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A GRUA DE
                                                UMA cabana isolada, um homem ra-
                                                chando lenha, uma família ameaçada: as
                                                belas e tensas imagens inicias de Bastardos
                                                inglórios, com bandidos nazistas acossan-



BASTARDOS
                                                do o pequeno fazendeiro, parecem saídas
                                                de um western clássico.
                                                    Quentin Tarantino é o mais celebrado
                                                dos cineastas pós-modernos – aqueles



INGLORIOS
    ´                                           que vivem das citações, da exposição
                                                lúdica (e quase sempre só lúdica) dos
                                                “truques” do cinema, da reciclagem
                                                irônica (e quase sempre conformista) dos
                                                clichês, compondo uma representação
 Em seu mais recente filme, Tarantino busca     em infinitas camadas, que não acredita
 reafirmar a potência do cinema clássico        em referências reais. Mas, em seu mais
 hollywoodiano a partir da ironia pós-moderna   recente filme, a homenagem por ele
                                                prestada à tradição hollywoodiana parece
 por Leandro Saraiva                            estar bem menos ligada ao prazer das
                                                citações, apesar do título retirado do
                                                original dirigido por Enzo Castellari, em
                                                1977, e de outras tantas citações que os




                                                                                              Todas as imagens: Divulgação




48   | retratodoBRASIL 30
aficionados serão capazes de descobrir.        dramática e deliciosamente inúteis, de        sala de cinema como locação do atentado
Bastardos se propõe, classicamente, a ser     Pulp fiction (1994) – está incrustado na       a Hitler; o flerte entre Shosanna e Zoller
levado a sério, ou seja, a fazer o espec-     cena realista, mas quase que a dissolve       mediado pela relação deles com o cine-
tador, sem piscadelas, mergulhar em seu       (o golpe teatral definitivo é um cachimbo      ma; o amor dela por Marcel (Jack Ido), o
universo dramático.                           “cenográfico” que o coronel exibe no           projecionista. No desenlace apoteótico, a
    Há uma unidade e tom dramático            momento final do diálogo, provocando           cena é presidida pelo close de Shosanna,
geral que ele experimentara apenas em         inevitáveis e antirrealistas risadas gerais   primeiro na tela, depois projetada na
Jackie Brown (1997). Mesmo a espeta-          na plateia).                                  fumaça, como um fantasma vingador, ao
cularização lúdica da violência, marca            Isso é assim por todo o filme. O          mesmo tempo judeu e cinéfilo.
registrada de Tarantino desde Cães de         soldado nazista é executado a secos e            Em Bastardos, a terrível realidade da
aluguel (1992), é rara em Bastardos: as       tremendamente violentos golpes de             guerra e do nazismo é reconstruída com
muitas mortes são brutalmente secas,          bastão de beisebol, mas antes há a mise-      jogo de espelhos, de imagens e encena-
sem coreografias, retirando seu impac-         en-scène de um julgamento, com um ápice       ções. Visto desse ângulo, a “moral da
to de uma visualização intensa e direta       de suspense para a entrada do executor,       história”, da sede de vingança exemplar
(talvez direta demais, num registro quase     o “judeu urso” (“o que temos mais pa-         dos Bastardos, equivalente à violência
pornográfico de visualização) dos corpos       recido com cinema por aqui”, explicita        nazista, e mesmo o final, com o bem-
violentados.                                  “Aldo, o apache” – Brad Pitt –, o líder       sucedido atentado a Hitler, assumem
    E se o desfecho do filme é franca-         dos Bastardos). Esse princípio é levado       outra figura. Do ponto de vista realista,
mente ficcional, com o bem-sucedido            às últimas consequências na antológica e      o filme teria de ser considerado regres-
atentado a Hitler e seu Estado-Maior,         longuíssima cena da taverna, que termi-       sivo, por sua simplificação bárbara da
isso não chega a contradizer o projeto de     na numa carnificina geral, eternamente         barbárie e por seu final fantasioso e
drama clássico, já que a verossimilhança      adiada por diálogos cada vez mais tensos,     compensatório.
