Este documento discute as marcas da oralidade na escrita de falantes escolarizados de língua portuguesa. Apresenta uma nova perspectiva que vê a fala e a escrita como complementares ao invés de dicotômicas. Também discute como as mudanças na língua são naturais e como os chamados "erros" podem ser inovações linguísticas ainda não reconhecidas na norma culta.
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Marcas da oralidade na escrita de alunos
1. Universidade Estadual de Maringá – UEM
Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350
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MARCAS DA ORALIDADE NA ESCRITA: UM ESTUDO DE TEXTOS DE
FALANTES ESCOLARIZADOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 1
Tatiana Fasolo Bilhar Fedumenti (G-Unioeste) 2
Ruth Ceccon Barreiros (Unioeste) 3
Introdução
Muitos alunos, ao término do Ensino Médio, em situação de produção textual em que
se exige a língua escrita padrão culta, como nas redações de vestibular, escrevem seus
textos sob a influência da língua falada, e com isso passam a ser alvos de críticas
daqueles que lidam com tais produções. No início dos estudos linguísticos entendia-se
que fala e escrita eram absolutamente diferentes, quase como se caracterizassem dois
sistemas linguísticos opostos. A fala constituiria um “vale-tudo” no uso da língua,
enquanto a escrita se caracterizaria pelo bom uso do idioma e, em função disso deveria
seguir as regras prescritas na gramática normativa.
Uma nova visão dessa concepção ganha espaço entre os pesquisadores, como
Marcuschi (2001), Bagno (2007) e Leite (2000), em uma perspectiva de que língua
escrita e falada se complementam, assim, alguns casos dos chamados “erros mais
comuns de português” podem constituir-se em inovações da língua presentes na
oralidade, mas ainda não reconhecida na língua escrita. Tais inovações seriam
delineadas na fala e depois passariam a ser considerada na escrita.
Dessa forma, entende-se que, sendo as mudanças inerentes a qualquer idioma em
uso, nem mesmo os vários anos de estudos em uma concepção tradicional (que pauta o
ensino da língua portuguesa apenas na norma padrão, na gramática), são suficientes para
apagar os traços da oralidade nos textos escritos dos estudantes.
1
Artigo produzido como trabalho de conclusão da disciplina de História e Formação da Língua
Portuguesa, no 1º ano do Curso de Letras em 2009, sob orientação da professora Ruth Ceccon Barreiros.
Tratou-se de pesquisa, na qual também participaram as acadêmicas Ediandra de Borba, Kellyn Suzane
Cunha Rengel de Freitas, Luana Garbin Baldissera, Poliana Sella Lopes e Raquel Jurkevicz.
2
Acadêmica do Curso de Letras, Unioeste, Campus Cascavel.
3
Docente do Curso de Letras, Unioeste – Campus Cascavel.
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Assim, essa pesquisa teve como objetivo verificar a presença de marcas da oralidade
em textos escritos por pessoas que já concluíram o ensino médio, refletindo sobre se
essas marcas apontam para possíveis mudanças na língua portuguesa. Para tal, além de
pesquisa bibliográfica sobre o assunto, realizou-se a análise de dez redações do
vestibular 2009 da Universidade Estadual do Paraná – UNIOESTE.
1. Fala versus Escrita?
Há no ensino tradicional de língua portuguesa a perspectiva de que escrita e fala são
dicotômicas. A fala é vista, conforme Bagno como espontânea e, portanto, “caótica, sem
regras, ilógica” (2007, p.68). A escrita é tida como planejada, monitorada “mais
homogênea e invariável” (BAGNO, 2007, p.100). Assim, confere-se à escrita um status
elevado que, de acordo com Marcuschi (2001), simboliza educação, desenvolvimento e
poder.
Essa concepção de fala e escrita preconiza a ideia de que a variação lingüística é
possível na fala (considerada de menor prestígio), mas dificilmente aceita na escrita.
Nesse sentido, Perini assevera, “(...) há duas línguas no Brasil: uma que se escreve (e
que recebe o nome de ‘português’); e outra que se fala (e que é tão desprezada que nem
tem nome)” (PERINI, apud BAGNO, 2007, p.100).
