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Reconto - Memórias para História do que Virá
Leonardo Valesi Valente
Pelotas / RS, 17 de setembro de 2013.
leovalente@yahoo.com.br

Introdução sem Apresentar Tudo, Porque Escrever me Levará a Quase este Risco
É de lá, de onde eu vim, que arriscarei contar um causo, ou um bocado de memórias, para saber
um pouco mais de mim e dar laço junto a presente seleção de professores da Universidade Federal de
Pelotas - UFPel. Dizem que mineiros somos contadores de causos e é nesta narrativa que tecemos, com o
fio da vida, o que dê sentido ao existir. Este arado que inclusive coincide com o oficio de terapeuta
ocupacional: quando por cuidador, ele se empresta para que outrem edifique em si uma possibilidade de ser,
que irrompa ao redor da existência o universo particular de cada um que puder ser.
Revendo outras cartas que produzi para bancas anteriores, na procura de um primeiro novo passo
por me exercer aqui de desejo e projeção para a futura atuação docente tão almejada, fui recolhendo
impressões que dei conta de informar ao interlocutor: que ainda não me conhece tão bem, mas que ousarei
procurar alguma imediata proximidade para que estes escritos causem, efetivamente, alguma significação. É
que preciso contar um segredo, que trouxe lá de Minas: a gente conta, escreve, senta-se e reúne porque
pertencer dá uma liga muito boa na vida, perfaz que sejamos no outro um pouco além de nós mesmos. Mas
isso já é amor, é beleza, é invenção... Oh, será que já estou falando da Terapia Ocupacional? De mim? Da
botão-em-flor que é a docência? Do futuro que o coração da gente quer? Só sei que escrever me permita
saber e dizer, o que farei adiante.
Com o intuito de me guiar neste relato, recorro ao professor-mor Paulo Freire que ao introduzir sua
contumaz Pedagogia da Autonomia2 pede licença para retomar escritos anteriores - não querendo entediar o
leitor e sim inaugurar outra relevância, apenas. De posse de tamanho exemplo, qual uma autorização, já
compreendo que para o exercício de professor também requisitarei em mim mesmo o postulado inalienável
de aprendiz: seja na dimensão do que fui e me balizo de lá para seguir; seja no contato com o outro a quem
ocuparei um papel edificante de referência e transmissão. Enfim, que o pensamento emblemático de vir-a-ser
docente da Terapia Ocupacional me provoque ao despertamento e que, para tanto, seja preciso informar,
notar, reconstruir o que se aprendeu para, quiçá, ensinar, acompanhar, promover, emancipar. Tantas
mudanças numa dimensão do fazer, próprio da transformação - o que também sei por que me constituí antes
como terapeuta ocupacional. Por ser, portanto, terapeuta ocupacional e, no porvir, professor, é que quis
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trazer, quase que por ferida incurável, a ingnorãça poética do Manoel de Barros1: "repetir, repetir, repetir...
repetir até ficar diferente": vou reunir aqui fragmentos da minha trajetória, que igual a de qualquer outra
pessoa - nem tem medida exata, mas infinda. Escrevo memórias que me auxiliem no testemunho do meu
desejo pronunciado pela docência, buscando daí dar sentido ao lugar que para mim concebo neste pleito de
candidatura a professor junto à UFPel, amém!

Da Pré-História do Coração Didático
Graduei-me em Terapia Ocupacional, no ano de 2004, pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG. Irrompido para longe das asas interioranas de minha família e arriscando-me expandir em novas
raízes, na capital belo-horizontina, deparava-me com este desejo de saber e ensinar a profissão. Durante a
própria formação ainda, estive ao lado de duas das mais inesquecíveis estrelas-guia da constelação de
mestres que eu urgiria em citar: as professoras Tania Lucia Hirochi e Maria Cristina Silva, do Departamento
de Terapia Ocupacional, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional - EEFFTO da
UFMG. Elas, sem risco de erro, comoveram meus passos para a docência.
Era o início de um novo milênio e eu já reunindo lá meu primeiro grande passo, para conhecer este
prenúncio que vislumbrar a docência provoca em mim. Fui bolsista do Programa de Aprimoramento Discente
– PAD, projeto-piloto sob o título “Integração Multiprofissional e Interdisciplinar na Área de Atenção Básica à
Saúde”, promovido pela associação dos Colegiados dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina,
Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Odontologia, através dos recursos da Pró-Reitoria de Graduação –
PROGRAD da UFMG, durante os dois semestres letivos do ano de 2001. Tal projeto se constituiu numa
espécie de embrião do que conhecemos hoje como Estratégias da Saúde da Família (PSF's / ESF's).
Naquela época, o desafio que nos demarcava perante o trabalho coletivo fora construir práticas multi e
interdisciplinares, numa dimensão em prol da saúde pública, com enfoque na promoção da saúde e em
práticas comunitárias várias no território. Os estudantes, que não trabalhávamos em duplas do mesmo curso
de graduação, misturávamos aos tutores e à comunidade para discutirmos e intervir em nós críticos eleitos
de forma problematizadora (de acordo com a dinâmica de Planejamento Estratégico em Educação
Permanente de Saúde), exercendo um papel introdutório para a transmissão de saber e troca nas
dimensões: professor-aluno, aluno-aluno, todos-comunidade, finalmente.
A saudosíssima professora Maria Cristina, docente da Terapia Ocupacional, tutora à época,
acompanhou-me durante este exercício de ensinar-aprender, saber-aprender, conhecer-reconhecer, ressaber
muito mais. Como atividades didáticas e avaliativas, desenvolvíamos apresentações orais temáticas e grupos
operativos, aos moldes do ensino de Pichon-Rivière6,7, junto a uma população da periferia de Belo Horizonte.
Todas as etapas do processo de trabalho eram definidas pela participação de quaisquer envolvidos, sem
definições de voz de comando para a centralização de apenas um ou de hierarquias dentro dos participantes
nos encontros que se davam entre os discentes bolsistas do projeto, os tutores, a comunidade, os serviços
ou os equipamentos institucionais requisitados no projeto - dentre eles a associação de bairro, as escolas do

2
entorno, os serviços de referência e da rede, coordenação distrital local, lembrando que até então não existia
o desenho PSF's e NASF's no município.
O trabalho pelo PAD era realizado tendo na transmissão oral um veículo de garantia de acesso à
prática, ao pensamento, ao plano de intervenção, que servisse para identificação dos resultados e,
sobretudo, como forma de incluir o outro num dizer sobre o que atuávamos ali juntos. Afinal, que o discurso
fosse a todo tempo adequado a quem ouvisse, seja dos colegas em formação científica interdisciplinar, seja
junto à população muitas vezes ali vulnerável pelas condições críticas de sua baixa qualidade de vida
(somente para ilustrar, dentre outras situações de difícil relato aqui, o Centro de Saúde era alocado dentro de
uma favela fechada, que só tínhamos acesso após autorização do comando do tráfico e se estivéssemos
usando o branco - esta bandeira higiênica, que ali simbolizava nosso passe-livre para construir e apostar
num modelo de saúde pública hoje completamente bem difundido no país). Encontrar e estabelecer critérios
de convivência e eleição de situações para enfrentamento coletivo passou a configurar como missão de
saúde pública, além de formação para a promoção ampla de relações e mediação de aprendizagem.
No outro ano, assistindo agora a seleção de novos bolsistas para o PAD, com aquele coração
embrionário de futuro docente, ajudamos na formação inicial dos selecionados: transmitindo tabelas, formas
de avaliação institucional e comunitária, além de escritos, dinâmicas, modos de fazer e lacunas que nunca
demos conta - graças a Deus! Foi depois deste capítulo, que concorri à outra seleção e, formalizei, ainda na
cronologia de minha graduação, minhas primeiras experiências docentes propriamente ditas.
Desta vez, fui bolsista do Programa de Iniciação à Docência – PID, aprovado pelo Departamento de
Terapia Ocupacional – DTO, junto aos recursos da PROGRAD da UFMG; iniciante da atividade docente na
área de Recursos Terapêuticos, com o trabalho de acompanhamento teórico-prático das Disciplinas de
Recursos Terapêuticos I e II do curso de graduação em Terapia Ocupacional como parte da proposta de
integralização dos ciclos básico, pré-profissionalizante e profissionalizante, sob a supervisão das professoras
Maria Cristina Oliveira Silva, novamente, e Tania Lucia Hirochi, durante o período de março de 2002 a
fevereiro de 2003.