do drama, como se sabe desde Aristó-          cada vez mais elaborados e, por fim,              Entretanto, esse constante “des-
teles, está na sua lógica interna, e não na   inverossímeis. O diálogo dessas cenas         lizamento”, a cada cena, da moldura
reprodução de fatos isolados.                 como que se autonomiza de sua função          dramática geral para a exacerbação pós-
                                              dramática, de retardar o desenlace da         moderna (mais sutil e entretecida ao
NAVALHA AFIADA                                ação e gerar suspense.                        drama do que nos filmes anteriores
Entretanto, apesar de Tarantino ter               Não são apenas os diálogos. A guerra,
embainhado a espada das pirotecnias           em Bastardos inglórios, parece ser um gran-   Aldo (Brad Pitt, abaixo) e Shosanna
de Kill Bill (2003), o fio pós-moderno         de palco, no qual todos estão criando         (Mélaine Laurent): referências
de sua navalha irônica continua mais          personagens. Há um leque de apelidos,         cinematográficas
cortante que as facas dos bastardos           literalmente “nomes de guerra”, famas
escalpeladores. Retomemos a cena ini-         que todos tentam afirmar em suas
cial, por exemplo. No diálogo entre o         performances: “o caçador de judeus”,
nazista e o fazendeiro, a tensão cresce       “Aldo, o apache”, “judeu urso”, etc. A
progressivamente e, até a terrível execu-     dupla agente alemã é uma atriz, estrela
ção da família judia escondida no porão,      de cinema, e, na crucial cena da taverna,
sofremos junto com o protagonista, que,       a hipertrofia das encenações é total: a
encurralado pelo terrorismo nazista de        estrela espera os soldados americanos,
Estado, precisa escolher entre os fugiti-     que se passam por alemães, para com-
vos e sua própria família. Mas é no seio      binarem o roteiro do atentado a Hitler,
mesmo dessa cena de corte clássico que        no qual interpretarão outros papéis.
a ironia pós-moderna de Tarantino se          Os personagens encarnam um jogo de
infiltra. O pai de família mantém-se no        adivinhação, em que cada um assume
figurino sério-dramático, mas o coronel        uma identidade a ser desvendada pelos
Landa, o “caçador de judeus”, interpreta-     demais (numa espécie de duplicação
do brilhantemente por Christoph Waltz,        metalinguística do primeiro sentido da
é feito de outro material. O exagero          cena). Enquanto isso, Shosanna (Mélaine
do personagem vai além da caricatura          Laurent), sobrevivente do massacre de
de afetação, comum na caracterização          sua família comandado pelo coronel
melodramática de vilões como “masca-          Landa, vive em Paris sob um nome falso,
rados” (o mal visto como o oposto da          e seu pretendente, o jovem Fredrick Zol-
transparência). Mais que máscaras, há         ler (Daniel Brühl), faz seu próprio papel
em Landa um deleite pela mise-en-scène,       num filme de propaganda nazista.
pela explicitação do jogo teatral. Não            O longa todo é um vórtice de ence-
basta ao “caçador” pegar sua presa. Ele       nações e manipulações de identidades e
precisa brincar com ela. E, claro, por        o cinema é um elemento onipresente:
trás das máscaras em jogo está a direção      Goebbels como o grande personagem
de Tarantino. Nessa cena, esse prazer –       político; a convocação de um tenente
herdeiro dos diálogos rocambolescos,          crítico de cinema para a “missão Kino”; a

                                                                                                           30 retratodoBRASIL     |   49
de Tarantino) dos jogos de cena não é
 um desvio, mas o fiel da balança, o que
 legitima inclusive o que há de esque-
 matização regressiva no próprio drama
 (contra a barbárie nazista, a barbárie
 e meia dos Bastardos e até o atentado
 final a Hitler).

