
tados pela floresta. Afinal, trata-se de
inovador um património inesgotável de benefícios
promove para todos nós e um investimento de
gerações.
Biodiversidade
A Direcção
PÁG. 9 A 11
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2. Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt Entrevista
RICARDO MOITA, PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA ECOPROGRESSO
Mercado do Carbono é uma realidade
contexto europeu. Seria “catas- emissão às indústrias, assentes
trófico” um membro da União na lógica de que a indústria sabe
Europeia não cumprir o Proto- gerir melhor as emissões do que
colo de Quioto. A questão é que o Estado. Deste modo, o mer-
quanto mais tarde actuarmos e cado funciona entre as diferen-
tomarmos medidas para reagir tes instalações que trocam,
a uma obrigação deste género, compram e vendem licenças
mais difícil se torna transformar entre elas, tentando fazer aqui-
os obstáculos e barreiras em lo que for mais eficiente em ter-
verdadeiras oportunidades. Isto mos de redução de gases com
é, o incumprimento julgo ser im- efeito de estufa.
possível, quanto ao facto de po-
dermos tirar todos os benefícios A Ecoprogresso, através do
que existem num mecanismo Ecotrade, tem-se movimentado
destes, penso que será difícil no mercado de licenças de car-
O mercado de carbono já é porque estamos a reagir um bono. Que tipo de serviço é este?
uma realidade de assinalável pouco tarde em alguns aspectos O Ecotrade foi o serviço que
relevo. Com o Protocolo de – não em todos. a Ecoprogresso criou para actu-
Quioto, vários países passaram ar directamente no mercado de
a ter que controlar as suas emis- Mercado de carbono e Co- carbono, não só em termos de
sões de gases com efeito de es- mércio Europeu de Licenças de consultoria mas também ao ní-
tufa. Emissão (CELE) são dois concei- vel da compra e venda de licen-
Ricardo Moita é o presiden- tos que se começam a tornar ças. Este serviço surgiu porque
te do conselho de administra- habituais. Mais especificamen- alguns dos nossos clientes que- til e que, quando comparado com que são válidas até ao fim de
ção da Ecoprogresso, uma em- te, como funciona o mercado? riam comprar e vender licenças outros mercados, tem muito 2007 é zero euros. Isto porque
presa criada em 2002 e cujo Que actores intervêm nele? e queriam ter acesso a um mer- pouca liquidez. É um mercado existe um excesso e as licenças
negócio, pioneiro em Portugal, Começando um pouco cado com preços competitivos e ainda embrionário e que tem to- têm um tempo de vida.
se centra nas alterações climá- atrás. O Protocolo de Quioto liquidez suficiente. O que a dos os riscos inerentes a essa A partir de 2008 vamos ter
ticas e na gestão de emissões obrigou os países a um certo tec- Ecoprogresso fez foi tornar-se situação. O conselho que sem- novas alocações e, provavel-
de dióxido de carbono, tendo em to de emissões. De grosso modo, membro da Powernext Carbon pre damos aos nossos clientes mente, esse excesso não existi-
vista a sustentabilidade se olharmos para a economia que, no fundo é a área da que actuam no mercado de car- rá e o mercado voltará a funcio-
ambiental. Os clientes desta dos países podemos considerar Euronext para o carbono e, des- bono por obrigação legal é que nar normalmente. Os preços
empresa portuguesa são, mui- três grandes blocos que dão ori- se modo, fazer o serviço de com- evitem correr riscos e que não dos contratos de futuros para o
tas vezes, empresas que estão gem às emissões de gases com pra e venda de licenças para as entrem em especulações. As- próximo ano indicam-nos que as
obrigadas, legalmente, a redu- efeito de estufa. Temos o sector indústrias, quando elas preci- sim, se a empresa tem excesso licenças de carbono estarão a
zir as suas emissões, recorren- residencial e serviços, ou seja sam. Isto porque não faz senti- e quer vender, nunca deve ven- transaccionar acima dos 20
do, para isso, ao comércio de li- consumos inerentes a edifícios do para uma empresa que faz der aquilo de que vai precisar euros. Veremos se assim acon-
cenças de emissão de carbono. e à sua utilização que, com o au- três ou quatro transações por amanhã na expectativa de que tece.
Procurando aproveitar a opor- mento do nível de vida, têm vin- ano estar-se a registar numa amanhã o preço vai baixar e
tunidade gerada por essa situa- do a aumentar. Há outro grande bolsa, numa plataforma de
ção, ao serviço de consultadoria,
poderá comprar; e o inverso Mercado de Carbono
bloco que é o sector dos trans- trade, porque isso tem custos e também: se vai ter que com-
a Ecoprogresso juntou o primei- portes, também extremamen- requer um processo burocrático prar e a tesouria o permite, deve
ro serviço de compra e venda de te difícil de controlar e de gerir. bastante moroso. Ao mesmo O Comércio Europeu
ter muito cuidado e não especu-
licenças de emissão português: E, finalmente, temos um tercei- tempo não é o core business das lar, em particular quando a em- de Licenças de Emissão
o Ecotrade. Com este serviço, a ro bloco que é o da indústria. Este empresas, as quais tipicamente presa tem obrigações legais. (CELE) entrou em funciona-
Ecoprogresso tornou-se na pri- é o panorama do Protocolo de não têm o know-how interno Em termos de preço, para mento a 1 de Janeiro de
meira empresa portuguesa a Quioto, que permite que Esta- para actuar directamente no ter uma ideia, já houve dois 2005 e abrange mais de 11
registar-se na Powernext dos comprem e vendam licen- mercado. É sempre muito mais grandes picos de mercado, em
Carbon, a maior bolsa mundial mil indústrias europeias a
ças entre si. O que a União barato para uma empresa pa- que o preço da tonelada de CO2
de carbono. Europeia fez foi transpor a res- gar a uma comissão do que es- quem foram atribuídas li-
atingiu os 30 euros mas actual-
ponsabilidade das emissões da tar a actuar de forma directa no mente as licenças de emissão cenças. Em 2006, nesse
Estamos no primeiro semes- indústria para a própria indús- mercado. Foi por isto que a estão a transaccionar perto dos mercado foram transac-
tre de 2007. Como vê as hipóte- tria. Isto é, em vez de ser o Es- Ecoprogresso criou o Ecotrade e 0.25 euros. cionadas 817 milhões de
ses de Portugal cumprir as di- tado a gerir as emissões prove- se fez membro da Powernext Em Abril de 2006 soube- toneladas de carbono no
rectrizes do Protocolo de nientes da indústria são elas as Carbon. Até ao momento, so- se que havia um excesso de li-
Quioto? valor de 16 mil milhões de
responsáveis pela sua gestão. mos os únicos portugueses a cenças no mercado e o preço
Portugal vai ter que cum- Resumidamente, criou um mer- estarem registados nesta bolsa. euros. Durante o mesmo
baixou bastante. Foi o primeiro
prir. Não existe outra alternati- cado europeu entre as indústri- ano em que se cumpriu um ciclo ano, Portugal transaccionou
va. Por muito caro que possa ser, as, o CELE, onde estão mais de A que preços é negociado o inteiro deste processo. Do pon- 900 mil toneladas no valor
não existe qualquer espaço para 11 mil instalações. Os Estados carbono actualmente? to de vista teórico, o preço nes- de 15 milhões de euros.