Vaidoso e bom cuidador que eu sou, vou explicitar os engendros que esta experiência do PID me
projetaram de uma simples monitoria para este desejo renitente de ser professor em Terapia Ocupacional,
que eu tanto repito e que me provoca inovadoras mudanças e desafios, aos moldes da poesia pantaneira do
Manoel de Barros.
As disciplinas de Recursos Terapêuticos I e II se davam nos Laboratórios de Recursos respectivos a
cada disciplina. Na grade curricular tais disciplinas desempenhavam um cronograma de dois turnos, o que
exigia que os alunos, eu-monitor e as professoras ficássemos ali reunidos por intermédio de ocupações
livres, criativas, expressivas, artes, ofícios e produção de vida5,9 - é neste espaço interrelacional, permeado
de possibilidades de transformação dos sujeitos, dos meios, das relações que se desemboca o fazer próprio
da Terapia Ocupacional. Mas igualmente foi ali que bem me exerci, agora num papel de aprendiz de
professor, dado que o nome monitor nunca foi suficiente para mim.

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O PID exigia do bolsista uma articulação entre as disciplinas básicas, as pré-profissionalizantes e
clínicas da graduação em Terapia Ocupacional da UFMG. Realizávamos atividades de acompanhar as
preparações de material didático a ser utilizado nas disciplinas, bem como a organização das instalações
físicas, mobiliários, maquinários e instrumentais, além de referências, notações, listagens, catalogação e
arquivários que dessem amplitude aos tópicos de recursos terapêuticos. Mas a tarefa hercúlea, a que
éramos sobremaneira desafiados, era percorrer para além das disciplinas que monitorávamos até encontrar
fios desconectados entre os cliclos da grade curricular e identificar, eficientemente, uma metodologia que nos
permitisse articular, logo: dar liga e coesão à formação dos ali futuros terapeutas ocupacionais e a nossa,
como aprendizes de docente.
Elegíamos algumas importantes estratégias para que se cumprisse tal exigência de articulação. Os
bolsistas do PID, das diversas disciplinas e eu, dos Recursos Terapêuticos, organizávamos seminários
temáticos ao longo dos semestres letivos, para os quais eram convidados todos os graduandos do curso,
independente de seu momento na formação. O curioso era que, neste trabalho de convidar e divulgar os
Seminários do PID, percorríamos do 1º ao 10º período e identificávamos situações-problema que
oportunizassem o fio de condução na formação daqueles estudantes. Optávamos pela escolha de casos
clínicos ou casos institucionais em que os saberes, por assim dizer, das disciplinas básicas (por exemplo,
Anatomia, Fisiologia, Neuroanatomia, Biofísica, Antropologia, Filosofia das Ciências Biológicas) dialogassem
com as mais intermediáras (Cinesiologia, Cinesioterapia, Atividades e Desenvolvimento Humano, Saúde do
Trabalhador, Recursos Terapêuticos, Splints e Adaptações) até confrontar, finalmente, com as ditas
disciplinas clínicas do curso (Terapia Ocupacional Aplicada à Saúde Mental, às Condições Sociais, à
Gerontologia Social, à Disfunções Neurológicas, ao Desenvolvimento Infantil, dentre outras) dando corpo
para uma discussão desafiadora e motivacional ao coletivo dos alunos reunidos pelo viés da formação. Mas
era no contato com os estágios, chamados naquela grade de Clínicas em Terapia Ocupacional I, II e III que
encontrávamos as pontas soltas do que não se processava tão bem na graduação, mas que através do PID
se tornava urgente para dar cabo e reatar perante a formação coesa e segura. Fazíamos ir e voltar só para
marcar uma diferença do que se aprendia e, ainda bem, também se ensinava.
De novo, era repetir, repetir, até mudar. Os Seminários do PID, sempre com valiosa adesão dos
alunos, ainda contribuíram para provocar uma discussão interna na graduação em Terapia Ocupacional, que
culminou numa reforma curricular ampla na UFMG - o que não tive a sorte de ser submetido, pois formei
ainda pelo currículo anterior. Mas ficou este sabor honroso de quem, dentre incontáveis sujeitos, também
esteve ali numa transformação que repercutisse para todos em melhoria.
Ter citado acima as professoras Cristina e Tania, a quem devoto meu profundo aprendizado na
demarcação do ofício de ensinar a Terapia Ocupacional, pôde me lembrar de outro ensino, que servirá de
fluxo para o próximo recorte neste escrito de causos e repetições: "Se você quer saber como é a estrada a
frente, não pergunte a quem está indo contigo. Mas para quem está voltando" ensino do Milton Grobe. Se
elas foram à minha frente, se hoje vou à frente de alguns educandos é porque também já encontrei muito e
não cesso este meu desejo em ir com-junto. Espero que com muitos outros que um dia aprenderão comigo
eu possa causar elo e comoção, da mesma forma que fui tocado irrevogavelmente durante minha formação

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de terapeuta ocupacional. Daqui a diante, contarei como tenho indo nestes dias de vir-a-ser professor, mas
ainda não específico na Terapia Ocupacional.

Desafio de Lecionar para os Não-Iguais: Transmitir e Reafirmar
Desde 2005, radicado em Montes Claros - sertão norte-mineiro, terra da escassez, do clima semiárido desértico, das festas folclóricas do agosto mais colorido que houver e território extremamente potente
para meu crescimento pessoal, profissional e ideológico, vim acirrando minha trajetória na experiência
docente, num exercício de ampliação - mesmo quando a falta demarca todo o entorno de nós. Lá naquela
terra, distante daqui uns 1880km, aonde também atravessou o (des)fronteiriço Guimarães Rosa escrevendo o
seu "Grande Sertão: Veredas"8, entendi o que é o sertão e o quanto desejar seja inesgotável em cada um de
nós. Mas não posso apenas contar sobre meu desejo, que deve ser parecido com o tamanho do sertão, mas
preciso citar o escrito do Rosa8, que bem nos acalanta desta maneira: "o mais importante e bonito, do
mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão
sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior". Eu não estou terminado, mas estou pronto para o
que pronuncio a partir daqui, porque desejo um encontro com a docência e acredito que isso reverbera tão
forte porque já fui atravessado por tamanha beleza: o que gostaria de imprimir grandemente neste escrito até
atingir um encontro com o outro, junto a quem ensinar possa de fato nos unir.
Subtraindo, neste memorial, o relato de que fui convidado pela Universidade Estadual de Montes
Claros - Unimontes, naquele mesmo ano, para ministrar cursos de atualização, promovidos em 19 de maio
na ocasião da 1ª Jornada Universitária Interdisciplinar de Geriatria e Gerontologia, de “Cuidando do Idoso
com Demência” e “Cuidados Gerais Necessários ao Idoso Dependente”, farei um deslocamento narrativo
para citar minha experiência na Seção de Programas Especiais da Secretaria Municipal de Saúde daquele
município. Subtraio também a experiência docente na formação do curso sequencial superior em Cuidador
de Idosos da mesma Unimontes, entre 2005 e 2007, quando também pudemos supervisionar as práticas de
estágio I e II. Tais deleções nos custam mais por evitar que o texto seja demasiado detalhista, mas nunca
por se tratar de menos importantes experiências ou despertencimento, porém que a seguir quero enfatizar
outros realces num diálogo para a docência em Terapia Ocupacional.
A Seção de Programas Especiais - SPE, hoje Seção de Programas e Projetos Estratégicos,
coordenava programas de Educação Permanente para a rede de Saúde dos servidores municipais de
Montes Claros. Contando com uma equipe multidisciplinar de tutores, dentre eles: enfermeiros, nutricionista,
assistente social, médicos, psicólogos e eu, terapeuta ocupacional - a SPE organizava módulos de
capacitação in loco junto às equipes das Unidades Básicas de Saúde - UBS's, reafirmando um desenho
microrregional de descentralização dos programas prioritários de saúde pública no município. Tais programas
de ações de combate e controle à Hipertensão Arterial Sistêmica, à Diabetes, à Tuberculose, à Hanseníase,
às Doenças Sexualmente Transmissíveis, ao Tabagismo, além dos programas temáticos de Saúde da
Criança, Saúde Mental, Saúde do Trabalhador, Saúde da Mulher e Saúde do Idoso - este o mais expoente
das minhas atuações, recebiam módulos de capacitação que tanto serviam para educação continuada das

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equipes aos moldes da abordagem em Educação Permanente, como também para avaliar e controlar as
ações pactuadas na agenda municipal e no quadro de metas da saúde pública.
