1. TEORIA ELEMENTAR DOS NÚMEROS
Jaime Edmundo Apaza Rodriguez
Departamento de Matemática, FEIS - UNESP
15385-000, Ilha Solteira - SP
E-mail: jaime@mat.feis.unesp.br
1 Introdução
O objetivo central da Teoria dos Números é o estudo das propriedades dos números inteiros
positivos. Nestas breves notas apresentamos alguns dos resultados fundamentais desta teoria.
A Teoria dos Números se divide em três ramos principais: Teoria Elementar, Teoria Analítica
e Teoria Algébrica. Os resultados que serão apresentados servem, tanto para o estudo dos outros
ramos (Analítica e Algébrica), como também para outros ramos da Matemática.
Os conceitos serão introduzidos por meio de um número significativo de exemplos, buscando
motivar ao interessado antes de ter contato com demostrações formais. Isto sempre é possível
pelo grande número de problemas interessantes que aparecem nesta teoria e que não requerem
de sofisticadas ferramentas matemáticas para sua compreensão.
2 Divisibilidade
Nesta seção apresentamos resultados básicos tais como o Algoritmo da Divisão (de Euclides), o
Teorema Fundamental da Aritmética e uma das demonstrações da existência de infinitos números
primos.
2.1 Indução
Iniciamos a seção enunciando o Princípio de Indução Finita (PIF) e o Princípio da Boa Ordenação
(PBO).
Teorema 2.1 (PBO) Todo subconjunto, não vazio, de números inteiros positivos tem elemento
minimal.
Teorema 2.2 (PFI) Seja S subconjunto dos números inteiros positivos tal que:
(1) 1 ∈ S
(2) k + 1 ∈ S, sempre que k ∈ S.
Então S contém todos os números inteiros positivos.
Uma outra forma de apresentar o PFI é o seguinte.
Teorema 2.3 (PFI) Seja S subconjunto dos números inteiros positivos tal que:
(1) 1 ∈ S
(2) k + 1 ∈ S, sempre que 1, 2, · · · ∈ S.
Então S contém todos os números inteiros positivos.
Observação 2.1 Os três resultados apresentados acima são equivalentes (veja-se o texto de J.
P. de O. Santos, Introdução à Teoria dos Números).
2. Exemplo 2.1 Mostrar que
an − 1
1 + a + a2 + · · · + an−1 = ,
a−1
para a ̸= 1 e todo n inteiro positivo (Sugestão: Aplicar indução sobre n).
2.2 Divisibilidade
Definicão 2.1 Se a e b são números inteiros, dizemos que a divide b se existir um número inteiro
c tal que b = ac. Denotamos por a|b o fato de a divide b.
Observação 2.2 (a) A definição acima equivale a dizer que b é múltiplo de a.
(b) Se a não divide b, escrevemos a b.
Proposição 2.1 Se a, b e c são números inteiros tais que a|b e b|c, então a|c.
Proposição 2.2 Se a, b, c, m en são números inteiros tais que c|a e c|b, então c|(ma + nb).
Prova: Dado que c|a e c|b então a = k1 c e b = k2 c. Multiplicando estas expressões
respectivamente por m e n obtemos ma = mk1 c e nb = nk2 c. Logo somando membro a
membro temos ma + nb = (mk1 + nk2 )c, o que garante que c|(ma + nb).
Exemplo 2.2 Dado que 5|15 e 5|25, então 5|(4 × 15 − 7 × 25).
Teorema 2.4 Valem as seguintes propriedades:
(1) a|a e a|0, para todo número inteiro a ̸= 0.
(2) Se d|n, então ad|an, para todo número inteiro a.
(3) Se ad|an e a ̸= 0, então d|n.
(4) 1|a, para todo número inteiro a.
Antes de apresentar o Algoritmo da Divisão, enunciamos o chamado "Teorema de Eudoxius":
Sejam a, b números inteiros com b ̸= 0. Então a é múltiplo de b ou se encontra entre dois múltiplos
consecutivos de b, ou seja, existe um número inteiro q tal que:
Para b > 0 temos qb ≤ a < (q + 1)b,
Para b < 0 temos qb ≤ b < (q − 1)b.
Exemplo 2.3 Pelo Teorema de Eudoxius temos:
(1) Para a = 11 e b = 4, devemos tomar q = 2. Assim 2 × 4 ≤ 11 < 3 × 4.
(2) Para a = −11 e b = 4, devemos tomar q = −3. Assim (−3) × 4 ≤ −11 < (−2) × 4.
(3) Para a = 11 e b = −4, devemos tomar q = −2. Assim (−2) × (−4) ≤ 11 < (−3) × (−4).
(4) Para a = −11 e b = −4, devemos tomar q = 3. Assim 3 × (−4) ≤ −11 < 2 × (−4).
