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THIAGO INGRASSIA PEREIRA
ORGANIZADOR
HA UMA
UNIVERSIDADE
NO MEIO DO CAMINHO
Caminhadas dos Bolsistas do PET/Conexões de Saberes
da UFFS/Erechim até a Universidade
Erechim, 2012
© Os autores - Todos os direitos reservados - 2012
Organização:
Thiago Ingrassia Pereira
Revisão:
Profª Zoraia Aguiar Bittencourt
Produção Gráfica e Impressão:
Evangraf - (51) 3336.2466
evangraf@terra.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
U58 Há uma universidade no meio do caminho: caminhadas dos bolsistas do
PET/conexões de saberes da UFFS/Erechim até a universidade/
Organizador: Thiago Ingrassia Pereira. – Erechim : Evangraf,
2012.
160 p.
ISBN 978-85-7727-427-7
1. PET Conexões. 2. Saberes. 3. Educação Popular. I. Pereira,
Thiago Ingrassia.
CDU 378
CDD 378
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
SUMÁRIO
PREFÁCIO OU NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM SONHO...
Maria Aparecida Bergamaschi....................................................... 7
APRESENTAÇÃO – A CONSTRUÇÃO DOS MEMORIAIS FORMATIVOS
E A DEMOCRATIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA
Thiago Ingrassia Pereira.............................................................. 13
PARTE I
O QUE APRENDI NO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS
E AS CERTEZAS
Fernanda May.............................................................................23
POR UM MUNDO MAIS SOLIDÁRIO E RECONHECEDOR
DA DIVERSIDADE
Rafaela da Silva Bispo.................................................................. 31
ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
Janniny Gautério Kierniew.......................................................... 39
EU SOU ASSIM
Silvia Maria Ujacov...................................................................... 49
O DONO DO CAMINHO
Fabrício Fontes de Souza............................................................. 61
PARTE II
MEMÓRIAS ESTUDANTIS: UMA TRAJETÓRIA
Seli Terezinha Leita...................................................................... 83
EDUCAÇÃO, CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIAS PARA
ALÉM DO BÊ-Á-BÁ
Sandra Regina Ferreira Müller..................................................... 93
MEMÓRIAS DE UM SONHADOR
Daniel Gutierrez........................................................................ 105
SER, VIVER E LEMBRAR: MINHA TRAJETÓRIA ATÉ
A UNIVERSIDADE
Joviana Vedana da Rosa............................................................ 113
UMA TRABALHADORA TEIMOSA E ESTUDANTE OU SERÁ
UMA ESTUDANTE TRABALHADORA E TEIMOSA?
Paula de Marques..................................................................... 121
PARTE III
MEMORIAL FORMATIVO: A ESCRITA DAS TRAJETÓRIAS
DE VIDA DE ESTUDANTES DE ORIGEM POPULAR
Rafael Arenhaldt....................................................................... 135
TRAJETÓRIAS DE VIDA: PERCURSOS DE ESTUDANTES DE
ORIGEM POPULAR
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva........................................ 149
SOBRE ESCREVER E REVISAR: MO(VI)MENTOS DE OLHAR
O OUTRO E A SI ATRAVÉS DO TEXTO
Zoraia Aguiar Bittencourt.......................................................... 153
HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO
7
PREFÁCIO OU
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM SONHO...
Maria Aparecida Bergamaschi1
No meio do caminho tinha um sonho! Talvez a universidade,
cursada hoje pelos estudantes que participam do PET Conexões de
Saberes da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus
Erechim – RS, não estaria em seus caminhos se não estivesse, desde
muito tempo, em seus sonhos, em seus horizontes. E foi com muita
tenacidade e peleja que esses jovens, principais autores do livro, a
buscaram para colocá-la aqui, no meio de seus caminhos, na concre-
tude de seus sonhos. Este foi o primeiro pensamento que me ocorreu
ao ler os memoriais que registram as lembranças e que reconstroem
a trajetória vivida por cada estudante até chegar aqui, no seio da
Universidade Pública. “Nunca me esquecerei desse acontecimento na
vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no
meio do caminho tinha uma pedra”, disse o poeta Carlos Drummond
de Andrade, em 1928, em versos que ecoam até o presente, eivados
por múltiplas interpretações. Lendo as histórias de vida aqui relata-
das, percebi que cada uma delas também se fez letra para que nunca
seja esquecido o caminho percorrido – mesmo em momentos de reti-
nas fatigadas –, pois a universidade que agora faz parte de suas vidas
já foi um sonho no meio do caminho.
A única certeza que eu tinha era a de que, se eu não corresse
1  Professora na Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFRGS.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
8
PREFÁCIO
atrás, eu não conseguiria fazer a minha faculdade, disse Silvia, em
meio aos relatos que mostram como o sonho impulsionou e nutriu a
caminhada, sonho que colocou a universidade como parte do seu ca-
minho. E, conduzidos pelo poeta inspirador do título do livro, encon-
tramos nas histórias de vida as muitas pedras que se sobrepunham
como barreiras no meio do caminho: Só não poderia desistir, no pri-
meiro obstáculo vencido. De tantos outros que agora tinha consci-
ência que iriam surgir no decorrer da caminhada, declara Rafaela.
Também a fala poética de Fabrício mostra as difíceis vicissitudes: A
cada passo que eu dava, ficava a imagem de uma terra distante, das
cantigas, dos sonhos da juventude, das renúncias já outrora feitas.
Percebe-se, nas linhas e entrelinhas dos memoriais desses estudantes,
que cada um, a seu modo, trilhou um caminho, pautado por um
desejo, como também anuncia a Fernanda: O meu sonho em cursar
uma faculdade era importantíssimo, pois eu queria estudar, eu gosta-
va, eu queria ser alguém na vida, ter uma profissão e viver diferente
da forma como meus pais viveram, eles não tiveram oportunidades
de ir mais além e de estudar. Ao lembrarem e registrarem suas lem-
branças, cada bolsista recolheu, organizou e reorganizou, como num
mosaico, as peças de sua memória, reconfigurando o tempo de vida
ou a vida no tempo.
Mas o que significa escrever um memorial? É transformar em
letras, palavras, histórias, as marcas da memória que hoje são lem-
bradas, são escolhidas e tiradas do esquecimento, entre tantas vivên-
cias, para se tornarem a história da vida de cada estudante. Eclea
Bosi (2003)2
diz que a memória, ao operar com liberdade, escolhe
acontecimentos do passado que se constituem em lembranças. Diz
ainda a autora que essas configurações são mais fortes quando incide
sobre elas um significado coletivo. Nesse sentido, compreendo que
os memoriais que aqui brilham são registros de trajetórias individuais,
mas configuram lembranças pautadas por um significado coletivo:
o caminho que trouxe cada um desses jovens à universidade. São
histórias elaboradas com fios coloridos que vão e vêm desde outros
2  BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
9
PREFÁCIO
tempos vividos, fios que identificam uma trajetória pessoal, mas que,
ao se juntarem num coletivo, compõem um novo tecido em um novo
momento da universidade; fios entrelaçados que sustentam estudan-
tes, docentes e o próprio processo que envolve a universidade pública
brasileira em relação ao ingresso, permanência e visibilidade de estu-
dantes de origem popular.
Em geral, esse assunto é pouco abordado na universidade, pois
a pessoa, quando se torna estudante, passa a integrar uma suposta
homogeneidade, onde “todos são iguais” e as trajetórias, por mais
díspares, por mais obstáculos que registram para aqui chegar, quando
postas na sala de aula, todas são igualmente trajetórias acadêmicas.
Sim, podemos festejar essa igualdade, pois aqui todos são universitá-
rios. Porém, as histórias que lemos nesse livro mostram desigualdades
sociais e, principalmente, mostram que precisamos tirar da invisibili-
dade uma presença significativa, que marca um novo momento da
história da educação brasileira, presença que precisa ser ampliada e
potencializada. São vozes até então anônimas, que dizem seus nomes,
que afirmam suas origens e seus lugares. Sempre estudei em escola
pública, tive contato com as mais diferentes pessoas, é uma frase da
história de vida da Fernanda, evidenciando a sensibilidade de perceber
as diferenças, de fazer existir essas diferenças. Por isso os memoriais:
escrever histórias é produzir memórias e é, também, uma forma de
conferir existência aos grupos sociais que há pouco tempo estavam
ausentes ou silenciados do meio acadêmico. Os memoriais falam, can-
tam, dizem que esses jovens estão aqui, que estas são as histórias que
contam para existir, mas também para terem uma perenidade.
São estudantes que olham para as suas histórias desde aqui, da
universidade, já usufruindo, com todo o direito, a vaga conquistada,
sem tirar os olhos do que acreditam. Sonham, e continuam a cons-
truir caminhos para que as universidades se façam espaços plurais,
onde filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil pos-
sam dizer a sua palavra, que possam fazer parte da construção de
um novo saber, diz Rafaela, pronunciando a sua palavra, anunciando
a sua caminhada, permeada de passado e de futuro. Já dizia Ilya
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
10
PREFÁCIO
Prigogine (1991)3
que as decisões humanas dependem das lembran-
ças do passado e das expectativas para o futuro, o que torna mais
evidente a importância e a necessidade de tecer (tornar texto) as tra-
jetórias de cada estudante, retomando o curso (caminho) que cada
um produziu em seu passado (agora presente), para fazer a história,
o futuro na universidade. Mas esses estudantes anunciam mais: que-
rem uma universidade mais justa, almejam um espaço universitário
que não apenas lhes confira uma graduação, mas que se abra, que
se faça plural, que contribua para tornar a sociedade menos desigual.
Suas histórias, tecidas no presente, mostram a força de quem já
superou difíceis obstáculos para ocupar um espaço que, em nosso país,
se fez para poucos, mostram origens diversas, com enredos que envol-
vem lugares distantes do país e do estado. Porém, algo aproxima estas
histórias e estes caminhos, que se encontram em Erechim, na Universi-
dade Federal da Fronteira Sul – um novo espaço acadêmico público e
gratuito e de qualidade, que, além de formular um ingresso que busca
fugir do histórico “funil”, preocupa-se também com a permanência dos
estudantes, tornando menos íngremes os caminhos desses que, muitas
vezes, se sentem “peixes fora d’água”. Em seus relatos, percebe-se que
aqui na UFFS encontraram apoio para fazer este espaço seu e, por isso,
também apontam novas necessidades e lutam por um novo cenário
de oportunidades, que rompa com qualquer forma de desigualdade
social, como se lê nas palavras da Rafaela.
Esses estudantes deixam transparecer, em suas sapiências, que o
caminho não está dado, e, por isso, falam da necessidade de conti-
nuar a luta por outros que estão a caminho, pois hoje a universidade
no Brasil, mesmo com todas as iniciativas desses últimos anos para
expandir vagas, para tornar o acesso mais amplo e democrático, ain-
da não é um lugar para todos: Luto por espaços para desenvolver e
aguçar os sonhos daqueles que buscam a formação pessoal justa e
limpa, mesmo em suas diversas dificuldades, diz Fabrício. E Janniny
retoma uma frase de Eduardo Galeano, situando seus sonhos como
uma utopia: E, para que serve a utopia?, pergunta ela, parafraseando
o poeta. Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
3  PRIGOGINE, Ilya. O nascimento do tempo. Lisboa: Edições 70, 1991.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
11
PREFÁCIO
Essa é a caminhada que relatam aqui, caminhada que os trouxe
até a universidade pública, um lugar privilegiado, ainda para poucos
em nosso país. Por isso há também um significado coletivo nas entre-
linhas das histórias de vida de todos os estudantes, mas que Fabrício
transforma em palavras: Luto por esta universidade ser cada vez mais
os sonhos de milhares de pessoas que idealizam chegar até aqui. E,
nas páginas desses memoriais, lembrei de outra situação semelhante,
vivida com estudantes do Programa Conexões de Saberes UFRGS, em
sua primeira edição, na qual também registramos as trajetórias de
vida e as publicamos – são os memoriais que compõem “Caminhada
de estudantes de origem popular”, lidos pelos estudantes do PET
Conexões de Saberes da UFFS, Campus Erechim. Na apresentação,
escrevi algo que acho oportuno retomar, para celebrar o encontro
com os autores desse livro, para dizer que suas histórias emocionam:
“apesar de narrarem, muitas vezes, o imponderável, as palavras estão
carregadas de doçura – e esperança – mesmo ao descreverem expe-
riências angustiosas, pois as vejo aqui como poesia”.
HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO
13
APRESENTAÇÃO
A CONSTRUÇÃO DOS MEMORIAIS FORMATIVOS E A
DEMOCRATIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA
Thiago Ingrassia Pereira1
Não é, desde logo,
uma autobiografia.
Não é um livro de memórias,
mas um livro que tem memórias.
(Paulo Freire)
A advertência feita por Paulo Freire em seu diálogo com Sérgio
Guimarães2
é apropriada para este livro, que surge como um desafio
e que tem uma esperança. O desafio se encontra na ideia de ser
um livro escrito por estudantes e professores engajados no processo
de democratização do acesso e da permanência no Ensino Superior
brasileiro, marcando as intencionalidades política, epistemológica e
pedagógica do Grupo Práxis - PET/Conexões de Saberes da Univer-
sidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim – RS, pro-
movendo, e aí vem a esperança, o debate da educação popular na
universidade a partir das trajetórias de vida dos bolsistas de origem
popular que constituem o programa.
1  Sociólogo, Doutorando em Educação (UFRGS). Professor da área de Fundamentos da Edu-
cação e Tutor do Grupo Práxis – PET/Conexões de Saberes da Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS), Campus Erechim.
2  FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Aprendendo com a própria história I. 3. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2010.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
14
APRESENTAÇÃO
Segundo o portal do Ministério da Educação3
, o Programa de
Educação Tutorial (PET) foi criado para apoiar atividades acadêmicas
que integram ensino, pesquisa e extensão. Formado por grupos tu-
toriais de aprendizagem, o PET propicia aos alunos participantes, sob
a orientação de um tutor, a realização de atividades extracurriculares
que complementem a formação acadêmica do estudante e atendam
às necessidades do próprio curso de graduação. Os estudantes e o
professor tutor recebem apoio financeiro de acordo com a Política
Nacional de Iniciação Científica.
O PET/Conexões de Saberes da UFFS/Erechim surgiu a partir do
Edital n. 9/2010 - MEC/SESu/DIFES. Em seu primeiro processo de
seleção de bolsistas (novembro/2010), ofertou quatro (4) bolsas re-
muneradas e duas (2) bolsas voluntárias. Tivemos a inscrição de doze
(12) estudantes de Licenciatura da UFFS/Erechim. A composição do
grupo de bolsistas que iniciaram o programa observou três (3) estu-
dantes de Ciências Sociais e um (1) estudante de História, um (1) de
Geografia e um (1) de Pedagogia.
Já no início do trabalho, uma bolsista voluntária do curso de Ci-
ências Sociais acabou desistindo de integrar o programa em virtude
de trabalho remunerado. Essa situação voltou a ocorrer durante o
ano de 2011, indicando o desafio de, efetivamente, construirmos po-
líticas incisivas de permanência na universidade. O grupo de bolsistas
foi se configurando em estreito vínculo com as necessidades mate-
riais imediatas dos estudantes.
Dessa forma, a construção do trabalho do PET/Conexões de Sa-
beres acompanha a própria construção da UFFS. Essa situação nos
coloca diante de inúmeros desafios, pois estamos diante de uma “uni-
versidade em movimento”4
. A UFFS é uma universidade nova, que
nasce a partir de uma luta antiga da comunidade do norte gaúcho
por uma universidade pública federal na região. Com sede na cidade
catarinense de Chapecó, a UFFS possui campi nas cidades gaúchas
3  Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&i
d=12223&Itemid=480>. Acesso em: 21 jul 2011.
4  Expressão que intitula o capítulo escrito por Dirceu Benincá em livro por ele organizado:
Universidade e suas fronteiras. São Paulo: Outras Expressões, 2011. Para maiores informações
sobre a UFFS, acessar <www.uffs.edu.br>.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
15
APRESENTAÇÃO
de Cerro Largo e Erechim e nas cidades paranaenses de Realeza e
Laranjeiras do Sul. Trata-se de uma universidade voltada para a popu-
lação dos 396 municípios que compõem a Mesorregião da Fronteira
do Mercosul – uma região historicamente desassistida pelo poder
público, especialmente no tocante ao acesso à educação superior.
Tendo em vista esse cenário, torna-se fundamental a presença
qualificada dos estudantes na UFFS, uma vez que, em sua maioria,
são provenientes da escola pública e de territórios populares urbanos
e rurais. Estamos diante de importante momento histórico a ser con-
solidado por meio da articulação seminal dos saberes populares com
os saberes acadêmicos, uma das propostas historicamente presente
no projeto político do Programa Conexões de Saberes5
.
Ao começarmos as atividades do PET/Conexões de Saberes com
os memoriais formativos, nosso objetivo foi o resgate da trajetória de
vida dos estudantes até a universidade. Contudo, não nos interessava
apenas relatar histórias e situações, mas, sobretudo, refletir sobre a
própria prática, oportunizando a compreensão de nosso espaço no
mundo e com o mundo. Por que, então, publicar os memoriais?
A ideia de um livro sobre memoriais dos bolsistas de origem po-
pular não é original, mas faz parte da proposta pedagógica obser-
vada nas diversas experiências dos Programas Conexões de Saberes
reunidas na coleção Caminhadas6
. O objetivo de um livro que tem
memórias é situar a nossa experiência pessoal em um contexto mais
amplo, permitindo o estabelecimento de conexões entre o particular
e o geral, entre o vivido e o pensado, entre a dor e a alegria, entre o
medo e a esperança, enfim, entre nós e os outros.
Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, em versos escritos
em 1928, entendemos que a universidade para as classes populares é
uma “pedra no meio do caminho”, quando, de fato, se constitui em
5  Vale destacar que o Conexões de Saberes foi um programa desenvolvido pela SECAD/MEC
a partir de 2004. Contando com a parceria do Observatório de Favelas – RJ, o programa foi
desenvolvido em universidades federais de todo Brasil, chegando a ter 2200 estudantes univer-
sitários de origem popular como bolsistas em 2008. A partir de 2010, o Ministério da Educação
propôs a criação de grupos PET na modalidade Conexões de Saberes.
6  A coleção Caminhadas de universitários de origem popular está disponível em <http://
www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/publicacoes.php>. Acesso
em: 21 jul 2011.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
16
APRESENTAÇÃO
realidade nos projetos de vida dos jovens que se esforçam para man-
ter sua condição de trabalhador que estuda, na acepção de Carlos
Rodrigues Brandão.
Dessa forma, o primeiro grupo de bolsistas foi constituído ainda
no ano de 2010. Fernanda, Silvia, Rafaela, Fabrício e Janniny deram
o pontapé inicial nas atividades do programa. Seus memoriais cons-
tituem o primeiro bloco (parte I) deste livro. A partir de nova seleção
de bolsistas, ocorrida em outubro de 2011, um novo grupo de estu-
dantes passou a integrar o nosso Práxis. Seli, Joviana, Sandra, Daniel
e Paula aceitaram o desafio de escreverem seus memoriais e são seus
textos que compõem o segundo bloco (parte II) de memoriais desta
publicação.