As UBS's do município nunca dispuseram de profissional terapeuta ocupacional, somente muito
tardiamente quando Montes Claros foi palco pioneiro para a futura implantação dos Núcleos de Atenção à
Saúde da Família - NASF's, em 2009 quando foi criado o Núcleo da Atenção Integral - NAI do Delfino
Magalhães - sede de uma microrregião, é que se incorporou uma profissional da nossa área na atenção
básica à saúde. Sendo assim, durante todo o programa de Educação Permanente, em que pudemos
desenvolver numa tônica multidisciplinar, nunca tive a oportunidade de transmitir conhecimentos para iguais.
No máximo, era possível dialogar com semelhantes, parceiros no trabalho coletivo, dentre eles:
fisioterapeutas, psicólogos e geriatras, o que desafiava um discurso mais generalista e menos centrado nas
atuações específicas da epistemologia de Terapia Ocupacional. O que não nos isentava do discurso de
transmissão sobre nosso objeto e especificidade, que orientam discurso e tecnologias aplicadas,
irrestritamente úteis para contribuir também no que se deva praticar e saber sobre saúde, em especial, na
saúde pública.
Na SPE estivemos como tutor de outubro de 2005 a julho de 2009 focando nossa contribuição na
Educação Permanente da Saúde do Idoso, do Programa de Atenção à Saúde do Idoso, da Saúde Mental, da
Saúde da Criança e do Programa de Controle das Ações de Combate à Hanseníase - esta última ênfase nos
permitiu galgar a posição de referência técnica em reabilitação, que nos dias atuais ainda exerço em Montes
Claros. Ressalto que as aulas da SPE ocorriam em todos os territórios das UBS's - perfazendo um total de
13 centros de saúde e os PSF's adscritos, quando todos os profissionais das respectivas unidades eram
convocados para as aulas como parte de suas atribuições diárias. A atuação na SPE tornou-se tão profícua
dentro da municipalidade que veio a culminar com a formulação de diversos documentos, que tivemos a
honra de produzir, junto com outros valiosos parceiros, naquele tempo, dentre eles: o diagnóstico situacional
da saúde pública de Montes Claros, o protocolo de avaliação multidimensional do idoso, a cesta básica de
medicação dos idosos, relatórios de gestão e das micro-conferências temáticas, formulação do Comitê
Gestor das Ações de Controle e Eliminação da Hanseníase - COGEHAN, além da proposição e realização
do 1º Fórum Municipal da Atenção Integral ao Idoso.
Para dar corpo ao relato desta experiência de capacitar colegas não-terapeutas ocupacionais,
gostaríamos de emoldurar nossas experiências por lecionar em cursos de atualização e pós-graduação na
área de educação, sobretudo no Atendimento Educacional Especializado - AEE, em especial nos últimos dois
anos. Por incorrigível crença e emblema, sou daquele tipo de gente que mesmo sendo pouco não me canso
de ser, de querer, de buscar. Daí reconheci, no trabalho da inclusão, um desafio muito bem condizente ao
modo que tenho de acreditar e produzir sentidos para as coisas a que me dedico. A inclusão de pessoas
ditas com deficiência nos cenários instituídos da vida social recruta, dentre inúmeros outros instrumentos
para o trabalho, a formação de professores especialistas para atuar nas escolas regulares do ensino sob o
signo de professores de apoio / professor facilitador ou professor de sala de recursos multifuncionais - SRM.
É neste horizonte loquaz que minha formação em Terapia Ocupacional serviu perfeitamente de alicerce para
orientar e capacitar outros profissionais no exercício disso que concorre exatamente com o tópico deste

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escrito mnemônico: transmitir e reafirmar perante os diferentes e ainda assim regozijar-se na égide do que se
acredita fazendo, no encontro professor-aluno.
Leciono em Montes Claros em duas instituições de ensino. A primeira que ocorre no Centro
Especializado em Assessoria e Aprendizagem Mediada – CEAM, uma consultoria que oferece cursos de
atualização em Deficiência Intelectual / Mental; Comunicação Alternativa e Tecnologia Assistiva; Transtornos
Globais do Desenvolvimento – TGD's / Transtornos Invasivos do Desenvolvimento – TID's / Transtornos do
Espectro Autístico - TEA's; Psicomotricidade / Deficiência Física; Atendimento Educacional Especializado /
Sala de Recursos Multifuncionais, e agora também com curso de formação para o método Braille. Estes
cursos são pré-requisitos para que professores se candidatem às vagas de professor de apoio / facilitador ou
professor de SRM no âmbito das escolas estaduais em Minas Gerais - MG. Com cargas horárias variando de
120 a 240 horas/ aula, cada curso oferece módulos teóricos, práticos (contando com oficinas mediadas por
nós), além de exigir dos alunos relatórios de observação de crianças em processo de inclusão e outras
medidas avaliativas como questionários dissertativos de todas as disciplinas. Na segunda instituição que
também lecionamos, no caso uma rede de faculdades também de Montes Claros, através da Unique Tutoria
e Mediação Didática – UnicEAD, são oferecidos cursos de pós-graduação na mesma cidade, ou em
Porteirinha e Sete Lagoas, ambas em MG, com os temas, dentro outros, de: de Atendimento Educacional
Especializado e Educação Inclusiva; Neuropsicologia Educacional; Professor de Apoio / Professor Facilitador.
Tais cursos com carga horária a partir de 360 horas, semi-presenciais e à distância, formam profissionais
especialistas para orientar e acompanhar o processo de inclusão de crianças nos contextos regulares da
educação no estado.
Na experiência de lecionar para professores já graduados, acompanhamos uma incontável gama de
problemáticas, aos quais repercutem como o maior desafio deste meu arado de ensinar perante os diferentes
da minha formação inicial. Dos anseios de transmitir, algo que se reconheça nosso para que o outro passe a
pertencer a partir deste encontro, numa relação professor-aluno, deparei-me com impasse de que "ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção"
como bem esclareceu FREIRE (1996, p.47). Daí, pude elaborar uma forma de produção o ensino a partir de
uma dimensão mais generosa, inclusive para comigo mesmo, de que independente de quem fosse o aluno
naquele encontro sempre haveria que se produzir uma ressignificação - única e impossível de previsão
completa. A dimensão professor-aluno sempre evoca descortinamentos que o vão desejo de equalizar os
dois sujeitos nesta relação nunca é o bastante. A relação se fortalece no laço do imprevisível, do inusitado,
inclusive quando não se igualar passa ser um resultado valoroso no encontro - dado que a autonomia é
indispensável às instâncias de ensinar e aprender, como igualmente bem alertou o professor Paulo Freire ao
proferir que "ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando" FREIRE (1996, p.59) e, eu arriscaria
conceber também do professor.
Nas discussões sobre orientações de práticas pedagógicos, sobre quais manejos o professor
facilitador poderia recorrer para acompanhar o processo de aprendizagem, em especial de leitura e escrita,
de crianças ditas com deficiência nas escolas regulares, fomos descortinando panoramas ideológicos e
sempre almejando superação de práticas e proposições de resiliência em prol da inclusão. Ao orientar
professores quanto ao manejo de situações-problema como o caso da ecolalia nas crianças com TID's /
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TGD's / TEA's, o pensamento robusto na deficiência intelectual, o uso de tecnologias assistivas para
comunicação de crianças com paralisia cerebral ou o planejamento de atividades em SRM adequadas às
propostas de adaptação curricular inclusiva, dentro outros inúmeros contextos das capacitações nos cursos
que leciono, verifiquei que há algo próprio do ofício de terapeuta ocupacional, que mesmo não sendo
transmissível a quem não seja também terapeuta ocupacional, mas que se operará como garantia de
reafirmação das práticas, discursos e produção de saberes, portanto de tecnologias aplicadas, sendo então
útil e indispensável de se promover na transmissão.