Teorema 2.5 (Algoritmo da Divisão) Dados dois números inteiros a e b, com b > 0, existe um
único par de inteiros q e r (chamados quociente e resto, respectivamente), tais que
a = qb + r, com 0≤r<b
3. Prova:
Existência: Pelo Teorema de Eudoxius, dado b > 0, existe o inteiro q satisfazendo a condição
qb ≤ a < (q + 1)b,
o que implica 0 ≤ a − qb e a − qb < b. Assim, se definimos r = a − qb, garantimos a existência
de q e r.
Unicidade: Vamos supor a existência de outro par q1 , r1 verificando
a = q 1 b + r1 , com 0 ≤ r1 < b.
Segue que qb + r) − (qb1 + r1 ) = 0, o que implica b(q − q1 ) = r1 − r, ou seja, b|(r1 − r). Mas
como r1 < b e r < b, temos que |r1 − r| < b. Se b|(r1 − r), então devemos ter r1 − r = 0, ou
seja r1 = r. Logo q1 b = qb, de onde q1 = q, pois b ̸= 0.
Observação 2.3 Embora a hipotese do Algoritmo da Divisão exija b > 0, isto não é necessário
pois usando o Teorema de Eudoxius é possível encontrar q e r para b < 0. Assim, o Algoritmo
da Divisão pode ser enunciado na seguinte forma: Dados a, b números inteiros, com b ̸= 0, existe
um único par de inteiros q e r, tais que a = qb + r, com 0 ≤ r < |b|.
2.3 O Máximo Divisor Comum
Definicão 2.2 O máximo divisor comum de dois inteiros a e b, com a ou b não nulo, é o maior
inteiro que divide a e b. Denotamos o máximo divisor comum de a e b por (a, b).
Teorema 2.6 (Propriedades do máximo divisor comum)
(1) Seja d = (a, b). Então existem inteiros n0 e m0 tais que d = n0 a + m0 b.
(2) Seja d = (a, b). Então d é o divisor positivo de a e b que é divisível por todo divisor comum.
(3) Para todo inteiro positivo m, temos que (ma, mb) = m(a, b).
a b 1
(4) Se c > 0 e a e b são divisíveis por c, então ( , ) = (a, b).
c c c
Definicão 2.3 Os números inteiros a e b são primos relativos quando (a, b) = 1.
Teorema 2.7 (Outras propriedades do máximo divisor comum)
a b
(1) Seja d = (a, b). Então ( , ) = 1.
d d
(2) Sejam a, b e n números inteiros. Então (a, b) = (a, b + an).
(3) Se a|bc e (a, b) = 1, então a|c.
(4) Se a e b são inteiros e a = qb + r, onde q e r são inteiros, então (a, b) = (b, r).
Exemplo 2.4 Usando as propriedades acima mencionadas temos
(1) (12, 36) = 12, logo 12 = 1 × 12 + 0 × 36. Também temos 12 = (−2) × 12 + 1 × 36.
(2) Dado que (12, 36) = 12, e sendo 3 um outro divisor comum de 12 e 36, segue que 3|12.
(3) (3 × 5, 3 × 7) = 3(5, 7) = 3, pois (5, 7) = 1.
12 36 1 1
(4) ( , ) = (12, 36) = × 12 = 4.
3 3 3 3
4. 48 36
(5) Dado que (48, 36) = 12, segue ( , ) = (4, 3) = 1.
12 12
(6) (3, 15) = (3, 15 + 3 × 4) = (3, 15 + 3 × 7) = (3, 15 + 3 × (−2)) = · · · .
(7) 4|(27 × 20), logo 4|20 ja que (4, 27) = 1.
(8) Vamos calcular o máximo divisor comum de 1126 e 522. Usamos o Algoritmo da Divisão
para dividir 1126 por 522. Logo dividimos 522 pelo resto 82 e assim sucessivamente até
obter resto 0.
1126 = 2 × 522 + 82
522 = 6 × 82 + 30
82 = 2 × 30 + 22
30 = 1 × 22 + 8
22 = 2 × 8 + 6
8 = 1×6+2
6 = 3×2+0
Da última equação temos que (6, 2) = 2. Pelo teorema 2.7 (4), da equação 8 = 1 × 6 + 2,
podemos concluir que (8, 6) = (6, 2). Da equação 22 = 2 × 8 + 6 segue que (22, 8) = (8, 6).
Sucessivas aplicações dessa propriedade permitem obter a sequência de igualdades (6, 2) =
(8, 6) = (22, 8) = (30, 22) = (82, 30) = (522, 82) = (1126, 522). Desta forma obtemos que
(1126, 522) = 2.