Este livro é, então, resultado do primeiro ano de atividades do
PET/Conexões de Saberes na UFFS/Erechim. Pensado originalmente a
partir da escrita dos memoriais do primeiro grupo de bolsistas, a difi-
culdade de recursos financeiros para a publicação nos criou um bom
problema: novos bolsistas chegaram e, com eles, outras experiências
de vida passaram a enriquecer o nosso programa. Assim, por que não
publicarmos os novos memoriais que seriam escritos?
Nessas idas e vindas, inclusive dos próprios bolsistas, temos este
livro em mãos. Ele é resultado de um trabalho coletivo de intensas dis-
cussões. Colegas professores foram adentrando nessa experiência e
deram uma imprescindível contribuição. Seus textos, também presen-
tes no livro, retratam o envolvimento sério e competente que tiveram
no diálogo com o nosso grupo do PET/Conexões de Saberes. Eles
estiveram, para além de suas fundamentais intervenções como pro-
fissionais da educação, presentes como cidadãos, amigos e militantes
pela democratização do Ensino Superior público em nosso país.
Os textos dos professores Rafael Arenhaldt, Luís Fernando Santos
Corrêa da Silva e Zoraia Aguiar Bittencourt (parte III) representam
isso: o compromisso com a educação pública e democrática. Por isso,
não poderia faltar o prefácio da professora Maria Aparecida Berga-
maschi. Escrito ainda em 2011, portanto antes da construção dos
textos dos bolsistas que entraram na segunda seleção do PET/Cone-
xões de Saberes, o nosso prefácio fala a partir de dois lugares que,
ao fim e ao cabo, são os lugares de projetos como o PET/Conexões
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
17
APRESENTAÇÃO
de Saberes: a universidade, lugar de saberes metódicos e rigorosos,
e a comunidade, representada pelos estudantes de origem popular
em suas trajetórias de entraves e superações. Essa é a conexão entre
os saberes populares e acadêmicos. Esse é um dos nossos desafios,
particularmente em nosso projeto de universidade pública e popular.
A construção dos textos e de nós mesmos
O desafio começou por leituras sobre memoriais, inclusive, os
memoriais dos bolsistas de diversos Conexões de Saberes pelo país
afora. Pessoas reais que passaram a penetrar em nosso imaginário,
que passaram a ser, ainda que desconhecidas, familiares a nós, pois
nossa condição social, nossas angústias, o difícil (e até improvável)
caminho até a universidade são fatores que nos aproximam e criam
solidariedades que fomentam um sentimento de pertencimento.
No primeiro semestre de 2011, lembro que em nossos encon-
tros7
os sentimentos acerca da escrita de si afloraram. Combinamos
que cada bolsista teria um encontro específico para apresentar ao
grupo seu memorial, ainda que em forma de rascunho. Decidimos
a ordem das apresentações. Começamos pelo Fabrício que, por ser
pioneiro, acabou tendo pouco tempo para, de fato, discutir seu traba-
lho, pois estávamos (nos) aprendendo. De viagem marcada para um
congresso da área de Geografia em Goiás, Fabrício ficaria um tempo
ausente e, em diálogo, acertamos que ele (seu memorial) voltaria a
ser tema de discussão no grupo.
A Fernanda foi a segunda a (se) apresentar. O fio condutor de
seu memorial foi a questão da aprendizagem. Como futura profes-
sora, Fernanda buscou, na reflexão sobre sua prática, os elementos
7  A proposta de escrita dos memoriais pelo primeiro grupo de bolsistas foi lançada ainda
em dezembro de 2010. Contudo, depois do período de recesso e das dificuldades iniciais
com o pagamento das bolsas, apenas em março de 2011 é que, efetivamente, começamos a
construir uma reflexão sistemática sobre o tema por meio de encontros periódicos e leituras
orientadas. A primeira versão dos memoriais dos bolsistas foi escrita até o final de abril, início
de maio. Depois de algumas etapas, o encaminhamento da versão final ocorreu ao término do
primeiro semestre letivo de 2011 (julho). Claro, como atividade viva, esse processo não esteve
imune a contradições e algumas flexibilidades de prazos, ainda que, pedagogicamente, há um
momento em que é preciso “terminar”.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
18
APRESENTAÇÃO
educativos que a formaram. Na verdade, esse sempre foi um resulta-
do esperado no trabalho com os memoriais. Mas não é simples. Con-
tudo, Fernanda mostrou sensibilidade para saber por que aprendeu e
o que ainda tem para aprender (e ensinar).
Rafaela foi a próxima a trazer ao grupo seu memorial. Já está-
vamos no meio do mês de abril. Rafaela, ainda que de forma intro-
dutória, nos apresentou aquilo que a constitui como universitária e
militante: a questão da diversidade e o movimento de denúncia dos
preconceitos, em especial o racial, e de anúncio de medidas con-
cretas para alteração de cenários opressores. Talvez por isso Rafaela
queira ler sempre tantos livros, para fortalecer seus argumentos em
torno de questões complexas, como ações afirmativas, movimento
estudantil e a própria política de bolsas e auxílios da universidade.
Com toda a sua itinerância, Janniny, nossa “voluntária volunta-
riosa”, nos brindou com um relato-reflexão sobre sua trajetória. Junto
ao texto, ela trouxe álbuns de fotos e relíquias que contam sua tra-
jetória, mostram um pouco do que viveu e daquilo que aprendeu. A
moça que gosta das palavras estava diante do desafio de transformar
suas experiências em palavras, mesmo que umas tenham mais “mu-
sicalidade” do que outras.
O trabalho, as escolhas, o sentimento de busca. Silvia nos apre-
sentou um pouco de tudo isso. Seu texto, sempre denso em descri-
ções, nos remete à relação entre trabalho e estudo, entre o sonho
e a oportunidade. Estudar, para grande parte dos jovens brasileiros,
assim como para Silvia, não pode estar associado a uma mensalidade
que comprometa a renda familiar. Por isso, a universidade pública
(gratuita), em uma cidade perto de onde moram seus pais, foi decisi-
va para sua entrada na graduação.
Mas, ainda era preciso retomar o diálogo com o Fabrício. E fize-
mos isso, ainda que, já no início de maio, muitas questões estivessem
em nosso horizonte. O principal desafio foi o planejamento e a exe-
cução da ação “Quero entrar na UFFS”, em parceria com a Coorde-
nação Acadêmica e com o Setor de Assuntos Estudantis (SAE). Os
memoriais foram encaminhados em meio a visitas a muitas escolas,
nas quais pudemos apresentar a universidade e a vida em suas (im)
possibilidades, não, necessariamente, nessa ordem.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
19
APRESENTAÇÃO
Então, o Fabrício, como um bom “dono do caminho”, recolocou
na pauta as suas vivências, suas sensibilidades e atitudes. A partir de
uma escrita fluente, descritiva e densa, Fabrício nos apresenta um
texto que tem muitos contextos e uma direção: a Geografia como
destino (escolha), ainda que, ela mesma, pudesse ser uma “ponte”
para o campo das Ciências Sociais.
Depois da nova seleção de bolsistas, retomamos a sistemática
de leituras e formações sobre a escrita de memoriais. Mas houve
um detalhe importante: o primeiro grupo de bolsistas, já experiente,
animou muitas discussões e compartilhou seu processo de escrita.
Além disso, a oficina sobre produção textual e os diálogos individuais
de orientação foram recursos metodológicos que proporcionaram o
ambiente adequado à produção dos textos.
Lançado o desafio no final de 2011, no verão de 2012 as primei-
ras linhas dos novos memoriais começaram a ser escritas. Seli foi a
primeira a enviar seu memorial e a primeira a receber as críticas cons-
trutivas de seu já bonito texto. Mexer no baú da memória, para usar
uma expressão trazida pelo professor Rafael Arenhaldt, encontrou na
Seli uma boa parceira. As fotos que ilustram seu texto expressam seu
cuidado com o passado e sua aposta em um futuro no qual a univer-
sidade passou a ter um espaço privilegiado.
Os demais textos foram chegando à minha caixa de e-mails e, no
final de fevereiro, estávamos nós a discutir sobre as primeiras versões.
Mais uma vez, a escrita dos memoriais permitiu que nos conhecêsse-
mos um pouco mais. Conhecer e nos reconhecer.
Sandra compartilhou conosco sua interessante trajetória de vida,
na qual muitos obstáculos estiveram presentes. Contudo, na figura
de seu pai, encontrou forças para sempre lutar e percebeu, desde
muito cedo, o valor do conhecimento, inclusive, como ferramenta de
transformação social.
Daniel se classificou como um sonhador e que bom que existam
muitos sonhadores no mundo. Muitas escolas e histórias, umas felizes
e outras nem tanto, o trouxeram até o Alto Uruguai gaúcho. Aqui
viveu a experiência do Ensino Superior privado e, como tantos outros,
vislumbrou, na universidade pública, a possibilidade do ensino gratuito
e, sobretudo, da continuidade dos estudos em nível de pós-graduação.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
20
APRESENTAÇÃO
Por sua vez, Joviana não pôde ousar na direção do Ensino Su-
perior privado. Sua caminhada até a Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul (UERGS) e depois até a UFFS indica o papel estratégico
do Ensino Superior público nas possibilidades de prosseguimento dos
estudos das classes populares. Contudo, para além disso, a trajetória
da Joviana mostra sua predisposição ao estudo e seu grande investi-
mento pessoal nesse que-fazer.
O memorial da Paula é aquilo que ela representa: uma mulher, mãe,
esposa e estudante que se permite, que tem atitude e que não espera
acontecer. Mesmo que as nossas possibilidades na vida não sejam cria-
das no “vazio”, Paula apostou no estudo como uma forma de emancipa-
ção e, até mesmo, de ser um exemplo positivo para sua família. Afinal,
para quem se criou dentro de uma escola, ajudar a construir a UFFS é
uma tarefa de grande significado pessoal com desdobramentos sociais.
Assim, este livro é resultado de um projeto que busca consolidar a
ideia de uma universidade pública e popular no sul do Brasil. Escrito a
partir dos memoriais formativos dos bolsistas do PET/Conexões de Sa-
beres, é um projeto que ambiciona dar visibilidade a segmentos histo-
ricamente alijados dos bancos universitários, mas que, a partir de um
conjunto de políticas públicas resultantes de pressão popular, passam a
ter presença na vida acadêmica, demandando uma “nova” universidade.
Estamos certos de que a universidade do século XXI precisa ser
uma instituição que promova sínteses teórico-práticas em um mundo
em mudança, oportunizando conexões entre os saberes acadêmicos
tradicionais e os saberes populares. As trajetórias de vida aqui apresen-
tadas se constituem em um ponto de partida fecundo para o debate
sobre a efetiva democratização da universidade pública brasileira.
Aos bolsistas que estão e passaram pelo PET/Conexões de Sabe-
res, aos colegas8
professores que integram essa coletânea e ao apoio
financeiro da Capes, meus agradecimentos.
Inverno, 2012.
8  Destaco a importante contribuição da professora Ivone Maria Mendes Silva na construção
dos memoriais do primeiro grupo de bolsistas e na própria construção inicial do PET/Conexões
de Saberes na UFFS/Erechim.
PARTE I
HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO
23
O QUE APRENDI PELO CAMINHO:
ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS
Fernanda May1
APRENDER
Depois de algum tempo você
aprende a diferença,
A sutil diferença entre dar uma mão
e acorrentar uma alma,
E você aprende que amar não é apoiar-se
E que companhia nem sempre significa segurança,
E começa aprender que beijos não são contratos,
E presentes não são promessas. [...]
(William Shakespeare)
Não há dúvida de que com o tempo a gente aprende, com novas
experiências, descobertas, medos, erros, decepções, alegrias. Apren-
demos que a vida é feita de momentos bons e ruins. Aprendemos
que as coisas e as pessoas mudam e que nem tudo é para sempre.
Aprendemos que os sonhos podem ser grandes ilusões, mas que, se
acreditarmos neles, podem se tornar realidade. Aprendemos a dar va-
lor a coisas que podem parecer insignificantes. Aprendemos a amar
pessoas desconhecidas. E assim, passo a passo, dia a dia, vamos cons-
truindo uma história. História que se constrói com vários personagens
diferentes e que a cada capítulo revela uma nova surpresa.
Por mais que eu quisesse fugir de começar a minha história pelo
começo, acredito que não conseguiria, pois, como toda história, ela
1  Estudante de Licenciatura em Ciências Sociais (UFFS/Erechim) e Bolsista do Práxis - PET/
Conexões de Saberes desde dezembro de 2010.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
24
O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS
tem um começo, um meio e, especificamente no meu caso, a cons-
trução de possibilidades para um fim. Quando eu falo em possibilida-
des para um fim, é porque acredito que cada pessoa escolhe o seu
caminho e que toda trajetória é marcada por dificuldades, obstácu-
los, escolhas, que, de certa forma, influenciam ou determinam até
onde se pode chegar.
Eu nasci no dia 28 de fevereiro de 1992. Meus pais, Cilda e Sil-
vestre, depois de dois anos de terem tido o primeiro filho, Cássio,
ganhavam uma menina, eu, a qual, pela escolha de meu pai, fui ba-
tizada Fernanda. Eu acredito que, a partir desse dia, muitas coisas
mudaram, principalmente porque meu nascimento não foi, sequer,
planejado, e a situação financeira de meus pais talvez não desse con-
ta de mais uma boca para alimentar. Vindos de famílias pobres, meu
pai e minha mãe tiveram que trabalhar muito depois do casamento
para conseguir organizar suas vidas. Minha família sempre trabalhou
na agricultura, o que me causa admiração, principalmente em per-
ceber o carinho com que meu pai cuida da terra, de onde sempre
retirou nosso sustento. À época, com dois filhos, as preocupações
tendiam a aumentar. No entanto, mesmo com todas as dificuldades,
eles nunca deixaram que faltasse nada a mim e a meu irmão, princi-
palmente muito carinho, atenção e amor. Tivemos o privilégio, que
nem todo mundo tem, de crescermos como uma família bem estru-
turada e unida.
Não quero me deter a falar sobre minha infância, que é uma fase
importante na qual se vive intensamente, sem preocupações, sem
responsabilidades, mas que passa muito rapidamente, e, a partir daí,
já não se vivem mais contos de fada. A gente vai crescendo e, então,
começa a aprender que a vida é bem mais complicada.
Primeiro vem a escola, um mundo diferente ao qual não estamos
acostumados, longe de casa, da segurança dos pais, onde temos que
aprender que a vida só se faz em conjunto com outras pessoas e
precisamos respeitar e aceitar suas diferenças. É nesse espaço que a
gente começa a descobrir coisas novas, descobrir sentimentos, fazer
amigos, um conjunto de acontecimentos que marcam para toda vida,
podendo ser positivos ou negativos.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
25
O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS
Sempre estudei em escola pública. Tive contato com as mais dife-
rentes pessoas. Algumas marcaram mais, outras menos. Acredito que
o que marcou intensamente foi ter conhecido uma pessoa que eu nem
imaginava que seria minha companheira pelo resto da vida, minha me-
lhor amiga, a Carol. Conhecemos-nos no primeiro ano da pré-escola
e, a partir daí, jamais nos separamos. O Ensino Fundamental foi de
grande importância em termos de conhecimento e desenvolvimento.
Tive professores muito bons, que sempre me incentivaram e fizeram
despertar um sentimento de autoconfiança. Sempre fui uma aluna de-
dicada. Depois de dez anos na mesma escola, você cria vínculos muito
fortes. Aquele ambiente já faz parte da sua vida e você não consegue
se imaginar longe. Porém, completando o Ensino Fundamental, eu me
vi obrigada a abandonar a minha escola do coração. O Ensino Médio
era noturno e, como eu morava no interior da cidade de Centenário e
não havia transporte para os alunos, eu tive que mudar de escola.
Junto com a mudança de escola, do distanciamento dos amigos,
eu, aos quinze anos, tive que sair de casa. Essa foi, talvez, uma das
experiências com as quais eu mais aprendi. A minha nova escola fica-
va na cidade de Áurea e, como também não havia transporte, eu tive
que ir morar com minha avó materna. Foi uma confusão de sentimen-
tos que não tem explicação. Primeiro, eu estava mudando de escola
e, para piorar, nem em casa eu poderia ficar. Isso, na cabeça de uma
adolescente, não poderia ter sido mais complicado do que foi.
Tudo bem que era com a minha avó que eu iria morar, não era
ninguém estranho, mas era uma pessoa de certa idade, de uma
geração diferente e com uma cabeça diferente. No começo foi até
tranquilo, porém, depois de certo tempo, as coisas ficaram difíceis.
Nós não nos compreendíamos, mas, ao mesmo tempo, sempre tive
muito carinho por ela. Foi uma das pessoas que sempre me ajudou
muito. Para complicar ainda mais, a nova escola para qual me mudei
era totalmente o oposto da antiga, era desorganizada, poucos pro-
fessores levavam a sério suas tarefas; meus colegas, na sua maioria,
totalmente desinteressados. Eu não estava acostumada com aquilo
e não conseguia aceitar. Na minha concepção, não poderia existir
uma escola assim. Eu tinha poucos amigos. Então, às vezes, optava
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
26
O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS
por nem ir à escola. Essa situação acabou fazendo com que eu me
trancasse no meu mundo: não saía de casa, ficava o tempo todo no
quarto e me sentia muito sozinha. Foi nesse período que eu acabei
me aproximando dos livros. Eram minha única companhia.
O tempo foi passando e, aos poucos, eu ia tentando me adaptar,
mas, de certa forma, os três anos do Ensino Médio foram decep-
cionantes. A minha preocupação, principalmente no último ano, era
com o vestibular, pois meu sonho sempre foi fazer uma faculdade.
Como eu não tinha uma resposta da escola, passei a estudar por
conta própria. Sem condições de pagar um cursinho pré-vestibular, a
minha tensão aumentava a cada dia.
O meu sonho em cursar uma faculdade era importantíssimo, pois
eu queria estudar, eu gostava, eu queria ser alguém na vida, ter uma
profissão e viver diferente da forma como meus pais viveram. Eles
não tiveram oportunidades de ir mais além e de estudar. E eu não
queria isso pra mim. Ao mesmo tempo, eu me via obrigada a aceitar
que eu estava distante do meu sonho, que as condições da família
não eram suficientes para custear uma faculdade. Mesmo assim, eu
não queria desistir, pensava em fazer qualquer coisa, iria trabalhar,
fazer um financiamento, o que fosse, mas eu queria estudar.