O ensino tradicional sempre primou pelo ensino da língua em sua modalidade padrão
escrita, desconsiderando o aspecto da oralidade, tomando como recurso de ensino e
aprendizagem os textos literários, que serviam de base “para o modelo do ‘bom uso’ do
idioma” (BAGNO, 2007, p.68). Nesse contexto, não se admitiam as inovações
linguísticas. A língua concebida como imutável e estanque devia estar sempre de acordo
com as normas prescritas pela gramática. Disso resultou que, a correção da produção
textual dos alunos, era focada muito mais na identificação dos “erros” em relação à
gramática, em detrimento do conteúdo ali apresentado. Embora, esses procedimentos
ainda se apresentam em muitas salas de aula, os estudos linguísticos e socilinguísticos
têm contribuído para desconstruir essa visão de ensino da língua.
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Conforme Marcuschi (2001), a partir da década de 1980, e decorrentes dos estudos
linguísticos, uma mudança na visão sobre fala e escrita aconteceu. Ambas passaram a
ser vistas como modalidades de uso da língua e práticas sociais de igual valor.
Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com
características próprias, mas não suficientemente opostas para
caracterizar dois sistemas lingüísticos nem uma dicotomia.
Ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes,
ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e
exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais,
dialetais e assim por diante. (MARCUSCHI, 2001, p.17)
A escrita é tão heterogênea quanto à fala. As duas representam usos da língua,
simbolizam relações de poder e possibilitam a organização social e a comunicação
interpessoal. Assim, de acordo com Marcuschi, “não se pode afirmar que a fala é
superior à escrita ou vice-versa”. (2001, p.35).
2. Variações Linguísticas e Ensino
A mudança na concepção de oralidade e escrita possibilitou a delineação de
mudanças no ensino de língua portuguesa (embora nem sempre tais mudanças ocorram
efetivamente nas salas de aula). Hoje, tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais
(2008) quanto as Diretrizes para Educação Básica do Estado do Paraná (2008) sugerem
um ensino que contemple as práticas sociais e garanta o letramento 4 dos alunos,
tornando-os cidadãos mais críticos.
Para tal, o ensino de língua portuguesa deve contemplar não só a escrita e a leitura,
mas também a oralidade. Para isso, ambos os documentos propõem um trabalho com
gêneros textuais. O objetivo é que o aluno possa discutir e analisar, em sala de aula, os
4
As Diretrizes para a Educação Básica do Estado do Paraná – Língua Portuguesa conceituam letramento
como um processo que vai além da alfabetização: “refere-se ao indivíduo que não só sabe ler e escrever,
mas usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, posiciona-se e interage com as
exigências da sociedade referente às práticas de linguagem, demarcando sua voz no contexto
social”(p.50).
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diferentes tipos de textos (escritos ou falados) que circulam em seu dia-a-dia 5. E com
isso ter a oportunidade de refletir sobre o uso da língua tanto oral quanto escrita.
Essa mudança de concepção, também faz com que a variação linguística e o processo
de formação e história da língua portuguesa sejam considerados em sala de aula.
Utilizando-se da teoria sociolinguística (cujos estudos começaram a ser desenvolvidos
na década de 1960), as diferentes formas de pronúncia do português passam a ser
entendidas como reflexo da identidade cultural do falante e não apenas como “erro” (o
que as caracterizaria como de menor prestígio). Mais do que isso, os erros mais comuns
de ortografia e sintaxe, deixam de ser considerados como absurdos e passam a ser vistos
como possíveis processos de transformação da língua.
(...) na perspectiva das ciências da linguagem, não existe erro na
língua. Se a língua é entendida como um sistema de sons e
significados que se organizam sintaticamente para permitir a
interação humana, toda e qualquer manifestação linguística
cumpre essa função plenamente – como é o caso com OS
MENINO TUDO VEIO/ OS MENINOS TODOS VIERAM OU
ASSISTI O FILME/ ASSISTI AO FILME. A noção de “erro”
se prende a fenômenos sociais e culturais. (BAGNO, 2007,
p.61) [grifo do autor]
Nessa perspectiva, a noção de “erro” se dá porque a sociedade considera que o
correto é falar e escrever de acordo com as regras da gramática normativa não
considerando as variações da língua. No entanto, é preciso compreender que a
gramática normativa foi escrita por um grupo seleto da sociedade que desconsiderou
diversas variações regionais de uso da língua para contemplar apenas o falar de uma
elite. O objetivo da gramática, conforme Bagno era o de tentar impedir a mudança e a
variação linguística, que foram vistas pelos primeiros gramáticos de forma negativa.
