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GIORGIO DEL VECCHIO




       ,
HISTORIA DA FILOSOFIA
     DO DIREITO


  Tradução e Notas de João Baptista da Silva




 ~~~~ ~~~1n
           ~
           Belo Horizonte - 2010
-
    Catalogação na Fonte da Biblioteca da Faculdade de Direito da UFMG e ISBN
                          Departamento Nacional do Livro


               DeI Vecchio, Giorgio, 1878
  D367h           História da filosofia do direito I Giorgio DeI
               Vecchio ; tradução de João Baptista da Silva.
               Belo Horizonte: Ed. Líder, 2006. p. 284.                                                                 Prefácio do autor
                  ISBN: 85-88466-33-3

                   1. Direito - Filosofia - História 2. Direito                                    Na falta de uma ampla e completa história da Filosofia
                comparado 1. Silva, João Baptista da, trad. lI.
                Título
                                                                                             do direito (falta que se sente não só em nossa literatura, mas
                                                                                             também na estrangeira, não obstante a grande variedade de
                                                       CDU: 340.12(091)                      monografias), foi-me proposto, faz tempo, publicar, em edição
                                                                                             separada, esta exposição resumida, que corresponde à parte
                                  COORDENAÇÃO
                                                                                             histórica das Lições, do mesmo autor, na sétima edição que
                              Dilson Machado de Lima                                         vem à luz ao mesmo tempo.
                                                                                                   É óbvio que um livro de tão pequenas dimensões, como
                                     REVISÃO                                                 este, não poderia preencher toda aquela enorme lacuna.
                                                                                             Todavia (segundo observação do editor e de não poucos
                    Maria de Lourdes Costa Queiroz - Tucha
                                                                                             estudiosos), este compêndio poderá servir para integrar os
                                     EDITORA
                                                                                             cursos de Filosofia do direito, que contêm apenas uma
                                                                                             exposição sistemática da matéria, e também para oferecer
                  Editora Líder Rua Loreto, 25 - São Gabriel CEP:                            esboço e subsídio aos cultores de outros ramos mais ou menos
                   31.980-550 - Belo Horizonte - Minas Gerais
                   Tel./Fax: (31) 3447-0375 Iiderjr@oLcom.br                                 afins do saber, que desejariam, todavia, conhecer as principais
                                                                                             tendências do pensamento antigo e moderno sobre os problemas
                                                                                             do direito e do Estado. I
                                                                                                   A     exposição      histórica   vem     acompanhada,
              Copyright @ Dilson Machado de Lima Júnior - 2010 Licença                       freqüentemente, de observações e apreciações críticas que,
              editorial para Livraria Líder e Editora Ltda. Todos os direitos
                                        reservados.                                          todavia, não prejudicam, segundo a visão do autor, a maior
                                                                                             objetividade possível e a exação nas referências das várias
                                   IMPRESSÃO                                                 doutrinas. Mas a história do pensamento filosófico, e
    Promove Artes Gráficas - (31) 3486-2696 - promoartes@terra.com.br
                                                                                             especialmente do pensamento filosófico-jurídico, não pode ser
                                                                                             mera série de dados; deve, sim, ser um
Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios ou formas,
                        sem a expressa autorização da Editora.

                                  Impresso no Brasil
                                   Printed in BraziJ

                                                                                             I   A publicação da parte histórica das Lições em volume separado ocorre já em
                                                                                                 algumas edições estrangeiras (por exemplo, na espanhola de 1930).
--




repensamento deles. Por essa mesma razão, o propósito deste
livro será plenamente atingido somente se o leitor quiser
retirar deles significado por suas próprias reflexões e juízos.
                                                                                                                    Sumário

                                                                                                                    ----
                                                                       INTRODUÇÃO... ................................................................. 11
                                                                       A FILOSOFIA GREGA ....................................................... 13

                                                                           Os primórdios... ............................................................... .13
                                                                           Os sofistas ...................................................................... ..14
                                                                           Sócrates ........................................................................... .16
                                                                           Platão ........................................................ " ....................... "..........................19
                                                                           Aristóteles ....................................................................... .23
                                                                           A escola estóica ............................................................... .30
                                                                           A escola epicuréia ........................................................... .32
                                                                           Os juristas romanos .......................................................... 34

                                                                       O CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO DIREITO
                                                                       NA IDADE MÉDIA .................................................................... .41

                                                                           A Patrística ...................................................................... 4 3
                                                                           A Escolástica ................................................................... .45
                                                                           Os escritores gibelinos e a doutrina contratualística ....... 49
                                                                           O Renascimento .............................................................. .57

                                                                       A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MODERNA ..... 61
                                                                           Maquiavel e Bodin .......................................................... .61
                                                                           Grócio e outros escritores de seu tempo .......................... 65
                                                                           Hobbes.............................................................................. 75
                                                                           Espinosa ........................................................................... 79
                                                                           Pufendorf ....................... ..., .............. ............. , ............. ...81
                                                                           Locke e outros escritores ingleses .................................... 84
                                                                           Leibniz, Thomasius e Wolf ................................................89
Vico e Montesquieu......................................................... 96
   Rousseau e a Revolução Francesa ................................. 103
   Kant........ """"""""'" ......................................................... ... ........ ..1 09
   Fichte e a escola do direito racional .............................. 125
   O historicismo ............................................................. ..131
   O historicismo filosófico, ou idealismo objetivo
   (Schelling, Hegel) ......................................................... .132
   O historicismo político, ou a Filosofia da Restauração .138
   O historicismo jurídico, ou a escola histórica do direito 141
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
IT ÁLIA, NOS TEMPOS RECENTES ............................. 149


1. Da época de Vico a 1870 ............................................... 149
2. De 1870 até aos nossos dias ........................................... 168
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
FRANÇA, NA BÉLGICA, ETC., NOS TEMPOS
RECENTES (SÉCULOS XIX-XX).................................. .197
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
INGLATERRA E NOS ESTADOS UNIDOS, NOS
TEMPOS RECENTES ..................................................... .209


VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
ALEMANHA, NA ÁUSTRIA E NA SUíÇA, NOS
TEMPOS RECENTES .............................................................. .229
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
ESPANHA, EM PORTUGAL, NA AMÉRICA LATINA,
NA ROMÊNIA, NA HUNGRIA, NA GRÉCIA, NA
HOLANDA, NA ESCANDINÁ VIA, ETC .............................. 243
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NOS                                                                          "Compreender que há outros pontos de vista é o
PAÍSES ESLAVOS (POLÔNIA, RÚSSIA,                                                                            início da sabedoria."
CHECOSLOV ÁQUIA, ruGOSLÁ VIA, BULGÁRIA) ........... 269                                                                                        Campbell
INTRODUÇÃO


          É vantajoso conhecer a história de toda ciência. Mas a
  importância do conhecimento histórico revela-se espécialmente nas
  disciplinas filosóficas, tanto que, nestas, não se entende o presente
  sem o passado; o passado revive no presente. Os problemas filo- .
  sóficos hoje discutidos são, no fundo, os mesmos que se
  apresentaram, ainda que apenas em forma embrionária, aos
  pensadores da antiguidade.
          O exame dos sistemas filosóficos oferece-nos como uma
  série de. experimentos lógicos, nos quais podemos logo ver a quais
  conclusões se chega partindo de certas premissas, e delas podemos
  tirar partido na direção de um mais perfeito sistema, evitando-lhe os
  erros já cometidos e tirando proveito dos progressos atingidos.
          A história da Filosofia é ainda um meio de estudo e de pes
- quisa que nos ajuda grandemente em nosso trabalho; oferece-nos
  um acumulado de observações, de raciocínios, de distinções, que
  será impossível a um único indivíduo reunir, como seria impossível
  a todo artífice inventar, ele próprio, ex novo, todos os instrumentos
  de sua arte.
          A história da Filosofia do direito, especificamente, nos
  mostra, antes de tudo, que em todo tempo se meditou sobre o
  problema do direito e da justiça, o qual, em verdade, não foi
  artificiosamente inventado, mas corresponde a uma necessidade
  natural e constante do espírito humano.
          Todavia, a Filosofia do direito, em sua origem, não se
  apresenta autônoma, mas mesclada à Teologia, à Moral, à Política;
  sóaos poucos se operou a distinção.




                                                                          11
-
    GIORGIO DEL VECCHIO




           Nos primeiros tempos a confusão é completa. Aparece-nos de
    modo característico no Oriente, em cujos livros sacros são tratados
    em conjunto a cosmogonia, a moral e os elementos de várias outras
    ciências, teóricas e práticas. Neles domina o espírito dogmático; o
    direito é concebido como um comando da divindade e como
    superior ao poder humano, e, por isso, não como objeto de discussão                          FILOSOFIA GREGA
    ou de conhecimento, mas apenas de fé. Assim, as leis positivas
    consideram-se indiscutíveis, e inquestionável o poder existente,
    como expressão da divindade.
                                                                                                       Os primórdios
           Nesse estágio próprio dos povos orientais, o espírito crítico
    não tinha ainda despertado. Deve-se, todavia, recordar que alguns                 A Grécia é a terra clássica da Filosofia, que assume nela um
    desses povos, especialmente os hebreus, os chineses e os indianos,         desenvolvimento próprio. Em um primeiro momento, a mente grega
    deram valiosos contributos aos estudos filosóficos, sobretudo no que       não se envolveu, porém, com problemas éticos e muito menos
    concerne à Moral.                                                          jurídicos, mas considerou apenas a natureza física. Assim, a Escola
                                                                               Jônica, a mais antiga (VI século a.c.), tentou a explicação dos
                                                                               fenômenos do mundo sensível reduzindo-os a certos tipos. Essa
                                                                               Escola, à qual pertenceram, dentre outros, Tales, Anaximandro,
                                                                               Anaximene, Heráclito, Empédocles (o qual formulou a teoria dos
                                                                               quatro elementos: água, ar, fogo e terra), não teve, porém,
                                                                               importância para o nosso estudo.
                                                                                      Outra Escola quase contemporânea da Jônica, a Eleática,
                                                                               representada por Xenofonte, Parmênides, Zenão, de Eléa, e Melisso,
                                                                               de Samo, tentou o mesmo problema, de modo mais profundo do que
                                                                               aquela, no ponto em que, elevando-se a um conceito metafísico,
                                                                               sustenta que o ser é uno, imutável, eterno.
                                                                                      Para ela há uma só distinção: o que é e o que não é; em
                                                                               seguida, negação, pois, do conceito de movimento e de vir-a-ser,
                                                                               que seria uma ilusão dos sentidos. Não seria possível um nascer, um
                                                                               morrer, um vir-a-ser.
                                                                                      Maior nexo com a nossa disciplina teria uma outra Escola
                                                                               - a Pitagórica.
                                                                                      Conhecemos Pitágoras imperfeitamente, seja quanto à
                                                                               sua vida, seja quanto à sua doutrina. Nascido em Samo, em
                                                                               582 a.c., transferiu-se para a Itália Meridional, para Crotona,
                                                                               onde fundou uma seleta sociedade de adeptos da doutrina que
                                                                               professava. To




2                                                                                                                                                    13
GIORGIO DEL VECCHIO                                                                                          HISTÓRJA DA FILOSOFIA DO DIREITO




      davia, esse aristocrático sodalício, de caráter moral e religioso,    Diálogos de Platão, nos quais Sócrates disputa freqüentemente com
     sujeito a uma forte disciplina, durou pouco tempo porque, tendo        os Sofistas). Homens de grande eloqüência e bravura dialética,
     surgido dissidência política, teve de refugiar-se em Metaponto, onde   percorriam cidades, sustentando em seus discursos teses assaz
     morreu por volta de 500 a.c.                                           disparatadas; compraziam-se em se opor às crenças dominantes,
             Parece que Pitágoras não escreveu. Seu ensinamento foi         muitas vezes suscitando escândalo público em razão de seus
     apenas oral. Suas teorias nos são conhecidas, em parte, por            paradoxos.
     fragmentos de seus discípulos e, em parte, pelas contestações de              É notável, sobretudo, o fato de que, então, começou-se a
     Aristóteles. Especialmente importante é o escrito de Filolau,          discutir, a criticar o princípio da autoridade, a abalar a fé tradicional,
     seguidor de Pitágoras e contemporâneo de Sócrates, com o título        a despertar a atenção popular, isso em um período de discórdias
     DEpt qJvcrEú)<; (Da natureza). Desse escrito chegaram-nos              internas, em que se encontrava a Grécia. O trabalho dos sofistas
     notáveis fragmentos.                                                   relaciona-se com essa efervescência.
            O pensamento fundamental da doutrina pitagórica é que a                Os Sofistas eram individualistas e subjetivistas. Ensinavam
     essência de todas as coisas é o número; ou seja, os princípios dos     que cada homem tem um modo próprio de ver e de conhecer as
     números são os princípios das coisas. Esse conceito matemático         coisas, do que resultava a tese de que não pode existir uma
     abriu ensejo a considerações astronômicas, musicais e também           verdadeira ciência objetiva e universalmente válida. Célebre é o dito
     políticas. Na verdade, a Justiça é, para os pitagóricos, uma relação   de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas" (DáV'tÚ)v
     aritmética, uma equação ou igualdade; daí a retribuição, a troca, a    XPll/lá'tú)v /lÉ'tpov av8pÚ)7to<;). Isto é: todo indivíduo possui
     correspondência entre o fato e o seu tratamento ('to                   uma visão própria da realidade.
     avn7tE7tov8ó<;). Neste conceito (que se aplica também, mas                    Em sentido bem diverso foi dito, por exemplo, por Kant, que
     não somente, à'pena) está o germe da doutrina aristotélica da          a mente humana é a medida de todas as coisas. Kant entendia a
     Justiça.                                                               mente humana como necessariamente idêntica em todos os
                                                                            indivíduos, e, por isso, afirmar que ela seja a medida de todas as
                                                                            coisas não destrói a validade universal da ciência.
                                                                                   As formas subjetivas, segundo Kant, apreendem, de certa
                                                                            forma, a realidade, de maneira que toda experiência está por ser
                               Os Sofistas                                  feita (mas estas formas são comuns a todos os sujeitos pensantes).
                                                                            Para os Sofistas, ao contrário, existem apenas as opiniões
            A Escola que por primeiro se decidiu a enfrentar os             divergentes de cada individuo.
     problemas do espírito humano, o problema do conhecimento e o                  Negando os Sofistas toda verdade objetiva, negam igualmente
     problema ético foi a dos Sofistas, no VO século a.C.                   que exista uma justiça absoluta; também o direito, por si, é relati vo,
            Os Sofistas, cujos principais foram Protágoras, Górgias,        é uma opinião mutável, a expressão do arbítrio e da força: 'justo é o
     Hípias, Calixto, Trasímaco, Pródico, etc., nascidos na Grécia ou na    que favorece o mais poderoso". Assim, Trasímaco se pergunta se a
     Magna Grécia (Itália Meridional, Sicília), costituíam um grupo de      Justiça é um bem ou um mal, e responde: "A justiça é, em realidade,
     pensadores e oradores que, mesmo ensinando doutrinas às vezes          um bem alheio, uma vantagem para quem manda, um dano para
     contrárias, tinham muitas características comuns.                      quem obedece".