Chegou, então, a época dos vestibulares. Realizei a prova do
Enem e o vestibular de uma instituição privada na qual havia escolhi-
do o curso de Psicologia. Quanto à carreira que eu queria seguir, se
sucederam muitas opções, entre elas Direito, Odontologia, Psicologia;
enfim, as dúvidas são frequentes na hora de escolher. Prestei, então,
o vestibular para Psicologia e passei. Fiquei muito feliz, mesmo não
tendo certeza de que cursaria. A ideia era conseguir um financiamen-
to, o que é consideravelmente muito difícil. As exigências burocráticas
e a necessidade do pagamento da matrícula acabaram fazendo com
que meu sonho fosse por água abaixo. Mais uma vez eu ia apren-
dendo que não basta a gente querer ou sonhar com alguma coisa. E
isso me fazia sentir, confesso, raiva da minha situação, raiva de não
ter as condições.
Nesse mesmo período, fiquei sabendo através de um amigo que,
na cidade de Erechim, que fica próxima à de Áurea, que era onde
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
27
O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS
eu morava, havia se instalado uma universidade federal. Fomos atrás
de algumas informações e descobrimos que o processo seletivo era
através da nota do Enem. Como havíamos realizado a prova, fizemos
nossa inscrição. A instituição oferecia poucos cursos e, entre eles,
quase nenhum me interessava. Fiz minha inscrição para o curso de
Engenharia Ambiental e, como segunda opção, para o curso de So-
ciologia. Fiz sem muitas expectativas, pois o resultado da prova do
Enem não era nada satisfatório. É mais um aprendizado importante:
a deficiência do Ensino Médio e o difícil acesso a informações são
determinantes para o desenvolvimento e a qualidade dos estudantes,
o que fica evidente quando aparecem os resultados pouco positivos.
Passado algum tempo, foi divulgada a primeira lista dos candida-
tos aprovados na Universidade Federal da Fronteira Sul, e meu nome
não constava na lista. Foi mais uma decepção, mas era preciso seguir
em frente, porque eu ainda não tinha desistido do meu sonho.
Então, resolvi que iria procurar um emprego. Mudei de cidade e
fui morar com alguns amigos. Meu primeiro emprego foi como caixa
de um supermercado, uma experiência nada agradável, pois, nesse
setor, a exploração fica muito evidente, os horários são complicados e
a responsabilidade é grande. Agora eu estava longe de casa e arcava
sozinha com minhas despesas. Muitas vezes eu me perguntava se
havia feito a escolha certa. As respostas para perguntas como estas
vêm com o tempo. Quando a gente se vê com responsabilidades e
horários a cumprir, percebe que não é tão bom ser independente.
Em pouco tempo, eu já queria desistir de tudo e voltar para casa.
A convivência com as pessoas que moravam comigo era difícil e, mais
uma vez, eu estava me sentindo sozinha. Foi quando, certa manhã,
eu recebi um telefonema da mãe de uma amiga que me dava a notí-
cia de que eu havia conseguido uma vaga para o curso de Sociologia
(em seguida, mudou para Ciências Sociais) na Universidade Federal,
divulgada na segunda chamada. A melhor notícia que eu poderia re-
ceber naquele momento. Mesmo não sendo o que eu almejava, era
a oportunidade de começar, e depois poderia mudar de curso. O que
nessa hora eu não imaginava era que não iria querer mudar e que a
Sociologia iria se tornar minha paixão.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
28
O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS
As aulas começaram e, então, um mundo cheio de novidades,
curiosidades e interesses abriu as portas para eu entrar. Aos poucos
eu fui conhecendo do que tratava a Sociologia e cheguei à conclusão
de que são coisas que despertam meu interesse e que certamente
aquele era meu lugar. O sentimento era de satisfação: por ter conse-
guido uma bolsa em uma universidade pública federal e por ter me
encontrado no curso que escolhi por acaso. Realmente foi a melhor
coisa que poderia ter acontecido na minha vida. O primeiro semestre
de aulas foi muito tranquilo. Os primeiros meses é que complicaram
um pouco, pelo fato de que eu ainda trabalhava o dia inteiro e estu-
dava à noite: era uma rotina cansativa. Porém, veio, então, a decisão
de largar o emprego e procurar algo que fosse somente meio turno.
Nesse tempo de procura e já no final do primeiro semestre, a Uni-
versidade lançou o edital de bolsas de iniciação acadêmica, que é
uma política de permanência dentro da universidade, na qual o aluno
participa de um projeto ou grupo de estudos e recebe uma ajuda de
custo mensal. Era uma oportunidade que eu não podia perder. Sen-
do assim, fiz a inscrição para seleção, que levava em conta a análise
socioeconômica dos candidatos, e consegui uma bolsa.
Com a bolsa, passei a fazer parte de um grupo de estudos cha-
mado Teoria e Prática em Educação Popular, que teve duração de
seis meses. Foi uma experiência sem explicação, onde eu passei a
ter conhecimento sobre temas relativos à educação, à educação po-
pular, tendo contato com as leituras de Paulo Freire, que foi quando
consegui perceber os problemas que a educação enfrenta e como
é possível transformar essa realidade. O aprendizado retirado dessa
experiência foi algo que renovou minha forma de pensar o mundo
e que me aproximou dos livros de Paulo Freire, nos quais eu consigo
encontrar ideias, pensamentos, críticas a respeito do mundo e das
coisas como são, muito próximas ao que eu penso, mas que certa-
mente não encontraria as palavras certas, como Freire encontrou,
para traduzi-las.
O segundo semestre de aulas foi muito mais produtivo em fun-
ção da bolsa de iniciação acadêmica, que me proporcionou mais
tempo para me dedicar às leituras e à compreensão dos conteúdos.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
29
O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS
Passados os seis meses de duração da bolsa, eu me inscrevi para a
seleção do projeto PET/ Conexões de Saberes. Mais uma vez tive a
oportunidade de ser selecionada. Hoje faço parte desse projeto.
Não é nada fácil fazer esse movimento de reescrita da nossa
história, pois nós vivemos inúmeras situações diferentes ao longo
do tempo e muitos desses momentos a gente gostaria de esquecer.
Nessa reescrita, eu busquei apresentar muito superficialmente alguns
pontos que pudessem dar uma ideia do que foi a minha trajetória até
chegar onde estou. Talvez, como eu mesma disse, pareça superficial,
mas foi uma escolha. Não é por acaso que eu omiti muitos aconteci-
mentos ou que dei ênfase a outros sem tanta importância. Acontece
que eu gostaria de reviver a minha história a partir do momento que
eu consigo entrar na universidade, a partir do momento que o sonho
de toda minha adolescência se torna realidade. A única coisa que não
quero esquecer é o que foi determinante para que eu estivesse aqui
hoje: o apoio da família, dos amigos, mas, acima de tudo, a minha
vontade de estar aqui.
Agora, quando olho para trás e vejo tudo que passou, só guardo
comigo os momentos e as experiências boas e continuo olhando para
frente com muita determinação, na busca por construir o melhor ca-
minho para chegar ao final dessa história.
Agradeço a toda minha família, meus pais, meu irmão e, em
especial, às pessoas que foram decisivas na minha chegada até
aqui, minha avó Cecília, meus tios Claudio e Saulo.
HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO
31
POR UM MUNDO MAIS SOLIDÁRIO E
RECONHECEDOR DA DIVERSIDADE
Rafaela da Silva Bispo1
Histórias...
Nossas histórias!
Dias de luta e dias de glória.
(C.B.Jr.)
Logo que recebi a tarefa de escrever sobre minha trajetória de
vida, algumas questões perturbaram-me. Escrever sobre mim, sobre
minha família, sobre o que sou ou fui e quem desejo ser. Ah! Falar de
si e do que é meu, do que quero conquistar! Momento difícil, singular
e inexplicável.
Lembrar das alegrias, das tristezas, das conquistas, dos aprendi-
zados, das dificuldades. As folhas em branco, caladas, para que nelas
possa contar e buscar compreender-me, desenhar-me. Segredos e
cores de minha vida até então desconhecidos.
A busca incansável pelo entendimento de quem sou e de
como me tornei o que sou é uma ótima oportunidade que irá
permitir uma percepção das minhas escolhas, das minhas atitudes
e a importância das influências de pessoas, valores, lugares e situ-
ações que recebi e hoje fazem parte/estão imbricadas em minha
identidade.
1  Estudante de Licenciatura em História (UFFS/Erechim) e Bolsista do Práxis - PET/Conexões
de Saberes entre dezembro de 2010 e junho de 2011.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
32
Por um mundo mais solidário e 
reconhecedor da diversidade
Mais uma vez os homens, desafiados pela dramatici-
dade da hora atual, se propõem a si mesmos como
problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu
“posto no cosmos”, e se inquietam por saber mais. Es-
tará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber de
si umas das razões desta procura. Ao se instalarem na
quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber
de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Res-
pondem, e suas respostas os levam a novas perguntas.
(Paulo Freire)
Movida por um espírito investigativo, recorri ao início do relacio-
namento dos meus pais: como se conheceram, ou por que esconde-
ram que a gravidez ocorreu antes do casamento, e ainda o motivo
pelo qual meu pai sentiu-se instigado em mudar-se para perto de seus
irmãos, Mara Rúbia e Mayron, que há anos encontravam-se em solo
rio-grandense.
Minhas Raízes
Da união de Maria das Graças e Marlon José, numa tarde quen-
te em Pastos Bons, cidadezinha do sul do Maranhão, a Pimentinha,
como fora chamada desde seus primeiros passos (por seu comporta-
mento cheio de energia e traquina), chegou.
É impossível descrever meu ser sem retroceder no tempo que
marca o início de minha história. Sendo assim, se faz necessário fa-
lar dos precursores: meus pais, que inconscientemente buscaram em
mim a oportunidade de concretizar seus sonhos não realizados.
Pelos relatos de minha mãe, a menina chorona mexeu e muito com
a rotina de seus avós paternos, pois, naquela época, ainda moravam na
casa de José Felix e Maria Marlene. Revezaram-se durante meses para
cuidá-la durante a noite, porque tinha cólicas muito fortes e refluxo.
“Desde pequena me deu trabalho”, comentou minha mãe em muitos
momentos da vida quando apresentava comportamentos inquietantes.
Infelizmente, pouco tempo vivi na pequena Pastos Bons. Os fatos
que me vêm à memória são fragmentados. Foi necessário buscar ins-
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
33
Por um mundo mais solidário e 
reconhecedor da diversidade
piração em fotografias e, principalmente, nas recordações de minha
mãe.
Quando chegamos ao Rio Grande do Sul, estava com apenas
dois anos de idade, e minha irmã com cinco meses de vida. Durante
quatro dias, minha tia Maria de Lourdes, apelidada carinhosamente
por “Luty”, minha mãe, eu e minha irmã nos deslocamos para o Rio
Grande do Sul e chegamos à cidade de Sertão, onde minha família
permaneceu até os meus quatorze anos.
Tentando buscar uma palavra que defina os primeiros anos, me
deparei com esta: dificuldades. O período de adaptação ainda não
havia sido concluído. O frio, a alimentação, os costumes, tudo fazia
parte de um outro mundo, de um novo mundo para nós. Com a co-
laboração/ajuda de minha Tia Mara, foram arranjados uma casa para
morarmos, roupas de lã, cobertores e mobília para nosso novo lar.
Lembra minha mãe que carregávamos apenas objetos pessoais,
poucas peças de roupas e a esperança de uma vida que permitisse
novas possibilidades/oportunidades profissionais a meu pai, uma vida
equilibrada financeiramente, onde pudéssemos viver com saúde, paz
e felicidade.
A escola
A Escola Estadual Ponche Verde era próxima de minha casa. Mi-
nha irmã e eu caminhávamos na companhia de mamãe. O momen-
to de organizar a fila, que deveria ser de integração, apresentou-se
como exclusão. Alguns colegas recusavam-se a formar fila ao meu
lado.
Que sentimento ruim! Perguntava-me: minha mão não era como
as outras? Queria ser como a maioria das crianças. Lembro-me que
não gostava de meus cabelos crespos: amarrava-os para camuflar mi-
nha negritude, minhas raízes.
Das minhas brincadeiras favoritas com minha irmã e vizinhas, era
criar uma escolinha fictícia, onde as classes eram cadeiras, e os ban-
cos, tijolos. Meus pais sempre primaram pelos estudos. Estimulavam
a leitura, adquirindo coleções de livros de vendedores ambulantes.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
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Por um mundo mais solidário e 
reconhecedor da diversidade
Ainda tenho todos guardados em uma caixa, junto com cadernos,
trabalhos escolares. Minha mãe é a responsável por isso, porque sem-
pre dizia: “é bom guardar para que seus filhos um dia possam tomar
conhecimento de como foi sua vida na escola”. Os filhos ainda não
chegaram, e os livros e cadernos velhos aguardam este momento.
	 Nesta escola, permaneci até a 4ª série. Sofri as consequên-
cias de um ensino, no qual os alunos eram castigados por atitudes
consideradas indisciplinadas. Eu fui castigada diversas vezes: o mais
comum era a professora pedir para que levantasse e dirigisse até a
parede ao lado do quadro para ali, durante o tempo que ela consi-
derasse apropriado, permanecesse imóvel até aquietar-se e voltar à
resolução dos exercícios.
	 Agora as lembranças aparecem mais concretas. Na nova es-
cola, Bandeirantes, além de aprender com muito entusiasmo, fiz ami-
zades sinceras e verdadeiras, que me ensinaram a importância de
saber respeitar as diferenças, de conviver em grupo.
A minha infância foi muito divertida. Durante a tarde, após o ho-
rário de estudos definido pelos meus pais, estávamos livres para brin-
car, inventar, sorrir e chorar, subir em árvores, jogar bola, amarelinha.
Acompanhar o Jornal Nacional era algo sagrado para meu pai.
Manter-se atualizado era uma herança que carregava consigo desde
os tempos em que morou na casa de seu pai. E transmitiu essa paixão
para mim e minha irmã.
Ah! Os jogos de futebol que assistíamos e/ou acompanhávamos
com meu pai pelo menos uma vez por semana quando minha mãe
estava na escola para concluir o Ensino Médio... Como era gostoso
o retorno para casa. Este era um dos momentos mais esperados, no
qual podíamos nos regozijar do seu amor, do seu carinho, da sua
atenção, da sua força e garra. Não entendia por que precisávamos
ficar distantes. Aquelas horas nos pareciam infindáveis.
Mais tarde, pude compreender que a força de vontade em nos
proporcionar dias melhores seria alcançado somente e através da es-
cola. A saída sempre foi o estudo para minha família. O sucesso e a
felicidade sempre estiveram associados ao ambiente escolar.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
35
Por um mundo mais solidário e 
reconhecedor da diversidade
Quem era eu e quem eu queria ser?
Logo após a formatura do 2° grau, comecei a refletir sobre o
meu futuro profissional. Tinha poucas certezas e muitas dúvidas.
O ingresso na universidade estava atrelado a uma grande realiza-
ção pessoal e, naquelas circunstâncias de uma vida mais independen-
te, a morar sozinha, a novas responsabilidades. A minha esperança
em conseguir passar no vestibular em Universidade Federal, ao longo
do caminho, foi desaparecendo.
Alguns não acreditavam que conseguiria uma vaga no curso de
Cinema. Outros procuravam colocar “os meus pés no chão”, dizendo
que meus pais não teriam condições de manter alimentação, aluguel,
transporte em uma metrópole. Informavam-me que esta ajuda seria
imprescindível, porque me lembravam, a todo o momento, que o
curso seria integral e que eu teria sérias dificuldades em conseguir
emprego. Suplicaram-me para abandonar esta ideia.
Minha segunda opção era o curso de Artes Cênicas, mas este
também foi excluído da lista de minhas possibilidades. Não posso
falar em desejos, em sonhos, nas minhas vontades, em realização
pessoal. Minha família pediu que fizesse um curso voltado ao mer-
cado de trabalho, onde eu teria uma chance maior de mobilidade
social.
Refleti muito. Agora já não era apenas o desejo de ficar longe.
Era principalmente o que faria de meu futuro, da minha vida. Não era
justo. Eu deveria poder escolher. Eu deveria possuir este direito.
Fui levada a pensar com “os pés no chão” e me dei conta: o que
mais gosto dentro do cinema? Resposta: os documentários. Por quê?
Permitem obter um conhecimento da realidade, compreender por
que a humanidade encontrava-se no atual contexto socioeconômico,
por que alguns jovens tinham “liberdade” para escolher o seu futuro.
Porquês... Muitos me rondavam, perturbaram-me.
Qual curso poderia me fornecer uma visão mais aprofundada
acerca dos processos histórico-sociais? Precisava ser uma Universida-
de que ficasse próxima à minha família e que as aulas acontecessem
à noite. Hum... Hum... A conclusão foi: o curso de História.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
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Por um mundo mais solidário e 
reconhecedor da diversidade
Só não poderia desistir no primeiro obstáculo vencido, de tantos
outros que agora tinha consciência que iriam surgir no decorrer da
caminhada.
Depois de um período na universidade privada, trabalhando no
turno da manhã em um restaurante e à tarde como estagiária em
um Arquivo, militando no movimento estudantil, meus pais decidi-
ram se separar. Foram tempos bem difíceis. Foi necessário trancar a
faculdade. Mudar de cidade. A parte boa disso era que poderia ficar
mais próxima de minha irmã, que estava iniciando sua graduação em
Geografia, graças ao FIES, o qual continua tentando pagar até hoje.
Minha tia logo providenciou que retornasse à minha graduação.
A situação financeira que já estava difícil piorou ainda mais. Não
conseguia trabalho e, nessa época, tive minha primeira experiência
com educação popular em uma ONG no Bairro Progresso, ministran-
do oficinas de teatro para crianças e adolescentes.
Era voluntária, me sentia útil e feliz. Sentia que este era o cami-
nho. Aquela realidade me instigava a procurar meios para mudar.
Como poderia transformar? E o teatro e a licenciatura em História,
seriam as ferramentas que iriam me proporcionar esta intervenção?
Muito a fazer...
Questionamentos. Muitos questionamentos.
Retornei para casa de minha mãe. Fiquei alguns anos com o
curso trancado. Quando decidi e pude retornar para a universidade,
cursei duas matérias por semestre, porque minhas condições econô-
micas não me oportunizaram a seguir cursando todas as disciplinas
em uma universidade privada.
Anos distantes de realizar meu grande sonho...
No entanto, retornei a Erechim para visitar meu pai e irmã. En-
tão, fui convidada a participar de uma caminhada. Esta caminhada
era um ato simbólico de concretização da Universidade Federal da
Fronteira Sul - Campus Erechim. Estudantes com cartazes, alguns in-
tegrantes de movimentos sociais. Ali senti que seria possível. Quanto
a caminhar, longa jornada. Muitas voltas. Muitos anos. Chegava uma
nova oportunidade. A grande oportunidade.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
37
Por um mundo mais solidário e 
reconhecedor da diversidade
Criar raízes.
Mudar.
Transformar.
Superar.
Encontrar.
Criar.
Construir.
Concretizar.
Lutar.
Combater.
Palavras que orientam as minhas ações.
E que me permitem acreditar em um Ensino Superior público
brasileiro que deixa de ser elitista.