o incumprimento de Portugal no impuseram então tectos de É um mercado muito volá- te momento das licenças de CO2
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3. Entrevista Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt
ORLANDO DE CASTRO BORGES, PRESIDENTE DO INAG - INSTITUTO DA ÁGUA
Portugal é o país da U.E.
mais bem servido de água
siderar bem servido de água. A das excepcionais e a algumas
questão que se coloca é que os restrições, mas a verdade é que
valores associados à precipita- se essa situação de seca tivesse
ção tendem a acorrer numa par- ocorrido dez ou vinte anos antes, damente 1,6 % do Produto In- Água (PNUEA) propõe metas
te específica do território e ten- a situação teria sido perfeita- terno Bruto português. Estamos, para que essa eficiência seja atin-
dem a acorrer em situações tem- mente dramática. Isto é, os anos portanto, a falar de verbas muito gida nos próximos 10 anos.
porais muito concentradas. Ou de seca vão continuar a aconte- avultadas. Claro que, depois há
seja, embora se verifique que cer, mas a possibilidade haver si- que separar as questões relacio- E como será possível tornar
Portugal possui uma grande dis- tuações de risco para o abasteci- nadas com o ponto de vista eco- mais eficiente o consumo de água
ponibilidade em termos de re- mento vão sendo menores. nómico, dos valores dos investi- na agricultura?
cursos hídricos, salienta-se que mentos decorrentes da utilização Embora não só nessa acti-
Com o Verão no horizonte 80% ocorre nos meses de In- Com o aumentar da consci- da água. vidade, o PNUEA determina que
ganha importância a discussão à verno e, dentro dessas ocorrên- ência ambiental, existem preo- Temos ainda outro compo- nos próximos 10 anos possa ha-
volta de um dos mais valiosos cias, grande parte é no norte do cupações de sustentabilidade nente, que tem vindo a ganhar ver um aumento de eficiência na
bens do nosso mundo: a água. país. A situação implica, com ambiental na gestão da água? grande importância, e que tem a ordem dos 5% na agricultura.
Orlando Castro Borges é o pre- certeza, que para se fazer o apro- Neste momento não temos ver com os serviços: assistência, Parece pouco, mas é extrema-
sidente do INAG – Instituto da veitamento dessa disponibilida- alternativa. A Directiva-Quadro manutenção, formação e tudo o mente ambicioso, porque 5% no
Água, organismo que em Portu- de e desses recursos, seja neces- da Água (Nota: Directiva 2000/ que possa ter a ver com a utili- volume total de água tem algu-
gal tem como missão executar sário construir infra-estruturas 60/CE do Parlamento Europeu e zação da água. Numa situação e ma expressão.
as políticas de recursos hídricos. hidráulicas. do Conselho, de 23 de Outubro na outra, o mercado está pro- No entanto, nós temos de
De acordo com o responsável, de 2000, que estabelece um gressivamente mais relevante e verificar que apesar de na agri-
Portugal está preparado para A questão do abastecimen- quadro de acção comunitária no por isso está, francamente, su- cultura os volumes de eficiência
enfrentar situações de falta de to público é uma das questões de domínio da política da água) tem jeito a um conjunto de pressões serem muito baixos, a verdade é
água com relativa segurança. O maior relevância neste domínio. como grande diferença relativa- e de abordagens que estão cada que caso analisemos apenas a
trabalho desenvolvido em Por- Existe o risco de se acentuarem mente a anteriores instrumen- vez mais na ordem do dia. componente económica – leia-
tugal, principalmente após as os problemas de falta de água tos de política dos recursos se: os custos associados às per-
fragilidades reveladas durante o que se verificaram em anteriores hídricos fazer com que os objec- Água e Agricultura das de água –, nós percebemos
período de seca de 2005, dão verões? tivos ambientais sejam centrais que a esse nível o valor é superi-
garantias de que, mesmo em si- O ano de 2005, um ano de em relação a toda a intervenção A agricultura, nomeadamen- or nos sistemas de abastecimen-
tuações excepcionais de seca, é seca, serviu para chegarmos à num curso de água. O objectivo te a de regadio, é a actividade to de água para consumo huma-
possível assegurar o consumo e conclusão de que ainda temos é fazer a recuperação de massas que mais água consome em Por- no. Portanto, se estivermos a fa-
o abastecimento público de água. muitas dificuldades não só em de água que não têm essa base tugal, com mais de 80% do con- lar em volume de total de água a
A agricultura é o sector que prever situações excepcionais e, nas que a têm, ter objectivos sumo. Justifica-se o volume de taxa de eficiência na agricultura
mais água consome, com um que possam ocorrer, nomeada- cada vez mais ambiciosos. É im- água gasto por essa actividade? é de cerca de 60%; se estiver-
valor na ordem dos 87% do to- mente de seca, como serviu tam- portante que os cursos de água, A agricultura, efectivamen- mos a falar em termos de custos
tal de água utilizada no país. Para bém para nos darmos conta de para além da função económica te, consome cerca de 87% da associados a essa perda de água,
diminuir este número, o Gover- que em algumas situações não ou hidráulica, tenham também água, sendo que outros sectores esse valor reduz-se para 40%.