            Conhecemos suas doutrinas não diretamente, mas mediante os
     escritos de seus adversários (fontes principais são, para nós, os



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GIORGIO DEL VECCHIO                                                     -                                        HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO




                                                                                           Também quanto a Sócrates estamos em condição análoga
               Como se vê, os Sofistas eram moralmente céticos, e antes             àquela em que nos vemos perante os Sofistas, isto é, não temos
        negadores ou destruidores que construtores. Com tudo isso, tiveram          escritos autênticos dele; conhecemo-Io apenas por meio de
        o grande mérito de ter desviado a atenção sobre dados e problemas           referências de outros, porém de seus admiradores (ao contrário do
        inerentes ao homem, ao pensamento humano. A própria dúvida a                que se deu com os Sofistas, cujas teorias nos foram transmitidas tão
        respeito deles, levada à consciência pública, foi fecunda e benéfica,       só por seus adversários), a saber: dos Diálogos, de Platão, e dos
        tendo projetado o espírito crítico sobre muitos problemas que antes         Memoráveis, de Xenofonte.
        não tinham sido postos para o pensamento.                                           Os Diálogos platônicos são, de longe, a fonte mais
               Desta forma, enquanto os filósofos da Escola J ônica tinham          importante, mas neles o pensamento de Sócrates é muito superado
        considerado apenas a natureza exterior, os Sofistas voltaram-se para        pelo do grande discípulo, com o qual se confunde. Isto
        a consideração de problemas psicológicos, morais e sociais.                 especialmente nos últimos diálogos. Os primeiros (Apologia,
               Foram eles que, por exemplo, puseram abertamente o                   Eutifrone, Crito, etc.) reportam mais fielmente as palavras de
        problema se a justiça tinha um fundamento natural, quer dizer, se o         Sócrates, as quais Platão recolheu de viva-voz.
        que é justo por lei, ou, como diremos, por direito positivo, seja                   Sócrates disputava de maneira característica, devolvendo
        também justo por natureza (antítese entre VÓ!lCú ÕíKalOV = justo por         muitas perguntas e trazendo conclusões simples das respostas;
        lei, e <púcrtt ÕíKalOV   =   justo pela natureza), problema ao qual          afirmava nada saber, bem diversamente dos Sofistas, que
                                                                                     presumiam saber tudo; golpeava-os com ironia, e os confundia,
        responderam em geral negativamente, observando que, se                       interrogando
        existisse um
                                                                                     os (ironia = pergunta) sobre questões aparentemente simples,
    .   justo por natureza, todas as leis seriam iguais.
                                                                                     porém, no fundo, muito difíceis, e deste modo constrangendo-os
               Mais importante ainda que esta resposta, porém, foi a
                                                                                     indiretamente a dar-lhe razão.
        colocação mesma do problema; em verdade, depois da solução
                                                                                            Em um ponto Sócrates avizinhou-se dos Sofistas, a saber: no
        negati va tentada pelos Sofistas, outros filósofos puderam tentar uma
                                                                                     haver dirigido o seu estudo ao homem. Sabe-se que a sua divisa era
        solução afirmativa para ela.
                                                                                     a inscrição délfica: "Conhece-te a ti mesmo" (yv&8t crwuróv).
               Os Sofistas foram, em suma, o fermento que deu causa à
                                                                                     Ninguém mais que Sócrates insistiu na necessidade de conhecer a si
        grande Filosofia idealística grega, uma tlorescência do pensamento,
                                                                                     mesmo. Mas nesse estudo chegou ele a conclusões opostas às dos
        da qual talvez nenhum outro povo pôde vangloriar-se. Essa
                                                                                     Sofistas. Mostrou que cumpre distinguir o que é impressão dos
        tlorescência resume-se, principalmente, nos nomes de Sócrates, de
                                                                                     sentidos, onde domina a variedade, o arbítrio individual, a
        Platão e de Aristóteles, que brilharam soberanamente na história do
                                                                                     instabilidade e a acidentalidade subjetiva, daquilo que é produto da
        pensamento.
                                                                                     razão, onde encontramos conhecimentos necessariamente iguais
                                                                                     para todos.
                                                                                            Assim, é preciso remontar dos sentidos à unidade conceitual,
                                                                                     racional. Sócrates ensinava a inquirir o princípio da verdade. Saber e
                                                                                     operar significa para ele uma coisa só, como ciência e virtude, já que
                                       Sócrates                                      esta não é senão a aplicação daquela. A virtude é a
                                                                                      verdade conhecida e aplicada.
               O grande adversário dos Sofistas foi Sócrates, que viveu em
        Atenas, de 469 a 399 a.c. Ele foi mais o sábio da vida que o filósofo
        teórico.

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HISTORlA DA l'lLOSOHA DO DIRElTO
     GIORGIO DEL VECCHIO



                                                                              tendeu procurar os princípios racionais do agir, Sócrates
            Isto que se afmna do saber em geral vale também para o saber
     jurídico. Sobre cada coisa devemos saber ver a universalidade.           merece ser considerado um dos principais (se não
     Aqueles que vêem a variedade das coisas justas em cada tese ou           absolutamente o primeiro) entre os fundadores da Ética.
     norma jurídica, mas não a justiça em si, não são filósofos
     (q:nÀócroq>Ot    =   filósofos), mas q>lÀóÕOçOt = amantes da                                           Platão
     glória) isto é, não amantes da sabedoria, mas da opinião da
     nomeada. Sobre as contradições do mundo empírico, objeto da                      As obras do grande discípulo de Sócrates, Platão (427-347
     opinião, está a unidade do mundo inteligível, objeto da ciência.         a.c.), escritas em forma dialogal, apresentam o mestre discutindo
     Filosofia é justamente o amor à ciência.                                 com seus discípulos e com Sofistas, seus adversários, de modo que
             Desta maneira, Sócrates deu os primeiros acenos de um            o inteiro sistema de Platão vem expresso aparentemente por
     sistema filosófico idealístico, mesmo não o construindo, como fez,       Sócrates. Este, porém, não é o seu construtor. Sócrates iniciou na
     depois, Platão. Ensinou o método do filosofar, com especial atenção      especulação filosófica, mas não produziu ele mesmo um completo
     para a Ética, reagindo contra o ceticismo prático dos Sofistas, por      sistema. O Sócrates de Platão não é, pois, o Sócrates histórico, mas,
     dirigir-se para o bem; ensinou a respeitar as leis (que os Sofistas      em grande parte, o próprio Platão.
     haviam ensinado a desprezar), e não só as leis escritas, mas também              Das doutrinas deste último não podemos tratar senão
     aquelas que, mesmo não escritas, valem, como dizia, igualmente,          enquanto contempla mais especialmente a nossa disciplina.
     em toda parte, e são impostas aos homens pelos deuses. Assim             Faremos um resumo dos dois diálogos Politéia ou República
     Sócrates afirmou a sua fé em uma justiça superior, por cuja validade     (melhor se traduziria "Estado"), e Nó/-lOt, ou "Leis", aos quais
     não é necessária uma sanção positiva, nem uma formulação escrita.        pode-se acres
             A obediência às leis do Estado é, pois, em todos os casos,        centar como terceiro, intermediário entre os dois, o intitulado
     para Sócrates, um dever. O bom cidadão deve obedecer também às            TIoÀtnKÓç; (= O homem político)
     leis más, para não encorajar o cidadão perverso a violar as boas.                O mais importante é o primeiro, no qual Platão apresenta
             O próprio Sócrates pôs em prática esse princípio quando,          completamente a sua concepção ideal do Estado. Quer ele considerar
     acusado de haver introduzido novos deuses e de ter corrompido a           a justiça no Estado, porque, como ele diz, aí a justiça se mostra mais
     juventude, e, tendo sido condenado à morte por esses pretensos            claramente, sendo escrita em caracteres grandes, enquanto em cada
     delitos, quis que se executasse a condenação, e enfrentou                 homem é escrita em caracteres pequenos.
     serenamente a morte, da qual tinha podido escapar.                                Para Platão, o Estado é o homem em grande, isto é um
             A acusação de querer introduzir novos deuses, já acenada por      organismo perfeito ou, antes, a mais perfeita unidade: um todo
     Aristófanes nas Rãs, tinha sido possível porque Sócrates diziase          formado pelos vários indivíduos, e fmnemente constituído, como um
     inspirado por uma di vindade (õat/-lwv = divindade), que não era outra    corpo é formado de muitos órgãos, que, juntos, tomam possível a
     que não a sua consciência; e tal atitude, que parecia contrária à         vida de
     religião dominante, serviu de pretexto para seus inimigos.                 les. Assim no indivíduo, como no Estado, deve reinar alguma
             O modo sereno e sublime com que encarou a morte toma               harmonia, que se obtém pela virtude. A Justiça é a virtude por
     ainda mais admirável a sua figura e faz dele um precursor dos outros       excelência, enquanto esta consiste em uma relação harmônica entre
     mártires do pensamento. Por seu ensinamento, com o qual pre                as várias partes de um todo.




                                                                                                                                                        1
.8                                                                                                                                                      9
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
     GIORGIO DEL VECCHIO


                                                                                    São meios de educação, para Platão, sobretudo a Música (que
             A Justiça exige que cada um faça o que lhe cabe ('tá Éamoü      compreende a primeira instrução literária), e a Ginástica. A
     1tpá't'tEtV). Platão traça com cuidado o paralelo entre o Estado e o    Música gera uma disposição do ânimo apta ao acolhimento do bom
     indivíduo e o faz também nos particulares, dando à sua concepção        e do belo. Em seguida, a Matemática (compreendida a
     base psicológica. Três partes ou faculdades existem na alma do          Astronomia); segue, depois, para os mais capazes, o ensino das
     indivíduo: a razão que domina, a coragem que atua, o senso que          outras ciências e da Filosofia.
     obedece. Assim, no Estado distinguem-se três classes: a dos sábios,            Platão ocupa-se especialmente da preparação dos cidadãos
     destinada a dominar; a dos guerreiros, que devem defender o             para a vida pública. Os indivíduos melhores deverão chegar ao
     organismo social; a dos artífices e agricultores, que devem nutri-lo.   governo da coisa pública mediante gradual seleção e aplicada
     Como o indivíduo é dominado pela razão, o Estado é pela classe que      educação, e só depois dos cinqüenta anos de idade, dedicando-se
     representa justamente a sabedoria, isto é, pelos filósofos.             exclusivamente a essa função, que é a mais alta entre aquelas do
             A causa da participação e da submissão do indivíduo ao          cidadão.
     Estado é a falta de autarquia, isto é, a imperfeição do indivíduo, a            Nesta concepção, o elemento individual é de todo sacrificado
     sua insuficiência em si mesmo. O ser perfeito que basta a si mesmo,     ao social e ao político. Falta inteiramente a idéia de que todo
     que tudo absorve e tudo domina, é o Estado. O fim do Estado é           indivíduo tenha certos direitos próprios, originários. O Estado
     universal, compreende nele, por isso, suas atribuições, tanto quanto    domina de modo absoluto.
     a vida de cada um. O Estado tem por fim a felicidade de todos                   Para tomar mais legítima e estreita a estrutura política, Platão
     mediante a virtude de todos. Note-se que, pela Filosofia grega           suprime as entidades sociais intermediárias entre o indivíduo e o
     clássica, felicidade e virtude não são termos antitéticos, mas           Estado. Desta maneira, ele chega a sustentar a abolição da
     coincidentes, porque a felicidade é a atividade da alma segundo a        propriedade e da faIllilia, ou seja, a comunhão dos bens e dos
     virtude, isto é segundo a sua verdadeira natureza.                       haveres de
             O Estado, segundo Platão, domina ainda a atividade humana        modo a formar uma só faIllilia, para que resulte inteira e perfeita a
     em todas as suas manifestações; a ele compete promover o bem e           unidade orgânica e a harmonia do Estado. Isto, porém, vale apenas
     todas as suas formas. O poder do Estado é ilimitado, nada é              para as duas classes superiores (ou seja, aquelas que participam
     reservado exclusivamente ao arbítrio dos cidadãos, mas tudo está         mais diretamente da vida pública). Estamos ainda bem distantes das
     sob a competência e ingerência do Estado. Esta concepção                 modernas concepções comunistas.
     absolutista é oposta àquela que foi, depois, sustentada por outros               De certo modo, a personalidade do homem não é
     filósofos, segundo os quais existem limites determinados para a           adequadamente reconhecida por Platão. Em vão, por exemplo, se
     ação do Estado (Estado de direito: Kant).                                 buscaria em Platão uma condenação da escravidão. Os escravos
             A concepção platônica é, de resto, a dominante no mundo           não
     helênico. Desta maneira, o Estado tem, antes de tudo, segundo os          estão incluídos nem mesmo nas três classes postas por ele para
     gregos, a função de educador. E no diálogo da República                   exercitarem as funções do Estado, do que se vê quanto erram
     encontramos cumpridas dissertações sobre este tema.                       aqueles que costumam considerar a teoria platônica ligada à do
                                                                               socialismo hodierno.
                                                                                      Platão foi movido a construir seu Estado ideal apenas com
                                                                               preocupações éticas e políticas, nunca econômicas.




                                                                                                                                                        2]
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GIORGIO DEL VECCHIO                                                                                   HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO




           Estes, em resumo, os conceitos principais formulados               N o diálogo das Leis, Platão demonstra um maior respeito
     por Platão no diálogo da República.                               para com a personalidade individual (sempre, porém, apenas dos
           O diálogo das Leis, composto mais tarde, quando Platão      homens livres, excluídos os escravos). A família e a propriedade nos
                                                                       aparecem mantidas, e não mais sacrificadas a uma sorte de
    era mais que setenário, tem caráter di verso do precedente,
                                                                       estatismo, como na República. Mas a autoridade do Estado
    porque não traça ele um ideal puro, mas, ao contrário,             permanece enorme e absorvente, por exemplo, no que concerne
    considera a realidade histórica nos seus caracteres                àrepartição da propriedade (onde há divisão dos cidadãos em
    contingentes, e mostra-nos freqüentemente um admirável             diversas classes segundo o censo), à formação dos matrimônios e
    senso de experiência prática.                                      àvida conjugal (sujeita sempre a uma rigorosa vigilância), à
           No diálogo da República, Platão tinha expressado a          atividade musical e poética (também essa regulada com precisão,
    regra de que os sábios governariam segundo a sua sabedoria.        em razão de fins educativos), à religião e ao culto, etc.
           Na verdade, se supomos que a sabedoria domina o                    Quanto à forma política, Platão critica tanto a monarquia
    mundo, as leis são supérfluas (cf. sobre isto o Político,          quanto a democracia, na qual uma parte dos cidadãos comanda e
    294/299 e). Mas, se consideramos a prática e a natureza            outra serve; e propõe uma espécie de síntese, vale dizer, um governo
    humana em concreto, vemos a necessidade delas. O diálogo           misto, com vista especialmente ao regime de Esparta, em que, ao
                                                                       lado das duas formas, havia o Senado e os Éforos.
    das Leis põe exatamente a questão do que idealmente deveria e
                                                                              Temos afirmado que no diálogo das Leis existe uma notável
    do que acontece na vida, e trata largamente do problema da         base histórica (há, por exemplo, uma exposição maravilhosa sobre a
    legislação.                                                        gênese do direito), e aparece uma consciência da realidade empírica
           Os princípios fundamentais da República mostram-se,         muito maior que no da República. Também este, porém, onde o
   não                                                                 Estado aparece como pura concepção ideal, não falta uma conexão
     obstante, os mesmos também no diálogo das Leis. Platão dá ao      histórica, que é dada exatamente pelapólis grega, representada nos
      Estado uma função educativa, quer as leis acompanhadas das       seus traços essenciais e ao mesmo tempo idealizada.
                  exortações e dissertações que lhe mostram os fins.          Platão visava reagir contra o ceticismo dos Sofistas e as
          Nas leis penais, tem-se um escopo essencialmente             tendências demagógicas do seu tempo, afmnando que só os
   curativo. Platão considera os delinqüentes como doentes (pois       melhores deveriam governar, e para impedir a dissolução da coisa
   que, segundo o ensinamento socrático, nenhum homem é                pública. Deve-se reconhecer também que a sua teoria política teve,
                                                                       ainda, um intento prático e uma referência às condições históricas
   voluntariamente injusto); a lei é o meio para cuidar dele; a
                                                                       da sua idade.
   pena, a sua medicina.
          Mas, em razão do delito, também o Estado é, em certo
   modo, doente, donde, se a saúde do Estado o exige, isto é,
   quando se trata de um delinqüente incorrigível, o delinqüente
   deverá ser eliminado ou suprimido para o bem comum.
   (Convém notar, a este propósito, a diferença entre a
   concepção de Platão e a da moderna Escola de Antropologia                                     Aristóteles
   criminal; esta considera a delinqüência como um produto da
   degeneração física, enquanto que, para Platão, o delinqüente              Aristóteles (384/322 a.c.), nascido em Estagira, foi discípulo
   é, intelectualmente, um débil; e sua enfermidade é aberração,       de Platão por bem vinte anos e, mais tarde, preceptor de Ale
   ignorância do verdadeiro, isto é, da virtude, que é o
22 conhecimento do vero.)                                                                                                                     23
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     GIORGIO DEL VECCHIO                                                                                                    HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO




     xandre Magno. Quando este subiu ao trono, Aristóteles fundou sua                  perfeita, que tem por finalidade a virtude e a felicidade universal; é
     escola em Atenas, no Ginásio Liceu (dedicado a ApoIo                              uma comunhão necessária., tendente ao escopo da perfeição da
     AÚKElOÇ).                                                                         vida.