Um novo cenário de oportunidades, que rompa com qualquer
forma de desigualdade social.
Que as universidades se façam espaços plurais, onde filhos e fi-
lhas de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil possam dizer a sua
palavra, possam fazer parte da construção de um novo saber.
Projetos, políticas públicas que foram criadas e serão desenvolvi-
das são imprescindíveis para que a universidade se torne um espaço
popular.
Onde sonhos e realidades caminhem de mãos dadas, para que
muitos dos que foram e ainda são excluídos possam sonhar novamen-
te com um Brasil de igualdades, mais justo e menos sofrido.
Como mulher negra, trabalhadora, tenho minha esperança reno-
vada a cada segundo quando identifico que um sentimento de apatia
está sendo superado. E esta superação se dá a partir da conscienti-
zação, tarefa árdua que todos os dias venho instigando em crianças:
que estas acreditem em um tempo de possibilidades, e não de de-
terminismos. Que eles e elas consigam sonhar. Que eles e elas acre-
ditem. Que eles e elas participem ativamente na construção de uma
sociedade justa e democrática.
HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO
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ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
Janniny G. Kierniew1
Inicialmente quero tentar expressar em palavras alguns senti-
mentos que se seguiram ao tentar descrever brevemente a trajetória
da minha vida até o momento. Seria pretensão me equiparar aos es-
critores, esses grandes sujeitos que, de forma simples e delicada, ajus-
tam em linhas emoções que, por vezes, só podem ser sentidas. No
entanto, preciso dizer que a tarefa de elaborar um texto sintetizando
nossas vivências é um exercício muito complexo e subjetivo, que me
causou, primeiramente, certo desconforto, seguido de pontinhas de
ansiedade, pois, no decorrer das lembranças, fui recordando fatos
que deixei esquecidos na minha mente, e essa mistura de sensações,
desejos e memórias fizeram com que eu percebesse minha dificulda-
de com as palavras. Mas isso tem uma explicação.
As Palavras
[...] Será preciso coragem para fazer o que vou fazer:
dizer.  E me arriscar à enorme surpresa que sentirei
com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que
acrescentar: não é isso, não é isso! [...]
(A paixão segundo G.H. – Clarice Lispector)
Sempre tive grande admiração pelas palavras. Em especial pela
palavra “anêmona”. Acho que tem certa musicalidade na sua pro-
1  Estudante de Licenciatura em Ciências Sociais (UFFS/Erechim) e Bolsista Voluntária do
Práxis - PET/Conexões de Saberes desde dezembro de 2010.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
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ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
núncia. Sempre adorei música. Desde pequena tive esse interesse
peculiar pelos sons das palavras e suas pronúncias. Antes mesmo
de me alfabetizar, eu já escolhia minhas palavras prediletas e as que
delicadamente me desagradavam, e, como fui uma criança curiosa,
buscava seus significados. Confesso que, quando eu não descobria o
que determinada palavra denotava, inventava uma definição, e esse
fato me causou alguns problemas no Ensino Fundamental, mas isso
é assunto para doravante.
“co.me.çar: transitivo direto - dar início a al-
guma coisa.
co.me.ço: do verbo começar, 1ª pessoa do singular
no Presente do Indicativo.”
Nasci em Recife, capital do Pernambuco, em 1988. Filha mais
nova de um casal um tanto quanto conservador. Típica família “nu-
clear” para os padrões vigentes da sociedade. Pai- mãe - filho - filha.
Meus pais me deram o nome de “Janniny”. Um nome diferente e
incomum, que surpreendeu muita gente. Segundo eles, tem um pou-
co a ver com a marca de um violão e a confusão de uma escrivã no
cartório. Para mim, essa escolha sempre significou um desejo latente
de uma filha diferente e incomum.
A cidade onde nasci tinha um clima muito quente, e isso fez com
que eu crescesse apenas de fraldas e pés no chão. Lá, era tudo muito
simples, e me recordo de pouca coisa dessa época. O que lembro
muito bem era do chamado “pula pula 5 mil” (esse foi um apelido
dado pelas crianças do prédio a aqueles brinquedos que são cheios
de ar, nos quais se entra dentro e fica pulando, e, como ele custava
cinco mil cruzeiros, todos nós entrávamos dentro e ficávamos pulan-
do e cantando: “pula-pula cinco mil”). Até hoje me lembro do quão
específico era aquele cheiro de gás misturado com plástico e borra-
cha. Acho que o que mais me encantava eram as cores do brinquedo,
extremamente vibrantes. O que sobra dessa primeira infância, além
disso, são as fotos, nas quais, na maioria delas, eu apareço machuca-
da. Resquícios de uma criança muito agitada.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
41
ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
Em meados da década de noventa, mais precisamente em 1991,
mudamos para São Paulo capital, pois, na época, meu pai trabalha-
va de operário em uma empresa e foi transferido de setor. Um ano
depois, comecei a frequentar o “Jardim A”. Eu tinha quatro anos na
ocasião e me recordo vagamente de estar animadíssima com o fato.
Era um grande colégio de freiras, localizado no Bairro da Moca, onde
todos os meus vizinhos iriam estudar, especialmente um deles, minha
primeira “melhor amiga”. Nós vivíamos grudadas, até nossas roupas
eram iguais, o que, segundo a mãe dela, era para não causar maiores
disputas e constrangimentos. Até hoje me pergunto o real significado
disso, mas, na época, era divertido. As professoras achavam que nós
éramos irmãs. As aulas eram animadas. Nós cantávamos e desenhá-
vamos. A professora era muito legal. Ela foi minha primeira referência
de “mãe” fora do ambiente familiar. Eu adorava ser ajudante do dia e
poder estar ao lado dela na fila após o recreio. Lembro que, nos finais
das atividades, eu limpava a sala com uma vassoura de palha enorme,
com a maior empolgação. Ainda tenho guardados dessa época um
álbum de fotos e desenhos que construímos em sala de aula.
O Jardim B já não foi tão prazeroso, pois criei muita expectativa
com o fato de me alfabetizar. A professora era bastante rígida e,
atualmente, quando me lembro desse período, tenho a impressão
de que estudei em uma espécie de “masmorra” ou “porão”, tenho
a lembrança de um lugar frio e escuro. Recordo que eu desejava an-
siosamente que a hora passasse para poder frequentar as aulas de
“jazz/balé”, que eram no próprio prédio do colégio. Nessas aulas,
fiz algumas inimizades, pois havia garotas mais velhas que queriam
se “sobressair”, e, como, desde essa época, eu já cultivava um senti-
mento de “justiça”, arrumei a maior confusão defendendo as garotas
da minha idade. Quase não pude participar da apresentação do final
do ano. Ainda nesse período, fiz amizade com uma tímida menina
descendente de orientais. Eu era a única pessoa com a qual ela “con-
versava”. Na verdade, cochichava, pois ela só falava bem baixinho, e
no meu ouvido.
Em 1994, minha família se mudou para o sul do país devido
também a questões de trabalho de meu pai. A despedida na escola
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
42
ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
em São Paulo foi bastante constrangedora. Lembro que eu estava na
fila, esperando para ir para casa, e a diretora falou no microfone que
eu estava me mudando de cidade. Só que ela não sabia pronunciar
o nome do local para onde eu estava me transferindo. Então, foi mo-
tivo de riso para todas as crianças, pois ela ficou tentando duas ou
três vezes e ninguém podia ajudá-la porque desconheciam a palavra
“Erechim”.
“mu.dan.ça: (feminino) - o ato de trocar ou mudar.
Do latim: mutare.
mu.dar: Quando transitivo: transferir de um lugar
para outro; dispor de outro modo; desviar; variar;
substituir; alterar; modificar; transformar;
Quando intransitivo: ir viver para outro lugar;
tomar outro aspecto;
Quando reflexivo: ir viver para outro lugar.”
Costumo dizer que todos da família trabalhavam com meu pai,
uma vez que, onde ele tivesse que ir, todos iriam junto. Fomos trans-
feridos para Erechim, que, para mim, era a cidade mais gelada do
mundo (alguém que nasce em Pernambuco e vem parar no sul do
país tem certa dificuldade de adaptação). Meu pai adorou o fato,
pois a família dele mora toda nessa região. Fui matriculada na pri-
meira série do Ensino Fundamental em um colégio próximo à minha
casa, e, como no Rio Grande do Sul, em algumas escolas, a alfabe-
tização inicia na primeira série, eu já me encontrava mais adiantada
do que as demais crianças, pois já sabia ler e escrever; sendo assim,
a escola queria me passar direto para a segunda série. Minha mãe foi
contrária a essa posição, discordou do colégio por achar que eu ainda
era muito nova e deveria acompanhar meus colegas.
O Ensino Fundamental, assim como o Médio, foi marcado por
diversas mudanças de residência e escola. Meu desejo de aprender
aumentava cada vez mais, e, por ser uma criança que mudava bastan-
te, nunca fiz amizades mais duradouras. Sendo assim, ficava em casa,
arrumando todas as bonecas como se elas fossem minhas alunas e
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
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ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
brincando de ser a professora. Houve até uma ocasião muito cômica
em que eu estava “dando aula” aos bonecos e comendo salgadinho.
De repente, na maior das distrações, comi o giz do quadro-negro.
Lembro que saí cuspindo pelo corredor, amaldiçoando todo mundo
que impedia minha passagem até o banheiro.
A segunda série foi o meu terror. Fui parar em uma escola mui-
to pequena, municipal, de primeira a quinta série. Costumo chamar
esse ano da minha vida de: “ano do pavor do português”. Foi nessa
série que meu desejo pelas palavras e seus significados foi morto
com apenas um grito: o grito da professora. Sabe essas professoras
lendárias de filmes infantis com óculos, verrugas, muita gordura, uma
voz aterrorizadora e régua na mão? Pois é, ela era real. Como se
não bastasse amedrontar todos os alunos, ela não sabia português.
Exatamente, uma professora de português que não sabia português.
Como sei disso? Ela passou uma atividade em aula que consistia no
velho e famoso método do “ditado”. Lembro-me até hoje das cin-
co palavras: característica, frase, xícara, ensinar e amanhecer. Eu as
escrevi corretamente, eu era boa com as palavras. Mas a “dita” da
professora me deu errado nas três primeiras e disse que eu deveria
escrever 10 linhas de cada uma delas e levar na aula seguinte. Como
a minha mãe sempre foi muito atenciosa e dedicada com as ativida-
des escolares, todo dia ela sentava comigo para verificar “os temas
de casa” e, nesse dia, ela levou um susto. A professora estava errada.
Aí começou a confusão.
No outro dia, minha mãe apareceu na escola para falar com a
professora e, depois de muita discussão, entrou em cena, nada mais,
nada menos, que: o dicionário. Ela viu que estava errada e, como se
não bastasse o erro dela, ainda tinha minhas peripécias em aula, pois
fiz questão de ficar inventando novas palavras a cada ditado sugeri-
do. Resultado: ela me “perseguiu” até o final do ano, me cobrando
sobre as palavras e seus significados. Acho que esse ano ficou mar-
cado tanto pra mim quanto pra ela. Mudei de escola e perdi o gosto
pelas palavras. Nunca mais escrevi e nem criei nada.
Os anos que se seguiram foram relativamente tranquilos. Fui es-
tudar em um colégio particular, pois meus pais ficaram receosos de-
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
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ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
pois do fato acontecido e optaram por um colégio de freiras. O que
me chama atenção hoje em dia em relação a essa época é que eu
sempre procurei fazer amizades com pessoas que tinham dificuldade
de relacionamento e aprendizagem, pessoas que, de certa forma,
eram “excluídas” pelos demais. Eu era uma garota bastante comuni-
cativa, que buscava coisas novas e tinha uma ânsia imensa de viver
mais do que era permitido, encontrando novos desafios e novos ami-
gos. Até a sexta série, não houve maiores problemas. Eu tive colegas
legais, amizades novas, professoras bacanas. Até a sexta, porque aí
começou novamente meu pesadelo: outra professora de português.
Só podia ser perseguição! Logo comigo, que cultivava um amor pela
busca de palavras e seus significados. Dessa vez foi diferente: ela era
muito rígida, baixinha, manca de uma perna e fazia a gente rezar de
pé todo início de aula. Desde o princípio, eu não gostei dela, e vice-
-versa. Creio que, se não tivesse mudado de escola na metade do
ano, teria rodado nessa matéria.
Fiquei bem animada com a expectativa de mudança, o que não
me surpreendia; afinal, sempre me relacionei muito bem com o verbo
“mudar”.
Ano conturbado. Como acabei mudando de colégio na metade
do ano em função de uma crise econômica familiar, fui para uma
escola estadual, e, como surgiu uma vaga na metade do ano e era
muito difícil a admissão de novos alunos, meus pais não perderam
tempo (mudança na metade do ano é muito assustador: você chega
à escola e vira a “garota nova”. Todos te olham e querem conversar
contigo). Eu fiquei apavorada, não somente por isso, mas era extre-
mamente diferente do meu antigo colégio de freiras. Ali, as cadeiras
e paredes eram pintadas, não com tinta colorida, mas com corretivos
e rabiscos ilegíveis, havia crianças muito mais velhas do que eu, nin-
guém obedecia aos professores, havia alguns docentes que até cho-
ravam na sala de aula implorando por silêncio. As meninas brigavam
de tapas e puxões de cabelo dentro da sala, isso é claro, quando não
se prometiam com a famosa frase: “te pego na saída”.
Ah! Como eu chorei, detestava a escola e o mundo. Só queria ficar
sozinha. Mas, hoje em dia, sou muito grata por essa fase mal elabora-
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
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ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
da de adaptação, pois foi o tempo em que mais frequentei a biblioteca
e li diferentes livros. Estudei ali até o primeiro ano do segundo grau, ou
do “Ensino Médio”, onde, de fato, começou minha adolescência. Nes-
sa época, em meio a coturnos e roupas pretas, comecei a frequentar
alguns shows de rock e cheguei até a formar uma banda, que, obvia-
mente, nunca saiu da garagem. A crise financeira havia supostamente
passado. A fase estava melhor para os negócios familiares. Então, mu-
dei novamente de escola. Na minha cabeça, eu tinha a falsa ideia de
que me prepararia melhor para o vestibular se fosse estudar em uma
escola particular. Surpreendentemente, ou nem tanto assim, reencon-
trei todos os meus colegas do antigo colégio de freiras.
Esse ano foi interessante. Eu estava estudando bastante. Os
professores eram incríveis, e decidi, então, optar por Medicina no
vestibular. Com essa ideia fixa na cabeça, meus pais foram obrigato-
riamente convencidos por mim de que eu deveria ir morar em Porto
Alegre, pois, segundo minhas argumentações, lá eu teria uma melhor
preparação, uma vez que eu faria o chamado “terceirão”, que é co-
légio junto com cursinho pré-vestibular. Arrumei as malas e fui morar
com minha tia na capital. Lá, conheci pessoas singulares, vida dife-
rente, “mundos” desconhecidos. Passei o ano em meio a piercings,
tatuagens, guitarras, bebidas e cabelos coloridos, sem falar nas horas
de debates contestando a sociedade. Quanta rebeldia, não?
Pois é! Estava no auge de minha adolescência, não queria nem
saber de vestibular, muito menos de aula. Obviamente, desisti da
Medicina (definitivamente meu interesse era com as palavras) e, no
final do ano, optei por diferentes cursos nas inscrições para as uni-
versidades, passando por Relações Públicas, Publicidade e Propagan-
da, Serviço Social, Ciências Sociais e Arquitetura. Dentre os diversos
vestibulares que prestei, acabei passando em uma federal, no curso
de Serviço Social. Então, decidi por fazer minha matrícula e mudar
novamente de cidade, e também de Estado.
trans.for.mar: mudar, alterar - do infinitivo la-
tino transformare.
Verbo regular da 1.ª conjugação (-ar)
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
46
ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
Em Florianópolis, tudo me encantava. Achava a universidade um
lugar extraordinário. Tinha uma ideia bastante romântica sobre o “lu-
gar onde o conhecimento era difundido”. Foi uma experiência incrível,
e, nesse ano de 2006, no auge dos meus 17 anos, comecei a ter maior
contato com o mundo político, com dilemas sociais, culturas e per-
cepção da realidade. No entanto, cursei apenas um semestre devido
a questões financeiras e à minha desmotivação em relação ao futuro.
Sendo assim, decidi voltar para casa e tentar me conhecer me-
lhor. Mais uma mudança. Foi nesse momento que encontrei a Psico-
logia. Sempre achei que esse curso seria uma maneira interessante de
tentar entender o porquê as coisas são da maneira que são. Achava
que seria uma forma de tentar entender o comportamento humano
e preencher o enorme vazio que eu sentia por não compreender as
pessoas. Minha curiosidade e sede por conhecimento nunca cessa-
ram. Nesse período, eu me questionava diariamente sobre as atitudes
sem sentido que eu observava. Só posteriormente que fui compreen-
der que nada faz muito sentido mesmo (nada é uma palavra que me
incomoda demasiadamente).
Freud, Lacan, Heidegger, Deleuze, Nietzsche, Sartre, e tantos ou-
tros... Sou extremamente grata pela Psicologia ter me proporcionado
a leitura desses autores, mas, apesar de ela me oferecer diferentes co-
nhecimentos e aprendizagens, eu ainda sentia e sinto que não era/é
o bastante, parecia e parece que falta muita coisa (e desejo profun-
damente que esse sentimento de insatisfação não se esgote nunca.
Preciso dele como propulsor vital). Por isso, com a vinda da Univer-
sidade Federal para Erechim, decidi fazer Ciências Sociais e retomar
antigas crenças e ideologias, aliando com os saberes da psicologia e
tentando, assim, mudar algumas coisas nas quais eu acredito.
devir: futuro, porvir. tornar-se, suceder, acon-
tecer. do Latim: devenire
Verbo irregular da 3.ª conjugação (-ir)
Angústia: o eterno propulsor que não pode te deixar se acomo-
dar com o que incomoda. Sinto-me angustiada nesse momento, e é
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
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ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS
assim que exatamente gostaria de me sentir ao finalizar esse texto
sobre minha trajetória. Não diria “texto”, diria “memórias”. Texto é
um monte de palavras juntas com alguma atribuição de significado,
já as “memórias” possibilitam dizer coisas que são negligenciadas
pelas palavras, que envolvem sentimentos, vivências, encontros... e
tudo isso não é da ordem do vocábulo, do “dito”, do dialogado.
Enfim... apenas posso dizer que ainda tenho muito para apren-
der e muito para fazer. Acredito que tudo pode ser diferente. As pes-
soas, a sociedade, os comportamentos. Acredito que é importante
ter uma coisa rara chamada “consciência”, que seja necessário olhar
através do buraco da fechadura e perceber os acontecimentos peque-
nos para poder ver os grandes, ou seja, apreciar as coisas singelas e
simples para depois contemplar o universo inteiro. Eduardo Galeano,
um autor que gosto bastante, ao ser questionado sobre a serventia
de “utopias”, citou um amigo seu, Fernando Birra, e disse que: “A
utopia está lá no horizonte. Quando me aproximo dois passos, ela se
afasta dois passos. Quando caminho dez passos, o horizonte corre
dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Então, para
que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de cami-
nhar”.