2.4 O Algoritmo de Euclides
Teorema 2.8 Sejam r0 = a e r1 = b números inteiros não-negativos, com b ̸= 0. Se o Algoritmo
da Divisão for aplicado sucessivamente para se obter
rj = qj+1 rj+1 + rj+2 , 0 ≤ rj+2 < rj+1 ,
para j = 0, 1, 2, · · · n − 1 e rn+1 = 0, então (a, b) = rn , o último resto não-nulo.
Prova: Aplicamos inicialmente o Algoritmo da Divisão para dividir a por b obtendo assim
r0 = q1 r1 + r2 . A seguir dividimos r1 por r2 obtendo r1 = q2 r2 + r3 e assim sucessivamente até
obter o resto rn+1 = 0. A cada passo o resto é sempre menor que o anterior e dado que estamos
lidando com números inteiros positivos, é claro que após um número finito de vezes do Algoritmo
da Divisão, obteremos resto 0. Temos assim a seguinte sequência de equações:
r0 = q 1 r1 + r2 , 0 < r2 < r1
r1 = q 2 r2 + r3 , 0 < r3 < r2
r2 = q 3 r3 + r4 , 0 < r4 < r3
.
.
.
rn−2 = qn−1 rn−1 + rn , 0 < rn < rn−1
rn−1 = qn rn + 0.
Pelo teorema 2.7 (4) temos que (rn , rn−1 ) = rn . Como no exemplo 2.4 (8), aplicando repetidas
vezes essa propriedade temos a sequência:
rn = (rn−1 , rn ) = (rn−2 , rn−1 ) = · · · = (r1 , r2 ) = (r0 , r1 ) = (a, b),
e portanto (a, b) = rn .
5. 2.5 Números Primos
Definicão 2.4 Um número inteiro n > 1 é dito primo se possui dois divisores positivos: n e 1.
Se n não é primo é chamado composto.
Teorema 2.9 Seja p número primo tal que p|ab. Então p|a ou p|b.
Exemplo 2.5 Temos que 3|96 = 16 × 6, logo 3|6, mas 3 16.
Teorema 2.10 (Teorema Fundamental da Aritmética) Todo número inteiro, maior do que 1,
pode ser representando de maneira única (exceto a ordem dos fatores) como produto de fatores
primos ou potências desses fatores primos.
Prova: Se n for primo não há nada a mostrar. Então suponha n composto e seja p1 o menor
dos divisores positivos de n. Afirmamos que p1 é primo, pois caso contrário existirá um número
p, 1 < p < p1 com p|n, contradizendo a escolha de p1 . Assim n = p1 n1 , para algum inteiro n1 .
Se n1 for primo, a prova esta terminada. Caso contrário, tomamos p2 como o menor fator
positivo de n1 . Pelo mesmo argumento anterior, p2 é primo e assim temos n = p1 p2 n2 .
Repetindo este procedimento, obtemos uma sequência decrescente de números inteiros posi-
tivos n1 , n2 , · · · nr , todos eles maiores que 1 e portanto o processo deve parar em algum momento.
Como os números primos p1 , p2 , · · · , pk não são necessariamente distintos, temos que
n = pm1 pm2 · · · pmk ,
1 2 k
onde os números mi são naturais.
Para mostrar a unicidade desta representação usamos indução sobre n. Para n = 2 a afir-
mação é verdadeira. Assumimos então que se verifica para todos os números inteiros maiores do
que 1 e menores do que n. Agora vamos mostrar que vale também para n. Se n for primo não
há nada a mostrar. Então suponha n composto e que admite duas fatorações:
n = p1 p2 · · · ps = q 1 q 2 · · · q r .
Vamos mostrar que s = r e que cada pi é igual a algum qj . Como p1 divide o produto
q1 q2 · · · qr , então ele divide pelo menos um dos fatores qj . Sem perda de generalidade podemos
supor que p1 |q1 . Como ambos são primos, temos que p1 = q1 . Logo n/p1 = p2 · · · ps = q2 · · · qr .
Sendo que 1 < n/p1 < n, a hipótese de indução garante que as duas fatorações são idénticas,
salvo a ordem dos fatores, isto é, s = r. Assim p1 p2 · · · ps = q1 q2 · · · qr .
Teorema 2.11 Se n = pm1 pm2 · · · pmk , o conjunto dos divisores positivos de n é o conjunto de
1 2 k
todos os números da forma
pc1 pc2 · · · pck ,
1 2 k com 0 ≤ ci ≤ mi , i = 1, 2, · · · k.
Observação 2.4 Os produtos obtidos no resultado acima são finitos pois o número de fatores
primos de qualquer inteiro é sempre finito.