 FANTASIA E REALIDADE
 Trocando em miúdos, o cinema é apre-
 sentado como uma forma fantasiosa de
 tratar nossos problemas reais. Há nisso
 uma afinidade com a noção levi-straus-
 siana do mito: uma mediação simbólica
 para contradições sociais reais, mesmo
 que todos saibam se tratar apenas de
 simbologia (o final falso garante isso ao
 extremo), o que também está próximo
 da função catártica clássica. Tarantino
 está se propondo reafirmar, de modo
 sutilmente pós-moderno (lúcido sobre         Hellstron (August Diehl) e Bridget(Diane Kruger), na cena da taverna: carnificina geral
 seus próprios artifícios), o cinema clás-
 sico americano.                                  Tarantino apresenta, em Bastardos, um     faz ecoar o elogio baziniano à contempla-
    O terror real reconstruído e domes-       pós-evangelho pós-moderno: a lucidez          ção humanista, na imagem cinematográfi-
 ticado: uma ética do cinema exatamente       irônica do espetáculo está consciente das     ca, do homem em seu desamparo –, olha
 inversa ao interdito modernista à repre-     críticas modernistas, mas reafirma a função    com compaixão para a imagem de Zoller
 sentação edulcorada das experiências-        do espetáculo clássico: envolver o especta-   no filme que projeta. Aproxima-se, então,
 limite, como a morte. Iniciada por André     dor numa fantasia compensatória.              com compaixão, do homem real, em
 Bazin – o mais importante crítico do                                                       quem acabou de atirar. É a deixa que ele
 neorrealismo, visto como pedra de toque      SEM RESTRIÇÃO                                 aproveita para, antes de morrer, executá-
 do modernismo cinematográfico –, essa         A autoconsciência de seu empreendi-           la, num tiroteio espetacular, concluído por
 postura foi continuada por Serge Daney,      mento fica clara naquela que pode ser          uma virtuosística tomada superior dos
 que formulou o princípio do “travelling      vista como a mais bela (e inteligente)        corpos estendidos no chão (poderíamos
 de Kapo”, que condenava, como limite         cena do filme: a da morte de Shosanna e        chamar essa reedição do travelling de Kapo
 inaceitável e indecente, a estetização       de Zoller na cabine de projeção. Prestes      de “a grua de Bastados inglórios”).
 contida num movimento de câmera do                                                             Tarantino encara o que talvez seja o
 filme de Gillo Pontecorvo (Kapo, 1959),
 que reenquadrava o punho de um pri-          Em Bastardos,                                 maior dos interditos da representação
                                                                                            cinematográfica: a representação do
 sioneiro de um campo de concentração
 morto em sua tentativa de fuga.              que pode ser                                  Holocausto. Encena tudo, sem reservas,
                                                                                            incluindo Hitler, Churchill, massacres e
    Nessa concepção modernista, as
 “marcas do real”, como chamou Bazin,         considerada a obra-                           vinganças de todo tipo, ao mesmo tempo
                                                                                            quase dissolvendo as encenações em
                                                                                            infinitos jogos de espelho, em que tudo
 estavam sempre presentes num estilo de
 cinema que, em vez de se esforçar para       prima, Tarantino                              brilha como espetáculo. O resultado é
 construir um “outro mundo”, se fazia dei-                                                  uma representação da História como
 xando as marcas da filmagem no resultado      encena a História                             teatro, no qual vence quem encenar me-
                                                                                            lhor, sem chances para contemplações
 final. Daí o elogio a uma montagem um
 tanto descozida, que privilegiava a con-
 templação e negava a “moral da história”
                                              como teatro                                   humanistas.
                                                                                                O pós-modernismo de Tarantino
 implícita na amarração dramática clássica.   a perpetrar a vingança judaica contra         reafirma a potência “viril” do drama
 O cinema moderno privilegiou filmes-          os nazistas, Shosanna tem de lidar com        hollywoodiano clássico por meio (e não
 esboços, que convidavam ao diálogo com       Zoller, que a deseja e violentamente          apesar) da ironia. Temos de concordar
 o espectador, ao qual eram oferecidos        invade a cabine, de onde ela comanda          com “Aldo, o apache”, alter ego do
 fragmentos de experiências comuns. Esse      a projeção do filme no qual o rapaz in-        diretor e roteirista, que afirma, depois
 elogio baziniano a um cinema de encontro     terpreta a si mesmo como herói nazista        de esculpir a suástica no traidor nazista,
 humanista foi chamado por Ismail Xavier,     no filme de propaganda de Goebbels.            ser essa a sua obra-prima. Mas daí a con-
 em sua apresentação à edição da coletânea    Ela – numa última volta das espirais de       cordar com a recusa implícita à vertente
 de textos de Bazin (O cinema – ensaios,      encenações – o engana e atira nele.           moderna do cinema há tanta distância
 editora Brasiliense, 1988), de “o último        Frente ao corpo agonizante, ela sai do     quanto a que separa Bastardos inglórios da
 dos evangelhos do cinema”.                   seu papel e, num momento tocante – que        realidade da II Guerra Mundial.

