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ISSN 1981-1225
                                     Dossiê Religião
                                     N.4 – abril 2007/julho 2007
                                     Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério




                              História
                   A arte de inventar o passado


                                                           Luís César Castrillon Mendes
                                                                                UNEMAT
                                    Correio eletrônico: luiscesarcastrillon@yahoo.com.br


                           ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de.
                           História: a arte de inventar o passado. Ensaios de
                           teoria da História. 2007. Bauru, Edusc.



Durval Muniz de Albuquerque Júnior, professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, reúne alguns de seus artigos nesta obra, fruto de uma
trajetória de mais de dez anos, como ele próprio nos diz, trabalhando no campo
da teoria da História. Buscando sempre o diálogo com a Literatura, analisa
pensamentos de vários autores, como Michel Foucault, que segundo ele, há
muito tempo inspira seu trabalho como historiador. Vários outros pensadores
não apenas no terreno da História, mas também no da Literatura são
contemplados nesta obra, tais como: Carlo Ginzburg, Clarice Lispector,
Gustave Flaubert, Franz Kafka, Manoel de Barros, Edward P. Thompson, Gilles
Deleuze, Graciliano Ramos, dentre outros.
     Na apresentação, o autor aborda o uso do termo invenção, que tem
aparecido com freqüência em publicações de historiadores e faz uma reflexão
sobre as mudanças paradigmáticas ocorridas no saber histórico nos últimos
anos.
     O livro, dividido em três partes, traz na primeira discussões acerca do
envolvimento entre a História e a Literatura; de um possível, e eu diria
necessário, caráter artístico e poético para a História, pensada com a Literatura
e não contra ela, argumenta o autor. Na segunda parte, são privilegiadas as
contribuições e polêmicas que as idéias inquietantes de Michel Foucault



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trouxeram    para   o    campo    historiográfico,       além       de     compará-las            aos
pensamentos de outros autores como Ginzburg e Thompson.
     A terceira parte aborda aspectos variados do trabalho do historiador; as
práticas, desafios, autores diversos e questões centrais no debate da
historiografia contemporânea.
     O texto introdutório enfoca o crescente uso do termo invenção pelos
historiadores. Longe de haver consenso entre eles quanto à definição do termo,
este indica uma ruptura, nos leva a uma cisão, a um descortinar de um novo
possível    paradigma,    pois   inventar,    segundo          Durval,       nos      remete       a
descontinuidades, ao heterogêneo, a singularidades e a afirmação do caráter
subjetivista da produção histórica, afastando-se, assim, da postura historicista
do evento histórico. Dessa forma, os acontecimentos são ou pelo menos
deveriam ser tratados como indícios, pelos quais se tenta identificar o momento
da invenção. Com isso, surgiriam os agentes dessa invenção, os interesses,
conflitos e contradições inerentes ao processo de emergência dos eventos.
Pois, de acordo com o autor, o fato histórico é um misto de matéria e memória,
de ação e representação, fruto de uma pragmática que articula a natureza, a
sociedade e o discurso.
     Ao fazer uso da metáfora das margens – que representariam os
paradigmas rivais na História - que supostamente limitam e contém o rio,
Durval Muniz, pensando com Guimarães Rosa, busca uma terceira margem
como possibilidade de análise. Uma outra margem, onde as duas anteriores se
encontrariam fruto de atividades de purificação, de racionalização, de
construção humana e social de objetos e sujeitos que vêm se misturar no fluxo,
no turbilhão das ações e práticas humanas. Significa pensar que a História não
se passa apenas no lugar da natureza, da realidade, do evento, nem tampouco
do lado da representação, da cultura, da subjetividade, da idéia ou da narrativa.
Passa entre elas, no indiscernimento das divisões, na mistura dos variados
elementos, conectadas e articuladas pela linguagem. Ela se passa nessa
terceira margem, a do devir, do fluxo; a História como o rio heraclitiano que
produz as suas margens.