Teorema 2.12 Se dois números inteiros a e b possuem as fatorações
a = pm1 pm2 · · · pmr ,
1 2 r e b = pn1 pn2 · · · pns ,
1 2 s
então (a, b) = pj1 pj2 · · · pt t , onde ji = min{mi , ni }.
1 2
j
Prova: Para um produto de fatores primos comuns seja um divisor comum nenhum expoente
ji de pi poderá superar nem mi nem ni . Dado que estamos interessados no maior dos divisores
positivos, basta tomar ji como sendo o menor desses dois.
6. Teorema 2.13 (Euclides) A sequência de números primos é infinita
Prova: Vamos supor que a sequência de números primos é finita e sejam estes p1 , p2 , · · · , pn .
Agora considere o número p = p1 p2 · · · pn + 1. Então é claro que p não é divisível por nenhum
dos pi que p é maior do que qualquer pi . Isto significa que ou p é primo ou p possui algum fator
primo. Dado que esta última possibilidade não acontece então p é um primo diferente de todos
os pi . Assim a lista de números primos não poderia ser finita.
Observação 2.5 Para n ∈ N defina-se o fatorial de n por n! = 1 · 2 · 3 · (n − 1)n. Verifica-se
que n! é divisível por todos os números comprendidos entre 2 e n. Também definimos 0! = 1.
Teorema 2.14 Para qualquer número inteiro positivo n, existem n inteiros consecutivos com-
postos. Isto significa que existem "saltos" arbitrariamente grandes na sequência dos números
primos.
Prova: Como (n + 1)! é divisível por todos os n números entre 2 e n + 1, temos que a
sequência
(n + 1)! + 2, (n + 1)! + 3, (n + 1)! + 4, · · · , (n + 1)! + n, (n + 1)! + (n + 1),
esta formada por n números consecutivos compostos (isto é um deserto de primos).
Observação 2.6 Sejam n e k números inteiros não-negativos, com k ≤ n. Os chamados
números combinatórios, definidos por
( )
n n!
= ,
k k!(n − k)!
são números inteiros. Isto pode ser mostrado por indução ou usando a propriedade:
( ) ( ) ( )
n+1 n n
= + ,
k k k−1
a qual mostramos a seguir:
( ) ( )
n n n! n!
+ = +
k k−1 k!(n − k)! (k − 1)!(n − k + 1)!
n!(n + 1 − k) n!k
= +
k!(n + 1 − k)! k!(n + 1 − k)!
( )
(n + 1)! n+1
= = .
k!(n + 1 − k)! k
Teorema 2.15 O produto de qualquer sequência de n números inteiros consecutivos é divisível
por n!.
Prova: Consideremos n e k números inteiros positivos com k ≤ n. Sabemos (Análise
Combinatória) que o número de combinações de n, tomadas de k em k, é um número inteiro dado
por ( )
n n! n(n − 1) · · · (n − k + 1)
= = .
k k!(n − k)! k!
Dado que o numerador é o produto de k inteiros consecutivos, o resultado vale para uma
sequência de k inteiros positivos. No caso de zero ser um elemento na sequência, o resultado
é evidente pois o zero é divisível por qualquer número. Se a sequência contiver só números
negativos, a fração do lado direito acima mudará de sinal unicamente.
7. Observação 2.7 Se n não for primo, então n possui, necessariamente, um fator primo menor
√
ou igual a n. De fato, sendo n composto, então n = n1 n2 , onde 1 < n1 , n2 < n. Sem
√
perda de generalidade, podemos supor n1 ≤ n2 . Logo n1 ≤ n pois, caso contrário, teríamos
√ √
n = n1 n2 > n n = n, o qual é um absurdo. Logo n1 possui algum fator primo p, tal que
√
p ≤ n. Temos que p, sendo fator primo de n1 , é também fator primo de n, o que conclui a
prova.
A observação acima tem uma importante aplicação prática, pois fornece uma forma de testar
se um número n é primo. Para isso basta testar a divisibilidade apenas pelos números primos
√
p tais que p ≤ n. Assim por exemplo, se quisermos obter a lista de todos os primos menores
que 60 devemos excluir, dentre os números de 2 a 60, aqueles que são múltiplos de 2, 3, 5 e 7,
pois estes números são os primos menores ou iguais do que 60. Este processo é chamado Crivo
de Eratóstenes:
2 3 4 5 6 7 8 9 10
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
31 32 33 34 35 36 37 38 39 40
41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60
Logo, os primos entre 2 e 60 são todos aqueles que não foram eliminados pelo processo descrito
acima, isto é,
2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59.
2.6 Mínimo Múltiplo Comum
Definicão 2.5 O Mínimo Múltiplo Comum de dois inteiros a e b é o menor inteiro positivo que
é divisível por a e b. Denotamos por [a, b].