            Tratou o estagirita de quase todos os ramos do saber, e                            O homem é um animal político (ç<úov nOÀ.t'nKóV), isto é,
     muitas ciências pode-se dizer que começaram com ele. Todavia,                     chamado pela sua própria natureza à vida política; e o Estado
     tendo grande parte de seus escritos andado perdidos, não se pode                  logicamente existe antes dos indivíduos, tal como o organismo
     determinar até que ponto valeu-se ele das perquirições de outrem.                 existe antes de suas partes. Vale dizer: como não é possível
     O caráter do seu gênio é diverso do de Platão. Platão, por sua                    conceber, por exemplo, uma mão viva separada do corpo, assim não
     natureza, mais especulativo; Aristóteles, mais inclinado à                        pode o indivíduo, propriamente, pensar sem o Estado.
     observação dos fatos. Porém, em questões cardeais da Filosofia, ele                       O Estado regula a vida dos cidadãos por intermédio das leis.
     não se distancia muito de seu mestre, e é equivocado apresentá-Ios                Estas dominam toda a vida, porque o indivíduo não pertence a si,
     como adversários e antagonistas, como às vezes se faz. É verdade                  mas ao Estado. O conteúdo das leis é a justiça, e desta Aristóteles
     que Aristóteles refuta expressamente algumas teorias de Platão.                    elaborou profunda análise. O princípio da justiça é a igualdade, a
     Temse mesmo acenado também para discórdias pessoais que se                         qual vem aplicada de vários modos.
     sabe existiram entre mestre e discípulo. Mas, provavelmente, se                           Aristóteles distingue, a seguir, a justiça em várias espécies. A
     exagerou sobre este ponto, e se formaram lendas. Deve-se                           primeira entre elas é a justiça distributiva ('"Cà ôíKmov Év '"Catç
     reconhecer que também Aristóteles foi essencialmente metafísico e                  ôwvoJlmç, '"Co ÔWVE~ll'nKÓV), que se aplica na repartição das
     idealista.                                                                         honras e dos bens, e visa a que cada um dos consociados dela receba
            Também a respeito deste filósofo deveremos limitar-nos ao                   uma porção adequada ao seu mérito (Ka'"C' àçíav).
     exame das doutrinas que concemem à Filosofia do direito. As obras                         Se, pois - aduz Aristóteles - as pessoas não são iguais,
     mais importantes são, por isso, a Política e a Ética. Desta têm-se                 também não terão elas coisas iguais. Com isto, evidentemente, não
     três redações: Ética a Nicômaco, Ética Eudemia e a também dita                     se faz mais que reafirmar o princípio da igualdade, pois que ele seria
     Grande moral ou magna moralia, que em muitas partes se                             violado em sua função específica, se se desse igual tratamento a
     equivalem. Apenas a primeira (Ética a Nicômaco) é certamente                       méritos desiguais. A justiça distributiva consiste pois em uma
     obra de Aristóteles, enquanto a Eudemia é provavelmente obra de                    relação proporcional, que Aristóteles, não sem algum artifício,
     Eudemo,                                                                            define como uma proporção geométrica (YEW~E'"CptK~ àvaÀ.oyta).
     seu aluno, e a Grande Moral é um extrato das duas precedentes. A                           A segunda espécie de justiça é a corretiva ou igualadora, que
     Política (IToÀ.t'nKá), em oito livros, não chegou a completar-se.                   também se pode dizer retificadora ou sinalagmática, isto é, re
            Outro escrito, sobre Constituições (IToÀ.t'"CElm), que                       guladora das relações mútuas ('"Cà Êv '"Colç cr~vaÀ.À.áy~a<H
     continha a descrição de 158 constituições, perdeu-se em grande                      ÔlOp8w'nKÓV). Também aqui se aplica o princípio da igualdade,
     parte (recentemente encontrou-se importante fragmento da                            mas em forma diversa daquela vista antes; pois aqui se trata só de
     Constituição dos Atenienses).                                                       medir impessoalmente o dano ou o proveito, isto é, as coisas e as
            Como para Platão, também para Aristóteles o sumo bem é a                     ações no seu valor objetivo, considerando-se como iguais os termos
     felicidade produzida pela virtude. O Estado é uma necessidade; não                  pessoais. Uma tal medida tinha, segundo Aristóteles, o seu próprio
     é simples aliança (O'U~I.taxía), isto é, associação temporal feita para se          tipo na proporção aritmética (dpt8~lltK~ ávaÀ.oyÍa).
     alcançar qualquer fim particular, mas é uma união orgânica




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GIORGIO DEL VECCHIO                                                                                                              HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO




           Esta espécie de justiça tende a fazer que cada uma das                         Para tornar claro este conceito, ele equipara a equidade a uma
     duas partes que se encontre em uma relação venha a encontrar-                 certa medida (régua lésbia*), feita de uma substância flexível, que
     se, em relação à outra, em uma condição de paridade; de modo                  permitia seguir a sinuosidade dos objetos a medir.
     que nenhuma tenha dado nem recebido a mais nem a menos.                              Assim, as leis são formais, abstratas, esquemáticas. Sua justa
     Daí a definição desta forma de justiça como o ponto                           aplicação exige certa adaptação. Esta adaptação é constituída da
                                                                                   equidade, que, segundo Aristóteles, pode chegar, nos casos não
     intermédio ou o meio entre o dano e a vantagem. Estes termos
                                                                                   contemplados propriamente pelo legislador, até a sugerir novas
     vão, porém, em sentido lato, aplicando-se não só às relações                  normas.
     voluntárias ou contratuais, mas também àquelas que                                   Quanto às relações entre o Estado e os indivíduos, enquanto
     Aristóteles chama involuntárias (âKOÚcnCX), e que nascem do                   Platão queria afastados os graus intermediários, absorvidos nele,
      delito, mesmo que, porém, a seguir, se exija certa equiparação, vale         Aristóteles os conserva, concebendo assim o Estado como a mais
      dizer, exata corespondência entre o delito e a pena.                         elevada síntese da convivência, mas síntese que não elimina os
              A justiça corretiva (igualitária ou retificadora) vale, pois, para   agregados menores, como a família, mesmo a tribo, ou os vilarejos
      toda sorte de troca e de interferência, de natureza ci vil ou penal.         (KéD~CXt).
              A respeito, sempre segundo Aristóteles, que, todavia, não                   Do primeiro agregado, a fanulia, passa-se ao segundo, a tribo,
      desenvolve aqui muito claramente o seu pensamento, faz-se logo               ou vila. Em seguida, a reunião das KW~CXt dá lugar à 7tóÀtç, ou
      ulterior subdistinção.                                                       seja, ao Estado grego (Note-se que a pólis grega é uma unidade
              Ajustiça corretiva ou igualitária pode mostrar-se sob dois           política mais reduzida do Estado moderno).
     aspectos: enquanto determina a formação das relações de troca                        A consideração daqueles graus intermédios de convivência
     segundo certa medida, e se apresenta, então, como justiça                     demonstra uma melhor concepção histórica em Aristóteles do que
     comutativa, ou enquanto tende a fazer prevalecer tal medida no                em Platão. Aqueles agregados são como as diversas etapas para
     caso de controvérsias, com a intervenção do juiz, e se apresenta, aí,         formar o Estado.
     como justiça judiciária.                                                             A abolição da fanulia e da propriedade, concebida por Platão,
             Em matéria de delitos, a justiça corretiva exercita-se de             encontra em seu discípulo uma oposição e uma confutação veemen
     forma necessária, imediatamente, na forma judicial, porque, aí, se
     tratata, necessariamnente, de reparar, contra a vontade de uma das
     partes, um dano advindo injustamente. Ao invés, em matéria de
     permutas ou de contratos, aquela justiça oferece normas, antes de
     tudo, aos próprios contratantes, e a atuação corretiva do juiz pode
     também não ser necessária.
             Aristóteles preocupou-se com a dificuldade de aplicação das           * N. T. - Régua lesbiana - Define-a Larousse como regle de plomb qui pouvait se plier pour prendre
           leis abstratas aos casos concretos e indicou um corretivo para a         le contour dês pierres à surface courbe ou brisée = "régua de chumbo que podia dobrar-se
             rigidez da justiça: a eqüidade, critério de aplicação da lei que       para tomar o contorno das pedras de superfície curva ou fragmentada" (GRAND diccionaire
                                                                                    universal du XIXême siêcIe. Paris, 1865, tome treiziême, p. 856). A régua lesbinana é
                  permite adaptá-Ia a cada caso, temperando-lhe a dureza.           tomada, aqui, em sentido intelectual, no campo das idéias, mais pelas suas propriedades que
                                                                                    pela figura em sua materialidade. Tal como a régua, que amolga ao ser aplicada a
                                                                                    superfícies sinuosas, a eqüidade representa o amolgamento (adaptação) da conduta do juiz
                                                                                    para atender a peculiaridades do caso que examina. Mas, por que lesbiana? Parece que a
                                                                                    razão deve ser buscada na idéia de adaptação, presente na eqüidade e, também, na coisa,
                                                                                    lesbianismo. Estarei certo ou obrando em fantasia?




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GIORGIO DEL VECCHIO                                                                                                    HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO




     teso Desse contraste revela-se o temperamento diverso dos dois        bliotecas, especialmente ao tempo do Império. Talvez
     grandes filósofos: ao idealismo absoluto, puramente especulativo de   possamos, então, compreender, até certo ponto, como
     um, opõe-se o espírito observador do outro, que busca nos próprios    Aristóteles considerava necessária a escravidão a qual- dizia -
     fatos sua relativa razão, e os graus de seu sucessivo                 se poderia abolir "se a lançadeira corresse por si sobre o
     desenvolvimento.                                                      tear"*
           A farrulia tem como elementos o homem, a mulher, os filhos               Tais palavras demonstram como existia nele uma
     e os servos, uma sociedade estabelecida perpetuamene pela
                                                                           profunda compreensão da função econômica da escravidão no
     natureza. Da união de várias farru1ias surge a vila, ou a comuna
                                                                           seu tempo. Na verdade, para a abolição da escravatura, nos
     (KWfll1); da reunião de várias comunas, o Estado, que, ele só,
                                                                           tempos que se seguiram, contribuiu também o progresso da
     possui a plena autonomia administrativa. Este é, portanto, o
                                                                           indústria, a invenção da máquina, etc.
     fim das outras comunidades dado pela natureza. Para não
                                                                                    Todavia, podendo-se admitir, em certas fases históricas,
     precisar da sociedade deve
                                                                           a relativa razão da escravatura - e, neste ponto, são apreciáveis
     rá ser ou mais, ou menos que um homem, um animal, ou um
                                                                           as razões de Aristóteles -, não é admissível a sua tese, quando
     deus.
                                                                           pre
            Aristóteles observa o fenômeno da escravidão, e também
                                                                            tende dar para ela uma justificativa absoluta, uma vez que,
     buscajustificá-Io demonstrando como os homens que são
                                                                            por si mesma, a escravidão choca-se contra o direito à
     incapazes de se governarem deviam ser dominados. Alguns
                                                                            autonomia, que todo homem possui naturalmente; e não se
     homens afirma ele - são nascidos para a liberdade; outros, para a      pode sustentar que exista uma categoria de homens destinada
     escravidão. Tenta ainda provar com razões de índole prática a          pela natureza a servir.
     utilidade da escravidão.                                                        Enquanto Platão havia engendrado um ideal de Estado,
            O Estado, na concepção aristotélica, tem necessidade de         Aristóteles, ao contrário, contempla, antes de tudo, a realidade
     uma classe de homens dedicada às ocupações materiais, que              dos Estados existentes, desenvolvendo uma série de análises.
     sirva a outra classe, de condição privilegiada, permitindo a ela                De sua coleção de Constituições políticas infelizmente a
     atender a formas superiores de atividade, especialmente à vida         maior parte se perdeu, e apenas, como dissemos, foi
     pública. Cumpre salientar que, então, a escravidão era                 encontrada a parte referente à Constituição dos Atenienses,
     geralmente considerada como necessidade para o Estado                  traduzida em italilano por Ferrier, se bem que a Política
     (Note-se que também o Estado romano tinha uma de suas                  contenha também considerações de
     bases nessa instituição. Pense-se, por exemplo, nas grandes             caráter geral. Nela Aristóteles destaca o nexo das instituições
     obras públicas construídas pelos escravos. De mais a mais, a            políticas com as condições históricas e naturais; não, sem
     possibilidade de os cidadãos participarem livremente da vida            dúvida, o melhor absoluto, mas o relativo, e examina quais os
     pública, e de se dedicarem às letras e às ciências, dependia,           governos mais adequados em relação aos vários elementos de
     em parte, da escravidão. Esta era um efeito, considerado                fato. Acena ele, o filósofo, mas não era profeta. O que lhe parecia impossível, e era,
                                                                             * N. T. - Aristóteles era
     legítimo, da conquista militar. Muitos dos escravos mais
                                                                                                                                                inventivo de
                                                                              mesmo, no seu tempo (a lançadeira correr sozinha sobre o tear), o gênio
     cultos, especialmente gregos, desempenhavam funções                      Ark Wrigst (Sir Richard          -   1732/1792) fez realidade em 1769 quando,
     nobres, ajudando também aos seus donos naquilo que dizia                 retomando experiências de James Hargreaves, patenteou o invento de uma máquina de tecer
                                                                              que substituiu o braço escravo, movida, inicialmente, pela força eqüestre, depois pela força
     respeito aos seus conhecimentos. Sabe-se que muitos escravos             hidráulica, abrindo a Revolução Industrial do século XVIII.
     em Roma eram amanuenses e professores muito apreciados, e,
     ainda, adidos às numerosas bi                                                                                                                                           29
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     por primeiro, para uma distinção entre os Poderes do Estado                     A escola estóica liga-se à escola cínica, mas é uma
     (Executivo, Legislativo e Judiciário). A Constituição política é o      sublimação da idéia fundamental dos cínicos. Teve ela por primeiro
     ordenamento desses Poderes. Segundo o poder supremo diga                fundador Zenão de Cipro, que começou a ensinar em Atenas, em
     respeito a um, a alguns, a todos, Aristóteles distingue três tipos de   308, a.c., e tomou o nome de stoá, ou pórtico de Atenas que era o
     constituições: monárquica, aristocrática, policial, que considera       lugar onde se ensinava. Além de Zenão, entre os antigos estóicos,
     igualmente bons, desde que quem tenha o poder o exercite para o         são dignos de nota Cleante e Crisipo, que sucederam no ensino a
     bem                                                                     Zenão.
     de todos (KOWOV crtl.upÉpov). Mas, se o poder é exercitado por                  Entre os estóicos de uma era posterior, devem-se recordar,
     quem governa para utilidade própria (t8wv crtl.UpÉpov), aquelas         especialmente, Panésio, Posei dão, que foi mestre de Cícero em
     formans normais de governo degeneram, dando lugar, respectiva           Rodes, em seguida, Sêneca, Epiteto (autor do famoso Enqueiridión,
     mente, à tirania, à oligarquia, à democracia (que melhor se diria       ou Manual, belamente traduzido por Lopardi, e Marco Aurélio).
     hoje demagogia, nesse sentido).                                                 Os estóicos conceberam um ideal do saber humano, que
                                                                             possui aquele que venceu todas as paixões e vê-se liberado das
                                                                             influências externas. Somente desta maneira se obtém o acordo
                            A escola estóica                                 consigo mesmo, isto é, a verdadeira liberdade.
                                                                                    Este ideal, que para os estóicos era personificado por
                                                                             Sócrates, deve ser tido em mira por todo homem, porque lhe é
         Vamos recordar, agora, duas escolas pós-aristotélicas de            imposto pela reta razão. Existe uma lei natural que domina o mundo,
   grande importância: a estóica e a epicuréia.                              e reflete-se também na consciência individual: o homem épartícipe,
          A escola estóica deriva de uma precedente, dita escola             por sua natureza, de uma lei que vale unversalmente. O
   dos cínicos, representada principalmente por Antístenes, que                     preceito supremo da Ética é, pois, para os estóicos, "viver
   teve entre seus seguidores o famoso Diógenes.                             segundo
         Antístenes foi primeiro discípulo de Górgias, e depois de                         (           I     -   I

   Sócrates, mas colocou-se numa espécie de antagonismo com                  a natureza" (o!-!oÀOYOU!-!EVú)S; 111 <pucra
   outros discípulos de Sócrates, especialmente com Platão.                  Sl1v).