no apresentou o Programa Naci- estamos suficientemente prepa- asseguradas as componentes como a indústria e o abasteci- Por tudo isto, há não só um
onal para o Uso Eficiente da Água rados para reagir. Em particular social e ambiental. A mento público têm valores mui- volume substancial de água que
(PNUEA) que se propõe a au- no que se refere à questão de sustentabilidade ambiental é a to menores. O consumo não se tem que ser utilizado de uma for-
mentar a eficiência do consumo termos completamento garanti- questão central da directiva e da justifica. De acordo com dados ma eficiente, como há também
de água na agricultura em 5%, dos todos os sistemas de abas- Lei da Água e, por esse motivo, que temos, neste momento, o custos económicos que têm que
nos próximos 10 anos. tecimento. A verdade é que es- de toda a intervenção das enti- consumo útil na agricultura anda ser minimizados nos casos dos
tes períodos de seca vão aconte- dades responsáveis pela gestão na ordem dos 3.800 milhões de sectores industrial e de abaste-
É constantemente referida cendo com uma maior frequên- dos recursos hídricos. metros cúbicos de água / ano, cimento público. As nossas me-
a importância dos recursos cia. Contudo, eles acabam por se mas a procura efectiva anda na tas no caso da agricultura apon-
hídricos para o desenvolvimento deparar com todo um trabalho A água é sem dúvida um dos ordem dos 6.000 ou 6.500 mi- tam para 65% de eficiência por-
sustentável de um país. Portugal que está a ser feito, fundamen- bens mais valiosos no XXI. O ne- lhões de metros cúbicos. Isso sig- que percebemos que, do ponto
está bem servido desses recur- talmente pelas autarquias ou gócio da água é muito apetecível? nifica que há um desperdício, de vista das tecnologias, das prá-
sos? pelos grandes sistemas das águas Sem dúvida. O Programa sendo a eficiência de cerca de ticas e até da sensibilidade dos
Está. Portugal está muito de Portugal. Estes, ao serem con- Nacional para o Uso Eficiente da 60%. Ou seja, 40% são situa- utilizadores de água há necessi-
bem servido do ponto de vista cretizados, cada vez mais, garan- Água (PNUEA) estima que à vol- ções que decorrem de perdas ou dade de se percorrer um cami-
dos recursos hídricos. Dentro da tem que mesmo em situações ta da procura, nas questões rele- fugas nos sistemas. Efectiva- nho lento. E mais: em alguns sis-
União Europeia, em função dos excepcionais de seca, o consu- vantes e directas, a água envol- mente, isto não é, do ponto de temas de regadio, para se obter
caudais e da precipitação distri- mo e o abastecimento público ve um custo global de produção vista do volume, uma situação uma elevada eficiência, é neces-
buída pelo espaço territorial ou possam ser garantidas. para a sociedade de cerca de 2 que esteja correcta. Por isso, há sário fazer investimentos que em
pela capitação, Portugal é o país Em 2005 tivemos situações mil milhões de euros por ano. que melhorar e o Programa Na- termos de custo/ benefício não
que mais razão tem para se con- pontuais que abrigaram a medi- Este valor representa aproxima- cional para o Uso Eficiente da são comportáveis.
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4. Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt Entrevista
SANDRA MARTINHO, E. VALUE CARBONO ZERO
Mercado voluntário de carbono
é a nova realidade empresarial
conceito de responsabilidade
ambiental?
Trabalha-se muito com o
conceito de responsabilidade
ambiental, mas trabalha-se
acima de tudo com o conceito
de eficiência. Ou seja, o
CarbonoZero, ao pretender as-
sumir-se como um processo
para reduzir emissões de ga-
A E.Value movimenta-se ses com efeitos de estufa
numa área de negócio em cres- (GEE) - o que significa reduzir
cimento em Portugal. Tem como o consumo e a intensidade de
área privilegiada de negócio a energia fóssil – vai sempre dar
economia do carbono. Movi- primazia à eficiência
menta-se nos mercados regu- energética e à eficiência ao
lados, como o Comércio Euro- nível das emissões. Depois,
peu de Licenças de Emissão existe a componente de com-
(CELE), mas também nos mer- pensação. Para além dos gan-
cados voluntários, através da hos da eficiência económica, o
marca CarbonoZero. Sandra que se capitaliza é sobretudo
Martinho, directora da E.Value uma imagem de responsabili-
destaca sobretudo a eficiência dade corporativa, ambiental e apuramento do balanço líqui- enquadramento que permita São florestas que têm
energética e a responsabilida- social. No entanto, os próprios do de emissões sob Quioto, remunerar os proprietários flo- uma gestão activa e profissio-
de ambiental como duas reali- projectos de compensação de mas também porque existe restais: para que optimizem o nal. Nós mantemos contratos
dades com as quais as empre- emissões, pela sua natureza uma série de outros serviços serviço de sequestro de carbo- com os proprietários florestais
sas e a sociedade em geral te- intrínseca e pelo facto de os ou subprodutos que, indirecta- no e, eventualmente, para di- a 30 anos - período durante o
rão que saber valorizar. mesmos ocorrerem em Portu- mente, são integrados na de- namizar a fileira de produtos qual os proprietários se obri-
gal, com floresta nacional, aca- signada economia do carbono. da madeira. Tal, poderá cons- gam a implementar um plano
O que significa ser bam também por contribuir Por exemplo, a utilização de tituir um veículo para uma ges- de gestão florestal, que vai
CarbonoZero? para o cumprimento do Proto- biomassa para substituição de tão activa, mais eficiente e para além do cumprimento dos
Ser CarbonoZero significa, colo de Quioto - mesmo sen- combustíveis fosseis na produ- profissional do espaço flores- requisitos legais, optimizando
em primeiro lugar, conhecer o do este um instrumento volun- ção de electricidade – mais um tal. Agora, enquanto persistir o serviço de sequestro de car-
quantitativo de emissões de tário. Isto porque o cumpri- input que ajuda à uma série de problemas estru- bono. Trata-se de uma floresta
carbono, ou “pegada de carbo- mento nacional afere-se a par- descarbonização da economia turais da floresta portuguesa que é constituída
no”, quer seja no caso de uma tir do balanço líquido das emis- nacional. e enquanto ela continuar a ar- maioritariamente por espéci-
entidade ou de um cidadão. Em sões de gases com efeito de der como arde, é um investi- es indígenas e, portanto, está
seguida, significa perceber estufa, o que significa ter tam- Considera que existe es- mento de risco. Ou seja, é ne- particularmente adequada às
como reduzir essas emissões. bém em consideração os su- paço para uma remuneração cessária alguma ponderação condições nacionais. Uma flo-
E, em terceiro lugar, compen- midouros de carbono. dos proprietários florestais a nos incentivos e no resta que é menos vulnerável
sar as emissões inevitáveis. É Ao trabalharmos com pro- partir de fundos públicos em enquadramento que se lhes dá. aos incêndios - o que é essen-
esta a tónica que nós tentamos jectos de compensação de virtude da prestação destes Intrinsecamente, eles são bons cial para a gestão do nosso ris-
sublinhar, que não é uma solu- emissões, que são projectos serviços? e devem existir. Mas, para que co financeiro - e que está su-
ção de fim de linha, de com- florestais localizados em Por- No caso da produção de não configure um investimen- jeita a uma monitorização pe-
pensação das emissões, é an- tugal, indirectamente, acaba- energia eléctrica a partir de to de risco para o próprio país riódica, quinquenal, do seques-
tes um processo que culmina mos por estar a contribuir – biomassa, esse enquadra- – e no âmbito do Protocolo de tro de carbono. Em última aná-
na compensação das emissões enfim, é um pequeno mento já existe e, como tal, já Quioto – é necessário acomo- lise, o que as distingue é ter
inevitáveis, aquelas que não se contributo – para que Portugal há uma remuneração objecti- dar um conjunto de aspectos, um serviço que é objectiva-
conseguem reduzir. E, natural- cumpra o Protocolo de Quioto. va desse subproduto da flores- nomeadamente o perfil de ges- mente remunerado em termos
mente, comunicar a acção. ta. No caso do sequestro de tão dos povoamentos flores- financeiros, através do produ-
Qual é o papel da floresta carbono, esse serviço é uma tais. to CarbonoZero.