5
As Diretrizes para a Educação Básica do Estado do Paraná – Língua Portuguesa, por exemplo,
contemplam o uso, na prática oral, de depoimentos, entrevistas, dramatização, recados, declamação de
poesias, troca de opiniões, debates, seminários e júris simulados; e, na prática escrita, convite, bilhete,
carta, cartaz, notícia, editorial, artigo de opinião, carta do leitor, relatórios, resultado de pesquisas,
resumos. (p.66)
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Por causa de seus preconceitos sociais, os primeiros gramáticos
consideravam que somente os cidadãos do sexo masculino,
membros da elite urbana, letrada e aristocrática falavam bem a
língua. Com isso, todas as demais variedades regionais e sociais
foram consideradas feias, corrompidas, defeituosas, pobres etc.
(BAGNO, 2007, p.68)
Tais variações, entretanto, são inerentes a qualquer língua natural que esteja em uso.
A variação não é exclusividade dos falantes não-escolarizados, ela também ocorre “na
língua dos falantes ‘cultos’, urbanos, letrados” (BAGNO, 2007, p.74).
Não significa dizer, que a gramática normativa deva ser excluída do contexto escolar
em nome do ensino da língua que está, de fato, em uso na sociedade. O que se pretende
é que o ensino desmistifique o “erro”, apresentando aos alunos reflexões sobre os
diversos usos da língua, e possa, assim, capacitá-los para usá-la nas diversas situações
que lhes sejam apresentadas (formais (padrão) ou informais (coloquial)).
Por mais que os linguistas rejeitem a norma-padrão tradicional,
por não corresponder às realidades de uso da língua, eles não
podem desprezar o fato de que, como bem simbólico, existe
uma demanda social por essa ‘língua certa’, identificada como
um instrumento que permite acesso ao círculo dos poderosos,
dos que gozam de prestígio na sociedade. (BAGNO, 2007,
p.79/80)
Assim, a escola deve ser um local de “interseção entre o saber erudito-científico e o
senso comum, e isso deve ser empregado em favor do/a estudante e da formação de sua
cidadania” (BAGNO, 2007, p.78).
3. Nova perspectiva sobre o “erro”
A língua não é imutável como deixa transparecer o ensino tradicional, baseando-se
exclusivamente na gramática normativa. A evolução/transformação é um processo
natural e, com o passar do tempo, a língua sofre alterações em função dos vários fatores
a que está exposta em situação de uso pela sociedade. É por esse motivo que não
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falamos da mesma forma que os brasileiros do século XIX ou da década de 1950. A
língua é dinâmica.
É lugar-comum a afirmação de que é próprio à língua mudar,
evoluir. Auroux (1992), por exemplo, diz que a mudança é um
processo tão natural das línguas vivas que, se não existir, a
língua não será mais língua viva. Portanto, o raciocínio é
simples, o uso leva a variações e estas às mudanças: língua viva
= mudança constante, inovações, dinamismo; língua morta =
conservação, paralisação, estatismo. (LEITE in PRETI org,
2000, p.135)
Embora exista, ainda, em nossa sociedade a ideia de que as mudanças na língua
provocam sua degradação, de que não seguir os manuais prescritivos na hora de falar e,
principalmente, escrever seria o mesmo que corromper o idioma. Conforme Leite,
Não faltam aqueles que se insurgem contra a variação da língua.
Para esses, a língua é entendida como uma entidade monolítica,
cuja única face é aquela descrita nos manuais de gramática
tradicional e nos dicionários. Sob esse ponto de vista, a língua
tem apenas uma possibilidade de realização, e as divergências a
tal possibilidade são ‘erros crassos’. (LEITE in PRETI org,
2000, p.135)
O conceito de “erro” decorre, nessa perspectiva, da exigência de que tanto a língua
escrita quanto falada deve seguir a gramática normativa. Porém, é possível inferir que
nem toda variação de uso na língua portuguesa falada pode ser considerado erro, mas
pode tratar-se de “algum fenômeno de transformação pelo qual a língua está passando”
(BAGNO, 2007, p.169). Ademais, mesmo a gramática prescritiva, que se quer imutável,
passa por atualizações para contemplar novos usos da língua. Assim, o que já foi
chamado de erro no passado pode não ser considerado da mesma forma nos dias atuais,
pois os estudos da História e Formação da Língua Portuguesa demonstraram (e
demonstram) que, no processo evolutivo da língua, pode acontecer de o que
consideramos um erro hoje estar contemplado como acerto na gramática de amanhã.