Teorema 2.16 Se a = pa1 pa2 · · · pan e b = pb1 pb2 · · · pbn onde p1 , p2 , · · · , pn são primos, então
1 2 n 1 2 n
max{a1 ,b1 } max{a2 ,b2 }
[a, b] = p1 p2 · · · pmax{an ,bn } .
n
Prova: Para que pi esteja no múltiplo comum de a e b, deverá ser um fator de ambos os
números e para ser o menor dos múltiplos comuns deverá aparecer com o maior expoente entre
ai e bi . Assim pi estará no mínimo múltiplo comum se aparecer com o maior expoente entre ai
e bi .
Teorema 2.17 Se x e y são números reais, então max{x, y} + min{x, y} = x + y.
Prova: Se x = y então max{x, y} = min{x, y} = x = y, e o resultado verifica-se claramente.
Sem perda de generalidade, podemos supor x < y. Então max{x, y} = y e min{x, y} = x, de
onde segue o resultado.
Teorema 2.18 Para a e b números inteiros positivos temos [a, b] · (a, b) = a · b.
Prova: Suponha que a = pa1 pa2 · · · pan e b = pb1 pb2 · · · pbn . Então temos que
1 2 n 1 2 n
∏ max{a ,b }
n ∏ min{a ,b }
n
i i i i
[a, b] = pi e (a, b) = pi .
i=1 i=1
8. Logo
∏ max{a ,b }+min{a ,b } ∏ a +b
n n ∏ a ∏ b
n n
[a, b] · (a, b) = pi i i i i
= pi i i
= pi ·
i
pi i = a · b.
i=1 i=1 i=1 i=1
n
Definicão 2.6 Um número da forma Fn = 22 + 1 é dito Número de Fermat.
3
Exemplo 2.6 O número F3 = 22 + 1 = 28 + 1 é um número de Fermat.
Teorema 2.19 Quaisquer dois números de Fermat distintos Fn e Fm são primos entre si.
Prova: Verifica-se que F0 F1 · · · Fn−1 = Fn − 2. Provamos este fato por indução sobre n. Para
n = 1 temos que F0 = F1 − 2, ou seja, 3 = 22 + 1. Vamos supor a validade da relação para n e
mostraremos que também vale para n + 1. Assim temos
F0 F1 · · · Fn = (F0 F1 · · · Fn−1 )Fn = (Fn − 2)Fn
n n n n
= (22 + 1 − 2)(22 + 1) = (22 − 1)(22 + 1)
n+1 n+1
= 22 − 1 = 22 + 1 − 2 = Fn − 2.
Supondo n < m, pela relação acima, se tem que F0 F1 F2 · · · Fn · · · Fm−1 = Fm − 2, o que
implica que Fm − F0 · · · Fn · · · Fm−1 = 2. Logo, se um número d divide Fn e Fm , então d divide
2. Como Fn é ímpar, d não pode ser 2 e portanto (Fn , Fm ) = 1.
Deste resultado podemos concluir que existem infinitos números primos, pois sendo infinita
a sequência dos Números de Fermat e não possuindo fatores primos em comum, isto não poderia
ocorrer caso este conjunto fosse finito.
Teorema 2.20 Existem infinitos números primos da forma 6k + 5.
Prova: Pelo Algoritmo da Divisão, quando dividimos um número qualquer por 6, os possíveis
restos são 0, 1, 2, 3, 4 e 5, o que significa que um número inteiro pode ser escrito em uma das
seguintes formas: 6k, 6k + 1, 6k + 2, 6k + 3, 6k + 4, 6k + 5. Logo se p é primo ímpar, então p é da
forma 6k + 1 ou 6k + 5.
Para mostrar que existem infinitos primos da forma 6k + 5 vamos supor o contrário, ou seja,
que existe apenas um número finito deles. Sejam então p0 = 5, p1 , p2 , · · · , pr estes números.
Agora consideremos o número p = 6p1 p2 · · · pr + 5. Temos que este número não é divisível por
nenhum dos primos p0 , p1 , p2 , · · · , pr . Afirmamos que p possui um fator primo da forma 6k + 5
pois, caso contrário, todos seriam da forma 6k + 1, o que não é possível, dado que o produto de
dois números da forma 6k + 1 é sempre desta mesma forma. Isto mostra que, ou p é primo, ou p
possui um fator primo da forma 6k + 5, ficando mostrado assim a existência de infinitos primos
da forma 6k + 5.
Observação 2.8 O que foi mostrado acima é um caso especial do chamado Teorema dos Primos
em Progressão Aritmética (Dirichlet), o qual afirma que se a e b são números inteiros primos
entre si, então a progressão aritmética an + b, n = 1, 2, 3, · · · , contém um número infinito de
primos.