O projecto CarbonoZero ao na economia do carbono? externalidade ambiental posi-
actuar no mercado voluntário A floresta desempenha tiva. Não obstante, este servi- As propriedades florestais Consegue quantificar o
de emissões de CO2 não con- um papel muito relevante em ço é uma mais valia directa e que participam no projecto número de toneladas de CO2
tribui directamente para fazer termos de economia do carbo- clara para a economia, no âm- CarbonoZero são obrigadas a sequestrado pela floresta sob
face às quotas de Portugal no no. Não só pelo facto de se bito das contas de Quioto. As- obedecer a um conjunto de re- controlo da CarbonoZero?
Protocolo de Quioto. Neste contabilizar o seu sequestro de sim, não me parece inadequa- gras. O que distingue essas flo- Neste momento, estamos
caso, trabalha-se mais com o carbono para efeitos de da a existência de um restas das demais? numa fase de expansão e, nes-
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5. Entrevista Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt
se sentido, procuramos novas
áreas a nível nacional. Temos nossos procedimentos, as tran-
cerca de 120 hectares e apro- sacções financeiras que efec-
ximadamente 9 mil toneladas tuamos, são auditados, desde
de dióxido de carbono equiva- a primeira hora, por uma enti-
lente. dade externa independente.
É possível caracterizar o Em termos económicos é
tipo de empresa que recorre motivador para as empresas?
aos serviços da E.Value e pre- Eu acredito que se não
tender ser CarbonoZero? existir ganho financeiro para as
São das mais diversas. empresas, elas não se movem
Desde a área de serviços, co- para fazer coisa alguma. A
municação, entre outras. Nós questão é como se quantificam
próprios, no dia a dia, esses ganhos. Muitas vezes é
surpreendente, também para
surpreendemo-nos com o le-
as empresas, perceber os po-
que de empresas que nos sur-
tenciais benefícios em termos
gem. Pode dizer-se que, neste
de eficiência energética: isto
momento, não há um padrão- é, a forma como acções tão
tipo de empresas. Os contex- simples podem reduzir os seus
tos para operar o CarbonoZero consumos de energia. E isso é
também são diversos. Há abor- um ganho financeiro objecti-
dagens mais corporativas e ou- vo.
tras mais atomizadas. Por Naturalmente, muitas ve-
exemplo, pode tratar-se de zes, as empresas vão para
uma empresa que está a orga- além destes ganhos e compen-
nizar um determinado evento sam as suas emissões, as quais
e pretende compensar as emis- são emissões inevitáveis. Se o
sões associadas a esse even- fazem é porque capitalizam
to. Em termos de padrão, du- essa acção em termos de ima-
vido que alguém da equipa gem e no mercado. Calculo que
CarbonoZero tenha pressupos- qualquer empresa que faça as
Alterações Climáticas
to um universo de solicitações suas contas queira remunerar
tão heterogéneo. o investimento que está a fa-
zer. Isto no sentido lato do ter-
E depois como é feito o mo, pois muitas vezes o inves-
timento não se traduz em cash-
serviço da empresa? Como se É seguro estabelecer uma confirmar um estudo que já ti- Estas empresas tentam dar ins a muito curto prazo. Aliás,
procede à quantificação das relação entre alguns fenómenos nha sido veiculado pela revista um contributo para reduzir as as grandes marcas mundiais
emissões para compensação? extremos que se têm verificado Nature. Nesse estudo dizia-se emissões de gases com efeito de alinham deste perfil de com-
Se o cliente não sabe qual em Portugal e no mundo – como que seriam expectáveis furacões portamento voluntário que
estufa e, com isso, desenvolver
é a sua “pegada carbónica”, a cheias e secas – e os distúrbios com maior frequência, maior in- estamos aqui a descrever. Po-
uma acção positiva pelo clima.
CarbonoZero calcula as emis- climáticos provocados pela acção tensidade e mais desvastadores, dem ter um ganho financeiro
Mas é um contributo modesto.
sões de gases com efeitos de humana no planeta? provocando maior destruição e no imediato, via redução da
O grande contributo está na mão
estufa. É um trabalho de Sim, é possível. Existe uma custos económicos cada vez mais factura energética, mas tam-
de todos nós. E temos que perce-
consultoria, mas é o princípio série de estudos científicos que avultados. A verdade é que, em bém o têm em termos de ima-
do processo. Muitas vezes, até ber que este não é um problema
assim o revelam. Uma das fon- 2005, todos nos lembramos de gem corporativa junto dos seus
começamos a montante, na apenas da indústria, mas tam- stakeholders internos e exter-
tes de informação mais relevan- alguns furacões, como o Katrina, bém dos cidadãos. A indústria,
caracterização do perfil de con- tes é o 4º Relatório do Painel e foi um ano em que se registou nos, naturalmente a médio pra-
sumo energético do cliente. naturalmente, emite gases com zo.