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      Na primeira parte, distribuídas em quatro capítulos, são analisadas
possíveis e necessárias interlocuções entre Literatura e História, sejam nas
discussões de gênero, não apenas gênero discursivo, mas também como o
que na moderna cultura ocidental se define como masculino e feminino. A
História enquanto discurso enfatizando a razão, o poder, a conquista e o
domínio, cabendo às Letras as paixões, as dimensões poéticas da existência e
o intuitivo.
      Pensando a História como a Arte de Inventar o passado, Durval utiliza-se
das    personagens    Bouvard   e   Pécuchet,        que      surpreendidos            por      um
acontecimento inusitado, lançam-se à pesquisa histórica, deparando-se com as
inquietações que essa atividade causa a quem pretende efetuá-la. Discutindo o
estatuto do saber histórico na modernidade, analisa a configuração histórica da
sociedade tecno-científica pela ótica dos dois protagonistas de Flaubert. Depois
dessa “viagem no tempo”, Bouvard e Pécuchet atestam que as previsões das
filosofias da História do século XIX não se concretizaram. Quais rupturas e
descontinuidades foram responsáveis pela mudança paradigmática da Ciência
Histórica? A não realização das previsões coloca os personagens diante do
questionamento da própria racionalidade da História, dos mitos das fundações,
ou seja, da existência da determinação em última instância pela História.
      Com Franz Kafka, o autor procura enfatizar o acontecimento, que rompe
com a rotina, que singulariza situações, anuncia diferenças e põe a História em
movimento. Segundo Durval, Foucault, assim como Kafka, busca sujeitos sem
fama, sujeitos que se constituem e se desmancham, metamorfoseiam-se no
próprio processo histórico. Podemos aprender com Kafka, a história de nossos
medos, como eles atuam impelindo ou bloqueando ações, desejos e
pensamentos. Nem em seu próprio quarto, em sua própria cama o indivíduo
não está sozinho. Na sociedade moderna burguesa, no interior das casas, não
é garantia de proteção contra as forças externas. A História pode ser produzida
nos lugares impróprios; a História do “insuportável”: o medo, o governo, a
opressão, a exploração, o preconceito, a culpa, a vilania, a animalidade, a
violência, a miséria, a dor.


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     Ao dialogar com Manoel de Barros, Durval aborda a relação entre História,
memória e linguagem nestes tempos pós-modernos. A partir dos escritos do
poeta, localiza tratamentos metodológicos em comum, como o caráter
fragmentário das experiências, a multiplicidade de temporalidades, a
necessidade de sair do olhar grandioso em busca do menor, do cisco. O saber
é visto como transubstanciação, encontro erótico com as coisas e pessoas. O
mundo, assim como o Pantanal, fluido, onde seres e formas se comunicam e
metamorfoseiam-se em outros.
     Uma nova forma de ver as coisas, uma nova proposta metodológica. Uma
micro-história, distinta da escola italiana, irredutível à grades conceituais e fora
do social, sem ser parte de unidades ou identidades. Palavras e conceitos que
poderiam muito bem inspirar a produção de narrativas que descortinassem o
véu que cobre o ínfimo, o traste, o abandonado, o infame, o chão.
     A segunda parte do livro, dedicada a Michel Foucault, analisa o
pensamento do filósofo francês, contrapondo-o com os ideários de outros
autores renomados, como no brilhante texto Menocchio e Rivière: criminosos
da palavra, poetas do silêncio. Durval Muniz analisa pontos em comum e de
divergência metodológicas entre Ginzburg e Foucault, que embora partindo de
um mesmo paradigma, o indiciário, surgido no final do século XIX, trataram
diferenciadamente as suas personagens. Discurso, crime, a necessidade ou
não de se enquadrar a palavra num esquema mais geral de classe, contexto
histórico, razão universal, dentre outros conceitos, são analisados pelo autor,
evidenciando formas de se conduzir a pesquisa e a narrativa histórica. Se
ambas as personagens foram silenciadas, de acordo com Durval, Ginzburg
tomou a palavra para superar o não dito; enquanto que Foucault toma a
palavra para evidenciá-lo.
     Outra comparação metodológica interessante se faz entre E. P.
Thompson e Michel Foucault, através do conceito de experiência, central nos
trabalhos historiográficos desses autores, apesar de possuírem formações
teóricas bem divergentes. Para Thompson, fazendo uma nova leitura da
tradição marxista, a história tem como pressupostos idéias de totalidade, de