         Para os cínicos, a virtude é o só bem e consiste na                        Esse conceito de uma lei universal faz que se quebrem as
   modéstia, na                                                              barreiras políticas, e o homem se considera (como ocorria com os
    continência, no contentar-se com pouco. O sábio quase não                cínicos, mas aqui em um sentido mais alto) um cosmopolita, cidadão
   tem necessidades e despreza aquilo que os homens comuns                   do universo.
   desejam: ele segue apenas a lei da virtude, e não cuida das                      Como Platão, em homenagem à pólis (= cidade), suprimia a
                                                                             faml1ia e a propriedade, assim a escola estóica suprime os Estados
   demais leis positivas.                                                    particulares em reverência ao Estado universal.
         Assim, ele não é estrangeiro em lugar algum; é                             Até então dominava um ideal estritamente político no qual o
   cosmopolita,                                                              fim supremo era, em suma, a pertença do indivíduo ao Estado. Mas
   cidadão do mundo.                                                         com a Filosofia estóica anuncia-se e se prepara uma moral mais
         De acordo com esta idéia, os cínicos desprezam todas as             abrangente e mais humana.
   leis e os costumes dominantes, têm uma postura negativa
   perante o Estado e buscam desprender os cidadãos dos
   vínculos que os unem a ele, retomando à simplicidade
   primitiva do estado de natureza.
30                                                                                                                                                  31
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      GIORGIO DEL VECCHIO
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            o estoicismo afmna que existe uma liberdade que jamais
     qualquer opressão poderá destruir, aquela que deriva da supressão           resultado constitua a maior quantidade possível de prazer e a menor
     das paixões. O homem é livre se segue a sua verdadeira natureza,            possível, de dor.
     isto é, se aprende a vencer as paixões, postando-se independente                    Isto implica certo cálculo ou medida de utilidade. No caso, a
     delas.                                                                      falta de moderação abrevia a vida, prejudica o organismo e diminui,
            Nesse sentido, não há diferença entre livre e escravo. Temse         assim, a faculdade de gozar.
     uma sociedade do gênero humano, além dos limites assinalados                        Neste ponto, Epicuro chegou a oferecer preceitos éticos.
     pelos Estados políticos, fundada sob a identidade da natureza               Além disso, a escola de Epicuro manifestajá uma teoria sobre a
     humana e da lei racional, que corresponde a ela.                            distinção qualitativa, ou graduação dos prazeres.
            É por si mesmo significativo que encontremos entre os mais                   Diferentemente da Escola Cirenaica, que considerava
     insignes escritores cultores e seguidores da Filosofia estóica um           sobretudo as sensações físicas, Epicuro dá maior peso aos prazeres e
     escravo, como Epiteto, e um Imperador, como Marco Aurélio.                  às dores do espírito, que são mais duradouros do que aquelas. A
            A Filosofia estóica prenuncia, de certo modo, o Cristianismo.        amizade é consderada por Epicuro como o maior dos prazeres. Isto
                                                                                 mostra como sua doutrina não é apenas materialista.
                                                                                         Dessa graduação dos prazeres origina-se, porém, a crítica do
                                                                                 utilitarismo, uma vez que, admitindo-se prazeres inferiores e
                            A escola epicuréia                                   superiores, há necessidade de um critério de escolha, de uma régua
                                                                                 qualitativa e não quantitativa, pela qual o sumo bem pode ser a
           A escola estóica opõe-se à escola epicuréia, que, por sua             satisfação da consciência, a ser alcançada até mesmo a preço de uma
    vez, foi precedida da escola cirenaica ou hedonística, fundada               dor física. Supera-se, assim, a singela doutrinna hedonística, que
    por Aristipo de Cirene. Segundo esta escola, o prazer é o único              busca o prazer pelo prazer, sem distinções.
    bem e não existem outros fundamentos de obrigação, além                              Merece ainda consideração a parte da doutrina de Epicuro que
    daqueles que derivam da finalidade do prazer.                                conceme ao Estado. Também aqui domina a concepção utilitária.
                                                                                 Epicuro nega que o homem seja social por natureza. Em sua origem
          Epicuro, que fundou sua escola em Atenas em 306 a.c., e
                                                                                 estaria em luta permanente com os outros homens, mas esta luta,
    a continuou até o ano de sua morte (270), partiu do mesmo                    gerando dor, vem a ser abolida com a formação do Estado.
    conceito fundamental dos cirenaicos, mas teve o mérito de dar                        Assim, para Epicuro, o direito é apenas um pacto utilitário, e
    um desenvolvimento mais amplo e mais razoável à doutrina                     o Estado é o efeito de um acordo que os homens poderiam romper
    hedonística.                                                                 toda vez que em tal união não encontrassem a utilidade pela qual a
          Para Epicuro a virtude não é o fim supremo, como para                  concluíram.
   os estóicos, mas um meio para chegar à felicidade. Assim,                             Como se vê, o Estado de Epicuro está, pois, em condição de
   enuncia-se o princípio utilitário, ou hedonístico, avesso à                   anarquia potencial. Tem-se, aqui, a primeira formulação
   moral estóica; e podese afirmar que as escolas éticas                         (prescindindo-se de qualquer aceno dos Sofistas) da doutrina
   posteriores dividiram-se segundo essas duas concepções, em                    platônica e aristotélica, que, ao contrário, fundava o Estado sobre a
   contínuo contraste.                                                           natureza mesma dos homens.
          Pessoalmente, Epicuro foi um homem sábio e pregava a
   temprança como a primeira virtude para assegurar o prazer.
   Segundo a sua doutrina, não é necessário procurar o prazer,
   nem evi
   tar toda dor, mas conduzir-se de maneira que o êxito final ou
32 o                                                                                                                                                      33
GIORGIO DEL VECCHIO
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             Veremos depois, os sucessivos desenvolvimentos da                  conceitos fundamentais da melhor Filosofia grega, expressos em
       teoria contratualista, na Idade Média e na moderna.                      forma elegante e clara, para torná-los bem acessíveis ao povo
                                                                                romano.
                             Os juristas romanos                                        O próprio Cícero apela para o bom senso natural, para a
                                                                                persuação comum dos homens, dando ao seu discurso caráter
                                                                                popular. A sua tese principal é que o direito não é um produto do
              Roma não teve uma filosofia original. Mas como no Oriente         arbítrio, mas dado pela natureza. Natura juris ab homines repetenda
       o supremo objeto da atividade espiritual foi a religião e na Grécia, a
                                                                                est natura( = "A essência do direito deve ser procurada pelos homens na
       Filosofia, em Roma foi o direito. Nisto, a sabedoria romana excele.
       Houve em Roma, certamente, correntes filosóficas, mas elas               natureza"). Tem-se, aí, como ensinaram os estóicos, uma lei eterna,
       derivaram da Grécia. Pode-se dizer que todas as Escolas gregas           que é uma expressão da razão universal. Portanto, ele combate os
       tiveram em Roma representantes próprios. O Epicurismo, por               céticos, os quais, afirmando a impossibilidade do conhecimento, e a
       exemplo, teve Lucrécio Caro que, no poema De rerum natura, expôs         mutação e relatividade de todas as coisas, deduziram daí a
       com eloquência as teorias de Epicuro; o Estoicismo teve Sêneca e         impossibilidade de uma justiça absoluta (em especial a Cameades
       Marco Aurélio, etc.                                                      que, com sua pregação cética, causara em Roma certa turbação,
              Cícero (106/43 a.C.) foi aquele a quem pertence o mérito de       abalando as convicções comuns, e sustentando que o critério do
       ter tomado popular a Filosofia em Roma, o intermediário típico           justo não é fundado na natureza.
      entre o pensamento grego e o latino. Autor de obras às quais deu                 Cícero opõe-se a esses argumentos, e observa que nem tudo
      esplendor de forma e de eloquência, mas cujo conteúdo é quase             que é posto como direito é justo, que, em tal caso, também as leis
      todo grego. Ele mesmo afirmou que seus escritos "apografa sunt",          dos tiranos formariam o direito. O direito funda-se em opinião
      e acrescenta: Verba tantum aftero, quibus abundo (= "apenas lhes          arbitrária, mas existe um justo natural, imutável e necessário, pelo
      dou as palavras, nas quais sou fértil").                                  testemunho inferido da própria consciência do homem.
             Suas obras mais importantes para o direito são: De                        Este conceito é desenvolvido por Cícero com grande
     Republica, De Legibus, De OfficÜs, além de De finibus bonorum et           eloquência: Est quidem vera lex recta ratio, naturae congruens,
     malorum, Tusculararum desputationum libri quinque, etc.                    diffusa in omnes, constans, sempiterna... neque est quaerendus
             Do De Republica chegou-nos apenas cerca de uma terça               explanator, aut interpres eius alius. Nec erit alia lex Romae, alia
     parte, descoberta em maio de 1819 em um palimpsesto vaticano. O            Athenis, alia nunc, alia posthac, sed et omnes gentes et omni
     De legibus é também incompleto, mas talvez tenha sido deixado              tempore una lex, et sempiterna, et immutabilis continebit... cui qui
     assim pelo próprio autor.                                                  non parebit, ipse se fugiet, ac naturam hominis
             Cícero não pertenceu propriamente a nenhuma Escola, mas            aspernatus hoc ipso luet, maximas poenas, etiamsi cetera suplicia,
     sentiu a influência de muitas, a começar pela Estóica, à qual se           quae putantur, eftugerit (= "Na verdade, a reta razão é uma lei
     filiava                                                                    conforme à natureza, difusa em todos, constante, eterna... não exige
     seu mestre Poseidon. Foi eclético. O título e a forma de algumas de        quem a explique, ou um outro intérprete. Nem existe outra lei em
     suas obras (De Republica, De legibus) são platônicos; o conteúdo é         Roma, outra em Atenas, outra agora, outra depois, mas uma só lei
     aristotélico e estóico; encontram-se neles, em suma, revigorados,          existirá para todas as pessoas e em todo tempo,
     os




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       eterna, imutável... quem não lhe obedecer foge de si mesmo, e tendo                 O conceito de jus naturale liga-se ao da eqüidade. A
       desprezado a natureza do homem, sofrerá por isso mesmo as                   eqüidade significa propriamente uma equalitação, tratamento igual
       maiores penas, embora fuja de outros sofrimentos, que imagine").            de coisas e assuntos iguais, um critério que obriga a reconhecer o
              Além do jus naturale, e em imediata pertinência com ele,             que é idêntico no substrato das coisas, além do vário e do acidental.
       existe umjus gentium, observado por todos os povos, que serve de                    A idéia de eqüidade e a de lei natural tomam-se fatores de
       base a suas relações recíprocas porque se funda sobre suas comuns           progresso no direito. O direito positivo é uma modificação do
       necessidades, não obstante as modificações que as diversas                  direito natural, com elementos de acidentalidade e de arbítrio. As
       circunstâncias tomam necessárias.                                           condições de lugar e de tempo mudam, a utilidade sugere normas
              Por último, existe o jus civile, vigente para cada povo, em          particulares, e isso os juristas romanos reconhecem amplamente.
      particular.                                                                  Mas, não obstante, está neles o cuidado permanente de reconduzir o
              Entre os termos dessa tricotomia (jus naturale, jus gentium e        direito às suas mais profundas raízes, de confrontar a norma com
      jus civile) não existe contradição, sendo eles antes determinações           seu fundamento natural, tolhendo as desarmonias e desigualdades,
      graduais de um mesmo princípio.                                              igualando equiparando, com o objetivo de corrigir o que seja iníquo
              Ainda, para Cícero é o Estado um produto da natureza. Um             ou irracional.
      instinto natural leva o homem à sociabilidade, e precisamente à                      O simples reconhecimento de que o direito positivo é
      convivência política. Renova-se, assim, a doutrina aristotélica.             contrário ao direito natural não basta, por si, para aboli-Io, mas
             Os juristas romanos tiveram, em geral, uma cultura                    determina uma tendência à sua reforma ou.modificação, também no
      filosófica. O estoicismo foi, entre todos os sistemas da filosofia           momento da aplicação judicial, por meio da equidade.
      grega, o que teve mais sorte em Roma, porque melhor correspondia                     Advirta-se que o magistrado romano tinha um poder mais
      à índole austera, ao caráter fortemente rígido do cidadão romano.            vasto que o do magistrado moderno; tanto que, assumindo o cargo,
      Também                                                                       o pretor publicava as regras que informariam sua jurisdição
     o ideal cosmopolítico dos estóicos tinha certa repercussão positiva           (edictum).
     no crescente domínio de Roma.                                                         O direito natural permanece o mais alto critério teórico. Dele
             O conceito de uma lei natural, comum a todos os homens                deduzem-se as máximas mais gerais; por exemplo, aquela segundo a
     torna-se familiar aos juristas romanos, como uma crença implícita e           qual todos os homens são iguais e livres por natureza (segundo o
     subentendida na sua própria noção do direito positivo. É apontado             ensinamento da Filosofia estóica).
     como o fundamento deste a naturalis ratio, que não significa a                       Desta maneira, os juristas romanos reconhecem,
     mera razão subjetiva, individual, mas aquela racionalidade que está           expressamente, que a servidão é contrária ao direito natural;
     inscrita na                                                                   porémjustificam-na em nome do jus gentium, sendo ela usada por
     ordem das coisas e é, por isso, superior ao arbítrio humano. Há,              todos os povos (em conseqüência das guerras).
     portanto, uma lei da natureza, imutável, não feita a propósito, mas                  Outro princípio do direito natural é, por exemplo, a
     já existente, nata; lei uniforme e não sujeita a mutações por obra            legitimidade da defesa (Adversus periculum naturalis ratio permitit
     huma
                                                                                   se defendere = "Diante do perigo a razão natural permite a defesa"), ou
     na (Jus naturale est id quod semper bonum et aequum est          =            seja, vim vi reppelere (repelir a violência pela violência).
     "Direito natural é aquilo que é bom e eqüitativo sempre").




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       GIORGIO DEL VECCHIO
                                                                                                                      HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO



               Ulpiano oferece do direito natural uma formulação que não
               se encontra em outros escritores: o direito natural -diz- é        a todos os povos (quasi quo jure omnes utuntur = "o direito que
                                                                                  todos usam").
       quod natura omnia animalia docuit ( = "aquilo que a natureza ensinou
                                                                                          Assim, um fato da experiência assume, pouco a pouco, um
       a todos os animais").                                                      significado filosófico, chegando-se à triconomia: direito natural
               Com isso estende a validade do direito natural também aos          (universal, o mesmo sempre, perpétuo), direito das gentes
       animais em geral. Mas, em substância, nada mais faz que dar                (elementos comuns que se encontram nos vários direitos positivos),
       expressão restrita àquilo que também era para todos um fIrme               direito civil (com suas particularidades, que são determinações
       princípio, ou seja, que o fundamento do direito está na natureza           posteriores das espécies precedentes).
       mesma das coisas, naqueles motivos que, desenvolvidos maiormente                   Freqüentemente o jus gentium é confundido com o jus
       no                                                                         naturale. Mas aquele é conceito essencialmente romano, nascido da
                   homem, estão, também, em germe, nos animais inferiores.        experiência histórica dos romanos; já este é conceito expresso pela
                  Uma questão importante em tomo das idéias jurídicas dos         Filosofia grega. Isto não exclui, porém, que os romanos possam ter
         romanos é a que concerne ao jus gentium, denominação usada em            tido alguma intuição nesse sentido, antes ainda da influência daquela
                                  diversos sentidos acuradamente distintos.       FilosofIa.
              Entende-se porjus gentium, em primeiro signifIcado, o                      Os dois conceitos tendem a encontrar-se, e talvez pareçam
      complexo de normas que, no Estado romano, são aplicáveis aos                coincidir; têm, todavia, um significado diverso, e certamente são
      estrangeiros (isto é, entre estrangeiros e estrangeiros, e entre            também contrapostos, de tal modo que não se pode aceitar a tese
      estrangeiros e cidadãos romanos, uma vez que os estrangeiros eram           segundo a qual constituiriam eles uma só coisa.
      excluídos do jus civile.                                                           Assim, por exemplo, os juristas romanos reconheceram a
              De regra, para estas relações internacionais se estabeleceu         escravidão como contrária ao direito natural (pelo qual todos nascem
     um direito simples, despojado daquelas formalidades solenes, das             livres); encontraram, todavia, para ela, justifIcativa na prática
     quais era revestido o direito próprio do povo romano.                        comum dos povos, no jus gentium.