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A grua de Bastardos Inglórios

  • 1. Filme A GRUA DE UMA cabana isolada, um homem ra- chando lenha, uma família ameaçada: as belas e tensas imagens inicias de Bastardos inglórios, com bandidos nazistas acossan- BASTARDOS do o pequeno fazendeiro, parecem saídas de um western clássico. Quentin Tarantino é o mais celebrado dos cineastas pós-modernos – aqueles INGLORIOS ´ que vivem das citações, da exposição lúdica (e quase sempre só lúdica) dos “truques” do cinema, da reciclagem irônica (e quase sempre conformista) dos clichês, compondo uma representação Em seu mais recente filme, Tarantino busca em infinitas camadas, que não acredita reafirmar a potência do cinema clássico em referências reais. Mas, em seu mais hollywoodiano a partir da ironia pós-moderna recente filme, a homenagem por ele prestada à tradição hollywoodiana parece por Leandro Saraiva estar bem menos ligada ao prazer das citações, apesar do título retirado do original dirigido por Enzo Castellari, em 1977, e de outras tantas citações que os Todas as imagens: Divulgação 48 | retratodoBRASIL 30
  • 2. aficionados serão capazes de descobrir. dramática e deliciosamente inúteis, de sala de cinema como locação do atentado Bastardos se propõe, classicamente, a ser Pulp fiction (1994) – está incrustado na a Hitler; o flerte entre Shosanna e Zoller levado a sério, ou seja, a fazer o espec- cena realista, mas quase que a dissolve mediado pela relação deles com o cine- tador, sem piscadelas, mergulhar em seu (o golpe teatral definitivo é um cachimbo ma; o amor dela por Marcel (Jack Ido), o universo dramático. “cenográfico” que o coronel exibe no projecionista. No desenlace apoteótico, a Há uma unidade e tom dramático momento final do diálogo, provocando cena é presidida pelo close de Shosanna, geral que ele experimentara apenas em inevitáveis e antirrealistas risadas gerais primeiro na tela, depois projetada na Jackie Brown (1997). Mesmo a espeta- na plateia). fumaça, como um fantasma vingador, ao cularização lúdica da violência, marca Isso é assim por todo o filme. O mesmo tempo judeu e cinéfilo. registrada de Tarantino desde Cães de soldado nazista é executado a secos e Em Bastardos, a terrível realidade da aluguel (1992), é rara em Bastardos: as tremendamente violentos golpes de guerra e do nazismo é reconstruída com muitas mortes são brutalmente secas, bastão de beisebol, mas antes há a mise- jogo de espelhos, de imagens e encena- sem coreografias, retirando seu impac- en-scène de um julgamento, com um ápice ções. Visto desse ângulo, a “moral da to de uma visualização intensa e direta de suspense para a entrada do executor, história”, da sede de vingança exemplar (talvez direta demais, num registro quase o “judeu urso” (“o que temos mais pa- dos Bastardos, equivalente à violência pornográfico de visualização) dos corpos recido com cinema por aqui”, explicita nazista, e mesmo o final, com o bem- violentados. “Aldo, o apache” – Brad Pitt –, o líder sucedido atentado a Hitler, assumem E se o desfecho do filme é franca- dos Bastardos). Esse princípio é levado outra figura. Do ponto de vista realista, mente ficcional, com o bem-sucedido às últimas consequências na antológica e o filme teria de ser considerado regres- atentado a Hitler e seu Estado-Maior, longuíssima cena da taverna, que termi- sivo, por sua simplificação bárbara da isso não chega a contradizer o projeto de na numa carnificina geral, eternamente barbárie e por seu final fantasioso e drama clássico, já que a verossimilhança adiada por diálogos cada vez mais tensos, compensatório. do drama, como se sabe desde Aristó- cada vez mais elaborados e, por fim, Entretanto, esse constante “des- teles, está na sua lógica interna, e não na inverossímeis. O diálogo dessas cenas lizamento”, a cada