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razão, de verdade, continuidade, essência e semelhança. Já para Foucault, ela
busca dispersar as totalidades, inclusive a da razão. A História, segundo
Thompson é realista, um discurso sobre o real. Na perspectiva de Foucault, ela
é nominalista, ou seja, uma prática discursiva, que emerge das lutas políticas,
de embates de poder presidido por estratégias e táticas.
     Durval Muniz compara os textos Senhores e caçadores e A vida dos
homens infames, de Thompson e Foucault, respectivamente, observando,
através das experiências, o porquê da emergência delas, ou seja, por que
umas foram “vistas” e outras não? Por que algumas determinadas experiências
provocaram fissuras no silêncio?
     O objeto em História é tratado por Durval como uma espécie de
convocação estratégica do passado, armado por uma tática, visando
demandas do nosso tempo. Dessa forma, a História não implica apenas
lembrar, mas também produzir esquecimentos. É interessante partir desta
questão: como foi possível a emergência deste ou daquele objeto histórico?
     Para o autor, a disciplina histórica, como sugere Foucault, pode ser
pensada como um jogo, repleta de incertezas e imprevisibilidades. É observar
sempre as forças que entram em campo num dado evento, sujeito a regras e
mediada por estratégias e táticas. É abordar uma História aberta a incertezas e
afastada de qualquer previsibilidade. Estratégias e táticas a serviço da
criatividade ou da reação, podendo levar a vitórias ou derrotas. Assim como
uma partida de futebol, que seguem as mesmas regras, mas o resultado do
jogo é sempre incerto, as jogadas e os lances jamais se repetem. Cada partida
é singular e irrepetível, assim como os eventos históricos.
     Segundo Durval Muniz, Foucault, ao fazer uso nos seus textos de figuras
de linguagem como a ironia, sorri para e da seriedade das disciplinas, sempre
levadas tão a sério. O seu sorriso como arma de ataque e defesa contra o
aprisionamento exercido pela ordem do discurso e pelas instituições; contra o
poder. O riso satírico como combate, aquele que se trava para se desmontar os
textos, revelando suas regras de produção, suas condições históricas de
possibilidade, através de sua construção paródica. O riso seria o anti-sistema,


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é o derrisório, é a ausência de lógica, é o deslocamento constante dos sentidos
(p. 186). Uma espécie de História satírica, contrária ao dogmatismo e ao
simplismo, que afirma o caráter complexo e problemático das experiências
humanas e da relação com a temporalidade e verdade, buscando surpreender
a verdade onde ela não é procurada, uma verdade produzida tanto por reflexão
como por intuição. A ironia como rebeldia da e na linguagem (p. 189).
       A terceira parte traz diversos ensaios contemplando temáticas como as
Memórias violadas pela gestação da História, o que torna, nas palavras do
autor, a tarefa do historiador um parto difícil. Durval lembra-se de Ecléa Bosi:
lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, com imagens e idéias de hoje,
as experiências do passado. Ele observa que nem sempre as conceituações de
Memória e História estão claramente definidas e dos cuidados metodológicos
necessários ao se trabalhar com fontes orais.
       Dialogando com Graciliano Ramos, Gilles Deleuze e Michel Foucault,
Durval Muniz mostra uma construção histórica das masculinidades. A família
sendo o lugar de origem, local de construção de um eu fechado e centrado em
torno da figura do pai, de sua fala e de seu falo. Pai este que causa um
desprestígio aos olhos de seus descendentes, seja pela relação conflituosa,
seja    pela   perda   do   poder   ou     perda       de     consistência          ao     caos,    à
desterritorialização. É a invasão do terreno sagrado da família pela História. O
nome do pai, aquele que representava a lei, a primeira experiência de justiça,
vê-se impotente ao descobrir que não emanava poder, vinha de fora dele,
dominava-o, passava por ele. Um ser diminuto de um mundo vasto e
ameaçador (p. 222).
       O autor aborda também conceitos e práticas como amizade, sugerindo um
método de trabalho historiográfico. Amigo do saber, orientador, operador de
diferenças, experimentador, que fala, corrige, retifica, que ajuda a rever
certezas e relativizar verdades.
       Durval Muniz nos adverte da (im)possibilidade de se fazer História oral
numa sociedade pautada pela escriturística e alerta para os cuidados
metodológicos ao se realizar entrevistas, no sentido de não interferir na fala do


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entrevistado, já que essa fala surge num momento de interação entre
entrevistador e entrevistado. A História oral, segundo o autor, contribui para o
surgimento de novas falas, novos personagens, a fala dos vencidos, dos
despossuídos, dos marginalizados, dos dominados; e adverte: a História a
partir de fontes orais, ainda indefinida entre uma técnica, um método ou uma
postura teórica no campo da historiografia.