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4. Da fala para a escrita: o caminho da mudança
As mudanças linguísticas, comuns a qualquer idioma em uso, acontecem a partir dos
falantes daquela língua.
(...) as mudanças que ocorrem na língua são fruto da ação
coletiva de seus falantes, uma ação impulsionada pelas
necessidades que esses falantes sentem de se comunicar melhor,
de dar mais precisão ou expressividade ao que querem dizer, de
enriquecer as palavras já existentes com novos sentido
(principalmente os sentidos figurados, metafóricos), de criar
novas palavras para dar uma idéia mais precisa de seus desejos
de interação, de modificar as regras gramaticais da língua para
que os novos modos de pensar e de sentir, novos modos de
interpretar a realidade sejam expressos por novos modos de
dizer. (BAGNO, 2007, p.168)
As alterações que uma língua vai sofrendo com o passar do tempo não são aleatórias.
Elas fazem parte, conforme explica Bagno (2007), de um processo complexo, lento e
gradual e surgem a partir de construções possíveis naquela língua. Trata-se de inovações
que são utilizadas inicialmente na fala e, depois de aceitas e reconhecidas, começam a
aparecer nos textos escritos.
Quando as inovações linguísticas que se opõem às prescrições
da gramática normativa passam a aparecer com muita
freqüência nos gêneros escritos mais monitorados [artigos e
notícias de jornais, textos científicos], é porque a mudança
linguística já se completou, e muito dificilmente a antiga regra
normativa voltará a vigorar. (BAGNO, 2007, p.185)
Nesse sentido, podemos dizer que é a partir da língua falada, que surgem as
mudanças. Logo, as marcas de oralidade que se verificam com maior freqüência em
textos escritos não deveriam ser tratadas somente como um “erro”, mas analisados para
se entender se não se trata de uma possível transformação da língua em curso.
5. Corpus da pesquisa
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A prova de redação do vestibular da Unioeste/2009, corpus de análise da pesquisa
em questão, apresentou duas propostas possíveis para a produção textual dos
candidatos: uma dissertação e uma carta sobre temas distintos. Para a proposta da
dissertação o tema “publicidade” e para a proposta de carta, “refugiados ambientais”.
Para as análises foram selecionadas dez redações, de forma aleatória, sendo cinco
cartas e cinco dissertações. O pequeno número de textos selecionados deve-se ao fato de
que esta pesquisa não pretende trabalhar os dados quantitativamente, mas apenas
verificar se as marcas da oralidade aparecem nos textos. Esclarecemos também que nos
períodos analisados não estarão especificados se foram retirados das produções carta ou
dissertação, visto que esse aspecto não seria relevante para estes estudos.
As redações selecionadas receberam notas variadas, que oscilaram entre 10 e 55
pontos de um total de 60 pontos que representam à nota máxima da redação. Não foi,
também, objetivo desse trabalho quantificar, de acordo com as notas dos candidatos, se
há maior ou menor presença de traços da oralidade nos textos menos ou mais
pontuados. O que se pretendeu foi apenas verificar se haviam marcas de oralidade nas
produções escritas e como ocorriam.
6. Análise do corpus
Todos os textos analisados apresentaram “erros” de acordo com a gramática
normativa, sendo os mais comuns: “erros de acentuação”, “erros de pontuação”.
Entretanto, considerando o objetivo desta pesquisa, não nos deteremos na análise destes
aspectos.
As marcas de oralidade nas redações de vestibular puderam ser percebidas em
diferentes situações, tais como a Concordância Verbal e Nominal e variações na
Ortografia, entre outras, que estão explicadas e exemplificadas a seguir.
6.1 Regência Verbal
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Regência verbal, de acordo com Pasquale e Ulisses (1998, p.512), é o “estudo da
relação que se estabelece entre os verbos e os termos que os complementam (objetos
diretos e objetos indiretos) ou caracterizam (adjuntos adverbiais)”.