             O jus gentium é o modo simples e sufIciente para regular as                 Bastaria isto para demonstrar a diversidade dos dois
     relações às quais são admitidos também os estrangeiros.                      conceitos. De resto, os juristas romanos não foram notáveis nas
             Quanto ao segundo sentido em que se entende o jus gentium,           abstrações teóricas, nas idéias puramente filosóficas, mas no
     é provável que se tenha chegado a ele com o seguinte processo: a             traspasse delas para a prática do direito positivo, na sua aplicação,
     princípio, os romanos não conceberiam esse direito como superior             satisfazendo sempre, com genial agudeza, as exigências lógicas e as
     ao civil, antes, como um direito primitivo e rudimentar; depois, o           necessidades mutáveis da realidade.
     estudo da FilosofIa grega fez reconhecer naquela própria                            Consagrando o maior respeito pelas formas tradicionais e
     simplicidade a indicação da natureza, o reflexo da lei natural; em           históricas dos institutos, e não rompendo nunca de maneira violenta
     seguida,                                                                     a continuidade do seu desenvolvimento, os juristas romanos jamais
      vislumbrou-se nele um elemento de superioridade, considerou-se o            perderam de vista a vida concreta e a natureza das coisas, e
        jus gentium como expressão das exigências primordiais e comuns            souberam fazer progredir continuamente o direito segundo o
         a todos os povos, como revelação mais direta da razão universal.         coteúdo das
      Entende-se, então, por direito das gentes o direito positivo comum




38                                                                                                                                                        39
~

     GIORGIO DEL VECCHIO




     novas exigências, mas com uma técnica formal perfeita. Nisto está a
     sua glória máxima. A nossa disciplina tem por fontes clássicas a
     Filosofia grega e a Jurisprudência romana.


                                                                                 o CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO                 /


                                                                                         DIREITO NA IDADE MEDIA
                                                                                       A sublime doutrina religiosa e moral que, nascida na
                                                                               Palestina, difundiu-se em poucos séculos em grande parte do mundo
                                                                               civil, produziu uma mutação profunda na concepção do direito e do
                                                                               Estado.
                                                                                       Originariamente, porém, a doutrina cristã não teve
                                                                               significado jurídico ou político, mas tão só moral.
                                                                                       O princípio da caridade não se desenvolveu para obter
                                                                               reformas políticas e sociais, mas para reformar as consciências.
                                                                               Seguiam, sim este princípio, a liberdade, a igualdade de todos os
                                                                               homens, e a unidade da grande farm1ia humana, porém, como
                                                                               corolário da pregação evangélica; mas essas idéias não se opuseram
                                                                               diretamente à ordem poÍítica estabelecida.
                                                                                       A própria escravidão não foi combatida, mas respeitada como
                                                                               iQstituição humana, porém afmnando-se a fraternidade dos homens
                                                                               pela lei divina. Ao contrário, chegaram alguns Padres da Igreja a
                                                                               considerá-Ia como ocasião propícia para que os escravos se
                                                                               exercitassem na paciência, e na obediência aos patrões, e os patrões
                                                                               na brandura com os escravos. Não se sustenta, em suma, a
                                                                               necessidade de abolir, na prática, a escravidão, mas contentou-se
                                                                               com mitigá-Ia, através do princípio cristão da caridade e do amor.
                                                                                       A doutrina do Evangelho foi essencialmente apolítica. Todos
                                                                               os seus ensinamentos tiveram, originariamente, um sentido
                                                                               espiritual: "Não vim para ser servido, mas para servir - O meu
                                                                               Reino não é deste mundo - Dai a César o que é de César, e a Deus, o
                                                                               que é de Deus". Os tributos devem ser pagos ao Estado, não à
                                                                               Igreja.
                                                                                      Todavia, a doutrina da Igreja teve efeitos e influência
                                                                               notáveis também -sobre a Política e sobre as ciências atinentes a ela.



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História da filosofia do direito
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História da filosofia do direito

  • 1. GIORGIO DEL VECCHIO , HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Tradução e Notas de João Baptista da Silva ~~~~ ~~~1n ~ Belo Horizonte - 2010
  • 2. - Catalogação na Fonte da Biblioteca da Faculdade de Direito da UFMG e ISBN Departamento Nacional do Livro DeI Vecchio, Giorgio, 1878 D367h História da filosofia do direito I Giorgio DeI Vecchio ; tradução de João Baptista da Silva. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2006. p. 284. Prefácio do autor ISBN: 85-88466-33-3 1. Direito - Filosofia - História 2. Direito Na falta de uma ampla e completa história da Filosofia comparado 1. Silva, João Baptista da, trad. lI. Título do direito (falta que se sente não só em nossa literatura, mas também na estrangeira, não obstante a grande variedade de CDU: 340.12(091) monografias), foi-me proposto, faz tempo, publicar, em edição separada, esta exposição resumida, que corresponde à parte COORDENAÇÃO histórica das Lições, do mesmo autor, na sétima edição que Dilson Machado de Lima vem à luz ao mesmo tempo. É óbvio que um livro de tão pequenas dimensões, como REVISÃO este, não poderia preencher toda aquela enorme lacuna. Todavia (segundo observação do editor e de não poucos Maria de Lourdes Costa Queiroz - Tucha estudiosos), este compêndio poderá servir para integrar os EDITORA cursos de Filosofia do direito, que contêm apenas uma exposição sistemática da matéria, e também para oferecer Editora Líder Rua Loreto, 25 - São Gabriel CEP: esboço e subsídio aos cultores de outros ramos mais ou menos 31.980-550 - Belo Horizonte - Minas Gerais Tel./Fax: (31) 3447-0375 Iiderjr@oLcom.br afins do saber, que desejariam, todavia, conhecer as principais tendências do pensamento antigo e moderno sobre os problemas do direito e do Estado. I A exposição histórica vem acompanhada, Copyright @ Dilson Machado de Lima Júnior - 2010 Licença freqüentemente, de observações e apreciações críticas que, editorial para Livraria Líder e Editora Ltda. Todos os direitos reservados. todavia, não prejudicam, segundo a visão do autor, a maior objetividade possível e a exação nas referências das várias IMPRESSÃO doutrinas. Mas a história do pensamento filosófico, e Promove Artes Gráficas - (31) 3486-2696 - promoartes@terra.com.br especialmente do pensamento filosófico-jurídico, não pode ser mera série de dados; deve, sim, ser um Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios ou formas, sem a expressa autorização da Editora. Impresso no Brasil Printed in BraziJ I A publicação da parte histórica das Lições em volume separado ocorre já em algumas edições estrangeiras (por exemplo, na espanhola de 1930).
  • 3. -- repensamento deles. Por essa mesma razão, o propósito deste livro será plenamente atingido somente se o leitor quiser retirar deles significado por suas próprias reflexões e juízos. Sumário ---- INTRODUÇÃO... ................................................................. 11 A FILOSOFIA GREGA ....................................................... 13 Os primórdios... ............................................................... .13 Os sofistas ...................................................................... ..14 Sócrates ........................................................................... .16 Platão ........................................................ " ....................... "..........................19 Aristóteles ....................................................................... .23 A escola estóica ............................................................... .30 A escola epicuréia ........................................................... .32 Os juristas romanos .......................................................... 34 O CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MÉDIA .................................................................... .41 A Patrística ...................................................................... 4 3 A Escolástica ................................................................... .45 Os escritores gibelinos e a doutrina contratualística ....... 49 O Renascimento .............................................................. .57 A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MODERNA ..... 61 Maquiavel e Bodin .......................................................... .61 Grócio e outros escritores de seu tempo .......................... 65 Hobbes.............................................................................. 75 Espinosa ........................................................................... 79 Pufendorf ....................... ..., .............. ............. , ............. ...81 Locke e outros escritores ingleses .................................... 84 Leibniz, Thomasius e Wolf ................................................89
  • 4. Vico e Montesquieu......................................................... 96 Rousseau e a Revolução Francesa ................................. 103 Kant........ """"""""'" ......................................................... ... ........ ..1 09 Fichte e a escola do direito racional .............................. 125 O historicismo ............................................................. ..131 O historicismo filosófico, ou idealismo objetivo (Schelling, Hegel) ......................................................... .132 O historicismo político, ou a Filosofia da Restauração .138 O historicismo jurídico, ou a escola histórica do direito 141 VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA IT ÁLIA, NOS TEMPOS RECENTES ............................. 149 1. Da época de Vico a 1870 ............................................... 149 2. De 1870 até aos nossos dias ........................................... 168 VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA FRANÇA, NA BÉLGICA, ETC., NOS TEMPOS RECENTES (SÉCULOS XIX-XX).................................. .197 VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA INGLATERRA E NOS ESTADOS UNIDOS, NOS TEMPOS RECENTES ..................................................... .209 VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA ALEMANHA, NA ÁUSTRIA E NA SUíÇA, NOS TEMPOS RECENTES .............................................................. .229 VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA ESPANHA, EM PORTUGAL, NA AMÉRICA LATINA, NA ROMÊNIA, NA HUNGRIA, NA GRÉCIA, NA HOLANDA, NA ESCANDINÁ VIA, ETC .............................. 243 VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NOS "Compreender que há outros pontos de vista é o PAÍSES ESLAVOS (POLÔNIA, RÚSSIA, início da sabedoria." CHECOSLOV ÁQUIA, ruGOSLÁ VIA, BULGÁRIA) ........... 269 Campbell
  • 5. INTRODUÇÃO É vantajoso conhecer a história de toda ciência. Mas a importância do conhecimento histórico revela-se espécialmente nas disciplinas filosóficas, tanto que, nestas, não se entende o presente sem o passado; o passado revive no presente. Os problemas filo- . sóficos hoje discutidos são, no fundo, os mesmos que se apresentaram, ainda que apenas em forma embrionária, aos pensadores da antiguidade. O exame dos sistemas filosóficos oferece-nos como uma série de. experimentos lógicos, nos quais podemos logo ver a quais conclusões se chega partindo de certas premissas, e delas podemos tirar partido na direção de um mais perfeito sistema, evitando-lhe os erros já cometidos e tirando proveito dos progressos atingidos. A história da Filosofia é ainda um meio de estudo e de pes - quisa que nos ajuda grandemente em nosso trabalho; oferece-nos um acumulado de observações, de raciocínios, de distinções, que será impossível a um único indivíduo reunir, como seria impossível a todo artífice inventar, ele próprio, ex novo, todos os instrumentos de sua arte. A história da Filosofia do direito, especificamente, nos mostra, antes de tudo, que em todo tempo se meditou sobre o problema do direito e da justiça, o qual, em verdade, não foi artificiosamente inventado, mas corresponde a uma necessidade natural e constante do espírito humano. Todavia, a Filosofia do direito, em sua origem, não se apresenta autônoma, mas mesclada à Teologia, à Moral, à Política; sóaos poucos se operou a distinção. 11
  • 6. - GIORGIO DEL VECCHIO Nos primeiros tempos a confusão é completa. Aparece-nos de modo característico no Oriente, em cujos livros sacros são tratados em conjunto a cosmogonia, a moral e os elementos de várias outras ciências, teóricas e práticas. Neles domina o espírito dogmático; o direito é concebido como um comando da divindade e como superior ao poder humano, e, por isso, não como objeto de discussão FILOSOFIA GREGA ou de conhecimento, mas apenas de fé. Assim, as leis positivas consideram-se indiscutíveis, e inquestionável o poder existente, como expressão da divindade. Os primórdios Nesse estágio próprio dos povos orientais, o espírito crítico não tinha ainda despertado. Deve-se, todavia, recordar que alguns A Grécia é a terra clássica da Filosofia, que assume nela um desses povos, especialmente os hebreus, os chineses e os indianos, desenvolvimento próprio. Em um primeiro momento, a mente grega deram valiosos contributos aos estudos filosóficos, sobretudo no que não se envolveu, porém, com problemas éticos e muito menos concerne à Moral. jurídicos, mas considerou apenas a natureza física. Assim, a Escola Jônica, a mais antiga (VI século a.c.), tentou a explicação dos fenômenos do mundo sensível reduzindo-os a certos tipos. Essa Escola, à qual pertenceram, dentre outros, Tales, Anaximandro, Anaximene, Heráclito, Empédocles (o qual formulou a teoria dos quatro elementos: água, ar, fogo e terra), não teve, porém, importância para o nosso estudo. Outra Escola quase contemporânea da Jônica, a Eleática, representada por Xenofonte, Parmênides, Zenão, de Eléa, e Melisso, de Samo, tentou o mesmo problema, de modo mais profundo do que aquela, no ponto em que, elevando-se a um conceito metafísico, sustenta que o ser é uno, imutável, eterno. Para ela há uma só distinção: o que é e o que não é; em seguida, negação, pois, do conceito de movimento e de vir-a-ser, que seria uma ilusão dos sentidos. Não seria possível um nascer, um morrer, um vir-a-ser. Maior nexo com a nossa disciplina teria uma outra Escola - a Pitagórica. Conhecemos Pitágoras imperfeitamente, seja quanto à sua vida, seja quanto à sua doutrina. Nascido em Samo, em 582 a.c., transferiu-se para a Itália Meridional, para Crotona, onde fundou uma seleta sociedade de adeptos da doutrina que professava. To 2 13
