1. Ontologia
É a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes.
A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma
natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres que gosta de
estudar. A aparição do termo data do século XVII, e corresponde à divisão que
Christian Wolff realizou quanto à metafísica, seccionando-a em metafísica geral
(ontologia) e as especiais (Cosmologia Racional, Psicologia Racional e
Teologia Racional). Embora haja uma especificação quanto ao uso do termo, a
filosofia Contemporânea entende que Metafísica e Ontologia são, na maior
parte das vezes, sinônimos, muito embora a metafísica seja o estudo do ser e
dos seus princípios gerais e primeiros, sendo portanto, mais ampla que o
escopo da ontologia.
A Ontologia radicalmente crítica e histórica de Karl Marx
Karl Marx (1818-1883) ao decorrer da sua obra, a partir de sua Crítica à
Filosofia do Direito de Hegel, cria algo radicalmente novo na História da
Filosofia, uma Ontologia histórica, que decorreu da superação da Filosofia
Antiga e Moderna, pois ambas tinham em si um peso histórico da concepção
de mundo que o desenvolvimento das forças produtivas os tenha
proporcionado, e Marx supera ambas, a Ontologia Greco-Medieval, a Antiga,
que tem o centramento objetivo e a Ontologia Moderna, do Centramento
subjetivo.
A História da Filosofia de Parmênides a Kant refletia um momento histórico
onde a concepção de mundo favoreceu concepções como o Estoicismo, que
refletia a imutabilidade aparente do Mundo e do Real, mas este quadro alterou-
se quando se deu o mais rápido desenvolvimento das forças produtivas na
transição do Modo de Produção Feudal ao Capitalismo, em que Immannuel
Kant descreve ter operado a Revolução Copernicana da Ciência, em que muda
o eixo do centramento do Objeto - Mundo, Deus... - para o Sujeito - embora
não o Indivíduo Genérico-Humano - Burguês, resultado da processualidade da
Individuação na forma de sociabilidade de classe, o Individualismo Burguês. É
demonstrável aí a radical historicidade do Ser em Marx, onde a produção da
vida material, o Trabalho, é categoria fundante do Mundo dos Homens, a
terceira esfera ontológica, a do Ser Social, que porta a Consciência pela
categoria da Teleologia, que em Hegel aparece como Universal, e Marx a
define como categoria Singular ao Mundo dos Homens, aos Indivíduos
Genérico-Humanos reais, historicamente construídos historicamente pelo devir
da categoria do Trabalho.
"O indivíduo é o ser social"... Karl Marx
É da essência da práxis humana que ela se realize na relação com o outro. Se
Feuerbach queria conceber o homem como indivíduo isolado, Marx ressalta
com toda clareza: o homem vive desde sempre em uma sociedade que o
2. supera. "O indivíduo é o ser social." "O homem, isto é o mundo do homem:
Estado, sociedade." Essa natureza social constitui para Marx o ponto de
partida para toda reflexão subseqüente. Assim deve-se entender a muito
discutida frase: "Não é a consciência do homem que determina seu ser, mas é
seu ser social que determina sua consciência."
Assevera G. Lukács, na obra A Ontologia do Ser Social, no capítulo
sobre Marx, que o alemão tenha partido de Hegel, ainda que 'desde o
princípio em termos críticos', isto é, Marx partiu da Filosofia mais
desenvolvida de seu tempo, a Filosofia Idealista Clássica Alemã, que
teve em Hegel a maior encarnação.
Sem sombra de dúvida as pesquisas de Lukács, trouxeram à tona a questão
ontológica no pensamento de Karl Marx. Pois o mesmo, instaurou os
fundamentos de uma nova ontologia. Marx, pensou o homem como ser social
determinado, considerando a história como parte do processo global. Para isso
tal compreensão, Lukács, se utilizou das categorias: essência, singular,
particular, fenômeno redimensionadas ao processo histórico que lhe dão
efetividade e integração. Tais conceitos se configuraram numa nova ontologia,
diferentemente da especulativa nos moldes hegelianos, pois agora, tal
ontologia fixa formas novas de existência determinadas historicamente.