Assim, foram verificados usos de regência verbal em desacordo com a gramática
normativa, por exemplo:
1)Esses acontecimentos só tendem piorar se não forem tomadas medidas urgentes para
conter o aumento do aquecimento global.
O verbo tender, quando utilizado no sentido de ter tendência, inclinação, pendor ou
propensão para, é transitivo indireto 6 . A frase se construída com base na gramática
normativa ficaria da seguinte forma: “Esses acontecimentos só tendem a piorar se não
forem tomadas medidas urgentes para conter o aumento do aquecimento global”.
2)Se tivessemos um governo que visasse seu povo teriamos hoje duzentos e cinquenta
projetos na camera e no senado, visando a educação, segurança e realmente nossa
saúde, não visando limites a publicidade que são infelizmente os projetos que existem.
Visar, “no sentido de ‘ter em vista’, ter como objetivo’, ‘ter como meta’, é transitivo
indireto e rege a preposição a” (PASQUALE e ULISSES, 1998, p.523). Ocorre,
entretanto, que na oralidade a preposição acaba sendo suprimida. Assim, a frase, de
acordo com a norma gramatical ficaria: “Se tivéssemos um governo que visasse a seu
povo, teríamos, hoje, duzentos e cinqüenta projetos na Câmara e no Senado visando à
educação, segurança e realmente nossa saúde, não visando a limites à publicidade que
são, infelizmente, os projetos que existem”.
Para muitos verbos, já há uma regência inovadora, marcadas na oralidade. Conforme
Bagno, “existem muitas regências que hoje passam por variação, numa clara indicação
de que novas mudanças estão se processando”. (2007, p.138).
Embora nesse bloco o objetivo de análise seja a regência verbal não se pode deixar
de mencionar o uso da palavra “câmera” por “câmara” um equivoco muito comum na
oralidade de muitos usuários da língua portuguesa que pode também sinalizar para uma
6
Informação retirada do dicionário de língua portuguesa Michaelis on-line, disponível em :
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=tender
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transformação na língua materna com a simplificação do termo, passando futuramente,
quiçá, ao uso de apenas um deles de forma homônima.
6.2 Concordância verbal e nominal
É comum para muitos falantes brasileiros a não concordância do verbo com o sujeito
e até dos adjetivos e adjuntos com os nomes aos quais se referem. Na fala, há quem se
expresse: “a gente vamos” ou “nós vai” e isso vem se refletindo na escrita.
Bagno) comenta que outro caso comum é a “eliminação do plural redundante,
marcado em geral só nos determinantes: os menino, as casa, aquelas coisa toda etc.”
(2007, p.144). Isso demonstra que também as regras de concordância verbal e nominal
estão sofrendo variações delineadas, inicialmente, pelos falantes da língua.
Assim, nas redações analisadas verificaram-se casos em que não ocorrem à
concordância verbal e nominal conforme prevê a gramática da língua portuguesa. São
eles:
1)Por tudo isso, somos levados à refletir sobre a atual liberdade de expressão das
empresas de publicidade brasileiras, e esperar que algo seje feito pelas autoridades
competentes na tentativa de solucionar ou amenizar o problema.
O verbo encontra-se no tempo presente do modo subjuntivo, logo sua conjugação
deveria ser (...) que algo seja feito(...).
2)Problemas ambientais sempre ocorreram formando vitimas ou não. Porém nos
ultimos anos tornou-se frequenti se for comparado a alguns atrás.
O sujeito do verbo “tornou-se”, nesse caso, está na primeira oração (problemas
ambientais), assim, o verbo deveria ser empregado: “tornaram-se”. O que ocorre é que
esse sujeito estando distante do verbo o produtor o texto não sente a necessidade de
concordância como prescreve a gramática, ocorrência muito comum na oralidade.
6.3 Variações na ortografia
Foram localizados nos textos alguns traços da oralidade na escrita de palavras.
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1) A letra “e” substituída por “i” (devido à pronúncia, na qual ocorre
frequentemente a elevação da vogal /e/ para /i/): PROVINIENTES
2) A letra “o” substituída por “u” (devido à pronúncia, na qual ocorre
frequentemente a elevação da vogal /o/ para /u/): PREUCUPA
3) A redução da preposição “para” conforme sua pronúncia: PRA (fenômeno de
síncope ou supressão de fonema no interior da palavra)
4) A supressão do primeiro “o” de alcoólatra devido a sua pronúncia não ser
enfática: ALCÓLATRAS.