2.7 Critérios de Divisibilidade
Os critérios que serão apresentados são, basicamente, aplicações da proposição 2.2.
Divisibilidade por 3: Para descrever a ideia, consideremos um número n com 5 dígitos
abcde. Em base 10, ele pode ser escrito na forma
n = a × 104 + b × 103 + c × 102 + d × 101 + e × 100 .
9. A seguir, faremos as seguintes substituições:
10 = 9 + 1
100 = 99 + 1
1000 = 999 + 1
10000 = 9999 + 1.
Assim temos:
n = a(9999 + 1) + b(999 + 1) + c(99 + 1) + d(9 + 1) + e
= 9999a + 999b + 99c + 9d + (a + b + c + d + e)
= 9(1111a + 111b + 11c + d) + (a + b + c + d + e).
Portanto, se 3|n, então 3|(a + b + c + d + e), pois 3|9(1111a + 111b + 11c + d). Recíprocamente
se 3|(a + b + c + d + e), então 3|n, dado que 3|9(1111a + 111b + 11c + d). Desta forma mostramos
o seguinte critério de divisibilidade por 3: "Um número é divisível por 3 se, e somente se, a soma
de seus dígitos é divisível por 3".
Divisibilidade por 9: Para obter um critério de divisibilidade por 9 basta, no argumento
acima, substituir 3 por 9 e obter: "Um número é divisível por 9 se, e somente se, a soma de seus
dígitos é divisível por 9".
Por outro lado, como todo número inteiro pode ser escrito na forma 10k + u, onde u é o dígito
das unidades, e como 10 é divisível por 2, então 10k + u será divisível por 2 se, e somente se, u
for múltiplo de 2, ou seja, se, e somente se, ele for par.
Divisibilidade por 4: O critério de divisibilidade por 4 se obtém considerando o número
inteiro escrito na forma 100k + ab, onde ab é o número formado pelos dois últimos dígitos, isto
é, das dezenas e unidades e observando que 100 é múltiplo de 4.
Exemplo 2.7 Pelos critérios vistos acima temos que:
(1) O número 7341 é divisível por 3 pois 7 + 3 + 4 + 1 = 15 é divisível por 3.
(2) O número 8547 não é divisível por 9 pois 8 + 5 + 4 + 7 = 24 não é divisível por 9.
(3) O número 27548 é divisível por 4 pois 48 é múltiplo de 4. Por outro lado o número 75314
não é divisível por 4 pois 14 não é divisível por 4.
Divisibilidade por 7: Para descrever o critério de divisibilidade por 7, consideremos um
exemplo. Seja n = 59325. Separamos o dígito 5 das unidades e, do número restante, 5932,
subtraímos o dobro deste dígito, ou seja 5932 − 10 = 5922. Repetimos este procedimento até
obter um número suficientemente pequeno de modo a poder reconhecer se é ou não divisível por
7. Assim, continuando com o número acima temos 592 − 4 = 588, logo 58 − 16 = 42 e observamos
que, como 42 é divisível por 7, então o número original 59325 é divisível por 7.
O critério: Seja u o dígito das unidades do número n. Então n pode ser escrito na forma
10k + u. No procedimento descrito acima obtivemos um número r tal que r = k − 2u, com
k = 5932 e u = 5. Assim será suficiente mostrar que os números 10k + u e k − 2u são tais que,
se um deles é múltiplo de 7, o outro também é. Isto é, devemos mostrar a seguinte equivalência:
10k + u é múltiplo de 7 ⇐⇒ k − 2u é múltiplo de 7.
De fato, se 10k +u é múltiplo de 7, então existe um inteiro m tal que 10k +u = 7m e portanto
k − 2u = k − 2(7m − 10k) = 21k − 14m = 7(3k − 2m), o que significa que k − 2u é múltiplo de 7.
Recíprocamente, se k − 2u é múltiplo de 7, então existe um inteiro n tal que k − 2u = tn e
portanto 10k + u = 10(tn + 2u) + u = 70n + 20u + u = 70n + 21u = 7(10n + 3u), o que implica
10k + u ser múltiplo de 7.
10. Exemplo 2.8 Pelo critério dado temos:
(1) No exemplo acima, do número 59325 foi obtido, após repetir o processo descrito três vezes,
k − 2u = 42 divisível por 7, logo 10k + u = 588 é divisível por 7. Sendo 588 divisível por 7,
então 5932 também será divisível por 7 e a divisibilidade deste por 7 implica a divisibilidade
por 7 do número 59325.
(2) Seja n = 735421. Seguindo o critério dado temos:
735421 − 2 × 1 = 73540
7354 − 2 × 0 = 7354
735 − 2 × 4 = 727
72 − 2 × 7 = 58.