O pensamento de Marx formula-se a partir de duas formas: a) se opera o que é
real, b) afere as questões epistemológicas e impostas ao conhecimento
exemplificadas nas Teses contra Feuerbach e seu materialismo sensorial. A
ontologia pensada por Marx, refere-se as primeiras reflexões anti-especulativas
desde a década de 40 do século XIX, iniciando um processo de novos
referenciais que se contrapuseram à reflexão abstrata, lógica, ideal. Houve a
necessidade de pensar a objetividade, traduzida na questão do trabalho! Essa
radicalidade hierárquica do mundo sobre a subjetividade é que institui o perfil
ontológico e revolucionário da teoria marxiana. Tal perspectiva assinala o
rompimento com o Idealismo hegeliano, bem como crítica da esfera política
que só se torna efetiva e radical cimentada no entendimento da sociedade.
Como podemos então entender a ontologia de Marx? Uma constatação é que
para Marx a sociedade civil torna-se pressuposto da explicação política, ou
seja, torna-se uma economia política. Pelo menos deve ser pensada a partir
dessa ótica. O autor, busca entender as raízes do “ser social burguês” já nos
seus manuscritos econômico-filosóficos, além de criticar o trabalho visto como
“Deus” da realidade humana! A ontologia e objetividade em Marx, devem ser
entendidas como dois momentos de um mesmo estatuto ontológico. Pois a
consciência não é um simples fenômeno da realidade objetiva. Tal afirmação
torna-se indissolúveis fundamentos entre a subjetividade e a objetividade
presentes na matriz da sociabilidade, como também do trabalho, cerne da
ontologia social das sociedades.
3. Em suma, para entendermos a ontologia do ser social, torna-se primordial
conhecermos as relações sociais determinadas pelo modo de produção
capitalista, das quais assinalam que o homem se forma a partir de suas
condições materiais, ou seja, forma-se na objetividade do trabalho.
“Considerado o caráter complexo e multidimensional do sistema marxista, não
há motivo para surpresa pelo fato de que, apesar dos grandes esforços dos
teóricos marxistas, ainda permanecem por descobrir muitos de seus tesouros e
aspectos essenciais.” (Leo Kofler)
O presente texto parte do pressuposto de que o atual quadro histórico, de crise
do capital e de crescente resistência das forças do trabalho, exige uma
“refundação do marxismo”, ou seja, o redimensionamento do “marxismo
verdadeiro”, como diria Lukács (1885-1971). Isso não deve ser confundido com
qualquer tentativa de estabelecer o que ironicamente o historiador marxista e
general do exército brasileiro Nelson Werneck Sodré (1911-1999) definiu como
“marxímetro, isto é, um padrão para aferir da ortodoxia, a fidelidade maior ou
menor às formulações dos clássicos” (1987, p. 43). É apenas a necessidade de
um retorno ao ato inaugural de uma nova forma de fazer filosofia e ciência
posta por Marx. Pois, a radicalidade de Marx está em compreender o
movimento do real para transformá-lo revolucionariamente, de acordo com as
possibilidades engendradas pelo ser social criado pela atividade humana.
Assim, só partindo desse pressuposto, será possível entender os limites,
contradições e contribuições dos próprios herdeiros de Marx, que vieram a
conformar o que denominamos de tradição marxista, além de evidenciar as
possibilidades concretas do marxismo como instrumento de emancipação
humana.
Entendemos que esse movimento é essencial para enfrentarmos os desafios
postos pela luta de classes ideológica por meio de três críticas urgentes. A
crítica ao marxismo vulgar que com seu dogmatismo, determinismo mecânico,
economicismo e esquematismo abstrato confunde não poucos interessados
pela transformação social como sendo o “marxismo verdadeiro”. A crítica ao
movimento de pensamento pós-moderno que rejeita as totalidades, os valores
universais, a razão, o próprio conhecimento objetivo, as grandes narrativas
históricas, os fundamentos materiais do ser social e a possibilidade de
emancipação humana. E, finalmente, a crítica ao núcleo do pensamento social
burguês, inclusive em suas versões “críticas” e de “esquerda”, por se restringir
ao horizonte da sociabilidade regida pelo capital, pois mesmo que adjetivada
de “cidadã”, “ética” e “justa”, não deixa de, em última instância, sustentada pela
extração de mais valia e na produção e reprodução constante de
desigualdades sociais.