  • 7. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRJA DA FILOSOFIA DO DIREITO davia, esse aristocrático sodalício, de caráter moral e religioso, Diálogos de Platão, nos quais Sócrates disputa freqüentemente com sujeito a uma forte disciplina, durou pouco tempo porque, tendo os Sofistas). Homens de grande eloqüência e bravura dialética, surgido dissidência política, teve de refugiar-se em Metaponto, onde percorriam cidades, sustentando em seus discursos teses assaz morreu por volta de 500 a.c. disparatadas; compraziam-se em se opor às crenças dominantes, Parece que Pitágoras não escreveu. Seu ensinamento foi muitas vezes suscitando escândalo público em razão de seus apenas oral. Suas teorias nos são conhecidas, em parte, por paradoxos. fragmentos de seus discípulos e, em parte, pelas contestações de É notável, sobretudo, o fato de que, então, começou-se a Aristóteles. Especialmente importante é o escrito de Filolau, discutir, a criticar o princípio da autoridade, a abalar a fé tradicional, seguidor de Pitágoras e contemporâneo de Sócrates, com o título a despertar a atenção popular, isso em um período de discórdias DEpt qJvcrEú)<; (Da natureza). Desse escrito chegaram-nos internas, em que se encontrava a Grécia. O trabalho dos sofistas notáveis fragmentos. relaciona-se com essa efervescência. O pensamento fundamental da doutrina pitagórica é que a Os Sofistas eram individualistas e subjetivistas. Ensinavam essência de todas as coisas é o número; ou seja, os princípios dos que cada homem tem um modo próprio de ver e de conhecer as números são os princípios das coisas. Esse conceito matemático coisas, do que resultava a tese de que não pode existir uma abriu ensejo a considerações astronômicas, musicais e também verdadeira ciência objetiva e universalmente válida. Célebre é o dito políticas. Na verdade, a Justiça é, para os pitagóricos, uma relação de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas" (DáV'tÚ)v aritmética, uma equação ou igualdade; daí a retribuição, a troca, a XPll/lá'tú)v /lÉ'tpov av8pÚ)7to<;). Isto é: todo indivíduo possui correspondência entre o fato e o seu tratamento ('to uma visão própria da realidade. avn7tE7tov8ó<;). Neste conceito (que se aplica também, mas Em sentido bem diverso foi dito, por exemplo, por Kant, que não somente, à'pena) está o germe da doutrina aristotélica da a mente humana é a medida de todas as coisas. Kant entendia a Justiça. mente humana como necessariamente idêntica em todos os indivíduos, e, por isso, afirmar que ela seja a medida de todas as coisas não destrói a validade universal da ciência. As formas subjetivas, segundo Kant, apreendem, de certa forma, a realidade, de maneira que toda experiência está por ser Os Sofistas feita (mas estas formas são comuns a todos os sujeitos pensantes). Para os Sofistas, ao contrário, existem apenas as opiniões A Escola que por primeiro se decidiu a enfrentar os divergentes de cada individuo. problemas do espírito humano, o problema do conhecimento e o Negando os Sofistas toda verdade objetiva, negam igualmente problema ético foi a dos Sofistas, no VO século a.C. que exista uma justiça absoluta; também o direito, por si, é relati vo, Os Sofistas, cujos principais foram Protágoras, Górgias, é uma opinião mutável, a expressão do arbítrio e da força: 'justo é o Hípias, Calixto, Trasímaco, Pródico, etc., nascidos na Grécia ou na que favorece o mais poderoso". Assim, Trasímaco se pergunta se a Magna Grécia (Itália Meridional, Sicília), costituíam um grupo de Justiça é um bem ou um mal, e responde: "A justiça é, em realidade, pensadores e oradores que, mesmo ensinando doutrinas às vezes um bem alheio, uma vantagem para quem manda, um dano para contrárias, tinham muitas características comuns. quem obedece". Conhecemos suas doutrinas não diretamente, mas mediante os escritos de seus adversários (fontes principais são, para nós, os 14 15
  • 8. GIORGIO DEL VECCHIO - HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Também quanto a Sócrates estamos em condição análoga Como se vê, os Sofistas eram moralmente céticos, e antes àquela em que nos vemos perante os Sofistas, isto é, não temos negadores ou destruidores que construtores. Com tudo isso, tiveram escritos autênticos dele; conhecemo-Io apenas por meio de o grande mérito de ter desviado a atenção sobre dados e problemas referências de outros, porém de seus admiradores (ao contrário do inerentes ao homem, ao pensamento humano. A própria dúvida a que se deu com os Sofistas, cujas teorias nos foram transmitidas tão respeito deles, levada à consciência pública, foi fecunda e benéfica, só por seus adversários), a saber: dos Diálogos, de Platão, e dos tendo projetado o espírito crítico sobre muitos problemas que antes Memoráveis, de Xenofonte. não tinham sido postos para o pensamento. Os Diálogos platônicos são, de longe, a fonte mais Desta forma, enquanto os filósofos da Escola J ônica tinham importante, mas neles o pensamento de Sócrates é muito superado considerado apenas a natureza exterior, os Sofistas voltaram-se para pelo do grande discípulo, com o qual se confunde. Isto a consideração de problemas psicológicos, morais e sociais. especialmente nos últimos diálogos. Os primeiros (Apologia, Foram eles que, por exemplo, puseram abertamente o Eutifrone, Crito, etc.) reportam mais fielmente as palavras de problema se a justiça tinha um fundamento natural, quer dizer, se o Sócrates, as quais Platão recolheu de viva-voz. que é justo por lei, ou, como diremos, por direito positivo, seja Sócrates disputava de maneira característica, devolvendo também justo por natureza (antítese entre VÓ!lCú ÕíKalOV = justo por muitas perguntas e trazendo conclusões simples das respostas; lei, e <púcrtt ÕíKalOV = justo pela natureza), problema ao qual afirmava nada saber, bem diversamente dos Sofistas, que presumiam saber tudo; golpeava-os com ironia, e os confundia, responderam em geral negativamente, observando que, se interrogando existisse um os (ironia = pergunta) sobre questões aparentemente simples, . justo por natureza, todas as leis seriam iguais. porém, no fundo, muito difíceis, e deste modo constrangendo-os Mais importante ainda que esta resposta, porém, foi a indiretamente a dar-lhe razão. colocação mesma do problema; em verdade, depois da solução Em um ponto Sócrates avizinhou-se dos Sofistas, a saber: no negati va tentada pelos Sofistas, outros filósofos puderam tentar uma haver dirigido o seu estudo ao homem. Sabe-se que a sua divisa era solução afirmativa para ela. a inscrição délfica: "Conhece-te a ti mesmo" (yv&8t crwuróv). Os Sofistas foram, em suma, o fermento que deu causa à Ninguém mais que Sócrates insistiu na necessidade de conhecer a si grande Filosofia idealística grega, uma tlorescência do pensamento, mesmo. Mas nesse estudo chegou ele a conclusões opostas às dos da qual talvez nenhum outro povo pôde vangloriar-se. Essa Sofistas. Mostrou que cumpre distinguir o que é impressão dos tlorescência resume-se, principalmente, nos nomes de Sócrates, de sentidos, onde domina a variedade, o arbítrio individual, a Platão e de Aristóteles, que brilharam soberanamente na história do instabilidade e a acidentalidade subjetiva, daquilo que é produto da pensamento. razão, onde encontramos conhecimentos necessariamente iguais para todos. Assim, é preciso remontar dos sentidos à unidade conceitual, racional. Sócrates ensinava a inquirir o princípio da verdade. Saber e operar significa para ele uma coisa só, como ciência e virtude, já que Sócrates esta não é senão a aplicação daquela. A virtude é a verdade conhecida e aplicada. O grande adversário dos Sofistas foi Sócrates, que viveu em Atenas, de 469 a 399 a.c. Ele foi mais o sábio da vida que o filósofo teórico. 6 17
  • 9. HISTORlA DA l'lLOSOHA DO DIRElTO GIORGIO DEL VECCHIO tendeu procurar os princípios racionais do agir, Sócrates Isto que se afmna do saber em geral vale também para o saber jurídico. Sobre cada coisa devemos saber ver a universalidade. merece ser considerado um dos principais (se não Aqueles que vêem a variedade das coisas justas em cada tese ou absolutamente o primeiro) entre os fundadores da Ética. norma jurídica, mas não a justiça em si, não são filósofos (q:nÀócroq>Ot = filósofos), mas q>lÀóÕOçOt = amantes da Platão glória) isto é, não amantes da sabedoria, mas da opinião da nomeada. Sobre as contradições do mundo empírico, objeto da As obras do grande discípulo de Sócrates, Platão (427-347 opinião, está a unidade do mundo inteligível, objeto da ciência. a.c.), escritas em forma dialogal, apresentam o mestre discutindo Filosofia é justamente o amor à ciência. com seus discípulos e com Sofistas, seus adversários, de modo que Desta maneira, Sócrates deu os primeiros acenos de um o inteiro sistema de Platão vem expresso aparentemente por sistema filosófico idealístico, mesmo não o construindo, como fez, Sócrates. Este, porém, não é o seu construtor. Sócrates iniciou na depois, Platão. Ensinou o método do filosofar, com especial atenção especulação filosófica, mas não produziu ele mesmo um completo para a Ética, reagindo contra o ceticismo prático dos Sofistas, por sistema. O Sócrates de Platão não é, pois, o Sócrates histórico, mas, dirigir-se para o bem; ensinou a respeitar as leis (que os Sofistas em grande parte, o próprio Platão. haviam ensinado a desprezar), e não só as leis escritas, mas também Das doutrinas deste último não podemos tratar senão aquelas que, mesmo não escritas, valem, como dizia, igualmente, enquanto contempla mais especialmente a nossa disciplina. em toda parte, e são impostas aos homens pelos deuses. Assim Faremos um resumo dos dois diálogos Politéia ou República Sócrates afirmou a sua fé em uma justiça superior, por cuja validade (melhor se traduziria "Estado"), e Nó/-lOt, ou "Leis", aos quais não é necessária uma sanção positiva, nem uma formulação escrita. pode-se acres A obediência às leis do Estado é, pois, em todos os casos, centar como terceiro, intermediário entre os dois, o intitulado para Sócrates, um dever. O bom cidadão deve obedecer também às TIoÀtnKÓç; (= O homem político) leis más, para não encorajar o cidadão perverso a violar as boas. O mais importante é o primeiro, no qual Platão apresenta O próprio Sócrates pôs em prática esse princípio quando, completamente a sua concepção ideal do Estado. Quer ele considerar acusado de haver introduzido novos deuses e de ter corrompido a a justiça no Estado, porque, como ele diz, aí a justiça se mostra mais juventude, e, tendo sido condenado à morte por esses pretensos claramente, sendo escrita em caracteres grandes, enquanto em cada delitos, quis que se executasse a condenação, e enfrentou homem é escrita em caracteres pequenos. serenamente a morte, da qual tinha podido escapar. Para Platão, o Estado é o homem em grande, isto é um A acusação de querer introduzir novos deuses, já acenada por organismo perfeito ou, antes, a mais perfeita unidade: um todo Aristófanes nas Rãs, tinha sido possível porque Sócrates diziase formado pelos vários indivíduos, e fmnemente constituído, como um inspirado por uma di vindade (õat/-lwv = divindade), que não era outra corpo é formado de muitos órgãos, que, juntos, tomam possível a que não a sua consciência; e tal atitude, que parecia contrária à vida de religião dominante, serviu de pretexto para seus inimigos. les. Assim no indivíduo, como no Estado, deve reinar alguma O modo sereno e sublime com que encarou a morte toma harmonia, que se obtém pela virtude. A Justiça é a virtude por ainda mais admirável a sua figura e faz dele um precursor dos outros excelência, enquanto esta consiste em uma relação harmônica entre mártires do pensamento. Por seu ensinamento, com o qual pre as várias partes de um todo. 1 .8 9
  • 10. HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO GIORGIO DEL VECCHIO São meios de educação, para Platão, sobretudo a Música (que A Justiça exige que cada um faça o que lhe cabe ('tá Éamoü compreende a primeira instrução literária), e a Ginástica. A 1tpá't'tEtV). Platão traça com cuidado o paralelo entre o Estado e o Música gera uma disposição do ânimo apta ao acolhimento do bom indivíduo e o faz também nos particulares, dando à sua concepção e do belo. Em seguida, a Matemática (compreendida a base psicológica. Três partes ou faculdades existem na alma do Astronomia); segue, depois, para os mais capazes, o ensino das indivíduo: a razão que domina, a coragem que atua, o senso que outras ciências e da Filosofia. obedece. Assim, no Estado distinguem-se três classes: a dos sábios, Platão ocupa-se especialmente da preparação dos cidadãos destinada a dominar; a dos guerreiros, que devem defender o para a vida pública. Os indivíduos melhores deverão chegar ao organismo social; a dos artífices e agricultores, que devem nutri-lo. governo da coisa pública mediante gradual seleção e aplicada Como o indivíduo é dominado pela razão, o Estado é pela classe que educação, e só depois dos cinqüenta anos de idade, dedicando-se representa justamente a sabedoria, isto é, pelos filósofos. exclusivamente a essa função, que é a mais alta entre aquelas do A causa da participação e da submissão do indivíduo ao cidadão. Estado é a falta de autarquia, isto é, a imperfeição do indivíduo, a Nesta concepção, o elemento individual é de todo sacrificado sua insuficiência em si mesmo. O ser perfeito que basta a si mesmo, ao social e ao político. Falta inteiramente a idéia de que todo que tudo absorve e tudo domina, é o Estado. O fim do Estado é indivíduo tenha certos direitos próprios, originários. O Estado universal, compreende nele, por isso, suas atribuições, tanto quanto domina de modo absoluto. a vida de cada um. O Estado tem por fim a felicidade de todos Para tomar mais legítima e estreita a estrutura política, Platão mediante a virtude de todos. Note-se que, pela Filosofia grega suprime as entidades sociais intermediárias entre o indivíduo e o clássica, felicidade e virtude não são termos antitéticos, mas Estado. Desta maneira, ele chega a sustentar a abolição da coincidentes, porque a felicidade é a atividade da alma segundo a propriedade e da faIllilia, ou seja, a comunhão dos bens e dos virtude, isto é segundo a sua verdadeira natureza. haveres de O Estado, segundo Platão, domina ainda a atividade humana modo a formar uma só faIllilia, para que resulte inteira e perfeita a em todas as suas manifestações; a ele compete promover o bem e unidade orgânica e a harmonia do Estado. Isto, porém, vale apenas todas as suas formas. O poder do Estado é ilimitado, nada é para as duas classes superiores (ou seja, aquelas que participam reservado exclusivamente ao arbítrio dos cidadãos, mas tudo está mais diretamente da vida pública). Estamos ainda bem distantes das sob a competência e ingerência do Estado. Esta concepção modernas concepções comunistas. absolutista é oposta àquela que foi, depois, sustentada por outros De certo modo, a personalidade do homem não é filósofos, segundo os quais existem limites determinados para a adequadamente reconhecida por Platão. Em vão, por exemplo, se ação do Estado (Estado de direito: Kant). buscaria em Platão uma condenação da escravidão. Os escravos A concepção platônica é, de resto, a dominante no mundo não helênico. Desta maneira, o Estado tem, antes de tudo, segundo os estão incluídos nem mesmo nas três classes postas por ele para gregos, a função de educador. E no diálogo da República exercitarem as funções do Estado, do que se vê quanto erram encontramos cumpridas dissertações sobre este tema. aqueles que costumam considerar a teoria platônica ligada à do socialismo hodierno. Platão foi movido a construir seu Estado ideal apenas com preocupações éticas e políticas, nunca econômicas. 2] 20
  • 11. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Estes, em resumo, os conceitos principais formulados N o diálogo das Leis, Platão demonstra um maior respeito por Platão no diálogo da República. para com a personalidade individual (sempre, porém, apenas dos O diálogo das Leis, composto mais tarde, quando Platão homens livres, excluídos os escravos). A família e a propriedade nos aparecem mantidas, e não mais sacrificadas a uma sorte de era mais que setenário, tem caráter di verso do precedente, estatismo, como na República. Mas a autoridade do Estado porque não traça ele um ideal puro, mas, ao contrário, permanece enorme e absorvente, por exemplo, no que concerne considera a realidade histórica nos seus caracteres àrepartição da propriedade (onde há divisão dos cidadãos em contingentes, e mostra-nos freqüentemente um admirável diversas classes segundo o censo), à formação dos matrimônios e senso de experiência prática. àvida conjugal (sujeita sempre a uma rigorosa vigilância), à No diálogo da República, Platão tinha expressado a atividade musical e poética (também essa regulada com precisão, regra de que os sábios governariam segundo a sua sabedoria. em razão de fins educativos), à religião e ao culto, etc. Na verdade, se supomos que a sabedoria domina o Quanto à forma política, Platão critica tanto a monarquia mundo, as leis são supérfluas (cf. sobre isto o Político, quanto a democracia, na qual uma parte dos cidadãos comanda e 294/299 e). Mas, se consideramos a prática e a natureza outra serve; e propõe uma espécie de síntese, vale dizer, um governo humana em concreto, vemos a necessidade delas. O diálogo misto, com vista especialmente ao regime de Esparta, em que, ao lado das duas formas, havia o Senado e os Éforos. das Leis põe exatamente a questão do que idealmente deveria e Temos afirmado que no diálogo das Leis existe uma notável do que acontece na vida, e trata largamente do problema da base histórica (há, por exemplo, uma exposição maravilhosa sobre a legislação. gênese do direito), e aparece uma consciência da realidade empírica Os princípios fundamentais da República mostram-se, muito maior que no da República. Também este, porém, onde o não Estado aparece como pura concepção ideal, não falta uma conexão obstante, os mesmos também no diálogo das Leis. Platão dá ao histórica, que é dada exatamente pelapólis grega, representada nos Estado uma função educativa, quer as leis acompanhadas das seus traços essenciais e ao mesmo tempo idealizada. exortações e dissertações que lhe mostram os fins. Platão visava reagir contra o ceticismo dos Sofistas e as Nas leis penais, tem-se um escopo essencialmente tendências demagógicas do seu tempo, afmnando que só os curativo. Platão considera os delinqüentes como doentes (pois melhores deveriam governar, e para impedir a dissolução da coisa que, segundo o ensinamento socrático, nenhum homem é pública. Deve-se reconhecer também que a sua teoria política teve, ainda, um intento prático e uma referência às condições históricas voluntariamente injusto); a lei é o meio para cuidar dele; a da sua idade. pena, a sua medicina. Mas, em razão do delito, também o Estado é, em certo modo, doente, donde, se a saúde do Estado o exige, isto é, quando se trata de um delinqüente incorrigível, o delinqüente deverá ser eliminado ou suprimido para o bem comum. (Convém notar, a este propósito, a diferença entre a concepção de Platão e a da moderna Escola de Antropologia Aristóteles criminal; esta considera a delinqüência como um produto da degeneração física, enquanto que, para Platão, o delinqüente Aristóteles (384/322 a.c.), nascido em Estagira, foi discípulo é, intelectualmente, um débil; e sua enfermidade é aberração, de Platão por bem vinte anos e, mais tarde, preceptor de Ale ignorância do verdadeiro, isto é, da virtude, que é o 22 conhecimento do vero.) 23