                                                                   Recebido em abril/2007.
                                                                 Aprovado em junho/2007.




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História: A arte de inventar o passado

  • 1. ISSN 1981-1225 Dossiê Religião N.4 – abril 2007/julho 2007 Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério História A arte de inventar o passado Luís César Castrillon Mendes UNEMAT Correio eletrônico: luiscesarcastrillon@yahoo.com.br ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da História. 2007. Bauru, Edusc. Durval Muniz de Albuquerque Júnior, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, reúne alguns de seus artigos nesta obra, fruto de uma trajetória de mais de dez anos, como ele próprio nos diz, trabalhando no campo da teoria da História. Buscando sempre o diálogo com a Literatura, analisa pensamentos de vários autores, como Michel Foucault, que segundo ele, há muito tempo inspira seu trabalho como historiador. Vários outros pensadores não apenas no terreno da História, mas também no da Literatura são contemplados nesta obra, tais como: Carlo Ginzburg, Clarice Lispector, Gustave Flaubert, Franz Kafka, Manoel de Barros, Edward P. Thompson, Gilles Deleuze, Graciliano Ramos, dentre outros. Na apresentação, o autor aborda o uso do termo invenção, que tem aparecido com freqüência em publicações de historiadores e faz uma reflexão sobre as mudanças paradigmáticas ocorridas no saber histórico nos últimos anos. O livro, dividido em três partes, traz na primeira discussões acerca do envolvimento entre a História e a Literatura; de um possível, e eu diria necessário, caráter artístico e poético para a História, pensada com a Literatura e não contra ela, argumenta o autor. Na segunda parte, são privilegiadas as contribuições e polêmicas que as idéias inquietantes de Michel Foucault 1
  • 2. ISSN 1981-1225 Dossiê Religião N.4 – abril 2007/julho 2007 Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério trouxeram para o campo historiográfico, além de compará-las aos pensamentos de outros autores como Ginzburg e Thompson. A terceira parte aborda aspectos variados do trabalho do historiador; as práticas, desafios, autores diversos e questões centrais no debate da historiografia contemporânea. O texto introdutório enfoca o crescente uso do termo invenção pelos historiadores. Longe de haver consenso entre eles quanto à definição do termo, este indica uma ruptura, nos leva a uma cisão, a um descortinar de um novo possível paradigma, pois inventar, segundo Durval, nos remete a descontinuidades, ao heterogêneo, a singularidades e a afirmação do caráter subjetivista da produção histórica, afastando-se, assim, da postura historicista do evento histórico. Dessa forma, os acontecimentos são ou pelo menos deveriam ser tratados como indícios, pelos quais se tenta identificar o momento da invenção. Com isso, surgiriam os agentes dessa invenção, os interesses, conflitos e contradições inerentes ao processo de emergência dos eventos. Pois, de acordo com o autor, o fato histórico é um misto de matéria e memória, de ação e representação, fruto de uma pragmática que articula a natureza, a sociedade e o discurso. Ao fazer uso da metáfora das margens – que representariam os paradigmas rivais na História - que supostamente limitam e contém o rio, Durval Muniz, pensando com Guimarães Rosa, busca uma terceira margem como possibilidade de análise. Uma outra margem, onde as duas anteriores se encontrariam fruto de atividades de purificação, de racionalização, de construção humana e social de objetos e sujeitos que vêm se misturar no fluxo, no turbilhão das ações e práticas humanas. Significa pensar que a História não se passa apenas no lugar da natureza, da realidade, do evento, nem tampouco do lado da representação, da cultura, da subjetividade, da idéia ou da narrativa. Passa entre elas, no indiscernimento das divisões, na mistura dos variados elementos, conectadas e articuladas pela linguagem. Ela se passa nessa terceira margem, a do devir, do fluxo; a História como o rio heraclitiano que produz as suas margens. 2