Nas oficinas de formação de professores e orientação a partir de casos verídicos de inclusão na
educação, pude acompanhá-los nos desenvolvimento de um olhar mais perspicaz para avaliação de
dificuldades educacionais específicas vivenciadas pelos alunos com deficiência na singularidade de cada um.
Sempre foi motivo de minha preocupação como docente, que aqueles professores não se confundissem ao
compreender seus educandos, em processo de inclusão, somente pelo diagnóstico da doença, da lesão, da
deficiência propriamente dita, perpetuando-os numa condição de "especiais", tão indesejável quanto o
preconceito e a segregação. Neste trabalho, que envolvia recrutar cada aluno para o "exército de salvação"
da inclusão (é assim que brincando eu os chamo recrutando-os), quis muito mais conduzir tais professores meus alunos, a uma segurança de intervir, desde que isso não excedesse os limites de sua prática
pedagógica - exigentemente pautada nos trâmites de facilitar a aprendizagem dos seus alunos. É que euprofessor também reconheci a impossibilidade de transmitir tudo, mas indispensavelmente o bastante para
que ainda houvesse lugar no aprendiz para aquilo que fosse só dele: autoral, idiossincrático, revolucionário.
Ah, a docência é um exercício tão generoso...
Um encontro de quem ensina, com quem aprende, compreendidos como legítimo atributo da
especificidade humana, de novo citando aqui o mestre Paulo Freire fez eu recordar de outro mestre, mas da
música, que um dia escreveu esta beldade: "toda vida existe para iluminar outras vidas que a gente
encontrar". E foi assim com o Milton Nascimento no pensamento que assumi com enorme gratidão a difícil
tarefa de ensinar para não-terapeutas ocupacionais durante parte muito essencial na minha formação em
prol da docência, mas que venho, na presente seleção, aproximar-me mais um tanto no pleito deste
concurso junto à UFPel por reconhecer tal oportunidade como de grande estima para minha incessante
formação e anseios.

Dos Pensamentos que Carregamos para que Não nos Cesse a Criação
Daqui, que as linhas finais da escrita começam a imanar diante quem me ouviu tão longamente,
sobressaem algumas aliterações conclusivas. Escrevê-las-ei, fortuitamente, para nortear planos de
intervenção na prática didática ao que me disponho junto a presente instituição. Por isso, retomo em formato
de tópicos, o que pude elaborar como bem importante a se propor fazer como plano de ação na qualidade
de docente:

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* Conhecer o desenho de ensino da instituição, a estrutura da grade curricular da graduação em
Terapia Ocupacional; oportunizar o diálogo junto ao corpo docente; verificar o momento na formação
discente ao que iria me deparar imbuído no papel de também aqui professor;
* Cuidar dos horizontes da transmissão, permitindo que a instância trina elementar da Universidade
nos âmbitos do ensino, da pesquisa e da extensão possa harmoniosamente dialogar com outra tríade que,
dentro do referencial clássico da Terapia Ocupacional, se enumeraria pela ciência, a clínica e o discurso;
* Acompanhar o aluno mediante as exigências do Plano Nacional da Educação Superior e das
Diretrizes Curriculares para Terapia Ocupacional com planos didáticos específicos para cada disciplina,
considerando a todo tempo o ementário, os objetivos, a avaliação do aluno e da disciplina, além da
articulação intra-disciplinas do curso, as expectativas de habilidades a serem desenvolvidas junto aos alunos,
para garantir uma transmissão metodológica-didática sempre pautada na ética e deontologia de nossas
atuações, nos referências indispensáveis ao nosso saber, na edificação de um pensamento crítico-laborativo
próprio do terapeuta ocupacional, que de acordo com o ensino do Professor Rui Chamone Jorge4 possa
permitir à Terapia Ocupacional constituir-se em um método suficiente bom em si JORGE (1990, p.09);
* Incentivar, sempre que possível, no corpo discente a pronúncia pelo pensamento reflexivo e
interacionista, tão bem-vindos ao seu futuro ofício, sempre em expansão e diálogo seja com a incorporação
de saberes outros, de inovados formatos como é o caso das artes, das linguagens; seja nas produções
transformadoras pela relação do ser humano com o trabalho, consigo mesmo, com o mundo e as formas de
existir;
* Provocar a compreensão e o manejo de técnicas e meios de analisar as atividades, além de
incorporar recursos terapêuticos satisfatórios e enriquecedores, com a finalidade de aplicação clínica,
constituindo-os como instrumentais próprios da Terapia Ocupacional em sua dimensão assistencial e
intervencionista, corroborando ainda com a produção de tecnologias e recursos a serem identificados como
úteis ao ramo de conhecimento específico de nossa área;
* Capacitar o aluno para a compreensão das restrições, limitações, deficiências e incapacidades dos
futuros pacientes / clientes a partir da compreensão sobre a disfunção ocupacional, acompanhando a
formação discente para uma postura combativa, propositiva, articulada em prol da inclusão e da superação
das desigualdades frente às diferenças demarcadas nas instâncias aonde serão convocados a intervir e
modificar realidades;
* Facilitar o entendimento amplo sobre o campo das deficiências numa relação inalienável com a
cidadania e o bem-estar, considerando os meandros da segregação, do estigma, que devam ser superados
para a proposição de práticas de integração, inclusão, participação irrestrita em que a Terapia Ocupacional
sempre se emprestou a inovar e, que cada aluno, agora, em formação, também se somará a este ideário
que nos define, portanto, como próximos e como classe de profissionais unos;

9
* Acompanhar práticas de estágios curriculares, frente à conseguinte inserção no mercado de
trabalho para os futuros profissionais, com um perfil bastante articulador, propositivo, proeminente e eficaz;
que mobilize na percepção da utilidade da profissão, na afirmação de um lugar de destaque para as
contribuições da Terapia Ocupacional nas esferas da saúde, dos contextos sociais, educacionais, nas
inovações científico-tecnológicas que a partir de profissionais empreendedores facilitem a visibilidade a
valorização da categoria e, sobretudo, da profissão.
Certo, em especial, de que trabalhar sozinho é da ordem da impossibilidade, é que reconheço como
uma oportunidade maravilhosa em minha trajetória este pleito junto à UFPel. Por acreditar que estarei dentre
muitos, que contarei com o auxílio dos demais docentes do curso, além dos demais dispositivos da própria
Universidade - que me possibilitarão dar continuidade em minha própria formação docente, é que avalio este
o melhor momento para minha candidatura e desejo crescimento pessoal, profissional, científico incessante.
Que ninguém nos interpole descaminho ao sonho, mas que se perfaçam assim: eis que o sonho
prossiga para aonde devir ser e dar razão ao vivido!
Agradeço este espaço aberto ao tempo da memória, que por escrita agora mora não mais somente
em mim. Na segurança de que (re)contando estes fragmentos, de minhas atuações profissionais, pude
oferecer elementos justos para a avaliação da banca examinadora de minha pré-disposição ao trabalho.
Certo de que a esperança nos favoreça ao melhor na vida, despeço-me cantando com o Chico3, porque é o
que desejo, mas também agradeço e ele tão bem versou para nós:
"Um marinheiro me contou
Que a boa brisa lhe soprou
Que vem aí bom tempo
Um pescador me confirmou
Que um passarinho lhe cantou
Que vem aí bom tempo
Ando cansado da lida
Preocupada, corrida, surrada, batida
Dos dias meus
Mas uma vez na vida
Eu vou viver a vida
Que eu pedi a Deus"

Referências
1. BARROS, Manoel de Barros. O Livro das Ignorãncas. Record: 1997, 16ª Ed.

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2. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 1996 (Coleção Leitura).
3. HOLLANDA, Chico Buarque de. Bom Tempo. RGE: 1968.
4. JORGE, Rui Chamone. O Objeto e a Especificidade da Terapia Ocupacional. Belo Horizonte,
GES.TO, 1990.
5. LIMA, Elizabeth Maria Freire de Araújo; CANGUÇU, D. F. ; MORAES, Christiana ; INFORSATO,
Erika Alvarez . PACTO adolescentes: arte e corpo na invenção de dispositivos em terapia
ocupacional para produção de vida e saúde na adolescência. Revista de Terapia
Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 20, p. 157-163, 2009.
6. PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
7. ______. O Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
8. ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Biblioteca Luso-Brasileira: 1994 (Ficção Completa em
Dois Volumes).
9. TAÑO, Bruna. Escrita e Produção de Vida: tecendo criação, escrita, palavras e devires para uma
clínica da terapia ocupacional. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em
Terapia Ocupacional) - Faculdade de Medicina da USP. Orientadora: Elizabeth Maria
Freire de Araujo Lima.

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  • 1. Reconto - Memórias para História do que Virá Leonardo Valesi Valente Pelotas / RS, 17 de setembro de 2013. leovalente@yahoo.com.br Introdução sem Apresentar Tudo, Porque Escrever me Levará a Quase este Risco É de lá, de onde eu vim, que arriscarei contar um causo, ou um bocado de memórias, para saber um pouco mais de mim e dar laço junto a presente seleção de professores da Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Dizem que mineiros somos contadores de causos e é nesta narrativa que tecemos, com o fio da vida, o que dê sentido ao existir. Este arado que inclusive coincide com o oficio de terapeuta ocupacional: quando por cuidador, ele se empresta para que outrem edifique em si uma possibilidade de ser, que irrompa ao redor da existência o universo particular de cada um que puder ser. Revendo outras cartas que produzi para bancas anteriores, na procura de um primeiro novo passo por me exercer aqui de desejo e projeção para a futura atuação docente tão almejada, fui recolhendo impressões que dei conta de informar ao interlocutor: que ainda não me conhece tão bem, mas que ousarei procurar alguma imediata proximidade para que estes escritos causem, efetivamente, alguma significação. É que preciso contar um segredo, que trouxe lá de Minas: a gente conta, escreve, senta-se e reúne porque pertencer dá uma liga muito boa na vida, perfaz que sejamos no outro um pouco além de nós mesmos. Mas isso já é amor, é beleza, é invenção... Oh, será que já estou falando da Terapia Ocupacional? De mim? Da botão-em-flor que é a docência? Do futuro que o coração da gente quer? Só sei que escrever me permita saber e dizer, o que farei adiante. Com o intuito de me guiar neste relato, recorro ao professor-mor Paulo Freire que ao introduzir sua contumaz Pedagogia da Autonomia2 pede licença para retomar escritos anteriores - não querendo entediar o leitor e sim inaugurar outra relevância, apenas. De posse de tamanho exemplo, qual uma autorização, já compreendo que para o exercício de professor também requisitarei em mim mesmo o postulado inalienável de aprendiz: seja na dimensão do que fui e me balizo de lá para seguir; seja no contato com o outro a quem ocuparei um papel edificante de referência e transmissão. Enfim, que o pensamento emblemático de vir-a-ser docente da Terapia Ocupacional me provoque ao despertamento e que, para tanto, seja preciso informar, notar, reconstruir o que se aprendeu para, quiçá, ensinar, acompanhar, promover, emancipar. Tantas mudanças numa dimensão do fazer, próprio da transformação - o que também sei por que me constituí antes como terapeuta ocupacional. Por ser, portanto, terapeuta ocupacional e, no porvir, professor, é que quis 1
  • 2. trazer, quase que por ferida incurável, a ingnorãça poética do Manoel de Barros1: "repetir, repetir, repetir... repetir até ficar diferente": vou reunir aqui fragmentos da minha trajetória, que igual a de qualquer outra pessoa - nem tem medida exata, mas infinda. Escrevo memórias que me auxiliem no testemunho do meu desejo pronunciado pela docência, buscando daí dar sentido ao lugar que para mim concebo neste pleito de candidatura a professor junto à UFPel, amém! Da Pré-História do Coração Didático Graduei-me em Terapia Ocupacional, no ano de 2004, pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG. Irrompido para longe das asas interioranas de minha família e arriscando-me expandir em novas raízes, na capital belo-horizontina, deparava-me com este desejo de saber e ensinar a profissão. Durante a própria formação ainda, estive ao lado de duas das mais inesquecíveis estrelas-guia da constelação de mestres que eu urgiria em citar: as professoras Tania Lucia Hirochi e Maria Cristina Silva, do Departamento de Terapia Ocupacional, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional - EEFFTO da UFMG. Elas, sem risco de erro, comoveram meus passos para a docência. Era o início de um novo milênio e eu já reunindo lá meu primeiro grande passo, para conhecer este prenúncio que vislumbrar a docência provoca em mim. Fui bolsista do Programa de Aprimoramento Discente – PAD, projeto-piloto sob o título “Integração Multiprofissional e Interdisciplinar na Área de Atenção Básica à Saúde”, promovido pela associação dos Colegiados dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Odontologia, através dos recursos da Pró-Reitoria de Graduação – PROGRAD da UFMG, durante os dois semestres letivos do ano de 2001. Tal projeto se constituiu numa espécie de embrião do que conhecemos hoje como Estratégias da Saúde da Família (PSF's / ESF's). Naquela época, o desafio que nos demarcava perante o trabalho coletivo fora construir práticas multi e interdisciplinares, numa dimensão em prol da saúde pública, com enfoque na promoção da saúde e em práticas comunitárias várias no território. Os estudantes, que não trabalhávamos em duplas do mesmo curso de graduação, misturávamos aos tutores e à comunidade para discutirmos e intervir em nós críticos eleitos de forma problematizadora (de acordo com a dinâmica de Planejamento Estratégico em Educação Permanente de Saúde), exercendo um papel introdutório para a transmissão de saber e troca nas dimensões: professor-aluno, aluno-aluno, todos-comunidade, finalmente. A saudosíssima professora Maria Cristina, docente da Terapia Ocupacional, tutora à época, acompanhou-me durante este exercício de ensinar-aprender, saber-aprender, conhecer-reconhecer, ressaber muito mais. Como atividades didáticas e avaliativas, desenvolvíamos apresentações orais temáticas e grupos operativos, aos moldes do ensino de Pichon-Rivière6,7, junto a uma população da periferia de Belo Horizonte. Todas as etapas do processo de trabalho eram definidas pela participação de quaisquer envolvidos, sem definições de voz de comando para a centralização de apenas um ou de hierarquias dentro dos participantes nos encontros que se davam entre os discentes bolsistas do projeto, os tutores, a comunidade, os serviços ou os equipamentos institucionais requisitados no projeto - dentre eles a associação de bairro, as escolas do 2
  • 3. entorno, os serviços de referência e da rede, coordenação distrital local, lembrando que até então não existia o desenho PSF's e NASF's no município. O trabalho pelo PAD era realizado tendo na transmissão oral um veículo de garantia de acesso à prática, ao pensamento, ao plano de intervenção, que servisse para identificação dos resultados e, sobretudo, como forma de incluir o outro num dizer sobre o que atuávamos ali juntos. Afinal, que o discurso fosse a todo tempo adequado a quem ouvisse, seja dos colegas em formação científica interdisciplinar, seja junto à população muitas vezes ali vulnerável pelas condições críticas de sua baixa qualidade de vida (somente para ilustrar, dentre outras situações de difícil relato aqui, o Centro de Saúde era alocado dentro de uma favela fechada, que só tínhamos acesso após autorização do comando do tráfico e se estivéssemos usando o branco - esta bandeira higiênica, que ali simbolizava nosso passe-livre para construir e apostar num modelo de saúde pública hoje completamente bem difundido no país). Encontrar e estabelecer critérios de convivência e eleição de situações para enfrentamento coletivo passou a configurar como missão de saúde pública, além de formação para a promoção ampla de relações e mediação de aprendizagem. No outro ano, assistindo agora a seleção de novos bolsistas para o PAD, com aquele coração embrionário de futuro docente, ajudamos na formação inicial dos selecionados: transmitindo tabelas, formas de avaliação institucional e comunitária, além de escritos, dinâmicas, modos de fazer e lacunas que nunca demos conta - graças a Deus! Foi depois deste capítulo, que concorri à outra seleção e, formalizei, ainda na cronologia de minha graduação, minhas primeiras experiências docentes propriamente ditas. Desta vez, fui bolsista do Programa de Iniciação à Docência – PID, aprovado pelo