É isso. As únicas convicções que tenho são que não vou deixar de
estudar nunca e que vou mudar sempre.
HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO
49
EU SOU ASSIM
Silvia Maria Ujacov1
Sinto o abraço do tempo apertar
E redesenhar minhas escolhas
Logo eu que queria mudar tudo
Me vejo cumprindo ciclos, gostar mais de hoje
E gostar disso
Me vejo com seus olhos, tempo
Espero pelas novas folhas
Imagino jeitos novos para as mesmas coisas
(Abril – Adriana Calcanhotto)
Falar ou descrever as lembranças e as experiências vividas
não é uma tarefa fácil, mas posso dizer que, de certa forma, é
uma tarefa prazerosa. Começo este memorial com um trecho
da música “Abril”, que traduz o que sinto no atual momento,
em que estou a redesenhar um caminho novo e cheio de novas
experiências.
Com a proposta de escrever este memorial formativo, de forma
criativa, procurei organizar a minha vida contando alguns fatos que
aconteceram no passado e como me sinto no momento atual, fazen-
do, assim, uma pequena reflexão dos pontos positivos e negativos da
minha trajetória profissional e escolar.
1  Estudante de Licenciatura em Pedagogia (UFFS/Erechim) e Bolsista do Práxis – PET/Cone-
xões de Saberes entre dezembro de 2010 e agosto de 2011.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
50
EU SOU ASSIM
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até o fim do mundo,
E viu-se, redonda, do azul profundo.
(O infante – Fernando Pessoa)
Nasci em 15 de setembro de 1980, às oito horas da manhã,
no Hospital São Vicente de Paulo, na cidade de Barão de Cotegipe.
Meu pai, Pedro Ujacov, e minha mãe, Edilse Bernardi Ujacov, eram
agricultores e residiam em Parobé, interior de Itatiba do Sul. Minha
mãe sempre conta que o dia em que nasci era muito frio e tinha neve.
Por sorte, o padre Milton Matias se atrasou para visitar o quarto de
minha mãe, pois ele vinha com uma sugestão nada legal para meu
nome: “Dolores”, porque era dia de Nossa Senhora das Dores. No
entanto, meu pai já tinha saído para fazer minha certidão de nas-
cimento com o nome que ele havia encontrado na borda de uma
fralda. Em virtude de minha família ser muito religiosa, agregaram
o segundo nome de Maria, resultando, então, em meu nome: Silvia
Maria Ujacov. Pura sorte!
Pedro Ujacov, meu pai, faleceu em 22 de março de 1982,
motivo pelo qual eu e minha mãe fomos morar em Linha Seis,
interior de Barão de Cotegipe, na casa dos meus avós maternos,
até que meu avô conseguisse comprar e construir uma casa para
nós na cidade de Barão de Cotegipe. Na casa de meu avô, mo-
ravam, além de nós, mais seis irmãos da minha mãe e a minha
bisavó.
Em 1984, nos mudamos, eu e minha mãe, para nossa casa. Mi-
nha mãe sustentava a casa com a “pensão” (benefício concedido a
viúvas pelo INSS). Trabalhava como costureira e alugava um quarto
para uma guria que trabalhava no Hospital, a Líbera. Pensando em
meu futuro, minha mãe, então por influência de pessoas em que ela
confiava, decidiu dar início a minha vida escolar.
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
51
EU SOU ASSIM
Dos Sistemas
já trazes, ao nascer, tua filosofia.
as razões? essas vêm posteriormente.
tal como escolhes, na chapelaria.
a fôrma que mais te assente...
(Mário Quintana)
Minha bisavó Elisa não falava nenhuma palavra em português.
Ela falava somente italiano e, pela convivência com ela, eu tive vários
problemas ao ingressar na escola. Era ela que cuidava de mim no pe-
ríodo em que minha mãe e eu passamos na casa de meu avô.
Ao completar cinco anos, as irmãs que administravam a Escola
Cristo Rei, por conhecerem a minha família, pois minha mãe confec-
cionava os uniformes dos alunos daquela escola, a orientaram a fazer
minha matrícula no “Jardim”, para que eu aprendesse a falar o por-
tuguês corretamente, já que eu falava algumas palavras em italiano e
outras em português, misturando as duas línguas, pela influência da
convivência com minha bisavó.
Iniciou-se, então, a minha trajetória escolar. Minha primeira profes-
sora, diga-se de passagem, era bem paciente comigo, ao contrário da
irmã superiora, que era a diretora do colégio (detalhe: era um colégio
de freiras). Não posso dizer que tenho muitas recordações desta fase,
mas um fato que me marcou bastante foi o meu primeiro dia dos pais
naquela escola. Todas as crianças tinham que fazer um trabalhinho
para entregar a seu pai e o pai viria para recebê-lo. Lembro que cheguei
em casa e pedi a minha mãe por que só eu não tinha pai e para quem
eu iria entregar o presente. Ela me disse que meu pai era uma estreli-
nha lá do céu e que o presente era para entregar a meu avô.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
(Isto- Fernando Pessoa)
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
52
EU SOU ASSIM
Admiro muito minha mãe por ela ter sido sempre uma mulher
forte, batalhadora e dedicada a me educar e a dar o melhor pra
mim. Em meados de 1987, uma irmã de minha mãe e seu marido
resolveram apresentar minha mãe para Nélio Luiz Balestrin. Os dois
começaram um relacionamento que, em 25 de fevereiro de 1988, se
consolidou através do casamento. Com o casamento veio também a
mudança para a casa onde ele morava no interior, na localidade de
Linha 4 Secção Paiol Grande, que, por sua vez, resultou na minha
transferência para outra escola.
Aquela menininha acostumada com uma montanha de regras
que a escola regida pelas freiras impunha vai parar em uma escola
cheia de pessoas estranhas, sem fila para entrar na sala, tendo que
ajudar a limpar sua sala, sem local adequado para fazer os exercícios
de Educação Física, sem parque para brincar, ou seja, sem uma estru-
tura adequada. Esta, por sua vez, tinha mais um detalhe, era plurisse-
riada. A biblioteca era dentro da própria sala e alguns tijolos com um
pedaço de madeira serviam de prateleira. A brincadeira preferida da
turma era se esconder da professora no meio de um “mato”, motivo
pelo qual as professoras, depois da primeira semana de aula, não
faziam mais a “hora da merenda”. Foram anos difíceis, confesso, mas
que deixaram saudades. Nesta escola, chamada de Escola Municipal
Nossa Senhora de Fátima, cursei da segunda à quinta série do Ensino
Fundamental.
O Auto-Retrato
No retrato que me faço
- traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
(O auto-retrato - Mário Quintana)
Outra mudança de escola, outro desafio que remete uma criança
a se indagar por que mudar de novo. A própria escola, quando o alu-
no completava a quinta série do Ensino Fundamental, encaminhava
para uma nova escola pública. Eu, juntamente com mais quatro co-
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
53
EU SOU ASSIM
legas, fomos encaminhados para a Escola Estadual Dr. João Caruso,
no município de Erechim. A prefeitura disponibilizava o transporte
gratuitamente, mas com um detalhe, o transporte passava por vários
locais até chegar ao colégio. Para chegar ao colégio, levávamos em
torno de 35 minutos dentro de uma Kombi.
A estrutura oferecida pela nova escola era bem melhor e os desa-
fios para quem saiu de uma “escolinha do interior” eram bem maio-
res. Uma sala com 25 alunos da mesma idade cursando a mesma sé-
rie, vários professores diferentes, um local separado e cheio de livros
novos, meu primeiro contato com uma biblioteca, local adequado
para Educação Física.
Posso dizer que era uma escola de ótima qualidade, onde que
aprendi muito, não só com os professores, mas também com meus
colegas. Vários de meus colegas não chegaram a fazer a formatura
junto comigo. Perdemos alguns por reprovações e outros pelas “dro-
gas”. Esta escola oferecia até a oitava série do Ensino Fundamental.
Após, precisaria ser feita uma escolha, procurar uma outra escola
estadual, ir para uma escola particular ou ainda parar de estudar.
A última opção jamais passou pela minha cabeça e muito menos
pela cabeça de meus pais. Na infância, uma das minhas brincadeiras
e das minhas primas era a de professora. Na hora de decidir para que
escola eu iria, vários fatos pesaram na decisão de meus pais. Escola
particular nem pensar, dinheiro para isso não tínhamos. Minha mãe
tinha vontade que eu fizesse magistério, mas não foi possível, pois
dependia do local que meu tio iria matricular as filhas dele, minhas
primas, porque naquele tempo a prefeitura só disponibilizava trans-
porte até o final do Ensino Fundamental. Depois disso, cada um teria
que arranjar um jeito para chegar à escola. A preferência de minha
mãe era de continuar os meus estudos em Erechim, mas a escolha de
meu tio em matricular as minhas primas em Barão de Cotegipe fez
com que meus pais me matriculassem lá também, pois não queriam
que eu fosse para outra escola sozinha.
Fui, então, matriculada na Escola Estadual de 1º e 2º Graus Má-
rio Quintana, na cidade de Barão de Cotegipe. Para chegar à esco-
la, eu e minhas duas primas percorríamos um trajeto de 4 km a pé
para ir e mais 4km para retornar para casa. Muitas vezes, no inverno,
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
54
EU SOU ASSIM
quando chovia ou era muito frio, meu padrasto levava até uma parte
da estrada de carro. Foram três anos difíceis estes. A única opção que
a escola disponibilizava era a de Preparação Para o Vestibular – PPV,
sendo esta a que cursei no meu Ensino Médio. O que guardo deste
período é a visão de uma escola com uma ótima estrutura, mas com
alguns professores que não atualizavam seus métodos de trabalho
e seus materiais, pois os mesmos trabalhos que fiz minhas primas
repetiam no outro ano.
Esses três anos passaram rápido, e uma nova escolha teria que
ser feita: ir para uma faculdade ou parar? Além disso, pensar: e se
fosse fazer uma faculdade, de que seria?
A vontade de meus pais era que eu continuasse a estudar, mas
eles não tinham condições financeiras para que eu continuasse a es-
tudar e não havia conhecimento deles de alguma forma de como
pagar minha tão sonhada faculdade.
Olho por todo o meu passado e vejo
Que fui quem aquilo e torno meu,
Salvo o que vago e incógnito desejo
De ser eu mesmo de meu ser me deu.
(O andaime – Fernando Pessoa)
Continuava sonhando ainda com uma faculdade, mesmo saben-
do que meus pais não poderiam pagá-la naquele momento. Foi atra-
vés de muita conversa com eles que decidi que eu iria fazer um curso
técnico e que procuraria um trabalho para juntar dinheiro para pagar
uma faculdade. A única certeza que eu tinha era a de que, se eu não
corresse atrás, eu não conseguiria fazer a minha faculdade.
Assumir-se como ser social e histórico, como ser pen-
sante, comunicante, transformador, criador, realizador
de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.
(Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire).
Através de uma bolsa de estudos de 50%, fornecida pelo Sindica-
to dos Trabalhadores Rurais onde meu padrasto era associado, iniciei
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
55
EU SOU ASSIM
o curso de Técnico em Contabilidade no Instituto Barão do Rio Bran-
co. Comecei a procurar emprego através de uma agência e deixando
curriculum em diversas lojas e empresas da cidade de Erechim.
Na minha trajetória profissional, passei por diversas experiências:
fui auxiliar de produção, vendedora, auxiliar de departamento pesso-
al, auxiliar de contabilidade, caixa e auxiliar administrativo, tudo bus-
cando um trabalho que possibilitasse a realização do meu objetivo,
fazer uma faculdade. A pedido de meu ex-namorado, larguei o meu
trabalho, que eu gostava muito, no departamento pessoal de uma
empresa, para cuidar dos negócios da família, pois meu ex-sogro es-
tava passando por problemas de saúde. Após meu ex-sogro ter seus
problemas de saúde resolvidos, voltei a procurar um emprego, por-
que a ideia de trabalhar junto com eles na empresa da família não
era muito boa, gerava alguns conflitos, até mesmo porque a visão de
meu ex-sogro era muito machista. Dizia ele que as mulheres daque-
la família não precisavam trabalhar, já que eles, os homens, sabiam
como sustentar e dar o que precisava para as mulheres da casa. Já a
minha visão é de que eu precisava ser independente, ter as minhas
próprias regras, viver por mim.
Através do Instituto Barão do Rio Branco, fui encaminhada para
a Empresa Ouro Verde Papéis e Embalagem para trabalhar no setor
de contabilidade da empresa. Esta empresa localiza-se na cidade de
Paulo Bento. Para ir até a empresa, eu saía de casa às seis e trinta da
manhã e retornava às dezenove horas. Com o pedido de casamento,
veio também o pedido para eu parar de trabalhar, para poder cuidar
dos detalhes do casamento e também cuidar da abertura de uma
filial da madeireira em Mato Grosso, na cidade de Sorriso. O desfecho
desta parte não precisa constar neste memorial, não teve final feliz
como nos contos de fadas.
Retomei minha vida com o desejo ainda maior de voltar a estu-
dar, de entrar para uma universidade. Foi assim que decidi aceitar
o convite para trabalhar na empresa CEJURGS como secretária, au-
xiliando no escritório de advocacia e no cursinho preparatório para
concursos públicos. Posso dizer que gostava muito do que fazia e
aprendi muito. Conquistei muitas amizades e foi onde descobri algo
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
56
EU SOU ASSIM
muito importante que guardo até hoje: jamais farei uma faculdade
de Direito.
Passaram-se três anos e recebi uma proposta de ir trabalhar no
Hospital de Caridade, com certeza uma excelente proposta, que eu,
sem pensar muito, aceitei. Era um trabalho diferente de todos os ou-
tros, com uma responsabilidade bem maior do que todas as que eu
já tinha tido; afinal, era trabalho com a vida de pessoas. Trabalhei no
setor de Radiologia, inicialmente trabalhava na recepção. Logo após,
fui para a digitação de laudos e, em seguida, auxiliava os médicos na
realização da transcrição dos exames de RX, Ecografias e Tomogra-
fias. Foi certamente um dos trabalhos mais gratificantes que eu fiz,
afinal, dizia minha mãe que: ou eu trabalharia com algo relacionado
à saúde ou eu seria professora, pois todas as minhas brincadeiras es-
tavam relacionadas a uma dessas duas profissões. Ela sempre conta
que, se eu não estivesse com livros, eu estava aprontando alguma
com algum dos bichos lá de casa (como, por exemplo, transplante de
coração nas galinhas dela). Mas, na verdade, a profissão de professo-
ra não me encantava muito até eu começar a minha graduação. Gos-
tei muito das experiências que tive no hospital, pois lá a melhor parte
do trabalho é ver que muitas vezes você ajudou a salvar uma vida.
No entanto, o sonho de fazer uma faculdade permanecia. Ainda
não sabia ao certo o que eu faria. Em mente, eu tinha várias possíveis
opções, como Fisioterapia, Educação Física, Administração, entre ou-
tras. A área das licenciaturas, até o momento, não me atraía.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
(Liberdade – Fernando Pessoa)
Na vida, as coisas nem sempre saem do jeito que a gente quer, às
vezes, as nossas escolhas vão além de nossas vontades, mas o tempo
é que vai dizer se essas escolhas valem ou não a pena. Em 2009, por
influência de alguns amigos, resolvi fazer o ENEM. Confesso que fiz
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
57
EU SOU ASSIM
mais por brincadeira, sem muitas esperanças em conseguir uma nota
que pudesse me dar direito a uma bolsa de estudos e, quem dera,
entrar em uma Universidade Federal. A prova do ENEM não foi nada
fácil; afinal, já havia se passado vários anos que não pegava um ca-
derno na mão pra ver matérias como Física, Biologia, Química, entre
outras, ou seja, as que no nosso cotidiano não são muito utilizadas.
As questões estavam bastante complexas e extensas. Enfim, foi bem
cansativa esta prova. No primeiro dia, eu não cheguei a ler metade da
prova, pois faltou tempo. No segundo dia, eu fui um pouco melhor,
mas minha média ficou bem baixa.
Minha mãe, assistindo o noticiário local em uma sexta-feira, ficou
sabendo da vinda da UFFS para a cidade de Erechim e que o último
dia de inscrição seria no domingo. Ela comentou comigo no sábado
à noite e me aconselhou a tentar fazer a inscrição.
No domingo à tarde, voltei à cidade de Erechim. Fui a uma Lan
House e fiz minha inscrição. Analisei os cursos oferecidos aqui para
a cidade de Erechim e optei por Pedagogia e, em segunda opção,
História, mas a minha nota do ENEM era muito baixa e, na primeira
chamada, não fui selecionada. Comentei com minha mãe: “Vou estu-
dar e tentar no próximo ENEM ir melhor para conseguir aprovação,
agora que tem uma faculdade federal em Erechim”.
Já havia até esquecido e começado a pensar em arranjar alguns
livros para começar a estudar para fazer novamente o ENEM quando
recebi uma correspondência dizendo que havia sido aprovada e esta-
va sendo chamada para fazer minha inscrição para o curso de Peda-
gogia. Quanta alegria em saber que eu havia conseguido. Demorou,
mas chegou a minha vez. Pensei: “Vou entrar em uma faculdade,
fazer um curso superior, mesmo não sendo o curso que eu queria
fazer, mas, como não havia outro curso em que eu achei que me
sairia melhor, fui para a Pedagogia”. Confesso que não era realmente
o que eu queria. Minha mãe e alguns amigos me disseram: “Começa
a fazer e, depois, se você não gostar mesmo, você troca de curso”. E
lá fui eu para o curso de Pedagogia.
Minha família, principalmente meus avós maternos, me apoiou
e gostou muito de me ver entrando na universidade. Afinal, como a
HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO
58
EU SOU ASSIM
neta mais velha, tinha que dar exemplo para os outros. No entanto,
como toda a boa família, houve quem criticou e disse que era só mais
uma maneira de gastar dinheiro e tempo, que eu já estava velha de-
mais para querer estudar, que estava na hora de arrumar um marido
e ter filhos. Neste momento, ouvi a boa e velha frase: “Estudar para
quê se você já tem um trabalho? Tá é na hora de pensar em casar”.
Diziam alguns de meus primos que isso era inveja da oposição.
Porém, como dizem, nunca é tarde para começar. Então, eu, com
trinta anos de idade, me encontro fazendo o meu primeiro curso de
graduação. Ao entrar no primeiro dia de aula e ver que a maior parte
das minhas colegas eram meninas de dezoito ou dezenove anos, me
perguntei: o que eu estou fazendo aqui? Porém, logo vi que muitas
delas não tinham noção do quanto era gratificante estar ali apren-
dendo uma nova profissão.