  • 12. -- GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO xandre Magno. Quando este subiu ao trono, Aristóteles fundou sua perfeita, que tem por finalidade a virtude e a felicidade universal; é escola em Atenas, no Ginásio Liceu (dedicado a ApoIo uma comunhão necessária., tendente ao escopo da perfeição da AÚKElOÇ). vida. Tratou o estagirita de quase todos os ramos do saber, e O homem é um animal político (ç<úov nOÀ.t'nKóV), isto é, muitas ciências pode-se dizer que começaram com ele. Todavia, chamado pela sua própria natureza à vida política; e o Estado tendo grande parte de seus escritos andado perdidos, não se pode logicamente existe antes dos indivíduos, tal como o organismo determinar até que ponto valeu-se ele das perquirições de outrem. existe antes de suas partes. Vale dizer: como não é possível O caráter do seu gênio é diverso do de Platão. Platão, por sua conceber, por exemplo, uma mão viva separada do corpo, assim não natureza, mais especulativo; Aristóteles, mais inclinado à pode o indivíduo, propriamente, pensar sem o Estado. observação dos fatos. Porém, em questões cardeais da Filosofia, ele O Estado regula a vida dos cidadãos por intermédio das leis. não se distancia muito de seu mestre, e é equivocado apresentá-Ios Estas dominam toda a vida, porque o indivíduo não pertence a si, como adversários e antagonistas, como às vezes se faz. É verdade mas ao Estado. O conteúdo das leis é a justiça, e desta Aristóteles que Aristóteles refuta expressamente algumas teorias de Platão. elaborou profunda análise. O princípio da justiça é a igualdade, a Temse mesmo acenado também para discórdias pessoais que se qual vem aplicada de vários modos. sabe existiram entre mestre e discípulo. Mas, provavelmente, se Aristóteles distingue, a seguir, a justiça em várias espécies. A exagerou sobre este ponto, e se formaram lendas. Deve-se primeira entre elas é a justiça distributiva ('"Cà ôíKmov Év '"Catç reconhecer que também Aristóteles foi essencialmente metafísico e ôwvoJlmç, '"Co ÔWVE~ll'nKÓV), que se aplica na repartição das idealista. honras e dos bens, e visa a que cada um dos consociados dela receba Também a respeito deste filósofo deveremos limitar-nos ao uma porção adequada ao seu mérito (Ka'"C' àçíav). exame das doutrinas que concemem à Filosofia do direito. As obras Se, pois - aduz Aristóteles - as pessoas não são iguais, mais importantes são, por isso, a Política e a Ética. Desta têm-se também não terão elas coisas iguais. Com isto, evidentemente, não três redações: Ética a Nicômaco, Ética Eudemia e a também dita se faz mais que reafirmar o princípio da igualdade, pois que ele seria Grande moral ou magna moralia, que em muitas partes se violado em sua função específica, se se desse igual tratamento a equivalem. Apenas a primeira (Ética a Nicômaco) é certamente méritos desiguais. A justiça distributiva consiste pois em uma obra de Aristóteles, enquanto a Eudemia é provavelmente obra de relação proporcional, que Aristóteles, não sem algum artifício, Eudemo, define como uma proporção geométrica (YEW~E'"CptK~ àvaÀ.oyta). seu aluno, e a Grande Moral é um extrato das duas precedentes. A A segunda espécie de justiça é a corretiva ou igualadora, que Política (IToÀ.t'nKá), em oito livros, não chegou a completar-se. também se pode dizer retificadora ou sinalagmática, isto é, re Outro escrito, sobre Constituições (IToÀ.t'"CElm), que guladora das relações mútuas ('"Cà Êv '"Colç cr~vaÀ.À.áy~a<H continha a descrição de 158 constituições, perdeu-se em grande ÔlOp8w'nKÓV). Também aqui se aplica o princípio da igualdade, parte (recentemente encontrou-se importante fragmento da mas em forma diversa daquela vista antes; pois aqui se trata só de Constituição dos Atenienses). medir impessoalmente o dano ou o proveito, isto é, as coisas e as Como para Platão, também para Aristóteles o sumo bem é a ações no seu valor objetivo, considerando-se como iguais os termos felicidade produzida pela virtude. O Estado é uma necessidade; não pessoais. Uma tal medida tinha, segundo Aristóteles, o seu próprio é simples aliança (O'U~I.taxía), isto é, associação temporal feita para se tipo na proporção aritmética (dpt8~lltK~ ávaÀ.oyÍa). alcançar qualquer fim particular, mas é uma união orgânica 24 25
  • 13. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Esta espécie de justiça tende a fazer que cada uma das Para tornar claro este conceito, ele equipara a equidade a uma duas partes que se encontre em uma relação venha a encontrar- certa medida (régua lésbia*), feita de uma substância flexível, que se, em relação à outra, em uma condição de paridade; de modo permitia seguir a sinuosidade dos objetos a medir. que nenhuma tenha dado nem recebido a mais nem a menos. Assim, as leis são formais, abstratas, esquemáticas. Sua justa Daí a definição desta forma de justiça como o ponto aplicação exige certa adaptação. Esta adaptação é constituída da equidade, que, segundo Aristóteles, pode chegar, nos casos não intermédio ou o meio entre o dano e a vantagem. Estes termos contemplados propriamente pelo legislador, até a sugerir novas vão, porém, em sentido lato, aplicando-se não só às relações normas. voluntárias ou contratuais, mas também àquelas que Quanto às relações entre o Estado e os indivíduos, enquanto Aristóteles chama involuntárias (âKOÚcnCX), e que nascem do Platão queria afastados os graus intermediários, absorvidos nele, delito, mesmo que, porém, a seguir, se exija certa equiparação, vale Aristóteles os conserva, concebendo assim o Estado como a mais dizer, exata corespondência entre o delito e a pena. elevada síntese da convivência, mas síntese que não elimina os A justiça corretiva (igualitária ou retificadora) vale, pois, para agregados menores, como a família, mesmo a tribo, ou os vilarejos toda sorte de troca e de interferência, de natureza ci vil ou penal. (KéD~CXt). A respeito, sempre segundo Aristóteles, que, todavia, não Do primeiro agregado, a fanulia, passa-se ao segundo, a tribo, desenvolve aqui muito claramente o seu pensamento, faz-se logo ou vila. Em seguida, a reunião das KW~CXt dá lugar à 7tóÀtç, ou ulterior subdistinção. seja, ao Estado grego (Note-se que a pólis grega é uma unidade Ajustiça corretiva ou igualitária pode mostrar-se sob dois política mais reduzida do Estado moderno). aspectos: enquanto determina a formação das relações de troca A consideração daqueles graus intermédios de convivência segundo certa medida, e se apresenta, então, como justiça demonstra uma melhor concepção histórica em Aristóteles do que comutativa, ou enquanto tende a fazer prevalecer tal medida no em Platão. Aqueles agregados são como as diversas etapas para caso de controvérsias, com a intervenção do juiz, e se apresenta, aí, formar o Estado. como justiça judiciária. A abolição da fanulia e da propriedade, concebida por Platão, Em matéria de delitos, a justiça corretiva exercita-se de encontra em seu discípulo uma oposição e uma confutação veemen forma necessária, imediatamente, na forma judicial, porque, aí, se tratata, necessariamnente, de reparar, contra a vontade de uma das partes, um dano advindo injustamente. Ao invés, em matéria de permutas ou de contratos, aquela justiça oferece normas, antes de tudo, aos próprios contratantes, e a atuação corretiva do juiz pode também não ser necessária. Aristóteles preocupou-se com a dificuldade de aplicação das * N. T. - Régua lesbiana - Define-a Larousse como regle de plomb qui pouvait se plier pour prendre leis abstratas aos casos concretos e indicou um corretivo para a le contour dês pierres à surface courbe ou brisée = "régua de chumbo que podia dobrar-se rigidez da justiça: a eqüidade, critério de aplicação da lei que para tomar o contorno das pedras de superfície curva ou fragmentada" (GRAND diccionaire universal du XIXême siêcIe. Paris, 1865, tome treiziême, p. 856). A régua lesbinana é permite adaptá-Ia a cada caso, temperando-lhe a dureza. tomada, aqui, em sentido intelectual, no campo das idéias, mais pelas suas propriedades que pela figura em sua materialidade. Tal como a régua, que amolga ao ser aplicada a superfícies sinuosas, a eqüidade representa o amolgamento (adaptação) da conduta do juiz para atender a peculiaridades do caso que examina. Mas, por que lesbiana? Parece que a razão deve ser buscada na idéia de adaptação, presente na eqüidade e, também, na coisa, lesbianismo. Estarei certo ou obrando em fantasia? 26 27
  • 14. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO teso Desse contraste revela-se o temperamento diverso dos dois bliotecas, especialmente ao tempo do Império. Talvez grandes filósofos: ao idealismo absoluto, puramente especulativo de possamos, então, compreender, até certo ponto, como um, opõe-se o espírito observador do outro, que busca nos próprios Aristóteles considerava necessária a escravidão a qual- dizia - fatos sua relativa razão, e os graus de seu sucessivo se poderia abolir "se a lançadeira corresse por si sobre o desenvolvimento. tear"* A farrulia tem como elementos o homem, a mulher, os filhos Tais palavras demonstram como existia nele uma e os servos, uma sociedade estabelecida perpetuamene pela profunda compreensão da função econômica da escravidão no natureza. Da união de várias farru1ias surge a vila, ou a comuna seu tempo. Na verdade, para a abolição da escravatura, nos (KWfll1); da reunião de várias comunas, o Estado, que, ele só, tempos que se seguiram, contribuiu também o progresso da possui a plena autonomia administrativa. Este é, portanto, o indústria, a invenção da máquina, etc. fim das outras comunidades dado pela natureza. Para não Todavia, podendo-se admitir, em certas fases históricas, precisar da sociedade deve a relativa razão da escravatura - e, neste ponto, são apreciáveis rá ser ou mais, ou menos que um homem, um animal, ou um as razões de Aristóteles -, não é admissível a sua tese, quando deus. pre Aristóteles observa o fenômeno da escravidão, e também tende dar para ela uma justificativa absoluta, uma vez que, buscajustificá-Io demonstrando como os homens que são por si mesma, a escravidão choca-se contra o direito à incapazes de se governarem deviam ser dominados. Alguns autonomia, que todo homem possui naturalmente; e não se homens afirma ele - são nascidos para a liberdade; outros, para a pode sustentar que exista uma categoria de homens destinada escravidão. Tenta ainda provar com razões de índole prática a pela natureza a servir. utilidade da escravidão. Enquanto Platão havia engendrado um ideal de Estado, O Estado, na concepção aristotélica, tem necessidade de Aristóteles, ao contrário, contempla, antes de tudo, a realidade uma classe de homens dedicada às ocupações materiais, que dos Estados existentes, desenvolvendo uma série de análises. sirva a outra classe, de condição privilegiada, permitindo a ela De sua coleção de Constituições políticas infelizmente a atender a formas superiores de atividade, especialmente à vida maior parte se perdeu, e apenas, como dissemos, foi pública. Cumpre salientar que, então, a escravidão era encontrada a parte referente à Constituição dos Atenienses, geralmente considerada como necessidade para o Estado traduzida em italilano por Ferrier, se bem que a Política (Note-se que também o Estado romano tinha uma de suas contenha também considerações de bases nessa instituição. Pense-se, por exemplo, nas grandes caráter geral. Nela Aristóteles destaca o nexo das instituições obras públicas construídas pelos escravos. De mais a mais, a políticas com as condições históricas e naturais; não, sem possibilidade de os cidadãos participarem livremente da vida dúvida, o melhor absoluto, mas o relativo, e examina quais os pública, e de se dedicarem às letras e às ciências, dependia, governos mais adequados em relação aos vários elementos de em parte, da escravidão. Esta era um efeito, considerado fato. Acena ele, o filósofo, mas não era profeta. O que lhe parecia impossível, e era, * N. T. - Aristóteles era legítimo, da conquista militar. Muitos dos escravos mais inventivo de mesmo, no seu tempo (a lançadeira correr sozinha sobre o tear), o gênio cultos, especialmente gregos, desempenhavam funções Ark Wrigst (Sir Richard - 1732/1792) fez realidade em 1769 quando, nobres, ajudando também aos seus donos naquilo que dizia retomando experiências de James Hargreaves, patenteou o invento de uma máquina de tecer que substituiu o braço escravo, movida, inicialmente, pela força eqüestre, depois pela força respeito aos seus conhecimentos. Sabe-se que muitos escravos hidráulica, abrindo a Revolução Industrial do século XVIII. em Roma eram amanuenses e professores muito apreciados, e, ainda, adidos às numerosas bi 29 28
  • 15. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO por primeiro, para uma distinção entre os Poderes do Estado A escola estóica liga-se à escola cínica, mas é uma (Executivo, Legislativo e Judiciário). A Constituição política é o sublimação da idéia fundamental dos cínicos. Teve ela por primeiro ordenamento desses Poderes. Segundo o poder supremo diga fundador Zenão de Cipro, que começou a ensinar em Atenas, em respeito a um, a alguns, a todos, Aristóteles distingue três tipos de 308, a.c., e tomou o nome de stoá, ou pórtico de Atenas que era o constituições: monárquica, aristocrática, policial, que considera lugar onde se ensinava. Além de Zenão, entre os antigos estóicos, igualmente bons, desde que quem tenha o poder o exercite para o são dignos de nota Cleante e Crisipo, que sucederam no ensino a bem Zenão. de todos (KOWOV crtl.upÉpov). Mas, se o poder é exercitado por Entre os estóicos de uma era posterior, devem-se recordar, quem governa para utilidade própria (t8wv crtl.UpÉpov), aquelas especialmente, Panésio, Posei dão, que foi mestre de Cícero em formans normais de governo degeneram, dando lugar, respectiva Rodes, em seguida, Sêneca, Epiteto (autor do famoso Enqueiridión, mente, à tirania, à oligarquia, à democracia (que melhor se diria ou Manual, belamente traduzido por Lopardi, e Marco Aurélio). hoje demagogia, nesse sentido). Os estóicos conceberam um ideal do saber humano, que possui aquele que venceu todas as paixões e vê-se liberado das influências externas. Somente desta maneira se obtém o acordo A escola estóica consigo mesmo, isto é, a verdadeira liberdade. Este ideal, que para os estóicos era personificado por Sócrates, deve ser tido em mira por todo homem, porque lhe é Vamos recordar, agora, duas escolas pós-aristotélicas de imposto pela reta razão. Existe uma lei natural que domina o mundo, grande importância: a estóica e a epicuréia. e reflete-se também na consciência individual: o homem épartícipe, A escola estóica deriva de uma precedente, dita escola por sua natureza, de uma lei que vale unversalmente. O dos cínicos, representada principalmente por Antístenes, que preceito supremo da Ética é, pois, para os estóicos, "viver teve entre seus seguidores o famoso Diógenes. segundo Antístenes foi primeiro discípulo de Górgias, e depois de ( I - I Sócrates, mas colocou-se numa espécie de antagonismo com a natureza" (o!-!oÀOYOU!-!EVú)S; 111 <pucra outros discípulos de Sócrates, especialmente com Platão. Sl1v). Para os cínicos, a virtude é o só bem e consiste na Esse conceito de uma lei universal faz que se quebrem as modéstia, na barreiras políticas, e o homem se considera (como ocorria com os continência, no contentar-se com pouco. O sábio quase não cínicos, mas aqui em um sentido mais alto) um cosmopolita, cidadão tem necessidades e despreza aquilo que os homens comuns do universo. desejam: ele segue apenas a lei da virtude, e não cuida das Como Platão, em homenagem à pólis (= cidade), suprimia a faml1ia e a propriedade, assim a escola estóica suprime os Estados demais leis positivas. particulares em reverência ao Estado universal. Assim, ele não é estrangeiro em lugar algum; é Até então dominava um ideal estritamente político no qual o cosmopolita, fim supremo era, em suma, a pertença do indivíduo ao Estado. Mas cidadão do mundo. com a Filosofia estóica anuncia-se e se prepara uma moral mais De acordo com esta idéia, os cínicos desprezam todas as abrangente e mais humana. leis e os costumes dominantes, têm uma postura negativa perante o Estado e buscam desprender os cidadãos dos vínculos que os unem a ele, retomando à simplicidade primitiva do estado de natureza. 30 31