Departamento de Terapia Ocupacional – DTO, junto aos recursos da PROGRAD da UFMG; iniciante da atividade docente na área de Recursos Terapêuticos, com o trabalho de acompanhamento teórico-prático das Disciplinas de Recursos Terapêuticos I e II do curso de graduação em Terapia Ocupacional como parte da proposta de integralização dos ciclos básico, pré-profissionalizante e profissionalizante, sob a supervisão das professoras Maria Cristina Oliveira Silva, novamente, e Tania Lucia Hirochi, durante o período de março de 2002 a fevereiro de 2003. Vaidoso e bom cuidador que eu sou, vou explicitar os engendros que esta experiência do PID me projetaram de uma simples monitoria para este desejo renitente de ser professor em Terapia Ocupacional, que eu tanto repito e que me provoca inovadoras mudanças e desafios, aos moldes da poesia pantaneira do Manoel de Barros. As disciplinas de Recursos Terapêuticos I e II se davam nos Laboratórios de Recursos respectivos a cada disciplina. Na grade curricular tais disciplinas desempenhavam um cronograma de dois turnos, o que exigia que os alunos, eu-monitor e as professoras ficássemos ali reunidos por intermédio de ocupações livres, criativas, expressivas, artes, ofícios e produção de vida5,9 - é neste espaço interrelacional, permeado de possibilidades de transformação dos sujeitos, dos meios, das relações que se desemboca o fazer próprio da Terapia Ocupacional. Mas igualmente foi ali que bem me exerci, agora num papel de aprendiz de professor, dado que o nome monitor nunca foi suficiente para mim. 3
  • 4. O PID exigia do bolsista uma articulação entre as disciplinas básicas, as pré-profissionalizantes e clínicas da graduação em Terapia Ocupacional da UFMG. Realizávamos atividades de acompanhar as preparações de material didático a ser utilizado nas disciplinas, bem como a organização das instalações físicas, mobiliários, maquinários e instrumentais, além de referências, notações, listagens, catalogação e arquivários que dessem amplitude aos tópicos de recursos terapêuticos. Mas a tarefa hercúlea, a que éramos sobremaneira desafiados, era percorrer para além das disciplinas que monitorávamos até encontrar fios desconectados entre os cliclos da grade curricular e identificar, eficientemente, uma metodologia que nos permitisse articular, logo: dar liga e coesão à formação dos ali futuros terapeutas ocupacionais e a nossa, como aprendizes de docente. Elegíamos algumas importantes estratégias para que se cumprisse tal exigência de articulação. Os bolsistas do PID, das diversas disciplinas e eu, dos Recursos Terapêuticos, organizávamos seminários temáticos ao longo dos semestres letivos, para os quais eram convidados todos os graduandos do curso, independente de seu momento na formação. O curioso era que, neste trabalho de convidar e divulgar os Seminários do PID, percorríamos do 1º ao 10º período e identificávamos situações-problema que oportunizassem o fio de condução na formação daqueles estudantes. Optávamos pela escolha de casos clínicos ou casos institucionais em que os saberes, por assim dizer, das disciplinas básicas (por exemplo, Anatomia, Fisiologia, Neuroanatomia, Biofísica, Antropologia, Filosofia das Ciências Biológicas) dialogassem com as mais intermediáras (Cinesiologia, Cinesioterapia, Atividades e Desenvolvimento Humano, Saúde do Trabalhador, Recursos Terapêuticos, Splints e Adaptações) até confrontar, finalmente, com as ditas disciplinas clínicas do curso (Terapia Ocupacional Aplicada à Saúde Mental, às Condições Sociais, à Gerontologia Social, à Disfunções Neurológicas, ao Desenvolvimento Infantil, dentre outras) dando corpo para uma discussão desafiadora e motivacional ao coletivo dos alunos reunidos pelo viés da formação. Mas era no contato com os estágios, chamados naquela grade de Clínicas em Terapia Ocupacional I, II e III que encontrávamos as pontas soltas do que não se processava tão bem na graduação, mas que através do PID se tornava urgente para dar cabo e reatar perante a formação coesa e segura. Fazíamos ir e voltar só para marcar uma diferença do que se aprendia e, ainda bem, também se ensinava. De novo, era repetir, repetir, até mudar. Os Seminários do PID, sempre com valiosa adesão dos alunos, ainda contribuíram para provocar uma discussão interna na graduação em Terapia Ocupacional, que culminou numa reforma curricular ampla na UFMG - o que não tive a sorte de ser submetido, pois formei ainda pelo currículo anterior. Mas ficou este sabor honroso de quem, dentre incontáveis sujeitos, também esteve ali numa transformação que repercutisse para todos em melhoria. Ter citado acima as professoras Cristina e Tania, a quem devoto meu profundo aprendizado na demarcação do ofício de ensinar a Terapia Ocupacional, pôde me lembrar de outro ensino, que servirá de fluxo para o próximo recorte neste escrito de causos e repetições: "Se você quer saber como é a estrada a frente, não pergunte a quem está indo contigo. Mas para quem está voltando" ensino do Milton Grobe. Se elas foram à minha frente, se hoje vou à frente de alguns educandos é porque também já encontrei muito e não cesso este meu desejo em ir com-junto. Espero que com muitos outros que um dia aprenderão comigo eu possa causar elo e comoção, da mesma forma que fui tocado irrevogavelmente durante minha formação 4
  • 5. de terapeuta ocupacional. Daqui a diante, contarei como tenho indo nestes dias de vir-a-ser professor, mas ainda não específico na Terapia Ocupacional. Desafio de Lecionar para os Não-Iguais: Transmitir e Reafirmar Desde 2005, radicado em Montes Claros - sertão norte-mineiro, terra da escassez, do clima semiárido desértico, das festas folclóricas do agosto mais colorido que houver e território extremamente potente para meu crescimento pessoal, profissional e ideológico, vim acirrando minha trajetória na experiência docente, num exercício de ampliação - mesmo quando a falta demarca todo o entorno de nós. Lá naquela terra, distante daqui uns 1880km, aonde também atravessou o (des)fronteiriço Guimarães Rosa escrevendo o seu "Grande Sertão: Veredas"8, entendi o que é o sertão e o quanto desejar seja inesgotável em cada um de nós. Mas não posso apenas contar sobre meu desejo, que deve ser parecido com o tamanho do sertão, mas preciso citar o escrito do Rosa8, que bem nos acalanta desta maneira: "o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior". Eu não estou terminado, mas estou pronto para o que pronuncio a partir daqui, porque desejo um encontro com a docência e acredito que isso reverbera tão forte porque já fui atravessado por tamanha beleza: o que gostaria de imprimir grandemente neste escrito até atingir um encontro com o outro, junto a quem ensinar possa de fato nos unir. Subtraindo, neste memorial, o relato de que fui convidado pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, naquele mesmo ano, para ministrar cursos de atualização, promovidos em 19 de maio na ocasião da 1ª Jornada Universitária Interdisciplinar de Geriatria e Gerontologia, de “Cuidando do Idoso com Demência” e “Cuidados Gerais Necessários ao Idoso Dependente”, farei um deslocamento narrativo para citar minha experiência na Seção de Programas Especiais da Secretaria Municipal de Saúde daquele município. Subtraio também a experiência docente na formação do curso sequencial superior em Cuidador de Idosos da mesma Unimontes, entre 2005 e 2007, quando também pudemos supervisionar as práticas de estágio I e II. Tais deleções nos custam mais por evitar que o texto seja demasiado detalhista, mas nunca por se tratar de menos importantes experiências ou despertencimento, porém que a seguir quero enfatizar outros realces num diálogo para a docência em Terapia Ocupacional. A Seção de Programas Especiais - SPE, hoje Seção de Programas e Projetos Estratégicos, coordenava programas de Educação Permanente para a rede de Saúde dos servidores municipais de Montes Claros. Contando com uma equipe multidisciplinar de tutores, dentre eles: enfermeiros, nutricionista, assistente social, médicos, psicólogos e eu, terapeuta ocupacional - a SPE organizava módulos de capacitação in loco junto às equipes das Unidades Básicas de Saúde - UBS's, reafirmando um desenho microrregional de descentralização dos programas prioritários de saúde pública no município. Tais programas de ações de combate e controle à Hipertensão Arterial Sistêmica, à Diabetes, à Tuberculose, à Hanseníase, às Doenças Sexualmente Transmissíveis, ao Tabagismo, além dos programas temáticos de Saúde da Criança, Saúde Mental, Saúde do Trabalhador, Saúde da Mulher e Saúde do Idoso - este o mais expoente das minhas atuações, recebiam módulos de capacitação que tanto serviam para educação continuada das 5
