Este documento descreve os fundamentos da psicoterapia narrativa cognitiva. Ela visa levar o cliente a construir uma realidade multifacetada através da interação com o terapeuta. O processo terapêutico envolve cinco fases: (1) recordação, (2) objetivação, (3) subjetivação, (4) metaforização e (5) projeção. A perturbação psicológica ocorre quando o cliente não consegue dar conta da diversidade da experiência através de uma narrativa complexa e coerente.
2. ProfªLina Sue Matsumoto 2 PSICOTERAPIA COGNITIVA Gonçalves, O. Psicoterapia Cognitiva Narrativa: Manual de Terapia Breve. Campinas:Editorial Psy. 1998 Capítulo 3 : Os fundamentos de uma psicoterapia narrativa
3. ProfªLina Sue Matsumoto Psicoterapia Narrativa 3 PSICOTERAPIA COGNITIVA TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA Papel atribuído às narrativas como elemento central da construção do conhecimento. Objetivo = levar o cliente a construir, no decurso com sua interação com o terapeuta e com a sua comunidade conversacional, uma realidade múltipla de experiências sensoriais, emocionais, cognitivas e de significação. Nesta perspectiva a perturbação psicológica é provocada pela incapacidade de dar conta da diversidade e potencialidade da experiência através da organização de um discurso narrativo que seja simultaneamente diversificado, complexo e coerente.
4. ProfªLina Sue Matsumoto 4 TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA Em lugar de ver a realidade como um processo de negociação entre as possibilidades múltiplas do mundo e a multiplicidade de suas próprias experiências, o cliente assume a existência de uma realidade externa ou interna absolutas e, em larga medida, insubstituíveis. O cliente, em vez de ver a realidade como um processo de negociação interpessoal de possibilidades múltiplas, disponibilizadas pela variedade da matriz social, assume a responsabilidade de único construtor desta realidade. Resultam destes processos os tão habituais sentimentos de desânimo e singularidade.
5. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA DESÂNIMO = precisamente por esta incapacidade de poder antever múltiplas possibilidades para a sua experiência sensorial, emocional, cognitiva e de significações. SINGULARIDADE = pela estranheza em ver-se diferente dos outros nessa construção da experiência. Trabalho terapêutico 2 vetores SINCRÔNICO = desenvolvimento de atitudes narrativas enriquecedores do processo narrativo no contexto de cada uma das experiências singulares e diárias do cliente. DIACRÔNICO = temas centrais das suas histórias de vida.
6. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA Enquanto o trabalho sincrônico permite desde logo uma alternativa às dimensões sintomáticas da narrativa do cliente, o trabalho diacrônico perspectiva-se em termos da construção de um novo processo de autoria. Processo terapêutico 5 fases (1) recordação (2) objetivação (3) subjetivação (4) metaforização (5) projeção
7. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (1) recordação: identificar elementos episódicos da experiência; (2) objetivação: explorar a multiplicidade do mundo sensorial; (3) subjetivação: identificar a variedade de experiências internas, emocionais e cognitivas; (4) metaforização: diferenciação de significações da experiência; (5) projeção: elaboração de possibilidades alternativas para narrativas de futuro. 7
8. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (1) recordação Não há narrativa sem recordação É a capacidade de singularizar episódios significativos da vida que faz de cada indivíduo um autor da sua própria narrativa. É uma atitude não só voltada ao passado, mas igualmente voltada para o futuro. O cliente é encorajado a anotar episódios concretos e específicos do seu dia-a-dia. Recordação de narrativas diárias = atitude de abertura às experiências do cotidiano.
9. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (1) recordação Revisão episódica de vida = cada ano da vida. Identificação da narrativa recorrente = prototípica. No final desta fase espera-se que o cliente esteja mais consciente do sentido de autoria que tem construído à medida que se vai abrindo à exploração dos episódios da sua vida diária, como condição de diferenciação da sua própria narrativa e, por conseguinte, do respectivo autor que a escreve.
10. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (2) objetivação A objetivação constitui igualmente um elemento essencial para o desenvolvimento de uma atitude de construção narrativa. A realidade constitui um incomensurável menu de que o cliente em situação de perturbação raramente desfruta. O cliente é levado a experienciar a multiplicidade de realidades externas, através de toda a dinâmica = capacidades sensoriais. A sensorialidade é a porta de entrada para uma construção ativa e múltipla da experiência = dar a cada recordação uma multiplicidade de variedades.
11. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (2) objetivação O objetivo é o de, a cada momento, fazer com que o cliente se aperceba da complexidade e versatilidade das experiências na sua riqueza sensorial – aquilo que vê, que ouve, os odores e sabores que ele é capaz de identificar, bem como a multitude de experiências táteis e cenestésicas que a experiência lhe proporciona. À medida que o cliente é capaz de integrar esta atitude de objetivação na sua vida do dia-a-dia, o terapeuta procura generalizar diacronicamente esta atitude através do trabalho de objetivação, já não em termos de todas as narrativas de vida do cliente, mas da narrativa selecionada como narrativa-protótipo.
12. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (3) subjetivação Na subjetivação o trabalho de construção múltipla prossegue variedade de experiências emocionais e cognitivas. Exercícios de ativação emocional o cliente vai alargando o leque da sua experiência emocional, de modo a ser capaz de, para cada situação da sua vida, elaborar matizes diferenciados de ressonância emocional. O cliente aprende a dar conta de emoções que antes não reconhecia, a produzir e expandir outras emoções e, finalmente, a ser capaz de as simbolizar no seu discurso narrativo.
13. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (3) subjetivação O objetivo não é, de modo algum, ensinar o cliente a pensar de um determinado modo, mas sim capacitá-lo para o desenvolvimento de um processo que possibilite a extensão criativa das dimensões cobertas da conversação que consigo próprio vai mantendo. Só através de uma flexibilidade da sua experiência emocional e cognitiva, poderá o cliente estar capacitado para assegurar a viabilidade dos seus mecanismos de adaptação. Viver uma realidade múltipla é ser capaz de construir múltiplas versões dessa realidade.
14. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (4) metaforização As metáforas são os condensadores de significado por excelência = damos sentido a cada uma das recordações que vamos experimentando sensorial, emocional e cognitivamente. Na metaforização, o cliente está capacitado para produzir múltiplos significados para cada memória episódica, que vive ou intencionaliza = como forma de enriquecer intencionalmente a experiência.
15. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (4) metaforização METÁFORA RAIZ forma prototípica idiossincrática de organização dos significados de sua vida, realizada clinicamente através do processo de metaforização da própria narrativa-protótipo. O cliente se dá conta, nesta fase do processo terapêutico, de que sua vida tem sido embotada numa forma limitada de significação e autoria explorar novas formas de significação e autoria através do trabalho de projeção.
16. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (5) projeção A projeção remete para a idéia de um indivíduo em constante movimento num espaço e num tempo. Consiste na capacidade de intencionalizar de um modo narrativo as experiências do futuro. Pede-se ao cliente que, de algum modo, crie suas próprias memórias do futuro, intencionalizando novas metáforas de si próprio e do seu dia-a-dia, de modo a atualizar novos significados, novas emoções, novas cognições e novas sensações.
17. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (5) projeção Neste processo o cliente constrói-se e desconstrói-se a todo o momento, intencionalizando experiências que, por sua vez, originam novas possibilidades de construção narrativa e da qual decorrem novas possibilidades de intencionalização da experiência. Construção da METÁFORA ALTERNATIVA (no lugar da METÁFORA RAIZ) nova revisão da história de vida, de modo a encontrar e fundamentar, no seu passado histórico, episódios caracterizadores desta nova forma de significação.
18. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA (5) projeção O cliente aprende também a reconhecer que o passado é um espaço aberto a múltiplas significações e que, dependendo do ponto metafórico de partida, nós podemos construir não só diversos futuros, mas também múltiplos passados. É pouco provável que estejamos capacitados para construir futuros alternativos se não formos capazes de enraizar estas alternativas em novas construções do nosso passado. Varela (1984) = círculo criativo = um verdadeiro círculo hermenêutico.
19. ProfªLina Sue Matsumoto TERAPIA COGNITIVA NARRATIVA PSICOTERAPIA COGNITIVA Uma atitude narrativa? A diferença, no fundo, entre ter ou não ter uma atitude narrativa, é um pouco como a diferença que Watzlawick (1984) introduz entre o suicida e o que procura a vida. Enquanto o 1º (o suicida) introduz o zero na equação existencial, ao constatar que não consegue encontrar aquilo que procura, o 2º (o que procura a vida) percebe que a criatividade inerente ao processo de existir, resulta da existência de uma infinidade de locais de procura. E, acrescentaríamos nós, o reconhecimento de que é a incerteza quanto àquilo que se vai encontrar, que faz do ato da procura um verdadeiro ato criativo.