Inter-Governamental sobre Al- um número recorde de perdas efeito de estufa e já existem ins-
Depois, para o cálculo das terações Climáticas, lançado a 2 económicas. A Swiss
emissões utilizamos a trumentos para controlar as suas Já existem empresas que
de Fevereiro deste ano. Este re- Reinsurance Company reportou emissões. No entanto, não nos
metodologia do GHG Protocol aderindo ao CarbonoZero in-
latório, refere que o número de 186 biliões de euros de perdas corporam os custos da compen-
[The Greenhouse Gas Protocol]. podemos esquecer do cresci-
ciclones tropicais no Atlântico seguradas. Definitivamente, há sação das emissões nos produ-
Portanto, não reinventamos a mento das emissões associadas
Norte tem vindo a aumentar des- um conjunto de evidências cien- tos ou serviços que
roda: em qualquer aspecto da ao sector dos transportes e aos
de 1970 e é, nitidamente, um tíficas que associam as grandes comercializam. Isso vai ser ine-
nossa actividade utilizamos as edifícios. E quando falamos de
fenómeno que está relacionado catástrofes às alterações climá- vitável?
melhores metodologias, o edifícios, referimo-nos ao sector
com o aumento da temperatura ticas. Pode ser inevitável. Actu-
standard recomendado. Esta é residencial e aos serviços. Ou
da superfície do mar. O que se almente, as empresas que ade-
a primeira fase do trabalho. verifica é que, desde essa data – Têm surgido várias empre- seja, todos nós enquanto cida-
rem ao CarbonoZero têm, aci-
A segunda fase é procu- 1970 –, áreas cada vez mais sas associadas ao fenómeno das dãos, em casa e no trabalho, te- ma de tudo, integrado os cus-
rar formas de reduzir as emis- extensas têm vindo a sofrer se- alterações climáticas. É o exem- mos um papel importante, com tos da compensação nas suas
sões, quando isso é possível. cas mais intensas e prolongadas, plo da E.Value e do CarbonoZero, as nossas opções de mobilidade margens. Ou seja, não os têm
De seguida, passamos à principalmente nas zonas dos tró- que procuram anular os efeitos e de consumo. O CarbonoZero transferido para o consumidor
compensação das emissões. picos e dos sub-trópicos. das actividades das empresas e tenta dar um contributo positivo, final. Pode acontecer que elas
Fazemos todos os cálculos as- Também é de salientar o cidadãos no clima. Estas empre- mas é uma das peças de um venham a fazê-lo, num mer-
sociados ao sequestro de car- quão relevante foi o ano de 2005. sas ainda vêm a tempo de contri- puzzle muito complexo e em que cado um pouco mais sofistica-
bono nas nossas áreas flores- Nesse ano, atingiu-se um número buir decisivamente para um mi- a responsabilidade é da activi- do. Neste momento, o com-
tais, utilizando as melhores recorde de furacões, cada vez norar dos efeitos do aquecimen- dade produtiva, mas também dos promisso CarbonoZero tem
metodologias e ferramentas mais destrutivos, o que veio a to global? cidadãos. sido assumido como uma res-
de simulação. ponsabilidade exclusiva da
Todo este processo, os empresa
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6. Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt Entrevista
HUMBERTO ROSA, SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE
Portugal vai cumprir
o Protocolo de Quioto
Humberto Rosa, Secretá- Na verdade, não. Não sin-
rio de Estado do Ambiente, to essa resistência do sector da
afirma que Portugal tem uma indústria. Este sector, junta-
missão especialmente mente com o energético, é
desafiante no contexto do Pro- responsável por uma boa quo-
tocolo de Quioto. O facto de o ta-parte de emissões, mas não
país ter-se desenvolvido mui- é o que mais tem crescido. Se
to a partir de 1990, o ano a olharmos para sectores como
partir do qual se mede quanto o dos transportes, o crescimen-
se pode emitir, tornou muito to de emissões tem sido muito
difícil não se ultrapassarem as maior. E por outro lado, há duas
metas definidas na altura, con- razões pelas quais me parece
sideravelmente baixas. No en- que entra facilmente na lógica
tanto, para Humberto Rosa, empresarial ver o ambiente
essa situação representa tam- como um factor de estímulo à
bém que hoje Portugal está inovação e à competitividade.
mais próximo do nível de con- Ou pelo menos melhora, à
forto do resto da Europa. medida que o tempo passa.