  • 6. equipes aos moldes da abordagem em Educação Permanente, como também para avaliar e controlar as ações pactuadas na agenda municipal e no quadro de metas da saúde pública. As UBS's do município nunca dispuseram de profissional terapeuta ocupacional, somente muito tardiamente quando Montes Claros foi palco pioneiro para a futura implantação dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família - NASF's, em 2009 quando foi criado o Núcleo da Atenção Integral - NAI do Delfino Magalhães - sede de uma microrregião, é que se incorporou uma profissional da nossa área na atenção básica à saúde. Sendo assim, durante todo o programa de Educação Permanente, em que pudemos desenvolver numa tônica multidisciplinar, nunca tive a oportunidade de transmitir conhecimentos para iguais. No máximo, era possível dialogar com semelhantes, parceiros no trabalho coletivo, dentre eles: fisioterapeutas, psicólogos e geriatras, o que desafiava um discurso mais generalista e menos centrado nas atuações específicas da epistemologia de Terapia Ocupacional. O que não nos isentava do discurso de transmissão sobre nosso objeto e especificidade, que orientam discurso e tecnologias aplicadas, irrestritamente úteis para contribuir também no que se deva praticar e saber sobre saúde, em especial, na saúde pública. Na SPE estivemos como tutor de outubro de 2005 a julho de 2009 focando nossa contribuição na Educação Permanente da Saúde do Idoso, do Programa de Atenção à Saúde do Idoso, da Saúde Mental, da Saúde da Criança e do Programa de Controle das Ações de Combate à Hanseníase - esta última ênfase nos permitiu galgar a posição de referência técnica em reabilitação, que nos dias atuais ainda exerço em Montes Claros. Ressalto que as aulas da SPE ocorriam em todos os territórios das UBS's - perfazendo um total de 13 centros de saúde e os PSF's adscritos, quando todos os profissionais das respectivas unidades eram convocados para as aulas como parte de suas atribuições diárias. A atuação na SPE tornou-se tão profícua dentro da municipalidade que veio a culminar com a formulação de diversos documentos, que tivemos a honra de produzir, junto com outros valiosos parceiros, naquele tempo, dentre eles: o diagnóstico situacional da saúde pública de Montes Claros, o protocolo de avaliação multidimensional do idoso, a cesta básica de medicação dos idosos, relatórios de gestão e das micro-conferências temáticas, formulação do Comitê Gestor das Ações de Controle e Eliminação da Hanseníase - COGEHAN, além da proposição e realização do 1º Fórum Municipal da Atenção Integral ao Idoso. Para dar corpo ao relato desta experiência de capacitar colegas não-terapeutas ocupacionais, gostaríamos de emoldurar nossas experiências por lecionar em cursos de atualização e pós-graduação na área de educação, sobretudo no Atendimento Educacional Especializado - AEE, em especial nos últimos dois anos. Por incorrigível crença e emblema, sou daquele tipo de gente que mesmo sendo pouco não me canso de ser, de querer, de buscar. Daí reconheci, no trabalho da inclusão, um desafio muito bem condizente ao modo que tenho de acreditar e produzir sentidos para as coisas a que me dedico. A inclusão de pessoas ditas com deficiência nos cenários instituídos da vida social recruta, dentre inúmeros outros instrumentos para o trabalho, a formação de professores especialistas para atuar nas escolas regulares do ensino sob o signo de professores de apoio / professor facilitador ou professor de sala de recursos multifuncionais - SRM. É neste horizonte loquaz que minha formação em Terapia Ocupacional serviu perfeitamente de alicerce para orientar e capacitar outros profissionais no exercício disso que concorre exatamente com o tópico deste 6
  • 7. escrito mnemônico: transmitir e reafirmar perante os diferentes e ainda assim regozijar-se na égide do que se acredita fazendo, no encontro professor-aluno. Leciono em Montes Claros em duas instituições de ensino. A primeira que ocorre no Centro Especializado em Assessoria e Aprendizagem Mediada – CEAM, uma consultoria que oferece cursos de atualização em Deficiência Intelectual / Mental; Comunicação Alternativa e Tecnologia Assistiva; Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD's / Transtornos Invasivos do Desenvolvimento – TID's / Transtornos do Espectro Autístico - TEA's; Psicomotricidade / Deficiência Física; Atendimento Educacional Especializado / Sala de Recursos Multifuncionais, e agora também com curso de formação para o método Braille. Estes cursos são pré-requisitos para que professores se candidatem às vagas de professor de apoio / facilitador ou professor de SRM no âmbito das escolas estaduais em Minas Gerais - MG. Com cargas horárias variando de 120 a 240 horas/ aula, cada curso oferece módulos teóricos, práticos (contando com oficinas mediadas por nós), além de exigir dos alunos relatórios de observação de crianças em processo de inclusão e outras medidas avaliativas como questionários dissertativos de todas as disciplinas. Na segunda instituição que também lecionamos, no caso uma rede de faculdades também de Montes Claros, através da Unique Tutoria e Mediação Didática – UnicEAD, são oferecidos cursos de pós-graduação na mesma cidade, ou em Porteirinha e Sete Lagoas, ambas em MG, com os temas, dentro outros, de: de Atendimento Educacional Especializado e Educação Inclusiva; Neuropsicologia Educacional; Professor de Apoio / Professor Facilitador. Tais cursos com carga horária a partir de 360 horas, semi-presenciais e à distância, formam profissionais especialistas para orientar e acompanhar o processo de inclusão de crianças nos contextos regulares da educação no estado. Na experiência de lecionar para professores já graduados, acompanhamos uma incontável gama de problemáticas, aos quais repercutem como o maior desafio deste meu arado de ensinar perante os diferentes da minha formação inicial. Dos anseios de transmitir, algo que se reconheça nosso para que o outro passe a pertencer a partir deste encontro, numa relação professor-aluno, deparei-me com impasse de que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção" como bem esclareceu FREIRE (1996, p.47). Daí, pude elaborar uma forma de produção o ensino a partir de uma dimensão mais generosa, inclusive para comigo mesmo, de que independente de quem fosse o aluno naquele encontro sempre haveria que se produzir uma ressignificação - única e impossível de previsão completa. A dimensão professor-aluno sempre evoca descortinamentos que o vão desejo de equalizar os dois sujeitos nesta relação nunca é o bastante. A relação se fortalece no laço do imprevisível, do inusitado, inclusive quando não se igualar passa ser um resultado valoroso no encontro - dado que a autonomia é indispensável às instâncias de ensinar e aprender, como igualmente bem alertou o professor Paulo Freire ao proferir que "ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando" FREIRE (1996, p.59) e, eu arriscaria conceber também do professor. Nas discussões sobre orientações de práticas pedagógicos, sobre quais manejos o professor facilitador poderia recorrer para acompanhar o processo de aprendizagem, em especial de leitura e escrita, de crianças ditas com deficiência nas escolas regulares, fomos descortinando panoramas ideológicos e sempre almejando superação de práticas e proposições de resiliência em prol da inclusão. Ao orientar professores quanto ao manejo de situações-problema como o caso da ecolalia nas crianças com TID's / 7