Enfrento várias dificuldades para acompanhar muitas coisas,
mas, quando comecei a conhecer minhas colegas, passei a admirar
algumas delas que, com filho, marido e mais de quarenta anos, tam-
bém estavam ali buscando seu espaço. Posso dizer que eu gostaria
sim de ter feito uma faculdade antes, mas minha situação não me
permitia. Por outro lado, penso que foi até melhor assim, pois, pelo
menos, eu aproveitei e hoje estou mais madura para tomar as deci-
sões que o curso de graduação me impõe.
Em março de 2010, ingressei finalmente na universidade, mas
meu horário de trabalho não era muito favorável e tive que escolher
entre trabalho e faculdade. Fiz a opção por tentar uma das bolsas
oferecidas pela UFFS e sair do hospital. Posso dizer que senti medo de
largar tudo para estudar e trabalhar na área de Pedagogia.
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para sua própria produção ou a
sua construção (Pedagogia da autonomia – Paulo Freire).
		
Surgiu, em setembro de 2010, a possibilidade de trabalhar na
Escola de Educação Infantil Pedacinho do Céu como auxiliar de pro-
fessora. Confesso que fui movida mais pela curiosidade de saber se
era isso mesmo que eu queria para mim (trabalhar com crianças), ou
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Há uma universidade no meio do caminho

  • 1.
  • 2.
  • 3. THIAGO INGRASSIA PEREIRA ORGANIZADOR HA UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO Caminhadas dos Bolsistas do PET/Conexões de Saberes da UFFS/Erechim até a Universidade Erechim, 2012
  • 4. © Os autores - Todos os direitos reservados - 2012 Organização: Thiago Ingrassia Pereira Revisão: Profª Zoraia Aguiar Bittencourt Produção Gráfica e Impressão: Evangraf - (51) 3336.2466 evangraf@terra.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) U58 Há uma universidade no meio do caminho: caminhadas dos bolsistas do PET/conexões de saberes da UFFS/Erechim até a universidade/ Organizador: Thiago Ingrassia Pereira. – Erechim : Evangraf, 2012. 160 p. ISBN 978-85-7727-427-7 1. PET Conexões. 2. Saberes. 3. Educação Popular. I. Pereira, Thiago Ingrassia. CDU 378 CDD 378 (Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
  • 5. SUMÁRIO PREFÁCIO OU NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM SONHO... Maria Aparecida Bergamaschi....................................................... 7 APRESENTAÇÃO – A CONSTRUÇÃO DOS MEMORIAIS FORMATIVOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA Thiago Ingrassia Pereira.............................................................. 13 PARTE I O QUE APRENDI NO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS Fernanda May.............................................................................23 POR UM MUNDO MAIS SOLIDÁRIO E RECONHECEDOR DA DIVERSIDADE Rafaela da Silva Bispo.................................................................. 31 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS Janniny Gautério Kierniew.......................................................... 39 EU SOU ASSIM Silvia Maria Ujacov...................................................................... 49 O DONO DO CAMINHO Fabrício Fontes de Souza............................................................. 61
  • 6. PARTE II MEMÓRIAS ESTUDANTIS: UMA TRAJETÓRIA Seli Terezinha Leita...................................................................... 83 EDUCAÇÃO, CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIAS PARA ALÉM DO BÊ-Á-BÁ Sandra Regina Ferreira Müller..................................................... 93 MEMÓRIAS DE UM SONHADOR Daniel Gutierrez........................................................................ 105 SER, VIVER E LEMBRAR: MINHA TRAJETÓRIA ATÉ A UNIVERSIDADE Joviana Vedana da Rosa............................................................ 113 UMA TRABALHADORA TEIMOSA E ESTUDANTE OU SERÁ UMA ESTUDANTE TRABALHADORA E TEIMOSA? Paula de Marques..................................................................... 121 PARTE III MEMORIAL FORMATIVO: A ESCRITA DAS TRAJETÓRIAS DE VIDA DE ESTUDANTES DE ORIGEM POPULAR Rafael Arenhaldt....................................................................... 135 TRAJETÓRIAS DE VIDA: PERCURSOS DE ESTUDANTES DE ORIGEM POPULAR Luís Fernando Santos Corrêa da Silva........................................ 149 SOBRE ESCREVER E REVISAR: MO(VI)MENTOS DE OLHAR O OUTRO E A SI ATRAVÉS DO TEXTO Zoraia Aguiar Bittencourt.......................................................... 153
  • 7. HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO 7 PREFÁCIO OU NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM SONHO... Maria Aparecida Bergamaschi1 No meio do caminho tinha um sonho! Talvez a universidade, cursada hoje pelos estudantes que participam do PET Conexões de Saberes da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus Erechim – RS, não estaria em seus caminhos se não estivesse, desde muito tempo, em seus sonhos, em seus horizontes. E foi com muita tenacidade e peleja que esses jovens, principais autores do livro, a buscaram para colocá-la aqui, no meio de seus caminhos, na concre- tude de seus sonhos. Este foi o primeiro pensamento que me ocorreu ao ler os memoriais que registram as lembranças e que reconstroem a trajetória vivida por cada estudante até chegar aqui, no seio da Universidade Pública. “Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra”, disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, em 1928, em versos que ecoam até o presente, eivados por múltiplas interpretações. Lendo as histórias de vida aqui relata- das, percebi que cada uma delas também se fez letra para que nunca seja esquecido o caminho percorrido – mesmo em momentos de reti- nas fatigadas –, pois a universidade que agora faz parte de suas vidas já foi um sonho no meio do caminho. A única certeza que eu tinha era a de que, se eu não corresse 1  Professora na Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFRGS.
  • 8. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 8 PREFÁCIO atrás, eu não conseguiria fazer a minha faculdade, disse Silvia, em meio aos relatos que mostram como o sonho impulsionou e nutriu a caminhada, sonho que colocou a universidade como parte do seu ca- minho. E, conduzidos pelo poeta inspirador do título do livro, encon- tramos nas histórias de vida as muitas pedras que se sobrepunham como barreiras no meio do caminho: Só não poderia desistir, no pri- meiro obstáculo vencido. De tantos outros que agora tinha consci- ência que iriam surgir no decorrer da caminhada, declara Rafaela. Também a fala poética de Fabrício mostra as difíceis vicissitudes: A cada passo que eu dava, ficava a imagem de uma terra distante, das cantigas, dos sonhos da juventude, das renúncias já outrora feitas. Percebe-se, nas linhas e entrelinhas dos memoriais desses estudantes, que cada um, a seu modo, trilhou um caminho, pautado por um desejo, como também anuncia a Fernanda: O meu sonho em cursar uma faculdade era importantíssimo, pois eu queria estudar, eu gosta- va, eu queria ser alguém na vida, ter uma profissão e viver diferente da forma como meus pais viveram, eles não tiveram oportunidades de ir mais além e de estudar. Ao lembrarem e registrarem suas lem- branças, cada bolsista recolheu, organizou e reorganizou, como num mosaico, as peças de sua memória, reconfigurando o tempo de vida ou a vida no tempo. Mas o que significa escrever um memorial? É transformar em letras, palavras, histórias, as marcas da memória que hoje são lem- bradas, são escolhidas e tiradas do esquecimento, entre tantas vivên- cias, para se tornarem a história da vida de cada estudante. Eclea Bosi (2003)2 diz que a memória, ao operar com liberdade, escolhe acontecimentos do passado que se constituem em lembranças. Diz ainda a autora que essas configurações são mais fortes quando incide sobre elas um significado coletivo. Nesse sentido, compreendo que os memoriais que aqui brilham são registros de trajetórias individuais, mas configuram lembranças pautadas por um significado coletivo: o caminho que trouxe cada um desses jovens à universidade. São histórias elaboradas com fios coloridos que vão e vêm desde outros 2  BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
  • 9. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 9 PREFÁCIO tempos vividos, fios que identificam uma trajetória pessoal, mas que, ao se juntarem num coletivo, compõem um novo tecido em um novo momento da universidade; fios entrelaçados que sustentam estudan- tes, docentes e o próprio processo que envolve a universidade pública brasileira em relação ao ingresso, permanência e visibilidade de estu- dantes de origem popular. Em geral, esse assunto é pouco abordado na universidade, pois a pessoa, quando se torna estudante, passa a integrar uma suposta homogeneidade, onde “todos são iguais” e as trajetórias, por mais díspares, por mais obstáculos que registram para aqui chegar, quando postas na sala de aula, todas são igualmente trajetórias acadêmicas. Sim, podemos festejar essa igualdade, pois aqui todos são universitá- rios. Porém, as histórias que lemos nesse livro mostram desigualdades sociais e, principalmente, mostram que precisamos tirar da invisibili- dade uma presença significativa, que marca um novo momento da história da educação brasileira, presença que precisa ser ampliada e potencializada. São vozes até então anônimas, que dizem seus nomes, que afirmam suas origens e seus lugares. Sempre estudei em escola pública, tive contato com as mais diferentes pessoas, é uma frase da história de vida da Fernanda, evidenciando a sensibilidade de perceber as diferenças, de fazer existir essas diferenças. Por isso os memoriais: escrever histórias é produzir memórias e é, também, uma forma de conferir existência aos grupos sociais que há pouco tempo estavam ausentes ou silenciados do meio acadêmico. Os memoriais falam, can- tam, dizem que esses jovens estão aqui, que estas são as histórias que contam para existir, mas também para terem uma perenidade. São estudantes que olham para as suas histórias desde aqui, da universidade, já usufruindo, com todo o direito, a vaga conquistada, sem tirar os olhos do que acreditam. Sonham, e continuam a cons- truir caminhos para que as universidades se façam espaços plurais, onde filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil pos- sam dizer a sua palavra, que possam fazer parte da construção de um novo saber, diz Rafaela, pronunciando a sua palavra, anunciando a sua caminhada, permeada de passado e de futuro. Já dizia Ilya
  • 10. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 10 PREFÁCIO Prigogine (1991)3 que as decisões humanas dependem das lembran- ças do passado e das expectativas para o futuro, o que torna mais evidente a importância e a necessidade de tecer (tornar texto) as tra- jetórias de cada estudante, retomando o curso (caminho) que cada um produziu em seu passado (agora presente), para fazer a história, o futuro na universidade. Mas esses estudantes anunciam mais: que- rem uma universidade mais justa, almejam um espaço universitário que não apenas lhes confira uma graduação, mas que se abra, que se faça plural, que contribua para tornar a sociedade menos desigual. Suas histórias, tecidas no presente, mostram a força de quem já superou difíceis obstáculos para ocupar um espaço que, em nosso país, se fez para poucos, mostram origens diversas, com enredos que envol- vem lugares distantes do país e do estado. Porém, algo aproxima estas histórias e estes caminhos, que se encontram em Erechim, na Universi- dade Federal da Fronteira Sul – um novo espaço acadêmico público e gratuito e de qualidade, que, além de formular um ingresso que busca fugir do histórico “funil”, preocupa-se também com a permanência dos estudantes, tornando menos íngremes os caminhos desses que, muitas vezes, se sentem “peixes fora d’água”. Em seus relatos, percebe-se que aqui na UFFS encontraram apoio para fazer este espaço seu e, por isso, também apontam novas necessidades e lutam por um novo cenário de oportunidades, que rompa com qualquer forma de desigualdade social, como se lê nas palavras da Rafaela. Esses estudantes deixam transparecer, em suas sapiências, que o caminho não está dado, e, por isso, falam da necessidade de conti- nuar a luta por outros que estão a caminho, pois hoje a universidade no Brasil, mesmo com todas as iniciativas desses últimos anos para expandir vagas, para tornar o acesso mais amplo e democrático, ain- da não é um lugar para todos: Luto por espaços para desenvolver e aguçar os sonhos daqueles que buscam a formação pessoal justa e limpa, mesmo em suas diversas dificuldades, diz Fabrício. E Janniny retoma uma frase de Eduardo Galeano, situando seus sonhos como uma utopia: E, para que serve a utopia?, pergunta ela, parafraseando o poeta. Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. 3  PRIGOGINE, Ilya. O nascimento do tempo. Lisboa: Edições 70, 1991.
  • 11. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 11 PREFÁCIO Essa é a caminhada que relatam aqui, caminhada que os trouxe até a universidade pública, um lugar privilegiado, ainda para poucos em nosso país. Por isso há também um significado coletivo nas entre- linhas das histórias de vida de todos os estudantes, mas que Fabrício transforma em palavras: Luto por esta universidade ser cada vez mais os sonhos de milhares de pessoas que idealizam chegar até aqui. E, nas páginas desses memoriais, lembrei de outra situação semelhante, vivida com estudantes do Programa Conexões de Saberes UFRGS, em sua primeira edição, na qual também registramos as trajetórias de vida e as publicamos – são os memoriais que compõem “Caminhada de estudantes de origem popular”, lidos pelos estudantes do PET Conexões de Saberes da UFFS, Campus Erechim. Na apresentação, escrevi algo que acho oportuno retomar, para celebrar o encontro com os autores desse livro, para dizer que suas histórias emocionam: “apesar de narrarem, muitas vezes, o imponderável, as palavras estão carregadas de doçura – e esperança – mesmo ao descreverem expe- riências angustiosas, pois as vejo aqui como poesia”.
  • 12.
  • 13. HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO 13 APRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO DOS MEMORIAIS FORMATIVOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA Thiago Ingrassia Pereira1 Não é, desde logo, uma autobiografia. Não é um livro de memórias, mas um livro que tem memórias. (Paulo Freire) A advertência feita por Paulo Freire em seu diálogo com Sérgio Guimarães2 é apropriada para este livro, que surge como um desafio e que tem uma esperança. O desafio se encontra na ideia de ser um livro escrito por estudantes e professores engajados no processo de democratização do acesso e da permanência no Ensino Superior brasileiro, marcando as intencionalidades política, epistemológica e pedagógica do Grupo Práxis - PET/Conexões de Saberes da Univer- sidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim – RS, pro- movendo, e aí vem a esperança, o debate da educação popular na universidade a partir das trajetórias de vida dos bolsistas de origem popular que constituem o programa. 1  Sociólogo, Doutorando em Educação (UFRGS). Professor da área de Fundamentos da Edu- cação e Tutor do Grupo Práxis – PET/Conexões de Saberes da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim. 2  FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Aprendendo com a própria história I. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
  • 14. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 14 APRESENTAÇÃO Segundo o portal do Ministério da Educação3 , o Programa de Educação Tutorial (PET) foi criado para apoiar atividades acadêmicas que integram ensino, pesquisa e extensão. Formado por grupos tu- toriais de aprendizagem, o PET propicia aos alunos participantes, sob a orientação de um tutor, a realização de atividades extracurriculares que complementem a formação acadêmica do estudante e atendam às necessidades do próprio curso de graduação. Os estudantes e o professor tutor recebem apoio financeiro de acordo com a Política Nacional de Iniciação Científica. O PET/Conexões de Saberes da UFFS/Erechim surgiu a partir do Edital n. 9/2010 - MEC/SESu/DIFES. Em seu primeiro processo de seleção de bolsistas (novembro/2010), ofertou quatro (4) bolsas re- muneradas e duas (2) bolsas voluntárias. Tivemos a inscrição de doze (12) estudantes de Licenciatura da UFFS/Erechim. A composição do grupo de bolsistas que iniciaram o programa observou três (3) estu- dantes de Ciências Sociais e um (1) estudante de História, um (1) de Geografia e um (1) de Pedagogia. Já no início do trabalho, uma bolsista voluntária do curso de Ci- ências Sociais acabou desistindo de integrar o programa em virtude de trabalho remunerado. Essa situação voltou a ocorrer durante o ano de 2011, indicando o desafio de, efetivamente, construirmos po- líticas incisivas de permanência na universidade. O grupo de bolsistas foi se configurando em estreito vínculo com as necessidades mate- riais imediatas dos estudantes. Dessa forma, a construção do trabalho do PET/Conexões de Sa- beres acompanha a própria construção da UFFS. Essa situação nos coloca diante de inúmeros desafios, pois estamos diante de uma “uni- versidade em movimento”4 . A UFFS é uma universidade nova, que nasce a partir de uma luta antiga da comunidade do norte gaúcho por uma universidade pública federal na região. Com sede na cidade catarinense de Chapecó, a UFFS possui campi nas cidades gaúchas 3  Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&i d=12223&Itemid=480>. Acesso em: 21 jul 2011. 4  Expressão que intitula o capítulo escrito por Dirceu Benincá em livro por ele organizado: Universidade e suas fronteiras. São Paulo: Outras Expressões, 2011. Para maiores informações sobre a UFFS, acessar <www.uffs.edu.br>.
  • 15. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 15 APRESENTAÇÃO de Cerro Largo e Erechim e nas cidades paranaenses de Realeza e Laranjeiras do Sul. Trata-se de uma universidade voltada para a popu- lação dos 396 municípios que compõem a Mesorregião da Fronteira do Mercosul – uma região historicamente desassistida pelo poder público, especialmente no tocante ao acesso à educação superior. Tendo em vista esse cenário, torna-se fundamental a presença qualificada dos estudantes na UFFS, uma vez que, em sua maioria, são provenientes da escola pública e de territórios populares urbanos e rurais. Estamos diante de importante momento histórico a ser con- solidado por meio da articulação seminal dos saberes populares com os saberes acadêmicos, uma das propostas historicamente presente no projeto político do Programa Conexões de Saberes5 . Ao começarmos as atividades do PET/Conexões de Saberes com os memoriais formativos, nosso objetivo foi o resgate da trajetória de vida dos estudantes até a universidade. Contudo, não nos interessava apenas relatar histórias e situações, mas, sobretudo, refletir sobre a própria prática, oportunizando a compreensão de nosso espaço no mundo e com o mundo. Por que, então, publicar os memoriais? A ideia de um livro sobre memoriais dos bolsistas de origem po- pular não é original, mas faz parte da proposta pedagógica obser- vada nas diversas experiências dos Programas Conexões de Saberes reunidas na coleção Caminhadas6 . O objetivo de um livro que tem memórias é situar a nossa experiência pessoal em um contexto mais amplo, permitindo o estabelecimento de conexões entre o particular e o geral, entre o vivido e o pensado, entre a dor e a alegria, entre o medo e a esperança, enfim, entre nós e os outros. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, em versos escritos em 1928, entendemos que a universidade para as classes populares é uma “pedra no meio do caminho”, quando, de fato, se constitui em 5  Vale destacar que o Conexões de Saberes foi um programa desenvolvido pela SECAD/MEC a partir de 2004. Contando com a parceria do Observatório de Favelas – RJ, o programa foi desenvolvido em universidades federais de todo Brasil, chegando a ter 2200 estudantes univer- sitários de origem popular como bolsistas em 2008. A partir de 2010, o Ministério da Educação propôs a criação de grupos PET na modalidade Conexões de Saberes. 6  A coleção Caminhadas de universitários de origem popular está disponível em <http:// www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/publicacoes.php>. Acesso em: 21 jul 2011.
