O documento descreve o movimento simbolista na literatura portuguesa no final do século XIX e início do século XX. Analisa poemas de três autores representativos do período: Eugênio de Castro, Antônio Nobre e Camilo Pessanha. Destaca características como o uso de rimas complexas, sinestesia, sugestão em vez de descrição direta e busca pela expressão do sonho e do subconsciente. Conclui que o simbolismo se propôs a criar uma nova concepção estética baseada no
O simbolismo na poesia portuguesa: análise de poemas de Castro, Nobre e Pessanha
1. Publicado na 11° Edição (Novembro e Dezembro de 2009) da Revista Linguasagem
www.letras.ufscar.br/linguasagem
SIMBOLISMO EM PORTUGAL:
SÍMBOLO E IMAGÉTICA
Danilo Souto Maior1
1. INTRODUÇÃO
"Descrever um objeto é suprimir três quartos
da fruição de um poema, que é feito da felicidade de
adivinhar, pouco a pouco. Sugeri-lo, eis o sonho."
(Mallarmé)
O simbolismo em Portugal caracterizou-se por um movimento na literatura,
partindo dos ideais decadentistas vindos da França, e teve como principais autores
inspiradores Mallarmé, Baudelaire ou Verlaine.
Este trabalho traz em si algumas das características que marcaram mais
profundamente este movimento e que serviriam de base, mais tarde, para importantes
2. movimentos de vanguardas européias, tais como o Futurismo, o Cubismo, o
Expressionismo, dentre outros.
Uma das principais características, e que se pode destacar aqui, deste movimento,
tem a ver com questões de estética. No contexto simbolista a concepção de estética é
baseada em termos essenciais da intuição e não da noção, como assinala Marcuse, que
acrescenta:
"Seja qual for o objeto (coisa ou flor, animal ou homem) é
representado e julgado não em termos de sua utilidade, não de
acordo com algum intento ou propósito a que possa talvez servir
e também sem ter em vista a sua finalidade e compleição
"internas". Na imaginação estética, o objeto é representado, de
preferência, como algo inteiramente livre de tais relações e
propriedades, como ser que se é livremente." (MARCUSE,
p.160).
Assim, o reino da estética é essencialmente "irrealista".
Baseados nisso, passemos aos estudos de alguns escritores desta época, e seus
poemas, como se seguem.
2. ANÁLISE DE TRÊS POEMAS NO CONTEXTO SIMBOLISTA.
Comecemos por Eugênio de Castro, o introdutor do simbolismo em Portugal.
2.1 Um Sonho2
1
Graduando do curso de licenciatura plena em Letras, Universidade de Pernambuco, pólo Nazaré da Mata.
2
CASTRO, Eugênio de. Oaristos. Virtual books.
3. 1. Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos...
5. As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
10. Sonolentos e suaves,
Em Suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves
15. Suaves...
Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, celestial girassol, esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...
20. Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Obra na íntegra em: <http://www.astormentas.com/din/poema.asp?key=5814&titulo=Um+Sonho> 10, maio
de 2008.
4. Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
25. – Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...
[...]
85. Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz, luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
Ao analisarmos o poema acima, podemos destacar o que mais caracterizou este
autor, que abre caminho a uma expressão surrealizante. Um poema feito em versos
regulares, mas que consegue compor a expressão dos sentimentos. É constituído de rimas
perfeitas, ricas e raras:
vésperas: nêsperas (vs. 20 e 22)/ alabastros: astros (vs. 21 e 23)/ halos e crotalos (vs. 5 e 7),
entres outras.
Com as palavras o autor faz uma mixagem de sons, tornando o poema mais
harmonioso. Não que os poemas anteriores ao movimento não fossem dotados desta
harmonia, mas é que, no simbolismo, a impressão é mais forte. Nos seus versos,
percebemos como os sons das fricativas [ s ], [ f ], [ v ] e [ R ] tornam o poema mais
melódico, e que é uma característica do simbolismo, ora com a interposição de uma lateral
alveolar [ l ]:
v. 2. O sol, celestial girassol, esmorece...