Contudo, o Secretário de O que dizemos hoje às in-
Estado do Ambiente tem uma dústrias que estão no chama-
certeza: Portugal vai cumprir do Comércio Europeu de Licen-
Quioto. Para isso, o país irá inevitáveis – das alterações elas já estão bastante acima não sabemos. O que existe é ças de Emissão (CELE)? Os se-
servir-se do leque de opções climáticas. Eu diria que Portu- do aumento que era permitido uma coincidência entre certos nhores têm aqui estas licenças
que podem ser incluídas no gal tem nesse sentido um be- à luz do Protocolo de Quioto. fenómenos e aqueles que es- para emitirem gases com efei-
Plano Nacional para as Altera- nefício próprio em contribuir Nós podíamos aumentar 27% tão diagnosticados como indo to de estufa. Se emitirem mais
ções Climáticas, no qual se para o combate às alterações relativamente ao ano base e, tornando-se mais frequentes: vão ter que comprar outras e
destacam os mecanismos de climáticas. em 2004, estávamos perto dos secas, cheias, fogos florestais, ter que gastar dinheiro, mas se
flexibilidade de Quioto, que Por outro lado, dentro dos 40%. Isso não nos deve sur- erosão costeira, vagas de ca- emitirem menos vão poder
representam as alternativas países desenvolvidos que têm preender porque quer dizer que lor. Tudo isto, nós conhecemos. vender. Ora, como é que se
para a obtenção de créditos de metas para Quioto – reduzir temos tido mais conforto nas E sabemos que as alterações obtém ganho? Se me tornar
emissão de gases com efeitos as emissões de gases com efei- nossas casas, mais aqueci- climáticas se arriscam a tor- mais eficiente no meu método
de estufa. O Fundo de Carbo- to de estufa – somos daqueles mento e outras coisas que não nar a situação mais frequente produtivo, se encontrar um
no Português será o instrumen- que têm um desafio particu- tínhamos antes. Os valores na nossa região geográfica. combustível alternativo, se
to do Estado para financiar pro- larmente relevante pela fren- podem fazer parecer que Por- Portanto, quando combatemos gastar menos energia não só
jectos, quer em Portugal quer te. Já somos desenvolvidos, tugal está a poluir imenso e a estes efeitos – e todos eles poupo no custo dessa energia,
no estrangeiro, que contribu- mas partimos de um ano base crescer muito, mas não é bem fazem parte, de alguma ma- como ainda tenho licenças para
am o cumprimento dos com- (1990, o ano a partir do qual assim. Se convertermos os va- neira, de política de ambiente vender. Portanto, há uma lógi-
promissos assumidos no âm- se mede quanto podemos emi- lores em quantidade de carbo- e de ordenamento – estamos ca económica já envolvida no
bito do Protocolo de Quioto tir) em que emitíamos muito no por habitante, veremos que a pré-adaptarmo-nos a um sector da indústria e da ener-
para as alterações climáticas. pouco, fruto do nosso desen- a nossa meta é das mais bai- mundo em que haverá algum gia que estão CELE. Assim, não
volvimento relativamente bai- xas na União Europeia – pelo grau de alterações climáticas. encontro nos interlocutores do
Alterações Climáticas xo no contexto dos países de- menos na Europa a 15. Ou seja, Estas serão tanto menos quan- sector industrial uma
senvolvidos. Digamos que te- o nosso desafio de Quioto é to o possível, em função da incompreensão para com a ló-
As Alterações Climáticas mos uma missão de charneira exigente e isso coloca-nos nossa capacidade de reduzir gica de Quioto: induz dificul-
deverão ser uma prioridade na entre países desenvolvidos e numa situação especial e esti- emissões. dades, é certo, mas pode in-
próxima presidência portugue- em desenvolvimento, que é mulante relativamente às al- duzir oportunidades económi-
sa na União Europeia. É a loca- relevante. terações climáticas. O sector da indústria é um cas.
lização geográfica de Portugal dos principais responsáveis
que torna o país num dos esta- Mas, actualmente, Portu- Referiu a inevitabilidade pela emissão de Gases com O recurso a “energias ver-
dos mais interessados em com- gal enfrenta uma situação de alguns efeitos das altera- Efeito de Estufa. Sente resis- des” é uma das medidas mais
bater este problema? completamente diferente da- ções climáticas. Em Portugal já tência das indústrias em ade- incentivadas para fazer face às
Não é só isso. Mas pode- quela em 1990… são visíveis esses efeitos? rir a estratégias de alterações climáticas. Que ava-
mos também ver nessa ópti- É muito diferente. O nos- Para ser honesto, nós não sustentabilidade ambiental? O liação faz da evolução de Por-
ca. No contexto europeu está so desenvolvimento avançou podemos dizer, quando verifi- estímulo à diminuição de emis- tugal no domínio das energias
diagnosticado que os países do muito e é por isso mesmo que camos certos fenómenos, que sões de GEE não poderá preju- alternativas?
sul serão mais afectados pelos quando olhamos para as nos- sabemos que eles resultam dicar o crescimento económico Em Portugal temos muito
efeitos – em certa medida já sas emissões constatamos que das alterações climáticas. Nós das indústrias? o hábito de só ver as coisas
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7. Entrevista Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt
menos positivas do país. Aque-
las que são positivas devemos cenças de emissão que damos
ver com atenção. E se há algo às unidades industriais e eléc-
em que Portugal pode pedir trico-produtoras que estão no
meças actualmente é no cam- comércio de emissões e recor-
po das energias renováveis. rendo aos mecanismos de fle-
Basta reparar no seguinte: o xibilidade do Protocolo de
Conselho Europeu tomou me- Quioto.
didas, a meu ver, revolucioná-
rias e avançadas em termos de Já é possível fazer um ba-
energias renováveis e de lanço provisório do Plano Na-
biocombustíveis. Pretende-se cional de Atribuição de Licen-
20% de energias renováveis ças de Emissão I (PNALE I), que
até 2020; 10% de compreende o período de 2005-
biocombustíveis até 2020; 2007 e dos primeiros anos do
20% de eficiência energética Comércio de Licenças de Emis-
até 2020, etc. sões na Europa (CELE)?
Ora, Portugal já tinha de- É um balanço que não é
finido que para a produção de completo, pois 2007 ainda
energia eléctrica teríamos está em curso. Mas para o pri-
39% de produção em 2010. meiro ano já avaliado, 2005,
O compromisso português era é claro que na Europa – inclu-
ambicioso. O primeiro-minis- indo em Portugal – foram da-
tro anunciou recentemente das licenças a mais. Os Go-
que ele será maior ainda: te- vernos foram generosos na
remos 45% de produção eléc- atribuição de licenças às uni-
trica de fonte renovável em dades industriais, o que fez
2010 e antecipamos em dez com que, na generalidade dos
anos a meta comunitária nos anos, sobrassem licenças. Isso
biocombustíveis. Ou seja, Por-
tugal vai ter 10% de incorpo-
Governo privilegia bioetanol teve um efeito negativo e o
Mercado de Carbono caiu, pois,
ração de biocombustíveis dez como qualquer mercado, é
O Ministério da Agricul- incorporação de biocom- Portugal tem maiores poten-
anos mais cedo do que a data muito sensível à maior ou me-
tura anunciou que será bustíveis nos transportes até cialidades para a produção de
que a União Europeia decidiu, nor abundância do bem em
publicada, ainda em Junho, 2010. bioetanol.
que foi 2010. causa. E assim, a tonelada de
uma portaria que define os De acordo com fontes do A portaria irá ainda criar
Estes dois indicadores carbono neste primeiro perío-
benefícios fiscais a atribuir à Ministério da Agricultura, tudo mecanismos de valorização
juntam-se a um pacote de me- do passou a valer muito pou-
produção de biocombustíveis. indica que, em termos de isen- das matérias-primas nacio-
didas que o primeiro-ministro co.