cena, da moldura reprodução de fatos isolados. como que se autonomiza de sua função dramática geral para a exacerbação pós- dramática, de retardar o desenlace da moderna (mais sutil e entretecida ao NAVALHA AFIADA ação e gerar suspense. drama do que nos filmes anteriores Entretanto, apesar de Tarantino ter Não são apenas os diálogos. A guerra, embainhado a espada das pirotecnias em Bastardos inglórios, parece ser um gran- Aldo (Brad Pitt, abaixo) e Shosanna de Kill Bill (2003), o fio pós-moderno de palco, no qual todos estão criando (Mélaine Laurent): referências de sua navalha irônica continua mais personagens. Há um leque de apelidos, cinematográficas cortante que as facas dos bastardos literalmente “nomes de guerra”, famas escalpeladores. Retomemos a cena ini- que todos tentam afirmar em suas cial, por exemplo. No diálogo entre o performances: “o caçador de judeus”, nazista e o fazendeiro, a tensão cresce “Aldo, o apache”, “judeu urso”, etc. A progressivamente e, até a terrível execu- dupla agente alemã é uma atriz, estrela ção da família judia escondida no porão, de cinema, e, na crucial cena da taverna, sofremos junto com o protagonista, que, a hipertrofia das encenações é total: a encurralado pelo terrorismo nazista de estrela espera os soldados americanos, Estado, precisa escolher entre os fugiti- que se passam por alemães, para com- vos e sua própria família. Mas é no seio binarem o roteiro do atentado a Hitler, mesmo dessa cena de corte clássico que no qual interpretarão outros papéis. a ironia pós-moderna de Tarantino se Os personagens encarnam um jogo de infiltra. O pai de família mantém-se no adivinhação, em que cada um assume figurino sério-dramático, mas o coronel uma identidade a ser desvendada pelos Landa, o “caçador de judeus”, interpreta- demais (numa espécie de duplicação do brilhantemente por Christoph Waltz, metalinguística do primeiro sentido da é feito de outro material. O exagero cena). Enquanto isso, Shosanna (Mélaine do personagem vai além da caricatura Laurent), sobrevivente do massacre de de afetação, comum na caracterização sua família comandado pelo coronel melodramática de vilões como “masca- Landa, vive em Paris sob um nome falso, rados” (o mal visto como o oposto da e seu pretendente, o jovem Fredrick Zol- transparência). Mais que máscaras, há ler (Daniel Brühl), faz seu próprio papel em Landa um deleite pela mise-en-scène, num filme de propaganda nazista. pela explicitação do jogo teatral. Não O longa todo é um vórtice de ence- basta ao “caçador” pegar sua presa. Ele nações e manipulações de identidades e precisa brincar com ela. E, claro, por o cinema é um elemento onipresente: trás das máscaras em jogo está a direção Goebbels como o grande personagem de Tarantino. Nessa cena, esse prazer – político; a convocação de um tenente herdeiro dos diálogos rocambolescos, crítico de cinema para a “missão Kino”; a 30 retratodoBRASIL | 49
  • 3. de Tarantino) dos jogos de cena não é um desvio, mas o fiel da balança, o que legitima inclusive o que há de esque- matização regressiva no próprio drama (contra a barbárie nazista, a barbárie e meia dos Bastardos e até o atentado final a Hitler). FANTASIA E REALIDADE Trocando em miúdos, o cinema é apre- sentado como uma forma fantasiosa de tratar nossos problemas reais. Há nisso uma afinidade com a noção levi-straus- siana do mito: uma mediação simbólica para contradições sociais reais, mesmo que todos saibam se tratar apenas de simbologia (o final falso garante isso ao extremo), o que também está próximo da função catártica clássica. Tarantino está se propondo reafirmar, de modo sutilmente pós-moderno (lúcido sobre Hellstron (August Diehl) e Bridget(Diane Kruger), na cena da taverna: carnificina geral seus próprios artifícios), o cinema clás- sico americano. Tarantino apresenta, em