  • 16. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 16 APRESENTAÇÃO realidade nos projetos de vida dos jovens que se esforçam para man- ter sua condição de trabalhador que estuda, na acepção de Carlos Rodrigues Brandão. Dessa forma, o primeiro grupo de bolsistas foi constituído ainda no ano de 2010. Fernanda, Silvia, Rafaela, Fabrício e Janniny deram o pontapé inicial nas atividades do programa. Seus memoriais cons- tituem o primeiro bloco (parte I) deste livro. A partir de nova seleção de bolsistas, ocorrida em outubro de 2011, um novo grupo de estu- dantes passou a integrar o nosso Práxis. Seli, Joviana, Sandra, Daniel e Paula aceitaram o desafio de escreverem seus memoriais e são seus textos que compõem o segundo bloco (parte II) de memoriais desta publicação. Este livro é, então, resultado do primeiro ano de atividades do PET/Conexões de Saberes na UFFS/Erechim. Pensado originalmente a partir da escrita dos memoriais do primeiro grupo de bolsistas, a difi- culdade de recursos financeiros para a publicação nos criou um bom problema: novos bolsistas chegaram e, com eles, outras experiências de vida passaram a enriquecer o nosso programa. Assim, por que não publicarmos os novos memoriais que seriam escritos? Nessas idas e vindas, inclusive dos próprios bolsistas, temos este livro em mãos. Ele é resultado de um trabalho coletivo de intensas dis- cussões. Colegas professores foram adentrando nessa experiência e deram uma imprescindível contribuição. Seus textos, também presen- tes no livro, retratam o envolvimento sério e competente que tiveram no diálogo com o nosso grupo do PET/Conexões de Saberes. Eles estiveram, para além de suas fundamentais intervenções como pro- fissionais da educação, presentes como cidadãos, amigos e militantes pela democratização do Ensino Superior público em nosso país. Os textos dos professores Rafael Arenhaldt, Luís Fernando Santos Corrêa da Silva e Zoraia Aguiar Bittencourt (parte III) representam isso: o compromisso com a educação pública e democrática. Por isso, não poderia faltar o prefácio da professora Maria Aparecida Berga- maschi. Escrito ainda em 2011, portanto antes da construção dos textos dos bolsistas que entraram na segunda seleção do PET/Cone- xões de Saberes, o nosso prefácio fala a partir de dois lugares que, ao fim e ao cabo, são os lugares de projetos como o PET/Conexões
  • 17. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 17 APRESENTAÇÃO de Saberes: a universidade, lugar de saberes metódicos e rigorosos, e a comunidade, representada pelos estudantes de origem popular em suas trajetórias de entraves e superações. Essa é a conexão entre os saberes populares e acadêmicos. Esse é um dos nossos desafios, particularmente em nosso projeto de universidade pública e popular. A construção dos textos e de nós mesmos O desafio começou por leituras sobre memoriais, inclusive, os memoriais dos bolsistas de diversos Conexões de Saberes pelo país afora. Pessoas reais que passaram a penetrar em nosso imaginário, que passaram a ser, ainda que desconhecidas, familiares a nós, pois nossa condição social, nossas angústias, o difícil (e até improvável) caminho até a universidade são fatores que nos aproximam e criam solidariedades que fomentam um sentimento de pertencimento. No primeiro semestre de 2011, lembro que em nossos encon- tros7 os sentimentos acerca da escrita de si afloraram. Combinamos que cada bolsista teria um encontro específico para apresentar ao grupo seu memorial, ainda que em forma de rascunho. Decidimos a ordem das apresentações. Começamos pelo Fabrício que, por ser pioneiro, acabou tendo pouco tempo para, de fato, discutir seu traba- lho, pois estávamos (nos) aprendendo. De viagem marcada para um congresso da área de Geografia em Goiás, Fabrício ficaria um tempo ausente e, em diálogo, acertamos que ele (seu memorial) voltaria a ser tema de discussão no grupo. A Fernanda foi a segunda a (se) apresentar. O fio condutor de seu memorial foi a questão da aprendizagem. Como futura profes- sora, Fernanda buscou, na reflexão sobre sua prática, os elementos 7  A proposta de escrita dos memoriais pelo primeiro grupo de bolsistas foi lançada ainda em dezembro de 2010. Contudo, depois do período de recesso e das dificuldades iniciais com o pagamento das bolsas, apenas em março de 2011 é que, efetivamente, começamos a construir uma reflexão sistemática sobre o tema por meio de encontros periódicos e leituras orientadas. A primeira versão dos memoriais dos bolsistas foi escrita até o final de abril, início de maio. Depois de algumas etapas, o encaminhamento da versão final ocorreu ao término do primeiro semestre letivo de 2011 (julho). Claro, como atividade viva, esse processo não esteve imune a contradições e algumas flexibilidades de prazos, ainda que, pedagogicamente, há um momento em que é preciso “terminar”.
  • 18. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 18 APRESENTAÇÃO educativos que a formaram. Na verdade, esse sempre foi um resulta- do esperado no trabalho com os memoriais. Mas não é simples. Con- tudo, Fernanda mostrou sensibilidade para saber por que aprendeu e o que ainda tem para aprender (e ensinar). Rafaela foi a próxima a trazer ao grupo seu memorial. Já está- vamos no meio do mês de abril. Rafaela, ainda que de forma intro- dutória, nos apresentou aquilo que a constitui como universitária e militante: a questão da diversidade e o movimento de denúncia dos preconceitos, em especial o racial, e de anúncio de medidas con- cretas para alteração de cenários opressores. Talvez por isso Rafaela queira ler sempre tantos livros, para fortalecer seus argumentos em torno de questões complexas, como ações afirmativas, movimento estudantil e a própria política de bolsas e auxílios da universidade. Com toda a sua itinerância, Janniny, nossa “voluntária volunta- riosa”, nos brindou com um relato-reflexão sobre sua trajetória. Junto ao texto, ela trouxe álbuns de fotos e relíquias que contam sua tra- jetória, mostram um pouco do que viveu e daquilo que aprendeu. A moça que gosta das palavras estava diante do desafio de transformar suas experiências em palavras, mesmo que umas tenham mais “mu- sicalidade” do que outras. O trabalho, as escolhas, o sentimento de busca. Silvia nos apre- sentou um pouco de tudo isso. Seu texto, sempre denso em descri- ções, nos remete à relação entre trabalho e estudo, entre o sonho e a oportunidade. Estudar, para grande parte dos jovens brasileiros, assim como para Silvia, não pode estar associado a uma mensalidade que comprometa a renda familiar. Por isso, a universidade pública (gratuita), em uma cidade perto de onde moram seus pais, foi decisi- va para sua entrada na graduação. Mas, ainda era preciso retomar o diálogo com o Fabrício. E fize- mos isso, ainda que, já no início de maio, muitas questões estivessem em nosso horizonte. O principal desafio foi o planejamento e a exe- cução da ação “Quero entrar na UFFS”, em parceria com a Coorde- nação Acadêmica e com o Setor de Assuntos Estudantis (SAE). Os memoriais foram encaminhados em meio a visitas a muitas escolas, nas quais pudemos apresentar a universidade e a vida em suas (im) possibilidades, não, necessariamente, nessa ordem.
  • 19. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 19 APRESENTAÇÃO Então, o Fabrício, como um bom “dono do caminho”, recolocou na pauta as suas vivências, suas sensibilidades e atitudes. A partir de uma escrita fluente, descritiva e densa, Fabrício nos apresenta um texto que tem muitos contextos e uma direção: a Geografia como destino (escolha), ainda que, ela mesma, pudesse ser uma “ponte” para o campo das Ciências Sociais. Depois da nova seleção de bolsistas, retomamos a sistemática de leituras e formações sobre a escrita de memoriais. Mas houve um detalhe importante: o primeiro grupo de bolsistas, já experiente, animou muitas discussões e compartilhou seu processo de escrita. Além disso, a oficina sobre produção textual e os diálogos individuais de orientação foram recursos metodológicos que proporcionaram o ambiente adequado à produção dos textos. Lançado o desafio no final de 2011, no verão de 2012 as primei- ras linhas dos novos memoriais começaram a ser escritas. Seli foi a primeira a enviar seu memorial e a primeira a receber as críticas cons- trutivas de seu já bonito texto. Mexer no baú da memória, para usar uma expressão trazida pelo professor Rafael Arenhaldt, encontrou na Seli uma boa parceira. As fotos que ilustram seu texto expressam seu cuidado com o passado e sua aposta em um futuro no qual a univer- sidade passou a ter um espaço privilegiado. Os demais textos foram chegando à minha caixa de e-mails e, no final de fevereiro, estávamos nós a discutir sobre as primeiras versões. Mais uma vez, a escrita dos memoriais permitiu que nos conhecêsse- mos um pouco mais. Conhecer e nos reconhecer. Sandra compartilhou conosco sua interessante trajetória de vida, na qual muitos obstáculos estiveram presentes. Contudo, na figura de seu pai, encontrou forças para sempre lutar e percebeu, desde muito cedo, o valor do conhecimento, inclusive, como ferramenta de transformação social. Daniel se classificou como um sonhador e que bom que existam muitos sonhadores no mundo. Muitas escolas e histórias, umas felizes e outras nem tanto, o trouxeram até o Alto Uruguai gaúcho. Aqui viveu a experiência do Ensino Superior privado e, como tantos outros, vislumbrou, na universidade pública, a possibilidade do ensino gratuito e, sobretudo, da continuidade dos estudos em nível de pós-graduação.
  • 20. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 20 APRESENTAÇÃO Por sua vez, Joviana não pôde ousar na direção do Ensino Su- perior privado. Sua caminhada até a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e depois até a UFFS indica o papel estratégico do Ensino Superior público nas possibilidades de prosseguimento dos estudos das classes populares. Contudo, para além disso, a trajetória da Joviana mostra sua predisposição ao estudo e seu grande investi- mento pessoal nesse que-fazer. O memorial da Paula é aquilo que ela representa: uma mulher, mãe, esposa e estudante que se permite, que tem atitude e que não espera acontecer. Mesmo que as nossas possibilidades na vida não sejam cria- das no “vazio”, Paula apostou no estudo como uma forma de emancipa- ção e, até mesmo, de ser um exemplo positivo para sua família. Afinal, para quem se criou dentro de uma escola, ajudar a construir a UFFS é uma tarefa de grande significado pessoal com desdobramentos sociais. Assim, este livro é resultado de um projeto que busca consolidar a ideia de uma universidade pública e popular no sul do Brasil. Escrito a partir dos memoriais formativos dos bolsistas do PET/Conexões de Sa- beres, é um projeto que ambiciona dar visibilidade a segmentos histo- ricamente alijados dos bancos universitários, mas que, a partir de um conjunto de políticas públicas resultantes de pressão popular, passam a ter presença na vida acadêmica, demandando uma “nova” universidade. Estamos certos de que a universidade do século XXI precisa ser uma instituição que promova sínteses teórico-práticas em um mundo em mudança, oportunizando conexões entre os saberes acadêmicos tradicionais e os saberes populares. As trajetórias de vida aqui apresen- tadas se constituem em um ponto de partida fecundo para o debate sobre a efetiva democratização da universidade pública brasileira. Aos bolsistas que estão e passaram pelo PET/Conexões de Sabe- res, aos colegas8 professores que integram essa coletânea e ao apoio financeiro da Capes, meus agradecimentos. Inverno, 2012. 8  Destaco a importante contribuição da professora Ivone Maria Mendes Silva na construção dos memoriais do primeiro grupo de bolsistas e na própria construção inicial do PET/Conexões de Saberes na UFFS/Erechim.
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  • 23. HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO 23 O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS Fernanda May1 APRENDER Depois de algum tempo você aprende a diferença, A sutil diferença entre dar uma mão e acorrentar uma alma, E você aprende que amar não é apoiar-se E que companhia nem sempre significa segurança, E começa aprender que beijos não são contratos, E presentes não são promessas. [...] (William Shakespeare) Não há dúvida de que com o tempo a gente aprende, com novas experiências, descobertas, medos, erros, decepções, alegrias. Apren- demos que a vida é feita de momentos bons e ruins. Aprendemos que as coisas e as pessoas mudam e que nem tudo é para sempre. Aprendemos que os sonhos podem ser grandes ilusões, mas que, se acreditarmos neles, podem se tornar realidade. Aprendemos a dar va- lor a coisas que podem parecer insignificantes. Aprendemos a amar pessoas desconhecidas. E assim, passo a passo, dia a dia, vamos cons- truindo uma história. História que se constrói com vários personagens diferentes e que a cada capítulo revela uma nova surpresa. Por mais que eu quisesse fugir de começar a minha história pelo começo, acredito que não conseguiria, pois, como toda história, ela 1  Estudante de Licenciatura em Ciências Sociais (UFFS/Erechim) e Bolsista do Práxis - PET/ Conexões de Saberes desde dezembro de 2010.
  • 24. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 24 O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS tem um começo, um meio e, especificamente no meu caso, a cons- trução de possibilidades para um fim. Quando eu falo em possibilida- des para um fim, é porque acredito que cada pessoa escolhe o seu caminho e que toda trajetória é marcada por dificuldades, obstácu- los, escolhas, que, de certa forma, influenciam ou determinam até onde se pode chegar. Eu nasci no dia 28 de fevereiro de 1992. Meus pais, Cilda e Sil- vestre, depois de dois anos de terem tido o primeiro filho, Cássio, ganhavam uma menina, eu, a qual, pela escolha de meu pai, fui ba- tizada Fernanda. Eu acredito que, a partir desse dia, muitas coisas mudaram, principalmente porque meu nascimento não foi, sequer, planejado, e a situação financeira de meus pais talvez não desse con- ta de mais uma boca para alimentar. Vindos de famílias pobres, meu pai e minha mãe tiveram que trabalhar muito depois do casamento para conseguir organizar suas vidas. Minha família sempre trabalhou na agricultura, o que me causa admiração, principalmente em per- ceber o carinho com que meu pai cuida da terra, de onde sempre retirou nosso sustento. À época, com dois filhos, as preocupações tendiam a aumentar. No entanto, mesmo com todas as dificuldades, eles nunca deixaram que faltasse nada a mim e a meu irmão, princi- palmente muito carinho, atenção e amor. Tivemos o privilégio, que nem todo mundo tem, de crescermos como uma família bem estru- turada e unida. Não quero me deter a falar sobre minha infância, que é uma fase importante na qual se vive intensamente, sem preocupações, sem responsabilidades, mas que passa muito rapidamente, e, a partir daí, já não se vivem mais contos de fada. A gente vai crescendo e, então, começa a aprender que a vida é bem mais complicada. Primeiro vem a escola, um mundo diferente ao qual não estamos acostumados, longe de casa, da segurança dos pais, onde temos que aprender que a vida só se faz em conjunto com outras pessoas e precisamos respeitar e aceitar suas diferenças. É nesse espaço que a gente começa a descobrir coisas novas, descobrir sentimentos, fazer amigos, um conjunto de acontecimentos que marcam para toda vida, podendo ser positivos ou negativos.
  • 25. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 25 O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS Sempre estudei em escola pública. Tive contato com as mais dife- rentes pessoas. Algumas marcaram mais, outras menos. Acredito que o que marcou intensamente foi ter conhecido uma pessoa que eu nem imaginava que seria minha companheira pelo resto da vida, minha me- lhor amiga, a Carol. Conhecemos-nos no primeiro ano da pré-escola e, a partir daí, jamais nos separamos. O Ensino Fundamental foi de grande importância em termos de conhecimento e desenvolvimento. Tive professores muito bons, que sempre me incentivaram e fizeram despertar um sentimento de autoconfiança. Sempre fui uma aluna de- dicada. Depois de dez anos na mesma escola, você cria vínculos muito fortes. Aquele ambiente já faz parte da sua vida e você não consegue se imaginar longe. Porém, completando o Ensino Fundamental, eu me vi obrigada a abandonar a minha escola do coração. O Ensino Médio era noturno e, como eu morava no interior da cidade de Centenário e não havia transporte para os alunos, eu tive que mudar de escola. Junto com a mudança de escola, do distanciamento dos amigos, eu, aos quinze anos, tive que sair de casa. Essa foi, talvez, uma das experiências com as quais eu mais aprendi. A minha nova escola fica- va na cidade de Áurea e, como também não havia transporte, eu tive que ir morar com minha avó materna. Foi uma confusão de sentimen- tos que não tem explicação. Primeiro, eu estava mudando de escola e, para piorar, nem em casa eu poderia ficar. Isso, na cabeça de uma adolescente, não poderia ter sido mais complicado do que foi. Tudo bem que era com a minha avó que eu iria morar, não era ninguém estranho, mas era uma pessoa de certa idade, de uma geração diferente e com uma cabeça diferente. No começo foi até tranquilo, porém, depois de certo tempo, as coisas ficaram difíceis. Nós não nos compreendíamos, mas, ao mesmo tempo, sempre tive muito carinho por ela. Foi uma das pessoas que sempre me ajudou muito. Para complicar ainda mais, a nova escola para qual me mudei era totalmente o oposto da antiga, era desorganizada, poucos pro- fessores levavam a sério suas tarefas; meus colegas, na sua maioria, totalmente desinteressados. Eu não estava acostumada com aquilo e não conseguia aceitar. Na minha concepção, não poderia existir uma escola assim. Eu tinha poucos amigos. Então, às vezes, optava
  • 26. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 26 O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS por nem ir à escola. Essa situação acabou fazendo com que eu me trancasse no meu mundo: não saía de casa, ficava o tempo todo no quarto e me sentia muito sozinha. Foi nesse período que eu acabei me aproximando dos livros. Eram minha única companhia. O tempo foi passando e, aos poucos, eu ia tentando me adaptar, mas, de certa forma, os três anos do Ensino Médio foram decep- cionantes. A minha preocupação, principalmente no último ano, era com o vestibular, pois meu sonho sempre foi fazer uma faculdade. Como eu não tinha uma resposta da escola, passei a estudar por conta própria. Sem condições de pagar um cursinho pré-vestibular, a minha tensão aumentava a cada dia. O meu sonho em cursar uma faculdade era importantíssimo, pois eu queria estudar, eu gostava, eu queria ser alguém na vida, ter uma profissão e viver diferente da forma como meus pais viveram. Eles não tiveram oportunidades de ir mais além e de estudar. E eu não queria isso pra mim. Ao mesmo tempo, eu me via obrigada a aceitar que eu estava distante do meu sonho, que as condições da família não eram suficientes para custear uma faculdade. Mesmo assim, eu não queria desistir, pensava em fazer qualquer coisa, iria trabalhar, fazer um financiamento, o que fosse, mas eu queria estudar. Chegou, então, a época dos vestibulares. Realizei a prova do Enem e o vestibular de uma instituição privada na qual havia escolhi- do o curso de Psicologia. Quanto à carreira que eu queria seguir, se sucederam muitas opções, entre elas Direito, Odontologia, Psicologia; enfim, as dúvidas são frequentes na hora de escolher. Prestei, então, o vestibular para Psicologia e passei. Fiquei muito feliz, mesmo não tendo certeza de que cursaria. A ideia era conseguir um financiamen- to, o que é consideravelmente muito difícil. As exigências burocráticas e a necessidade do pagamento da matrícula acabaram fazendo com que meu sonho fosse por água abaixo. Mais uma vez eu ia apren- dendo que não basta a gente querer ou sonhar com alguma coisa. E isso me fazia sentir, confesso, raiva da minha situação, raiva de não ter as condições. Nesse mesmo período, fiquei sabendo através de um amigo que, na cidade de Erechim, que fica próxima à de Áurea, que era onde
  • 27. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 27 O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS eu morava, havia se instalado uma universidade federal. Fomos atrás de algumas informações e descobrimos que o processo seletivo era através da nota do Enem. Como havíamos realizado a prova, fizemos nossa inscrição. A instituição oferecia poucos cursos e, entre eles, quase nenhum me interessava. Fiz minha inscrição para o curso de Engenharia Ambiental e, como segunda opção, para o curso de So- ciologia. Fiz sem muitas expectativas, pois o resultado da prova do Enem não era nada satisfatório. É mais um aprendizado importante: a deficiência do Ensino Médio e o difícil acesso a informações são determinantes para o desenvolvimento e a qualidade dos estudantes, o que fica evidente quando aparecem os resultados pouco positivos. Passado algum tempo, foi divulgada a primeira lista dos candida- tos aprovados na Universidade Federal da Fronteira Sul, e meu nome não constava na lista. Foi mais uma decepção, mas era preciso seguir em frente, porque eu ainda não tinha desistido do meu sonho. Então, resolvi que iria procurar um emprego. Mudei de cidade e fui morar com alguns amigos. Meu primeiro emprego foi como caixa de um supermercado, uma experiência nada agradável, pois, nesse setor, a exploração fica muito evidente, os horários são complicados e a responsabilidade é grande. Agora eu estava longe de casa e arcava sozinha com minhas despesas. Muitas vezes eu me perguntava se havia feito a escolha certa. As respostas para perguntas como estas vêm com o tempo. Quando a gente se vê com responsabilidades e horários a cumprir, percebe que não é tão bom ser independente. Em pouco tempo, eu já queria desistir de tudo e voltar para casa. A convivência com as pessoas que moravam comigo era difícil e, mais uma vez, eu estava me sentindo sozinha. Foi quando, certa manhã, eu recebi um telefonema da mãe de uma amiga que me dava a notí- cia de que eu havia conseguido uma vaga para o curso de Sociologia (em seguida, mudou para Ciências Sociais) na Universidade Federal, divulgada na segunda chamada. A melhor notícia que eu poderia re- ceber naquele momento. Mesmo não sendo o que eu almejava, era a oportunidade de começar, e depois poderia mudar de curso. O que nessa hora eu não imaginava era que não iria querer mudar e que a Sociologia iria se tornar minha paixão.