O objectivo é ajudar Portugal ção fiscal, o bioetanol será be- nais e fixar metas concretas
anunciou em Janeiro e a um A primeira lição a tirar do
a atingir a meta imposta pela neficiado em detrimento do para cada um dos biocom-
diploma de estímulo às PNALE I, desse período inicial,
Comissão Europeia de 10% de biodiesel, por se considerar que bustíveis.
renováveis, ao seu licen- é que para o período a doer, o
ciamento e ao tarifário que é de Quioto, as licenças têm que
pago para as estimular. Esta para Quioto. Como vêm de disseminadas em locais estra- objectivos de reduzir emissões, ser mais restritas.
situação faz-nos estar, segu- plantas, assume-se que tégicos do território, para ge- fazer lá um projecto e pagar.
ramente, no pelotão da frente retornaram a elas na próxima rar um fluxo económico que dê Assim, eu reduzo as emissões O PNALE II (2008-2012) foi
da “energia verde” na Europa. geração de plantas, no próxi- lógica a quem queira e possa nesse país e essas reduções já enviado para a Comissão
mo ano. montar um negócio de recolha contam a meu favor. Isto é um Europeia. Estão previstas alte-
Para se tentar atingir es- Dito isto, apesar de tudo, de biomassa. Não é a pana- mecanismo de flexibilidade de rações estratégicas significati-
ses números, tem-se procura- há algumas cautelas que te- ceia universal, mas sim um Quioto e é sinónimo de cum- vas no PNALE II (2008-2012)?
do diversificar as fontes de mos que ter. Parece-me com- contributo. Outra boa solução prir Quioto. Portanto, de uma Estão, porque o primeiro-
energia renovável em Portugal, pletamente inadequado, por é usar a biomassa como com- coisa tenho a certeza absolu- ministro, em Janeiro, anunciou
por exemplo através da cria- exemplo, fazer floresta para bustível alternativo para cen- ta: Portugal vai cumprir um pacote de medidas no sec-
ção de várias centrais de pro- queimar. A floresta em si tem trais de combustão pré-exis- Quioto. E vai cumprir com todo tor da energia e das alterações
dução de energia com recurso um potencial de mais valia tentes. o leque de opções de que dis- climáticas, sendo que parte
a biomassa florestal. Tem con- económica muito superior à põe. O ideal era conseguirmos delas tem uma influência di-
fiança no sucesso desta fonte sua simples conversão em Acredita que Portugal vai cumprir inteiramente com as recta no próprio sector indus-
de energia em Portugal? energia. conseguir cumprir as metas do chamadas medidas internas: trial e electroprodutor. Quan-
Há toda uma lógica que Em todo o caso, há outra Protocolo de Quioto? O país irá medidas de política de trans- do falamos de reforço das
dita que faz sentido que, em vertente importante. Seria ter que recorrer à compra de portes, de edifícios, de ener- renováveis de 39% para 45%
vez de se perder a energia da uma catástrofe ecológica, por créditos de emissão para o con- gia… Mas o que sabemos hoje em 2010; ou quando falamos
biomassa em incêndios flores- ventura, recolhermos todo o seguir? é que não conseguimos cum- de até 5% do carvão ser subs-
tais – e não falo das árvores, mato do país, para o queimar O Protocolo de Quioto prir o protocolo só com estas tituído por biomassa, nas cen-
mas sim do mato e sub-bos- em centrais de biomassa. Tudo tem várias formas de ser cum- medidas. Todas as medidas que trais termoeléctricas, isto re-
que – faz sentido usarmos a aquilo que é regeneração na- prido e, uma delas chama-se conseguimos incluir no Plano duz as emissões previstas para
energia capturada na biomassa tural da floresta, a recupera- mecanismo de flexibilidade de Nacional para as Alterações o sector do comércio de licen-
para a fazer render onde ade- ção que se vai verificando de Quioto, que inclui a possibili- Climáticas (PNAC) reforçado ças de emissão, e implica ne-
quado, numa central de algumas espécies, a dade, por exemplo, de se ob- que fizemos, não nos impe- cessariamente uma
biomassa. Tanto mais que, biodiversidade, podiam levar terem créditos de redução de dem de ter um deficit de car- actualização do PNAC e do
quando produzimos gases com uma grande machadada. Por- emissões de formas diversas. bono. Por isso, com toda a le- PNALE.
efeito de estufa a partir de tanto, na minha opinião, há um Uma dessas formas é negoci- gitimidade, vamos colmatar
biomassa, eles não contam lugar para pequenas centrais, ar com um país que não tem esse deficit com o grau de li- Que montante existe no
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8. Folha Florestal • Junho 2007 • www.aflobei.pt Entrevista
remunerar a biodiversidade e
o carbono.
Fundo de Carbono português?
De momento, estão lá 3 Falando agora do sector
milhões de euros. Já lá estive- dos transportes. Com o incenti-
ram 6 milhões de euros, cor- vo à utilização de
respondentes à verba prevista biocombustíveis e sabendo-se da
para 2006. Dessa verba foram criação de grandes projectos
usados 3 milhões para inves- neste sector, é de esperar uma
timento privado no único fun- aposta mais forte na produção
do português de carbono. Pre- nacional de matéria-prima para
vemos que, com as verbas que biocombustíveis? Teremos de
este ano serão geradas para o importar essa matéria-prima?
fundo de carbono, vamos fa- Eu estou convencido de que
zer um investimento no fundo há uma dimensão de importa-
do Banco Mundial. Para além ção incontornável, tanto mais
disso, por ventura, iremos abrir que fomos ambiciosos na meta
também propostas para que de incorporação de 10% de
nos sejam apresentados pro- biocombustíveis até 2010. É
jectos de mecanismos de fle- uma meta exigente e difícil. Por-
xibilidade que nos dêem um tanto, a importação parece-me
bom preço por tonelada de incontornável. Agora, obvia-
carbono. mente, temos toda a vantagem
em fazer biocombustíveis a par-
Parte dos fundos serão tir de produção nacional. Há,
utilizados em projectos inseri- então, um nicho, uma oportuni-
dos no âmbito dos Mecanismos dade para a nossa agricultura
de Desenvolvimento Limpo, realizados em Portugal. O país gestão agrícola e florestal, a qual ser o financiamento do desen- que é de agarrar e que pode,
realizados em países estrangei- optou por três sumidouros de é indispensável para podermos volvimento rural a financiar sem dúvida, desenvolver-se.