Bastardos, um faz ecoar o elogio baziniano à contempla- O terror real reconstruído e domes- pós-evangelho pós-moderno: a lucidez ção humanista, na imagem cinematográfi- ticado: uma ética do cinema exatamente irônica do espetáculo está consciente das ca, do homem em seu desamparo –, olha inversa ao interdito modernista à repre- críticas modernistas, mas reafirma a função com compaixão para a imagem de Zoller sentação edulcorada das experiências- do espetáculo clássico: envolver o especta- no filme que projeta. Aproxima-se, então, limite, como a morte. Iniciada por André dor numa fantasia compensatória. com compaixão, do homem real, em Bazin – o mais importante crítico do quem acabou de atirar. É a deixa que ele neorrealismo, visto como pedra de toque SEM RESTRIÇÃO aproveita para, antes de morrer, executá- do modernismo cinematográfico –, essa A autoconsciência de seu empreendi- la, num tiroteio espetacular, concluído por postura foi continuada por Serge Daney, mento fica clara naquela que pode ser uma virtuosística tomada superior dos que formulou o princípio do “travelling vista como a mais bela (e inteligente) corpos estendidos no chão (poderíamos de Kapo”, que condenava, como limite cena do filme: a da morte de Shosanna e chamar essa reedição do travelling de Kapo inaceitável e indecente, a estetização de Zoller na cabine de projeção. Prestes de “a grua de Bastados inglórios”). contida num movimento de câmera do Tarantino encara o que talvez seja o filme de Gillo Pontecorvo (Kapo, 1959), que reenquadrava o punho de um pri- Em Bastardos, maior dos interditos da representação cinematográfica: a representação do sioneiro de um campo de concentração morto em sua tentativa de fuga. que pode ser Holocausto. Encena tudo, sem reservas, incluindo Hitler, Churchill, massacres e Nessa concepção modernista, as “marcas do real”, como chamou Bazin, considerada a obra- vinganças de todo tipo, ao mesmo tempo quase dissolvendo as encenações em infinitos jogos de espelho, em que tudo estavam sempre presentes num estilo de cinema que, em vez de se esforçar para prima, Tarantino brilha como espetáculo. O resultado é construir um “outro mundo”, se fazia dei- uma representação da História como xando as marcas da filmagem no resultado encena a História teatro, no qual vence quem encenar me- lhor, sem chances para contemplações final. Daí o elogio a uma montagem um tanto descozida, que privilegiava a con- templação e negava a “moral da história” como teatro humanistas. O pós-modernismo de Tarantino implícita na amarração dramática clássica. a perpetrar a vingança judaica contra reafirma a potência “viril” do drama O cinema moderno privilegiou filmes- os nazistas, Shosanna tem de lidar com hollywoodiano clássico por meio (e não esboços, que convidavam ao diálogo com Zoller, que a deseja e violentamente apesar) da ironia. Temos de concordar o espectador, ao qual eram oferecidos invade a cabine, de onde ela comanda com “Aldo, o apache”, alter ego do fragmentos de experiências comuns. Esse a projeção do filme no qual o rapaz in- diretor e roteirista, que afirma, depois elogio baziniano a um cinema de encontro terpreta a si mesmo como herói nazista de esculpir a suástica no traidor nazista, humanista foi chamado por Ismail Xavier, no filme de propaganda de Goebbels. ser essa a sua obra-prima. Mas daí a con- em sua apresentação à edição da coletânea Ela – numa última volta das espirais de cordar com a recusa implícita à vertente de textos de Bazin (O cinema – ensaios, encenações – o engana e atira nele. moderna do cinema há tanta distância editora Brasiliense, 1988), de “o último Frente ao corpo agonizante, ela sai do quanto a que separa Bastardos inglórios da dos evangelhos do cinema”. seu papel e, num momento tocante – que realidade da II Guerra Mundial. 50 | retratodoBRASIL 30