O documento discute as visões de três heterônimos de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis) sobre a relação entre sensações e pensamento. Caeiro defende explicitamente que "existir é sentir, já não é pensar", enquanto Campos vive as sensações e Reis se compraz com decisões baseadas na mesma filosofia de valorizar as sensações. Caeiro teoriza esta visão de forma inocente, baseando-se na natureza e no prazer das sensações como o sol e o frio.
8. Robert Bréchon vê em Alberto Caeiro,
Álvaro de Campos e Ricardo Reis uma
comum rendição às vantagens das
sensações sobre o pensamento. Como se
Pessoa, que tanto lamentou em textos
ortónimos a inabilidade para sentir, ou o
desconforto de pensar, tivesse engendrado
aqueles autores fictícios para
comprovação da apologia dos sentidos.
Entretanto, é Caeiro que defende
explicitamente o que o ensaísta francês
atribui ao processo heteronímico. «Existir é
sentir, já não é pensar» equivale à
9. caeiriana «[o] mundo não se fez para
pensarmos nele [...] mas para olharmos».
Apesar da alegada ingenuidade, é a Caeiro
que cabe teorizar, porque Campos vive já as
sensações (responde ao ideário) e Reis se
compraz com agendar decisões (em
conformidade com idêntica filosofia).
Com espontaneidade inocente, sempre
respaldada no exemplo da natureza («gentio
como o sol e a água») ou na sua fruição
(«não desejei senão estar ao sol ou à
chuva», «sentir calor e frio e vento»), por
vezes Caeiro mostra-se quase impertinente
10. para com, digamos, o seu criador. Na
afirmação de que «pensar é estar doente
dos olhos» não poderíamos ver um
remoque ao sujeito dos poemas ortónimos
(e até aos dos dois heterónimos
requintados)?
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