Nessa perspectiva objetivamos neste ensaio destacar o fundamento ontológico
do pensamento de Marx. Noutras palavras, expressar que a natureza
materialista e revolucionária do marxismo está em não em ser uma gnosiologia,
uma antropologia ou uma teoria dos modos de produção, mas em apresentar-
se como uma ontologia do ser social, embora tais aspectos não deixem de
estar contidos nele.
4. Então, no primeiro momento, buscaremos indicar o caráter polêmico da
natureza ontológica da obra marxiana dentro da própria tradição marxista,
procurando rastrear as razões históricas que ofuscaram ou debilitaram o núcleo
ontológico das contribuições de Marx. Depois, procuraremos indicar a
importância do resgate da ontologia marxiana por Lukács, delimitando
aproximadamente os contornos gerais da ontologia marxiana e sua
diferenciação das ontologias anteriores.
Trabalho segundo Karl Marx
De acordo com Marx, capital e trabalho apresentam um movimento constituído
de três momentos fundamentais:
Primeiro, “a unidade imediata e mediata de ambos”; significa que num primeiro
momento estão unidos, separam-se depois e tornam-se estranhos um ao outro,
mas sustentando-se reciprocamente e promovendo-se um ao outro como
condições positivas;
Em segundo lugar, “a oposição de ambos”, já que se excluem reciprocamente
e o operário conhece o capitalista como a negação da sua existência e vice-
versa;
Em terceiro e último lugar, “a oposição de cada um contra si mesmo”, já que o
capital é simultaneamente ele próprio e o seu oposto contraditório, sendo
trabalho (acumulado); e o trabalho, por sua vez, é ele próprio e o seu oposto
contraditório, sendo mercadoria, isto é, capital.
Já a alienação ou estranhamento é descrita por Marx sob quatro aspectos:
1. O trabalhador é estranho ao produto de sua atividade, que pertence a
outro. Isto tem como consequência que o produto se consolida, perante o
trabalhador, como um “poder independente”, e que, “quanto mais o
operário se esgota no trabalho, tanto mais poderoso se torna o mundo
estranho, objetivo, que ele cria perante si, mais ele se torna pobre e
menos o mundo interior lhe pertence”;
2. A alienação do trabalhador relativamente ao produto da sua atividade
surge, ao mesmo tempo, vista do lado da atividade do trabalhador, como
alienação da atividade produtiva. Esta deixa de ser uma manifestação
essencial do homem, para ser um “trabalho forçado”, não voluntário, mas
determinado pela necessidade externa. Por isso, o trabalho deixa de ser
a “satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer
necessidades externas a ele”. O trabalho não é uma feliz confirmação de
si e desenvolvimento de uma livre energia física e espiritual, mas antes
sacrifício de si e mortificação. A consequência é uma profunda
degeneração dos modos do comportamento humano;
3. Com a alienação da atividade produtiva, o trabalhador aliena-se
também do gênero humano. A perversão que separa as funções animais
5. do resto da atividade humana e faz delas a finalidade da vida, implica a
perda completa da humanidade. A livre atividade consciente é o caráter
específico do homem; a vida produtiva é vida “genérica”. Mas a própria
vida surge no trabalho alienado apenas como meio de vida. Além disso, a
vantagem do homem sobre o animal – isto é, o fato de o homem poder
fazer de toda natureza extra-humana o seu “corpo inorgânico” –
transforma-se, devido a esta alienação, numa desvantagem, uma vez que
escapa cada vez mais ao homem, ao operário, o seu “corpo inorgânico”,
quer como alimento do trabalho, quer como alimento imediato, físico;
4. A consequência imediata desta alienação do trabalhador da vida
genérica, da humanidade, é a alienação do homem pelo homem. “Em
geral, a proposição de que o homem se tornou estranho ao seu ser,
enquanto pertencente a um gênero, significa que um homem permaneceu
estranho a outro homem e que, igualmente, cada um deles se tornou
estranho ao ser do homem”. Esta alienação recíproca dos homens tem a
manifestação mais tangível na relação operário-capitalista.
É dessa forma, portanto, que se relacionam capital, trabalho e alienação,
promovendo a coisificação ou reificação do mundo, isto é, tornando-o objetivo,
sendo que suas regras devem ser seguidas passivamente pelos seus
componentes. A tomada de consciência de classe e a revolução são as únicas
formas para a transformação social.