Como 7 58, então 7 735421.
Divisibilidade por 11: Como nos casos anteriores, também usaremos um exemplo para
descrever o critério. Seja n = abcde um número com 5 dígitos. Podemos representá-lo na forma
n = a × 104 + b × 103 + c × 102 + d × 101 + e × 100 .
Fazendo as seguintes substituições
10 = 11 − 1
100 = 99 + 1
1000 = 1001 − 1
10000 = 9999 + 1,
obtemos
n = a(9999 + 1) + b(1001 − 1) + c(99 + 1) + d(11 − 1) + e
= 9999a + 101b + 99c + 11d + (a + c + e) − (b + d).
Como 9999a+101b+99c+11d é divisível por 11, então n será divisível por 11 se, e somente se,
[(a + c + e) − (b + d)] o for. Observamos que os dígitos a, c, e ocupam posições ímpares no número
n, enquanto b e d posições pares. Aqui foram usados dois fatos simples de serem verificados:
(a) Todo número da forma 99 · · · 9, onde o número de 9’s é par, é divisível por 11.
(b) Todo número da forma 100 · · · 01, onde o número de 0’s entre os dois 1’s é par, também
é divisível por 11. Para justificar esta afirmação observar que 9999 = 9900 + 99, 999999 =
999900 + 99, · · · e que 1001 = 990 + 11, 100001 = 99990 + 11, · · · .
Exercicios e problemas
(1) Usando o Algoritmo da Divisão, determinar o Máximo Divisor Comum de:
(1) 542 e 234, 2) 9652 e 252, (3) 24573 e 1387, (4) 4276 e 1234, (5) 48762 e 176.
(2) Determinar o Mínimo Múltiplo Comum de:
(1) 44 e 32, (2) 234 e 12, (3) 35 e 24, (4) 142 e 172, (5) 17 e 141.
(3) Encontrar uma sequência de, pelo menos, 30 números inteiros consecutivos e compostos.
11. (4) Mostrar que o produto de três inteiros consecutivos é divisível por 6.
n(n + 1)(n + 2)
(Sugestão: Usar a igualdade 1 · 2 + 2 · 3 + 3 · 4 + · · · + n(n + 1) = ).
3
(5) Determinar os valores do números inteiros x e y tais que:
(1) 93x + 81y = 3, (2) 43x + 128y = 1.
(6) Mostrar que se a e b são números inteiros positivos tais que (a, b) = [a, b], então a = b.
(7) Mostrar que n5 − n é divisível por 30, para todo número inteiro n.
(8) Mostrar que a equação x3 + 7x + 17 = 0 não possui solução inteira.
(9) Mostrar que para nenhum n ∈ N, o número 2n + 1 é um cubo.
(10) Mostrar que, além do número 2 = 13 + 1, nenhum número da forma n3 + 1 é primo.
(11) Mostrar que não existe n ∈ N tal que 7|(4n2 − 3).
(12) Sabendo que o resto da divisão de um número inteiro b por 7 é 5, calcular o resto da
divisão por 7 dos seguintes números:
(1) −b, (2) 2b, (3) 3b + 7, (4) 10b + 1, (5) b2 + b + 1.
1 1
(13) Sendo + um número inteiro, com a e b inteiros positivos, mostrar que a = b. Mostrar
a b
também que a = 1 ou a = 2.
(14) Mostrar que se (a, b) = 1, então (2a + b, a + 2b) = 1 ou 3.
(15) Mostrar:
(1) (a, bc) = 1 se, e somente se, (a, b) = (a, c) = 1.
(2) Se b|c então (a + c, b) = (a, b).
(3) Se (a, c) = 1 então (a, bc) = (a, b).
(4) (a, b, c) = ((a, b), c).
(16) Encontrar o menor inteiro positivo da forma 36x + 54y, onde x, y são inteiros.
(17) Sejam a eb números inteiros diferentes. Mostrar que existe um número infinito de
inteiros n tal que (a + n, b + n) = 1.
Solução: Suponha a < b. Se escolhemos um número k positivo e suficientemente grande, o
número n = (b−a)k +1−a será positivo. Dado que a+n = (b−a)k +1 e b+n = (b−a)(k +1)+1,
então a + n > 0 e b + n > 0. Agora, se d|(a + n) e d|(b + n), então d|(b − a). Logo, sendo que
d|(a + n) e d|(b − a), então d|1, de onde segue que (a + n, b + n) = 1. Como qualquer k, maior do
que o escolhido acima, fornece um número n com a propriedade deseja, temos que a sequência de
n’s é infinita..
(17) Para qualquer inteiro positivo k e n ≥ 2, mostrar que (n − 1)|(nk − 1).