  • 3. ISSN 1981-1225 Dossiê Religião N.4 – abril 2007/julho 2007 Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério Na primeira parte, distribuídas em quatro capítulos, são analisadas possíveis e necessárias interlocuções entre Literatura e História, sejam nas discussões de gênero, não apenas gênero discursivo, mas também como o que na moderna cultura ocidental se define como masculino e feminino. A História enquanto discurso enfatizando a razão, o poder, a conquista e o domínio, cabendo às Letras as paixões, as dimensões poéticas da existência e o intuitivo. Pensando a História como a Arte de Inventar o passado, Durval utiliza-se das personagens Bouvard e Pécuchet, que surpreendidos por um acontecimento inusitado, lançam-se à pesquisa histórica, deparando-se com as inquietações que essa atividade causa a quem pretende efetuá-la. Discutindo o estatuto do saber histórico na modernidade, analisa a configuração histórica da sociedade tecno-científica pela ótica dos dois protagonistas de Flaubert. Depois dessa “viagem no tempo”, Bouvard e Pécuchet atestam que as previsões das filosofias da História do século XIX não se concretizaram. Quais rupturas e descontinuidades foram responsáveis pela mudança paradigmática da Ciência Histórica? A não realização das previsões coloca os personagens diante do questionamento da própria racionalidade da História, dos mitos das fundações, ou seja, da existência da determinação em última instância pela História. Com Franz Kafka, o autor procura enfatizar o acontecimento, que rompe com a rotina, que singulariza situações, anuncia diferenças e põe a História em movimento. Segundo Durval, Foucault, assim como Kafka, busca sujeitos sem fama, sujeitos que se constituem e se desmancham, metamorfoseiam-se no próprio processo histórico. Podemos aprender com Kafka, a história de nossos medos, como eles atuam impelindo ou bloqueando ações, desejos e pensamentos. Nem em seu próprio quarto, em sua própria cama o indivíduo não está sozinho. Na sociedade moderna burguesa, no interior das casas, não é garantia de proteção contra as forças externas. A História pode ser produzida nos lugares impróprios; a História do “insuportável”: o medo, o governo, a opressão, a exploração, o preconceito, a culpa, a vilania, a animalidade, a violência, a miséria, a dor. 3
  • 4. ISSN 1981-1225 Dossiê Religião N.4 – abril 2007/julho 2007 Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério Ao dialogar com Manoel de Barros, Durval aborda a relação entre História, memória e linguagem nestes tempos pós-modernos. A partir dos escritos do poeta, localiza tratamentos metodológicos em comum, como o caráter fragmentário das experiências, a multiplicidade de temporalidades, a necessidade de sair do olhar grandioso em busca do menor, do cisco. O saber é visto como transubstanciação, encontro erótico com as coisas e pessoas. O mundo, assim como o Pantanal, fluido, onde seres e formas se comunicam e metamorfoseiam-se em outros. Uma nova forma de ver as coisas, uma nova proposta metodológica. Uma micro-história, distinta da escola italiana, irredutível à grades conceituais e fora do social, sem ser parte de unidades ou identidades. Palavras e conceitos que poderiam muito bem inspirar a produção de narrativas que descortinassem o véu que cobre o ínfimo, o traste, o abandonado, o infame, o chão. A segunda parte do livro, dedicada a Michel Foucault, analisa o pensamento do filósofo francês, contrapondo-o com os ideários de outros autores renomados, como no brilhante texto Menocchio e Rivière: criminosos da palavra, poetas do silêncio. Durval Muniz analisa pontos em comum e de divergência metodológicas entre Ginzburg e Foucault, que embora partindo de um mesmo paradigma, o indiciário, surgido no final do século XIX, trataram diferenciadamente as suas personagens. Discurso, crime, a necessidade ou não de se enquadrar a palavra num esquema mais geral de classe, contexto histórico, razão universal, dentre outros conceitos, são analisados pelo autor, evidenciando formas de se conduzir a pesquisa e a narrativa histórica. Se ambas as personagens foram silenciadas, de acordo com Durval, Ginzburg tomou a palavra para superar o não dito; enquanto que Foucault toma a palavra para evidenciá-lo. Outra comparação metodológica interessante se faz entre E. P. Thompson e Michel Foucault, através do conceito de experiência, central nos trabalhos historiográficos desses autores, apesar de possuírem formações teóricas bem divergentes. Para Thompson, fazendo uma nova leitura da tradição marxista, a história tem como pressupostos idéias de totalidade, de 4