  • 16. -- GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO o estoicismo afmna que existe uma liberdade que jamais qualquer opressão poderá destruir, aquela que deriva da supressão resultado constitua a maior quantidade possível de prazer e a menor das paixões. O homem é livre se segue a sua verdadeira natureza, possível, de dor. isto é, se aprende a vencer as paixões, postando-se independente Isto implica certo cálculo ou medida de utilidade. No caso, a delas. falta de moderação abrevia a vida, prejudica o organismo e diminui, Nesse sentido, não há diferença entre livre e escravo. Temse assim, a faculdade de gozar. uma sociedade do gênero humano, além dos limites assinalados Neste ponto, Epicuro chegou a oferecer preceitos éticos. pelos Estados políticos, fundada sob a identidade da natureza Além disso, a escola de Epicuro manifestajá uma teoria sobre a humana e da lei racional, que corresponde a ela. distinção qualitativa, ou graduação dos prazeres. É por si mesmo significativo que encontremos entre os mais Diferentemente da Escola Cirenaica, que considerava insignes escritores cultores e seguidores da Filosofia estóica um sobretudo as sensações físicas, Epicuro dá maior peso aos prazeres e escravo, como Epiteto, e um Imperador, como Marco Aurélio. às dores do espírito, que são mais duradouros do que aquelas. A A Filosofia estóica prenuncia, de certo modo, o Cristianismo. amizade é consderada por Epicuro como o maior dos prazeres. Isto mostra como sua doutrina não é apenas materialista. Dessa graduação dos prazeres origina-se, porém, a crítica do utilitarismo, uma vez que, admitindo-se prazeres inferiores e A escola epicuréia superiores, há necessidade de um critério de escolha, de uma régua qualitativa e não quantitativa, pela qual o sumo bem pode ser a A escola estóica opõe-se à escola epicuréia, que, por sua satisfação da consciência, a ser alcançada até mesmo a preço de uma vez, foi precedida da escola cirenaica ou hedonística, fundada dor física. Supera-se, assim, a singela doutrinna hedonística, que por Aristipo de Cirene. Segundo esta escola, o prazer é o único busca o prazer pelo prazer, sem distinções. bem e não existem outros fundamentos de obrigação, além Merece ainda consideração a parte da doutrina de Epicuro que daqueles que derivam da finalidade do prazer. conceme ao Estado. Também aqui domina a concepção utilitária. Epicuro nega que o homem seja social por natureza. Em sua origem Epicuro, que fundou sua escola em Atenas em 306 a.c., e estaria em luta permanente com os outros homens, mas esta luta, a continuou até o ano de sua morte (270), partiu do mesmo gerando dor, vem a ser abolida com a formação do Estado. conceito fundamental dos cirenaicos, mas teve o mérito de dar Assim, para Epicuro, o direito é apenas um pacto utilitário, e um desenvolvimento mais amplo e mais razoável à doutrina o Estado é o efeito de um acordo que os homens poderiam romper hedonística. toda vez que em tal união não encontrassem a utilidade pela qual a Para Epicuro a virtude não é o fim supremo, como para concluíram. os estóicos, mas um meio para chegar à felicidade. Assim, Como se vê, o Estado de Epicuro está, pois, em condição de enuncia-se o princípio utilitário, ou hedonístico, avesso à anarquia potencial. Tem-se, aqui, a primeira formulação moral estóica; e podese afirmar que as escolas éticas (prescindindo-se de qualquer aceno dos Sofistas) da doutrina posteriores dividiram-se segundo essas duas concepções, em platônica e aristotélica, que, ao contrário, fundava o Estado sobre a contínuo contraste. natureza mesma dos homens. Pessoalmente, Epicuro foi um homem sábio e pregava a temprança como a primeira virtude para assegurar o prazer. Segundo a sua doutrina, não é necessário procurar o prazer, nem evi tar toda dor, mas conduzir-se de maneira que o êxito final ou 32 o 33
  • 17. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Veremos depois, os sucessivos desenvolvimentos da conceitos fundamentais da melhor Filosofia grega, expressos em teoria contratualista, na Idade Média e na moderna. forma elegante e clara, para torná-los bem acessíveis ao povo romano. Os juristas romanos O próprio Cícero apela para o bom senso natural, para a persuação comum dos homens, dando ao seu discurso caráter popular. A sua tese principal é que o direito não é um produto do Roma não teve uma filosofia original. Mas como no Oriente arbítrio, mas dado pela natureza. Natura juris ab homines repetenda o supremo objeto da atividade espiritual foi a religião e na Grécia, a est natura( = "A essência do direito deve ser procurada pelos homens na Filosofia, em Roma foi o direito. Nisto, a sabedoria romana excele. Houve em Roma, certamente, correntes filosóficas, mas elas natureza"). Tem-se, aí, como ensinaram os estóicos, uma lei eterna, derivaram da Grécia. Pode-se dizer que todas as Escolas gregas que é uma expressão da razão universal. Portanto, ele combate os tiveram em Roma representantes próprios. O Epicurismo, por céticos, os quais, afirmando a impossibilidade do conhecimento, e a exemplo, teve Lucrécio Caro que, no poema De rerum natura, expôs mutação e relatividade de todas as coisas, deduziram daí a com eloquência as teorias de Epicuro; o Estoicismo teve Sêneca e impossibilidade de uma justiça absoluta (em especial a Cameades Marco Aurélio, etc. que, com sua pregação cética, causara em Roma certa turbação, Cícero (106/43 a.C.) foi aquele a quem pertence o mérito de abalando as convicções comuns, e sustentando que o critério do ter tomado popular a Filosofia em Roma, o intermediário típico justo não é fundado na natureza. entre o pensamento grego e o latino. Autor de obras às quais deu Cícero opõe-se a esses argumentos, e observa que nem tudo esplendor de forma e de eloquência, mas cujo conteúdo é quase que é posto como direito é justo, que, em tal caso, também as leis todo grego. Ele mesmo afirmou que seus escritos "apografa sunt", dos tiranos formariam o direito. O direito funda-se em opinião e acrescenta: Verba tantum aftero, quibus abundo (= "apenas lhes arbitrária, mas existe um justo natural, imutável e necessário, pelo dou as palavras, nas quais sou fértil"). testemunho inferido da própria consciência do homem. Suas obras mais importantes para o direito são: De Este conceito é desenvolvido por Cícero com grande Republica, De Legibus, De OfficÜs, além de De finibus bonorum et eloquência: Est quidem vera lex recta ratio, naturae congruens, malorum, Tusculararum desputationum libri quinque, etc. diffusa in omnes, constans, sempiterna... neque est quaerendus Do De Republica chegou-nos apenas cerca de uma terça explanator, aut interpres eius alius. Nec erit alia lex Romae, alia parte, descoberta em maio de 1819 em um palimpsesto vaticano. O Athenis, alia nunc, alia posthac, sed et omnes gentes et omni De legibus é também incompleto, mas talvez tenha sido deixado tempore una lex, et sempiterna, et immutabilis continebit... cui qui assim pelo próprio autor. non parebit, ipse se fugiet, ac naturam hominis Cícero não pertenceu propriamente a nenhuma Escola, mas aspernatus hoc ipso luet, maximas poenas, etiamsi cetera suplicia, sentiu a influência de muitas, a começar pela Estóica, à qual se quae putantur, eftugerit (= "Na verdade, a reta razão é uma lei filiava conforme à natureza, difusa em todos, constante, eterna... não exige seu mestre Poseidon. Foi eclético. O título e a forma de algumas de quem a explique, ou um outro intérprete. Nem existe outra lei em suas obras (De Republica, De legibus) são platônicos; o conteúdo é Roma, outra em Atenas, outra agora, outra depois, mas uma só lei aristotélico e estóico; encontram-se neles, em suma, revigorados, existirá para todas as pessoas e em todo tempo, os 34 35
  • 18. -- GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO eterna, imutável... quem não lhe obedecer foge de si mesmo, e tendo O conceito de jus naturale liga-se ao da eqüidade. A desprezado a natureza do homem, sofrerá por isso mesmo as eqüidade significa propriamente uma equalitação, tratamento igual maiores penas, embora fuja de outros sofrimentos, que imagine"). de coisas e assuntos iguais, um critério que obriga a reconhecer o Além do jus naturale, e em imediata pertinência com ele, que é idêntico no substrato das coisas, além do vário e do acidental. existe umjus gentium, observado por todos os povos, que serve de A idéia de eqüidade e a de lei natural tomam-se fatores de base a suas relações recíprocas porque se funda sobre suas comuns progresso no direito. O direito positivo é uma modificação do necessidades, não obstante as modificações que as diversas direito natural, com elementos de acidentalidade e de arbítrio. As circunstâncias tomam necessárias. condições de lugar e de tempo mudam, a utilidade sugere normas Por último, existe o jus civile, vigente para cada povo, em particulares, e isso os juristas romanos reconhecem amplamente. particular. Mas, não obstante, está neles o cuidado permanente de reconduzir o Entre os termos dessa tricotomia (jus naturale, jus gentium e direito às suas mais profundas raízes, de confrontar a norma com jus civile) não existe contradição, sendo eles antes determinações seu fundamento natural, tolhendo as desarmonias e desigualdades, graduais de um mesmo princípio. igualando equiparando, com o objetivo de corrigir o que seja iníquo Ainda, para Cícero é o Estado um produto da natureza. Um ou irracional. instinto natural leva o homem à sociabilidade, e precisamente à O simples reconhecimento de que o direito positivo é convivência política. Renova-se, assim, a doutrina aristotélica. contrário ao direito natural não basta, por si, para aboli-Io, mas Os juristas romanos tiveram, em geral, uma cultura determina uma tendência à sua reforma ou.modificação, também no filosófica. O estoicismo foi, entre todos os sistemas da filosofia momento da aplicação judicial, por meio da equidade. grega, o que teve mais sorte em Roma, porque melhor correspondia Advirta-se que o magistrado romano tinha um poder mais à índole austera, ao caráter fortemente rígido do cidadão romano. vasto que o do magistrado moderno; tanto que, assumindo o cargo, Também o pretor publicava as regras que informariam sua jurisdição o ideal cosmopolítico dos estóicos tinha certa repercussão positiva (edictum). no crescente domínio de Roma. O direito natural permanece o mais alto critério teórico. Dele O conceito de uma lei natural, comum a todos os homens deduzem-se as máximas mais gerais; por exemplo, aquela segundo a torna-se familiar aos juristas romanos, como uma crença implícita e qual todos os homens são iguais e livres por natureza (segundo o subentendida na sua própria noção do direito positivo. É apontado ensinamento da Filosofia estóica). como o fundamento deste a naturalis ratio, que não significa a Desta maneira, os juristas romanos reconhecem, mera razão subjetiva, individual, mas aquela racionalidade que está expressamente, que a servidão é contrária ao direito natural; inscrita na porémjustificam-na em nome do jus gentium, sendo ela usada por ordem das coisas e é, por isso, superior ao arbítrio humano. Há, todos os povos (em conseqüência das guerras). portanto, uma lei da natureza, imutável, não feita a propósito, mas Outro princípio do direito natural é, por exemplo, a já existente, nata; lei uniforme e não sujeita a mutações por obra legitimidade da defesa (Adversus periculum naturalis ratio permitit huma se defendere = "Diante do perigo a razão natural permite a defesa"), ou na (Jus naturale est id quod semper bonum et aequum est = seja, vim vi reppelere (repelir a violência pela violência). "Direito natural é aquilo que é bom e eqüitativo sempre"). 36 37
  • 19. - GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Ulpiano oferece do direito natural uma formulação que não se encontra em outros escritores: o direito natural -diz- é a todos os povos (quasi quo jure omnes utuntur = "o direito que todos usam"). quod natura omnia animalia docuit ( = "aquilo que a natureza ensinou Assim, um fato da experiência assume, pouco a pouco, um a todos os animais"). significado filosófico, chegando-se à triconomia: direito natural Com isso estende a validade do direito natural também aos (universal, o mesmo sempre, perpétuo), direito das gentes animais em geral. Mas, em substância, nada mais faz que dar (elementos comuns que se encontram nos vários direitos positivos), expressão restrita àquilo que também era para todos um fIrme direito civil (com suas particularidades, que são determinações princípio, ou seja, que o fundamento do direito está na natureza posteriores das espécies precedentes). mesma das coisas, naqueles motivos que, desenvolvidos maiormente Freqüentemente o jus gentium é confundido com o jus no naturale. Mas aquele é conceito essencialmente romano, nascido da homem, estão, também, em germe, nos animais inferiores. experiência histórica dos romanos; já este é conceito expresso pela Uma questão importante em tomo das idéias jurídicas dos Filosofia grega. Isto não exclui, porém, que os romanos possam ter romanos é a que concerne ao jus gentium, denominação usada em tido alguma intuição nesse sentido, antes ainda da influência daquela diversos sentidos acuradamente distintos. FilosofIa. Entende-se porjus gentium, em primeiro signifIcado, o Os dois conceitos tendem a encontrar-se, e talvez pareçam complexo de normas que, no Estado romano, são aplicáveis aos coincidir; têm, todavia, um significado diverso, e certamente são estrangeiros (isto é, entre estrangeiros e estrangeiros, e entre também contrapostos, de tal modo que não se pode aceitar a tese estrangeiros e cidadãos romanos, uma vez que os estrangeiros eram segundo a qual constituiriam eles uma só coisa. excluídos do jus civile. Assim, por exemplo, os juristas romanos reconheceram a De regra, para estas relações internacionais se estabeleceu escravidão como contrária ao direito natural (pelo qual todos nascem um direito simples, despojado daquelas formalidades solenes, das livres); encontraram, todavia, para ela, justifIcativa na prática quais era revestido o direito próprio do povo romano. comum dos povos, no jus gentium. O jus gentium é o modo simples e sufIciente para regular as Bastaria isto para demonstrar a diversidade dos dois relações às quais são admitidos também os estrangeiros. conceitos. De resto, os juristas romanos não foram notáveis nas Quanto ao segundo sentido em que se entende o jus gentium, abstrações teóricas, nas idéias puramente filosóficas, mas no é provável que se tenha chegado a ele com o seguinte processo: a traspasse delas para a prática do direito positivo, na sua aplicação, princípio, os romanos não conceberiam esse direito como superior satisfazendo sempre, com genial agudeza, as exigências lógicas e as ao civil, antes, como um direito primitivo e rudimentar; depois, o necessidades mutáveis da realidade. estudo da FilosofIa grega fez reconhecer naquela própria Consagrando o maior respeito pelas formas tradicionais e simplicidade a indicação da natureza, o reflexo da lei natural; em históricas dos institutos, e não rompendo nunca de maneira violenta seguida, a continuidade do seu desenvolvimento, os juristas romanos jamais vislumbrou-se nele um elemento de superioridade, considerou-se o perderam de vista a vida concreta e a natureza das coisas, e jus gentium como expressão das exigências primordiais e comuns souberam fazer progredir continuamente o direito segundo o a todos os povos, como revelação mais direta da razão universal. coteúdo das Entende-se, então, por direito das gentes o direito positivo comum 38 39
  • 20. ~ GIORGIO DEL VECCHIO novas exigências, mas com uma técnica formal perfeita. Nisto está a sua glória máxima. A nossa disciplina tem por fontes clássicas a Filosofia grega e a Jurisprudência romana. o CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO / DIREITO NA IDADE MEDIA A sublime doutrina religiosa e moral que, nascida na Palestina, difundiu-se em poucos séculos em grande parte do mundo civil, produziu uma mutação profunda na concepção do direito e do Estado. Originariamente, porém, a doutrina cristã não teve significado jurídico ou político, mas tão só moral. O princípio da caridade não se desenvolveu para obter reformas políticas e sociais, mas para reformar as consciências. Seguiam, sim este princípio, a liberdade, a igualdade de todos os homens, e a unidade da grande farm1ia humana, porém, como corolário da pregação evangélica; mas essas idéias não se opuseram diretamente à ordem poÍítica estabelecida. A própria escravidão não foi combatida, mas respeitada como iQstituição humana, porém afmnando-se a fraternidade dos homens pela lei divina. Ao contrário, chegaram alguns Padres da Igreja a considerá-Ia como ocasião propícia para que os escravos se exercitassem na paciência, e na obediência aos patrões, e os patrões na brandura com os escravos. Não se sustenta, em suma, a necessidade de abolir, na prática, a escravidão, mas contentou-se com mitigá-Ia, através do princípio cristão da caridade e do amor. A doutrina do Evangelho foi essencialmente apolítica. Todos os seus ensinamentos tiveram, originariamente, um sentido espiritual: "Não vim para ser servido, mas para servir - O meu Reino não é deste mundo - Dai a César o que é de César, e a Deus, o que é de Deus". Os tributos devem ser pagos ao Estado, não à Igreja. Todavia, a doutrina da Igreja teve efeitos e influência notáveis também -sobre a Política e sobre as ciências atinentes a ela. 40 41