Solução: Basta observar que nk − 1 = (n − 1)(nk−1 + nk−2 + · · · + n2 + n + 1).
(18) Para todo número inteiro n > 1, a soma 1 + 1
2 + 1
3 + · · · n nunca é um número inteiro.
1
Solução: Consideremos o conjunto S = {1, 2, 3, · · · , n} e seja 2k a maior potência de 2 em S.
Temos que 2k não divide nenhum elemento de S. De fato, se 2k fosse divisor de algum outro inteiro
em S (além dele mesmo), este inteiro será da forma b2k , onde b > 1. Logo o número 2k+1 estará
também em S, o que contradiz a escolha de k.
Agora, vamos supor que a soma dada seja um número inteiro t. O Mínimo Múltiplo Comum dos
12. elementos e S é da forma m2k , onde m é ímpar. Multiplicando a soma dada por m2k−1 temos
1 1 1
m2k−1 (1 + + + · · · ) = mt2k−1 .
2 3 n
Quando multiplicamos cada termo da soma por m2k−1 , um dos termos será m e todos os outros
2
serão inteiros, o que é uma contradição, pois m é ímpar. Portanto a soma fornecida não pode ser um
número inteiro.
n m
(19) Se m > n, então (a2 + 1)|(a2 − 1).
Solução: Observamos na sequência a seguir que cada termo divide o seguinte:
n
x + 1, x2 − 1, x4 − 1, x8 − 1, x16 − 1, · · · , x2 − 1, · · · .
n
Então basta tomar x = a2 e teremos o resultado procuraro.
(20) Se a, e b são ímpares, então a2 + b2 não pode ser um quadrado perfeito.
Solução: Dado que a e b são impares, existem inteiros t e s tais que a = 2t+! e b = 2 + 1. Logo:
a2 + b2 = (2t + 1)2 + (2s + 1)2 = 4(t2 + s2 + t + s) + 2 = 2(2k + 1),
onde k = t2 + s2 + t + s.
Portanto a2 + b2 é um número par, não divisível por 4, e não pode ser um quadrado perfeito pois
se 2|C 2 , então 2|c, o que implica 4|c2 .
Este resultado afirma que, em um triângulo retângulo com lados inteiros, os dois catetos não
podem ser ambos números ímpares.
(21) Se a e m são números inteiros, não nulos simultaneamente, então (a, a + m)|m, para
todo inteiro m.
Solução: Sabemos que (Teorema 2.7 (2)) que para a, b, m números inteiros, então (a, b) =
(a, b + am). Logo aplicamos este resultado, tomando b = a + m e m = −1.
(22) Mostrar que se m e n são números inteiros positivos, com m > 1, então n < mn .
Solução: Sabemos que
mn − 1
n = 1 + 1 + · · · + 1 ≤ 1 + m + m2 + · · · + mn−1 = .
m−1
n−vezes
mn − 1
Mas ≤ mn − 1 < mn . Logo n < mn .
m−1
(23) Mostrar que, para todo n inteiro, (n! + 1, (n + 1)! + 1) = 1.
Solução: Suponha que p é um número primo, divisor comum de n! + 1 e (n + 1)! + 1. Logo p
divide à diferença destes números, que é nn!. Isto implica que p|n!. Como p|(n! + 1) e p|n! então
p|1, ou seja, p = 1. Assim (n! + 1, (n + 1)! + 1) = 1.
(24) Mostrar que se a e b são números inteiros, com (a, b) = 1, então (a + b, a − b) = 1 ou 2.
Solução: Seja d = (a + b, a − b). Logo a + b = k1 d e a − b = k2 d. Portanto
(k1 + k2 )d = 2a e (k1 − k2 )d = 2b.
De um lado temos que (2a, 2b) = 2(a, b) = 2. De outro lado (2a, 2b) = ((k1 + k2 )d, (k1 − k2 )d) =
d(k1 + k2 , k1 − k2 ) = 2. Se supomos que (k1 + k2 , k1 − k2 ) = k, então temos kd = 2, o que implica
que d = 1 e k = 2, ou d = 2 e k = 1. Assim d = 1 ou d = 2.
13. (25) Mostrar que se an − 1 for primo, para n > 1 e a > 1, então a = 2 e n primo.
Solução: Dado que an − 1 = (a − 1)(an−1 + an−2 + · · · + a + 1), e o segundo fator é maior do
que 1 (pois a > 1), segue que a − 1 = 1 pois an − 1 é primo. Portanto a = 1.
Por outro lado, se n não for primo, então teríamos n = rs, com r > 1, s > 1. Assim
2rs − 1 = (2r − 1)(2r(s−1) + 2r(s−2) + · · · + 2r + 1),
o que contradiz o fato de 2rs − 1 ser primo. Portanto n tem que ser primo.