ros. Haverá neste caso uma carbono opcionais (gestão agrí- até validar esses projectos. Se es- também actividades de con-
maior apetência por países de cola, de pastagens e florestal). tivéssemos a financiar projectos servação, visto que se enten- Em jeito de conclusão, o
língua oficial portuguesa? Projectos nacionais neste âm- sem impacto nos nossos inven- de que são uma mais valia novo Quadro Comunitário de
É nosso objectivo expres- bito terão primazia sobre pro- tários de gases com efeito de para o agricultor. Pode permi- Apoio traz algumas novidades
so e assumido favorecer paí- jectos no estrangeiro? estufa, então não nos servi- tir a certos agricultores conti- no sector do ambiente?
ses de língua oficial portugue- Conceptualmente, prefe- am para nada em termos de nuar no mercado – digamos Sim. O ambiente é uma
sa. Nomeadamente, gostaría- riríamos, evidentemente, usar Protocolo de Quioto. Faço es- assim – por outro serviço que vertente muito considerada
mos muito que os países afri- o Fundo de Carbono – e o seu tas duas salvaguardas porque antes não prestavam. O que em vários campos. Talvez as
canos também viessem a re- regulamento assim o permite é mais fácil dizer teoricamen- agora se divisou é que há ain- que mereçam algum destaque
ceber Mecanismos de Desen- – em projectos nacionais. Dito te do que estarmos já perante da uma terceira via adicional, sejam as águas e resíduos.
volvimento Limpo, porque está isto, tudo aquilo que são acti- uma hipótese concreta de fi- também ambiental. É a dos
Águas porque já fizemos mui-
a diagnosticado a nível inter- vidades como os sumidouros nanciar um projecto nacional. serviços de captura de carbo-
to em termos de águas, como
nacional que têm recebido de gestão agrícola, de pasta- no que a actividade agrícola,
verificámos pela forma relati-
muito pouco dos projectos já gens e florestal são candida- Com a criação do Fundo florestal ou pastorícia bem
vamente airosa como supor-
concretizados até hoje. Em tos teóricos desde logo. Como de Carbono e o aumento de conduzidas podem prestar.
támos a pior seca do século.
todo o caso, não está só nas outros possíveis candidatos: consciencialização da socieda- Com essa perspectiva toda a
Mas, no campo, por exemplo,
nossas mãos. Por um lado, é imaginemos que havia medi- de para os problemas gente concorda. Falta agora
das inovadoras, de energias ambientais, existem perspec- concretizar. do tratamento de águas já há
necessário que esses países muito a fazer no chamado
tenham já rectificado o Proto- renováveis, transportes, ou tivas de os agricultores e pro-
outros, que não estivessem dutores florestais virem a ser Então acredita que pode- “sector em baixa”: a ligação
colo de Quioto, o que já acon- das casas às ETARs [Estações
teceu em alguns casos e em ainda no PNAC, que exigissem remunerados pelos serviços de rá haver uma evolução signi-
investimento. Estas medidas sustentabilidade ambiental ficativa nos objectivos destes de Tratamento de Águas Resi-
outros ainda está em curso; e duais]. Aí há uma grande par-
também é preciso desenvolve- poderiam, à priori ser financi- prestados? produtores florestais e agríco-
adas pelo Fundo Português de Considero que está diag- las? cela de financiamento virada
rem a capacitação própria de
Carbono. nosticado há muito tempo, Acredito que pode haver para esse efeito. Nos resíduos
aceitação e avaliação de pro-
Mas há um alerta rele- até à margem do carbono, que porque há ganhos múltiplos. estamos a apostar numa nova
jectos de desenvolvimento
vante que deixo: o Fundo Por- as sociedades, pelo menos na Dou um exemplo com que fase de política de resíduos que
limpo. Mas estamos a coope-
tuguês de Carbono existe para nossa zona europeia, vão es- contactei: há certas pastagens já não é só propriamente fazer
rar numa rede que criámos
ajudar Portugal a cumprir tando menos disponíveis para que têm maior aterro, encher aterro e fechar
com os países lusófonos, a
Quioto ao melhor preço. Não subsidiar a produção agrícola biodiversidade, mais alimen- aterro. É, isso sim, valorizar o
Rede Lusófona para as Altera-
é só para gastar dinheiro numa e florestal enquanto produção to para o gado e capturam resíduo, reciclá-lo mais, usá-
ções Climáticas, que visa en-
contrar boas potencialidades tonelada de carbono muito - não estou a dizer se fazem mais carbono do que uma pas- lo como combustível alterna-
de investimento. O Brasil já cara. Portanto, são precisas bem ou não. E vão estando tagem simples. Portanto, ain- tivo. É acarinhar o aterro, le-
tem um esquema montado e duas coisas. Por um lado, que a mais disponíveis para finan- da não está inteiramente ga- vando para lá o mínimo possí-
bem oleado para receber pro- boa gestão destes sumidouros dê ciar a produção agrícola e flo- rantido que a remuneração vel, desviando matéria orgâ-
jectos, por isso é bem natural um bom preço por tonelada, que restal por outros serviços que pelo carbono venha acontecer. nica de aterro. Estes são exem-
que seja um parceiro privilegi- seja competitivo com o preço por prestam, nomeadamente, Mas se há vários tipos de hi- plos de matéria ambiental que
ado para nós também. tonelada dos investimentos lá serviços ambientais: a manu- póteses e se há outros gan- está no QREN (Quadro de Re-
fora. E, por outro lado, é preciso tenção da paisagem, a con- hos, faz todo o sentido que o ferência Estratégico Nacional).
Em diversas intervenções desenvolver uma actividade servação da natureza e produtor vá investindo em Há, contudo, muitas mais ma-
públicas, tem demonstrado muito rigorosa e exigente de biodiversidade, etc. Logo, esse vias alternativas já com a mira térias ambientais que estão no
vontade de apostar em projec- monitorização do que fazemos potencial já existe e é até a na possibilidade de surgirem QREN, como a protecção cos-
tos de sequestro de carbono com os nossos solos, pastagens, lógica que nos diz que deve estas fontes adicionais para teira ou a política de cidade.
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