  • 5. ISSN 1981-1225 Dossiê Religião N.4 – abril 2007/julho 2007 Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério razão, de verdade, continuidade, essência e semelhança. Já para Foucault, ela busca dispersar as totalidades, inclusive a da razão. A História, segundo Thompson é realista, um discurso sobre o real. Na perspectiva de Foucault, ela é nominalista, ou seja, uma prática discursiva, que emerge das lutas políticas, de embates de poder presidido por estratégias e táticas. Durval Muniz compara os textos Senhores e caçadores e A vida dos homens infames, de Thompson e Foucault, respectivamente, observando, através das experiências, o porquê da emergência delas, ou seja, por que umas foram “vistas” e outras não? Por que algumas determinadas experiências provocaram fissuras no silêncio? O objeto em História é tratado por Durval como uma espécie de convocação estratégica do passado, armado por uma tática, visando demandas do nosso tempo. Dessa forma, a História não implica apenas lembrar, mas também produzir esquecimentos. É interessante partir desta questão: como foi possível a emergência deste ou daquele objeto histórico? Para o autor, a disciplina histórica, como sugere Foucault, pode ser pensada como um jogo, repleta de incertezas e imprevisibilidades. É observar sempre as forças que entram em campo num dado evento, sujeito a regras e mediada por estratégias e táticas. É abordar uma História aberta a incertezas e afastada de qualquer previsibilidade. Estratégias e táticas a serviço da criatividade ou da reação, podendo levar a vitórias ou derrotas. Assim como uma partida de futebol, que seguem as mesmas regras, mas o resultado do jogo é sempre incerto, as jogadas e os lances jamais se repetem. Cada partida é singular e irrepetível, assim como os eventos históricos. Segundo Durval Muniz, Foucault, ao fazer uso nos seus textos de figuras de linguagem como a ironia, sorri para e da seriedade das disciplinas, sempre levadas tão a sério. O seu sorriso como arma de ataque e defesa contra o aprisionamento exercido pela ordem do discurso e pelas instituições; contra o poder. O riso satírico como combate, aquele que se trava para se desmontar os textos, revelando suas regras de produção, suas condições históricas de possibilidade, através de sua construção paródica. O riso seria o anti-sistema, 5
  • 6. ISSN 1981-1225 Dossiê Religião N.4 – abril 2007/julho 2007 Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério é o derrisório, é a ausência de lógica, é o deslocamento constante dos sentidos (p. 186). Uma espécie de História satírica, contrária ao dogmatismo e ao simplismo, que afirma o caráter complexo e problemático das experiências humanas e da relação com a temporalidade e verdade, buscando surpreender a verdade onde ela não é procurada, uma verdade produzida tanto por reflexão como por intuição. A ironia como rebeldia da e na linguagem (p. 189). A terceira parte traz diversos ensaios contemplando temáticas como as Memórias violadas pela gestação da História, o que torna, nas palavras do autor, a tarefa do historiador um parto difícil. Durval lembra-se de Ecléa Bosi: lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. Ele observa que nem sempre as conceituações de Memória e História estão claramente definidas e dos cuidados metodológicos necessários ao se trabalhar com fontes orais. Dialogando com Graciliano Ramos, Gilles Deleuze e Michel Foucault, Durval Muniz mostra uma construção histórica das masculinidades. A família sendo o lugar de origem, local de construção de um eu fechado e centrado em torno da figura do pai, de sua fala e de seu falo. Pai este que causa um desprestígio aos olhos de seus descendentes, seja pela relação conflituosa, seja pela perda do poder ou perda de consistência ao caos, à desterritorialização. É a invasão do terreno sagrado da família pela História. O nome do pai, aquele que representava a lei, a primeira experiência de justiça, vê-se impotente ao descobrir que não emanava poder, vinha de fora dele, dominava-o, passava por ele. Um ser diminuto de um mundo vasto e ameaçador (p. 222). O autor aborda também conceitos e práticas como amizade, sugerindo um método de trabalho historiográfico. Amigo do saber, orientador, operador de diferenças, experimentador, que fala, corrige, retifica, que ajuda a rever certezas e relativizar verdades. Durval Muniz nos adverte da (im)possibilidade de se fazer História oral numa sociedade pautada pela escriturística e alerta para os cuidados metodológicos ao se realizar entrevistas, no sentido de não interferir na fala do 6
  • 7. ISSN 1981-1225 Dossiê Religião N.4 – abril 2007/julho 2007 Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério entrevistado, já que essa fala surge num momento de interação entre entrevistador e entrevistado. A História oral, segundo o autor, contribui para o surgimento de novas falas, novos personagens, a fala dos vencidos, dos despossuídos, dos marginalizados, dos dominados; e adverte: a História a partir de fontes orais, ainda indefinida entre uma técnica, um método ou uma postura teórica no campo da historiografia. Recebido em abril/2007. Aprovado em junho/2007. 7