  • 8. TGD's / TEA's, o pensamento robusto na deficiência intelectual, o uso de tecnologias assistivas para comunicação de crianças com paralisia cerebral ou o planejamento de atividades em SRM adequadas às propostas de adaptação curricular inclusiva, dentro outros inúmeros contextos das capacitações nos cursos que leciono, verifiquei que há algo próprio do ofício de terapeuta ocupacional, que mesmo não sendo transmissível a quem não seja também terapeuta ocupacional, mas que se operará como garantia de reafirmação das práticas, discursos e produção de saberes, portanto de tecnologias aplicadas, sendo então útil e indispensável de se promover na transmissão. Nas oficinas de formação de professores e orientação a partir de casos verídicos de inclusão na educação, pude acompanhá-los nos desenvolvimento de um olhar mais perspicaz para avaliação de dificuldades educacionais específicas vivenciadas pelos alunos com deficiência na singularidade de cada um. Sempre foi motivo de minha preocupação como docente, que aqueles professores não se confundissem ao compreender seus educandos, em processo de inclusão, somente pelo diagnóstico da doença, da lesão, da deficiência propriamente dita, perpetuando-os numa condição de "especiais", tão indesejável quanto o preconceito e a segregação. Neste trabalho, que envolvia recrutar cada aluno para o "exército de salvação" da inclusão (é assim que brincando eu os chamo recrutando-os), quis muito mais conduzir tais professores meus alunos, a uma segurança de intervir, desde que isso não excedesse os limites de sua prática pedagógica - exigentemente pautada nos trâmites de facilitar a aprendizagem dos seus alunos. É que euprofessor também reconheci a impossibilidade de transmitir tudo, mas indispensavelmente o bastante para que ainda houvesse lugar no aprendiz para aquilo que fosse só dele: autoral, idiossincrático, revolucionário. Ah, a docência é um exercício tão generoso... Um encontro de quem ensina, com quem aprende, compreendidos como legítimo atributo da especificidade humana, de novo citando aqui o mestre Paulo Freire fez eu recordar de outro mestre, mas da música, que um dia escreveu esta beldade: "toda vida existe para iluminar outras vidas que a gente encontrar". E foi assim com o Milton Nascimento no pensamento que assumi com enorme gratidão a difícil tarefa de ensinar para não-terapeutas ocupacionais durante parte muito essencial na minha formação em prol da docência, mas que venho, na presente seleção, aproximar-me mais um tanto no pleito deste concurso junto à UFPel por reconhecer tal oportunidade como de grande estima para minha incessante formação e anseios. Dos Pensamentos que Carregamos para que Não nos Cesse a Criação Daqui, que as linhas finais da escrita começam a imanar diante quem me ouviu tão longamente, sobressaem algumas aliterações conclusivas. Escrevê-las-ei, fortuitamente, para nortear planos de intervenção na prática didática ao que me disponho junto a presente instituição. Por isso, retomo em formato de tópicos, o que pude elaborar como bem importante a se propor fazer como plano de ação na qualidade de docente: 8
  • 9. * Conhecer o desenho de ensino da instituição, a estrutura da grade curricular da graduação em Terapia Ocupacional; oportunizar o diálogo junto ao corpo docente; verificar o momento na formação discente ao que iria me deparar imbuído no papel de também aqui professor; * Cuidar dos horizontes da transmissão, permitindo que a instância trina elementar da Universidade nos âmbitos do ensino, da pesquisa e da extensão possa harmoniosamente dialogar com outra tríade que, dentro do referencial clássico da Terapia Ocupacional, se enumeraria pela ciência, a clínica e o discurso; * Acompanhar o aluno mediante as exigências do Plano Nacional da Educação Superior e das Diretrizes Curriculares para Terapia Ocupacional com planos didáticos específicos para cada disciplina, considerando a todo tempo o ementário, os objetivos, a avaliação do aluno e da disciplina, além da articulação intra-disciplinas do curso, as expectativas de habilidades a serem desenvolvidas junto aos alunos, para garantir uma transmissão metodológica-didática sempre pautada na ética e deontologia de nossas atuações, nos referências indispensáveis ao nosso saber, na edificação de um pensamento crítico-laborativo próprio do terapeuta ocupacional, que de acordo com o ensino do Professor Rui Chamone Jorge4 possa permitir à Terapia Ocupacional constituir-se em um método suficiente bom em si JORGE (1990, p.09); * Incentivar, sempre que possível, no corpo discente a pronúncia pelo pensamento reflexivo e interacionista, tão bem-vindos ao seu futuro ofício, sempre em expansão e diálogo seja com a incorporação de saberes outros, de inovados formatos como é o caso das artes, das linguagens; seja nas produções transformadoras pela relação do ser humano com o trabalho, consigo mesmo, com o mundo e as formas de existir; * Provocar a compreensão e o manejo de técnicas e meios de analisar as atividades, além de incorporar recursos terapêuticos satisfatórios e enriquecedores, com a finalidade de aplicação clínica, constituindo-os como instrumentais próprios da Terapia Ocupacional em sua dimensão assistencial e intervencionista, corroborando ainda com a produção de tecnologias e recursos a serem identificados como úteis ao ramo de conhecimento específico de nossa área; * Capacitar o aluno para a compreensão das restrições, limitações, deficiências e incapacidades dos futuros pacientes / clientes a partir da compreensão sobre a disfunção ocupacional, acompanhando a formação discente para uma postura combativa, propositiva, articulada em prol da inclusão e da superação das desigualdades frente às diferenças demarcadas nas instâncias aonde serão convocados a intervir e modificar realidades; * Facilitar o entendimento amplo sobre o campo das deficiências numa relação inalienável com a cidadania e o bem-estar, considerando os meandros da segregação, do estigma, que devam ser superados para a proposição de práticas de integração, inclusão, participação irrestrita em que a Terapia Ocupacional sempre se emprestou a inovar e, que cada aluno, agora, em formação, também se somará a este ideário que nos define, portanto, como próximos e como classe de profissionais unos; 9
  • 10. * Acompanhar práticas de estágios curriculares, frente à conseguinte inserção no mercado de trabalho para os futuros profissionais, com um perfil bastante articulador, propositivo, proeminente e eficaz; que mobilize na percepção da utilidade da profissão, na afirmação de um lugar de destaque para as contribuições da Terapia Ocupacional nas esferas da saúde, dos contextos sociais, educacionais, nas inovações científico-tecnológicas que a partir de profissionais empreendedores facilitem a visibilidade a valorização da categoria e, sobretudo, da profissão. Certo, em especial, de que trabalhar sozinho é da ordem da impossibilidade, é que reconheço como uma oportunidade maravilhosa em minha trajetória este pleito junto à UFPel. Por acreditar que estarei dentre muitos, que contarei com o auxílio dos demais docentes do curso, além dos demais dispositivos da própria Universidade - que me possibilitarão dar continuidade em minha própria formação docente, é que avalio este o melhor momento para minha candidatura e desejo crescimento pessoal, profissional, científico incessante. Que ninguém nos interpole descaminho ao sonho, mas que se perfaçam assim: eis que o sonho prossiga para aonde devir ser e dar razão ao vivido! Agradeço este espaço aberto ao tempo da memória, que por escrita agora mora não mais somente em mim. Na segurança de que (re)contando estes fragmentos, de minhas atuações profissionais, pude oferecer elementos justos para a avaliação da banca examinadora de minha pré-disposição ao trabalho. Certo de que a esperança nos favoreça ao melhor na vida, despeço-me cantando com o Chico3, porque é o que desejo, mas também agradeço e ele tão bem versou para nós: "Um marinheiro me contou Que a boa brisa lhe soprou Que vem aí bom tempo Um pescador me confirmou Que um passarinho lhe cantou Que vem aí bom tempo Ando cansado da lida Preocupada, corrida, surrada, batida Dos dias meus Mas uma vez na vida Eu vou viver a vida Que eu pedi a Deus" Referências 1. BARROS, Manoel de Barros. O Livro das Ignorãncas. Record: 1997, 16ª Ed. 10
  • 11. 2. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura). 3. HOLLANDA, Chico Buarque de. Bom Tempo. RGE: 1968. 4. JORGE, Rui Chamone. O Objeto e a Especificidade da Terapia Ocupacional. Belo Horizonte, GES.TO, 1990. 5. LIMA, Elizabeth Maria Freire de Araújo; CANGUÇU, D. F. ; MORAES, Christiana ; INFORSATO, Erika Alvarez . PACTO adolescentes: arte e corpo na invenção de dispositivos em terapia ocupacional para produção de vida e saúde na adolescência. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 20, p. 157-163, 2009. 6. PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 7. ______. O Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 8. ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Biblioteca Luso-Brasileira: 1994 (Ficção Completa em Dois Volumes). 9. TAÑO, Bruna. Escrita e Produção de Vida: tecendo criação, escrita, palavras e devires para uma clínica da terapia ocupacional. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Terapia Ocupacional) - Faculdade de Medicina da USP. Orientadora: Elizabeth Maria Freire de Araujo Lima. 11