5. v. 4. Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos.
ora trava com segmentos oclusivos, [ k ] ou [ t ]:
v. 7. cornamusas e crotalos,
v. 8. Cítolas, cítaras, sistros, (...)
O uso da paranomásia, já no primeiro verso, um recurso estilístico, onde há uma
semelhança de forma ou som na formação das palavras, muito utilizado entre poetas de
todas as épocas:
v. 1. Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
Foi quem melhor trabalhou em seus versos as questões de rima, ritmo e vocabulário,
muitas vezes exótico, com palavras pouco usuais, como nos exemplos acima. Explorou tais
recursos até a exaustão, tornando os seus poemas, às vezes, um tanto artificiais. Outro
recurso de que faz uso o autor no poema ilustrado é a aliteração, recurso estilístico que
consiste da repetição de fonemas no começo das palavras nos versos:
vs. 9 a 12. Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos (...)
ou da repetição de palavras e até mesmo de versos, o chamado paralelismo, como pudemos
perceber. Este recurso o autor utiliza para enfatizar o seu devaneio, cujo conteúdo está
6. relacionado com o místico e o subconsciente. Estas características podemos identificar na
última estrofe, versos 85 a 88, onde o autor sugere um sonho representante de uma
realidade fantasiada e de um conhecimento intuitivo e não lógico:
Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! Tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz, luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
2.2 Paz!3
1. E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão...
Quantos não scismam n'isso mesmo a esta hora
Com um taça, ou um punhal na mão!
5. Mas a Arte, o Lar, um filho, Antônio? Embora!
Chymeras, sonhos, bolas de sabão.
E a tortura do além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha unica afflicção...
Toda a dor pode suspportar-se, toda!
10. Mesmo a da noiva morta em plena boda,
3
NOBRE, Antônio. Só. Virtual books.
Disponível em: <purl.pt/125> 10, maio de 2008.
7. Que por mortalha leva... essa que traz...
Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar n'esse convento
Que há além da Morte e que se chama A Paz! (Versão original. Paris, 1891; p. 58).
Em termos de classificação, temos aqui um soneto, "um pensamento de ouro num
cárcere de aço", com rimas alternadas (abab), perfeitas: melhora: hora (vs. 1 e 3)/ illuzão:
mão (vs. 2 e 4); e ricas, já que, em alguns versos, as rimas são formadas com palavras de
classe gramatical diferente: Embora!: mora! (vs. 5 e 7)/ traz : Paz! (vs. 11 e 14).
Antônio Nobre, um poeta defensor do nacionalismo português, e que liberta já a
poesia simbolista do artificialismo e do convencional. Um dos aspectos que podemos
apontar em seu poema "Paz" é a singeleza com que o autor dispõe os versos, numa
linguagem mais coloquial, ao gosto dos românticos, mas também mais trabalhada, "para
que se torne mais sugestiva, para que evite o derramamento emotivo" (GOMES, p. 7), com
certas particularidades, tais como: a resignação ao destino e uma atitude passiva diante da
vida, herança do fenômeno pessimista schopenhauriano:
vs. 1 e 2. E a Vida foi, e é assim, e não melhora./ Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão...
e que reflete o gosto por uma vida sedentária e decorosa no usufruto das coisas belas e
espirituais:
vs. 13. e 14. Ai quem me dera entrar n'esse convento./ Que há além da Morte e que se
chama A Paz!
No poema acima o autor deflagra um hermetismo intencional que caracteriza toda a
8. sua obra, e que foi uma das máximas do simbolismo português.
2.3 Estátua4
1. Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, – frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
5. Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
10. Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...
E, por último, Camilo Pessanha, que é tido como um dos líricos portugueses mais
típicos, e o representante mais completo e exemplar do simbolismo português.