Esses fenômenos de substituição ou deslocamento de fonemas nas palavras são
justificados pelos estudos dos metaplasmos.
6.4 Uso de “onde”
Bagno explica que, atualmente, ocorre “amplo uso de ONDE para se referir a espaço,
tempo, situação etc., ou como organizador do fluxo discurso” (2007, p.152). Essa é uma
prática que foi encontrada nas redações e que contrariam as normas gramaticais, uma
vez que a norma-padrão só admite o uso de ONDE com referência ao espaço físico.
Seguem os exemplos extraídos dos textos analisados:
1) Hoje em dia há uma tendência nos produtos adquiridos pelos
jovens, onde se você não utiliza uma determinada marca é excluído do grupo social que
você pertence.
2) Hoje em dia as pessoas não querem beber em casa querem sair pra
rua bebendo com os amigos dirigindo som ligado nas alturas onde tudo parece gostoso
porque os comerciais mostra assim (...).
Conforme Bagno, a palavra “onde” apresenta um “caráter plurissemântico (...)
sempre usada com referência a muito mais coisa do que ao ´lugar concreto, espaço
físico´ com que a NP tenta limitar seu emprego” (2002, p.38)
6.6 Pronome oblíquo no início de frase
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A norma padrão prescreve que uma sentença não deve iniciar com o pronome
oblíquo. Não seria correto dizer (ou escrever) “Te amo” (comum na oralidade), mas sim
“Amo-te”. Porém, muito do que prescreve a gramática não se observa na oralidade, e
essa, por sua vez, vê-se, cada vez mais, presente nas produções escritas. Por exemplo,
no título de uma das redações analisadas: SE TORNE UM HOMEM
Considerações Finais
Essas reflexões sobre a língua, possibilitadas pela pesquisa realizada, levaram-nos a
perceber que a variação oral da língua fez-se presente em todos os textos analisados.
Isso, na perspectiva da gramática normativa, é considerado “erro” de uso da língua,
especialmente, quando se refere a língua escrita. Durante muitos anos, os estudantes
permanecem na escola vendo e revendo as regras da norma padrão de língua
portuguesa, porém esses estudos não suficientes, para evitar o uso dos termos da língua
falada nas produções escritas. Isso evidencia a força da oralidade da língua, lembrando
que é essa a modalidade que promove a evolução da língua e, consequentemente,
transformações no uso da língua escrita.
A análise do corpus possibilitou-nos verificar que não poucos os traços da oralidade
nos textos dos candidatos a uma vaga na universidade, revelados em expressões típicas
da língua falada, como supressão de preposições, variações de regência verbal e
concordância verbal e nominal entre outros. Ou seja, a perspectiva do ensino
tradicional, que pretende abolir as marcas da fala na escrita, não se efetiva na realidade
escrita de uso da língua. Esses traços sobrevivem mesmo naqueles que se
“pressupunha” estarem devidamente escolarizados.
Nesse sentido, faz-se necessário que o ensino de língua portuguesa possibilite aos
alunos refletirem sobre o uso da língua nas diversas situações de comunicação que se
apresentam no cotidiano. Conforme explica Bagno (2007), é possível que esse “erro”
de hoje seja uma marca de um processo em curso de transformação da língua, isso só o
tempo trará essa confirmação. Contudo, enquanto essa transformação não se estabelece
como norma, a língua padrão culta deve ser amplamente conhecida e usada, nas
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situações exigidas, como na produção da redação de vestibular, com muita proficiência
pelos alunos.
Referências
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.
São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
BAGNO, M., STUBBS, M., GAGNÉ, G. Língua Materna: letramento, variação e
ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo:
Scipione, 1998.
DIRETRIZES CURRICULARES PARA EDUCAÇÃO BÁSICA – Língua Portuguesa.
Secretaria de Educação do Estado do Paraná, 2008.
GREGORIM, C. O. (coord). Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis
Online. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>, acesso em 02 nov 2009.
LEITE, M. Q. A influência da língua falada na gramática tradicional In: PRETI, D.
(org.). Fala e Escrita em Questão. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2000. (p.129-
155)
MARCUSCHI, L.A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo:
Cortez, 2001.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>, acesso em 03 nov 2009.