Temos aqui um soneto, com rimas interpoladas (abba), perfeitas: segredo: rochedo
(vs. 1 e 4); ricas e preciosas: escalpelo: debatê-lo (vs. 2 e 3).
Na primeira estrofe, percebemos um vago sentimento de revolta; na segunda, a
consternação; na terceira, a prostração e na última estrofe, a desolação e entrega.
Em seu poema “Estátua”, tendenciosamente voltado ao devaneio racional, “o
sentimento do poeta é provocado por uma dor espiritual desconhecida” (GOMES, p. 25):
4
PESSANHA, Camilo. Clepsidra. Virtual books.
9. v. 1 e 5. Cansei-me de tentar o teu segredo:/ Segredo dessa alma e meu degredo
Ainda: dadas certas características que tornam o poema mais eufônico e, portanto,
mais ao gosto dos nefelíbatas autores do movimento simbolista, outro ponto que se pode
por em evidência no poema "Estátua", do citado autor, é a lassidão expressa e o excesso de
adjetivos ou locuções adjetivas: sem cor; frio; oscular; de pavor; alucinado (vs. 2, 7, 8 e 9);
dentre outros. Isso contribuiu para criar a atmosfera de evanescência mística, proposta pelo
autor e que refletem certos estados da alma, embora que sem o emocionalismo dos
românticos. Aliás, "ser emocional não era dos simbolistas".
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Nos poemas acima analisados, pudemos observar que os autores pouco interesse
demonstram pelo enredo e ação na narrativa, fator comum entre os poetas simbolistas, que
cultivavam, dentre mais nada, a expressão da arte-pela-arte – ad infinitum – e o desprezo à
natureza, em troca do místico e sobrenatural. Uma busca incessante pela seleção dos
elementos que podiam contribuir para a fantasia, característica de algumas figuras de
palavra, como as metáforas ou a que nos pode chamar mais a atenção: a sinestesia: “No teu
olhar sem cor, frio escalpelo,” (PESSANHA, v. 2); ou os que apresentavam a essência em
vez da realidade: “E a tortura do além e quem lá mora!” (NOBRE, v. 7)// “Fui teu lábio
oscular, num pesadelo,” (PESSANHA, v. 7)// “Outros louros como nêsperas,”/ “No céu
pardo ardem os astros...” (CASTRO, vs. 22 e 23); realidade esta que a dimensão da estética
não pode validar, como se afirma no início deste trabalho. Isto tem a ver com a nova
concepção de estética estabelecida em Kant como algo “pertinente ao belo, especialmente
na arte”, e definida aqui por Marcuse em seus estudos sobre a filosofia de Kant, baseada
nos ideais da psicanálise de Sigmund Freud.
O que se pode deixar claro é que, embora o simbolismo tenha sido um movimento
literário de curta duração, como foi, se prestou com eficiência naquilo que se lhe propôs. Os
Extraído de: <http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdr/oliteraria/105.pdf> 10, maio de 2008.
10. autores uns em maior outros em menor medida, porém todos com a idéia impar de que o
poema deve ter uma concepção estética acompanhada do prazer de descrever o sonho como
representação sublime da realidade, como um princípio constitutivo em se fazer arte-pela-
arte.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CADORE, Luís Agostinho. Curso prático de Português. 2º grau. São Paulo: Ática, 1994. p.
315 - 319;
GOMES, Álvaro Cardoso. O Simbolismo. Série Princípios. São Paulo: Ática, 1994.
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização: Uma Interpretação filosófica do Pensamento de
Freud. Trad. Álvaro Cabral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1968. Cap. 9, p. 156 -
173;
SOCIEDADE dos Poetas Mortos. Direção: Peter Weir. Produção: Steven Haff, Paul Junger
Witt e Tony Thomas. Intérpretes: Robin Williams e outros. Roteiro: Tom Schulman.
Música: Maurice Jarre. Los Angeles: Touchstone Pictures. [ S.I. ] 1 DVD ( 129 min. ) Wide
Screen, color. Edição especial.