  • 28. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 28 O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS As aulas começaram e, então, um mundo cheio de novidades, curiosidades e interesses abriu as portas para eu entrar. Aos poucos eu fui conhecendo do que tratava a Sociologia e cheguei à conclusão de que são coisas que despertam meu interesse e que certamente aquele era meu lugar. O sentimento era de satisfação: por ter conse- guido uma bolsa em uma universidade pública federal e por ter me encontrado no curso que escolhi por acaso. Realmente foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida. O primeiro semestre de aulas foi muito tranquilo. Os primeiros meses é que complicaram um pouco, pelo fato de que eu ainda trabalhava o dia inteiro e estu- dava à noite: era uma rotina cansativa. Porém, veio, então, a decisão de largar o emprego e procurar algo que fosse somente meio turno. Nesse tempo de procura e já no final do primeiro semestre, a Uni- versidade lançou o edital de bolsas de iniciação acadêmica, que é uma política de permanência dentro da universidade, na qual o aluno participa de um projeto ou grupo de estudos e recebe uma ajuda de custo mensal. Era uma oportunidade que eu não podia perder. Sen- do assim, fiz a inscrição para seleção, que levava em conta a análise socioeconômica dos candidatos, e consegui uma bolsa. Com a bolsa, passei a fazer parte de um grupo de estudos cha- mado Teoria e Prática em Educação Popular, que teve duração de seis meses. Foi uma experiência sem explicação, onde eu passei a ter conhecimento sobre temas relativos à educação, à educação po- pular, tendo contato com as leituras de Paulo Freire, que foi quando consegui perceber os problemas que a educação enfrenta e como é possível transformar essa realidade. O aprendizado retirado dessa experiência foi algo que renovou minha forma de pensar o mundo e que me aproximou dos livros de Paulo Freire, nos quais eu consigo encontrar ideias, pensamentos, críticas a respeito do mundo e das coisas como são, muito próximas ao que eu penso, mas que certa- mente não encontraria as palavras certas, como Freire encontrou, para traduzi-las. O segundo semestre de aulas foi muito mais produtivo em fun- ção da bolsa de iniciação acadêmica, que me proporcionou mais tempo para me dedicar às leituras e à compreensão dos conteúdos.
  • 29. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 29 O QUE APRENDI PELO CAMINHO: ENTRE OS SONHOS E AS CERTEZAS Passados os seis meses de duração da bolsa, eu me inscrevi para a seleção do projeto PET/ Conexões de Saberes. Mais uma vez tive a oportunidade de ser selecionada. Hoje faço parte desse projeto. Não é nada fácil fazer esse movimento de reescrita da nossa história, pois nós vivemos inúmeras situações diferentes ao longo do tempo e muitos desses momentos a gente gostaria de esquecer. Nessa reescrita, eu busquei apresentar muito superficialmente alguns pontos que pudessem dar uma ideia do que foi a minha trajetória até chegar onde estou. Talvez, como eu mesma disse, pareça superficial, mas foi uma escolha. Não é por acaso que eu omiti muitos aconteci- mentos ou que dei ênfase a outros sem tanta importância. Acontece que eu gostaria de reviver a minha história a partir do momento que eu consigo entrar na universidade, a partir do momento que o sonho de toda minha adolescência se torna realidade. A única coisa que não quero esquecer é o que foi determinante para que eu estivesse aqui hoje: o apoio da família, dos amigos, mas, acima de tudo, a minha vontade de estar aqui. Agora, quando olho para trás e vejo tudo que passou, só guardo comigo os momentos e as experiências boas e continuo olhando para frente com muita determinação, na busca por construir o melhor ca- minho para chegar ao final dessa história. Agradeço a toda minha família, meus pais, meu irmão e, em especial, às pessoas que foram decisivas na minha chegada até aqui, minha avó Cecília, meus tios Claudio e Saulo.
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  • 31. HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO 31 POR UM MUNDO MAIS SOLIDÁRIO E RECONHECEDOR DA DIVERSIDADE Rafaela da Silva Bispo1 Histórias... Nossas histórias! Dias de luta e dias de glória. (C.B.Jr.) Logo que recebi a tarefa de escrever sobre minha trajetória de vida, algumas questões perturbaram-me. Escrever sobre mim, sobre minha família, sobre o que sou ou fui e quem desejo ser. Ah! Falar de si e do que é meu, do que quero conquistar! Momento difícil, singular e inexplicável. Lembrar das alegrias, das tristezas, das conquistas, dos aprendi- zados, das dificuldades. As folhas em branco, caladas, para que nelas possa contar e buscar compreender-me, desenhar-me. Segredos e cores de minha vida até então desconhecidos. A busca incansável pelo entendimento de quem sou e de como me tornei o que sou é uma ótima oportunidade que irá permitir uma percepção das minhas escolhas, das minhas atitudes e a importância das influências de pessoas, valores, lugares e situ- ações que recebi e hoje fazem parte/estão imbricadas em minha identidade. 1  Estudante de Licenciatura em História (UFFS/Erechim) e Bolsista do Práxis - PET/Conexões de Saberes entre dezembro de 2010 e junho de 2011.
  • 32. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 32 Por um mundo mais solidário e reconhecedor da diversidade Mais uma vez os homens, desafiados pela dramatici- dade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos”, e se inquietam por saber mais. Es- tará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber de si umas das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Res- pondem, e suas respostas os levam a novas perguntas. (Paulo Freire) Movida por um espírito investigativo, recorri ao início do relacio- namento dos meus pais: como se conheceram, ou por que esconde- ram que a gravidez ocorreu antes do casamento, e ainda o motivo pelo qual meu pai sentiu-se instigado em mudar-se para perto de seus irmãos, Mara Rúbia e Mayron, que há anos encontravam-se em solo rio-grandense. Minhas Raízes Da união de Maria das Graças e Marlon José, numa tarde quen- te em Pastos Bons, cidadezinha do sul do Maranhão, a Pimentinha, como fora chamada desde seus primeiros passos (por seu comporta- mento cheio de energia e traquina), chegou. É impossível descrever meu ser sem retroceder no tempo que marca o início de minha história. Sendo assim, se faz necessário fa- lar dos precursores: meus pais, que inconscientemente buscaram em mim a oportunidade de concretizar seus sonhos não realizados. Pelos relatos de minha mãe, a menina chorona mexeu e muito com a rotina de seus avós paternos, pois, naquela época, ainda moravam na casa de José Felix e Maria Marlene. Revezaram-se durante meses para cuidá-la durante a noite, porque tinha cólicas muito fortes e refluxo. “Desde pequena me deu trabalho”, comentou minha mãe em muitos momentos da vida quando apresentava comportamentos inquietantes. Infelizmente, pouco tempo vivi na pequena Pastos Bons. Os fatos que me vêm à memória são fragmentados. Foi necessário buscar ins-
  • 33. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 33 Por um mundo mais solidário e reconhecedor da diversidade piração em fotografias e, principalmente, nas recordações de minha mãe. Quando chegamos ao Rio Grande do Sul, estava com apenas dois anos de idade, e minha irmã com cinco meses de vida. Durante quatro dias, minha tia Maria de Lourdes, apelidada carinhosamente por “Luty”, minha mãe, eu e minha irmã nos deslocamos para o Rio Grande do Sul e chegamos à cidade de Sertão, onde minha família permaneceu até os meus quatorze anos. Tentando buscar uma palavra que defina os primeiros anos, me deparei com esta: dificuldades. O período de adaptação ainda não havia sido concluído. O frio, a alimentação, os costumes, tudo fazia parte de um outro mundo, de um novo mundo para nós. Com a co- laboração/ajuda de minha Tia Mara, foram arranjados uma casa para morarmos, roupas de lã, cobertores e mobília para nosso novo lar. Lembra minha mãe que carregávamos apenas objetos pessoais, poucas peças de roupas e a esperança de uma vida que permitisse novas possibilidades/oportunidades profissionais a meu pai, uma vida equilibrada financeiramente, onde pudéssemos viver com saúde, paz e felicidade. A escola A Escola Estadual Ponche Verde era próxima de minha casa. Mi- nha irmã e eu caminhávamos na companhia de mamãe. O momen- to de organizar a fila, que deveria ser de integração, apresentou-se como exclusão. Alguns colegas recusavam-se a formar fila ao meu lado. Que sentimento ruim! Perguntava-me: minha mão não era como as outras? Queria ser como a maioria das crianças. Lembro-me que não gostava de meus cabelos crespos: amarrava-os para camuflar mi- nha negritude, minhas raízes. Das minhas brincadeiras favoritas com minha irmã e vizinhas, era criar uma escolinha fictícia, onde as classes eram cadeiras, e os ban- cos, tijolos. Meus pais sempre primaram pelos estudos. Estimulavam a leitura, adquirindo coleções de livros de vendedores ambulantes.
  • 34. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 34 Por um mundo mais solidário e reconhecedor da diversidade Ainda tenho todos guardados em uma caixa, junto com cadernos, trabalhos escolares. Minha mãe é a responsável por isso, porque sem- pre dizia: “é bom guardar para que seus filhos um dia possam tomar conhecimento de como foi sua vida na escola”. Os filhos ainda não chegaram, e os livros e cadernos velhos aguardam este momento. Nesta escola, permaneci até a 4ª série. Sofri as consequên- cias de um ensino, no qual os alunos eram castigados por atitudes consideradas indisciplinadas. Eu fui castigada diversas vezes: o mais comum era a professora pedir para que levantasse e dirigisse até a parede ao lado do quadro para ali, durante o tempo que ela consi- derasse apropriado, permanecesse imóvel até aquietar-se e voltar à resolução dos exercícios. Agora as lembranças aparecem mais concretas. Na nova es- cola, Bandeirantes, além de aprender com muito entusiasmo, fiz ami- zades sinceras e verdadeiras, que me ensinaram a importância de saber respeitar as diferenças, de conviver em grupo. A minha infância foi muito divertida. Durante a tarde, após o ho- rário de estudos definido pelos meus pais, estávamos livres para brin- car, inventar, sorrir e chorar, subir em árvores, jogar bola, amarelinha. Acompanhar o Jornal Nacional era algo sagrado para meu pai. Manter-se atualizado era uma herança que carregava consigo desde os tempos em que morou na casa de seu pai. E transmitiu essa paixão para mim e minha irmã. Ah! Os jogos de futebol que assistíamos e/ou acompanhávamos com meu pai pelo menos uma vez por semana quando minha mãe estava na escola para concluir o Ensino Médio... Como era gostoso o retorno para casa. Este era um dos momentos mais esperados, no qual podíamos nos regozijar do seu amor, do seu carinho, da sua atenção, da sua força e garra. Não entendia por que precisávamos ficar distantes. Aquelas horas nos pareciam infindáveis. Mais tarde, pude compreender que a força de vontade em nos proporcionar dias melhores seria alcançado somente e através da es- cola. A saída sempre foi o estudo para minha família. O sucesso e a felicidade sempre estiveram associados ao ambiente escolar.
  • 35. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 35 Por um mundo mais solidário e reconhecedor da diversidade Quem era eu e quem eu queria ser? Logo após a formatura do 2° grau, comecei a refletir sobre o meu futuro profissional. Tinha poucas certezas e muitas dúvidas. O ingresso na universidade estava atrelado a uma grande realiza- ção pessoal e, naquelas circunstâncias de uma vida mais independen- te, a morar sozinha, a novas responsabilidades. A minha esperança em conseguir passar no vestibular em Universidade Federal, ao longo do caminho, foi desaparecendo. Alguns não acreditavam que conseguiria uma vaga no curso de Cinema. Outros procuravam colocar “os meus pés no chão”, dizendo que meus pais não teriam condições de manter alimentação, aluguel, transporte em uma metrópole. Informavam-me que esta ajuda seria imprescindível, porque me lembravam, a todo o momento, que o curso seria integral e que eu teria sérias dificuldades em conseguir emprego. Suplicaram-me para abandonar esta ideia. Minha segunda opção era o curso de Artes Cênicas, mas este também foi excluído da lista de minhas possibilidades. Não posso falar em desejos, em sonhos, nas minhas vontades, em realização pessoal. Minha família pediu que fizesse um curso voltado ao mer- cado de trabalho, onde eu teria uma chance maior de mobilidade social. Refleti muito. Agora já não era apenas o desejo de ficar longe. Era principalmente o que faria de meu futuro, da minha vida. Não era justo. Eu deveria poder escolher. Eu deveria possuir este direito. Fui levada a pensar com “os pés no chão” e me dei conta: o que mais gosto dentro do cinema? Resposta: os documentários. Por quê? Permitem obter um conhecimento da realidade, compreender por que a humanidade encontrava-se no atual contexto socioeconômico, por que alguns jovens tinham “liberdade” para escolher o seu futuro. Porquês... Muitos me rondavam, perturbaram-me. Qual curso poderia me fornecer uma visão mais aprofundada acerca dos processos histórico-sociais? Precisava ser uma Universida- de que ficasse próxima à minha família e que as aulas acontecessem à noite. Hum... Hum... A conclusão foi: o curso de História.
  • 36. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 36 Por um mundo mais solidário e reconhecedor da diversidade Só não poderia desistir no primeiro obstáculo vencido, de tantos outros que agora tinha consciência que iriam surgir no decorrer da caminhada. Depois de um período na universidade privada, trabalhando no turno da manhã em um restaurante e à tarde como estagiária em um Arquivo, militando no movimento estudantil, meus pais decidi- ram se separar. Foram tempos bem difíceis. Foi necessário trancar a faculdade. Mudar de cidade. A parte boa disso era que poderia ficar mais próxima de minha irmã, que estava iniciando sua graduação em Geografia, graças ao FIES, o qual continua tentando pagar até hoje. Minha tia logo providenciou que retornasse à minha graduação. A situação financeira que já estava difícil piorou ainda mais. Não conseguia trabalho e, nessa época, tive minha primeira experiência com educação popular em uma ONG no Bairro Progresso, ministran- do oficinas de teatro para crianças e adolescentes. Era voluntária, me sentia útil e feliz. Sentia que este era o cami- nho. Aquela realidade me instigava a procurar meios para mudar. Como poderia transformar? E o teatro e a licenciatura em História, seriam as ferramentas que iriam me proporcionar esta intervenção? Muito a fazer... Questionamentos. Muitos questionamentos. Retornei para casa de minha mãe. Fiquei alguns anos com o curso trancado. Quando decidi e pude retornar para a universidade, cursei duas matérias por semestre, porque minhas condições econô- micas não me oportunizaram a seguir cursando todas as disciplinas em uma universidade privada. Anos distantes de realizar meu grande sonho... No entanto, retornei a Erechim para visitar meu pai e irmã. En- tão, fui convidada a participar de uma caminhada. Esta caminhada era um ato simbólico de concretização da Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Erechim. Estudantes com cartazes, alguns in- tegrantes de movimentos sociais. Ali senti que seria possível. Quanto a caminhar, longa jornada. Muitas voltas. Muitos anos. Chegava uma nova oportunidade. A grande oportunidade.
  • 37. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 37 Por um mundo mais solidário e reconhecedor da diversidade Criar raízes. Mudar. Transformar. Superar. Encontrar. Criar. Construir. Concretizar. Lutar. Combater. Palavras que orientam as minhas ações. E que me permitem acreditar em um Ensino Superior público brasileiro que deixa de ser elitista. Um novo cenário de oportunidades, que rompa com qualquer forma de desigualdade social. Que as universidades se façam espaços plurais, onde filhos e fi- lhas de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil possam dizer a sua palavra, possam fazer parte da construção de um novo saber. Projetos, políticas públicas que foram criadas e serão desenvolvi- das são imprescindíveis para que a universidade se torne um espaço popular. Onde sonhos e realidades caminhem de mãos dadas, para que muitos dos que foram e ainda são excluídos possam sonhar novamen- te com um Brasil de igualdades, mais justo e menos sofrido. Como mulher negra, trabalhadora, tenho minha esperança reno- vada a cada segundo quando identifico que um sentimento de apatia está sendo superado. E esta superação se dá a partir da conscienti- zação, tarefa árdua que todos os dias venho instigando em crianças: que estas acreditem em um tempo de possibilidades, e não de de- terminismos. Que eles e elas consigam sonhar. Que eles e elas acre- ditem. Que eles e elas participem ativamente na construção de uma sociedade justa e democrática.
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  • 39. HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO 39 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS Janniny G. Kierniew1 Inicialmente quero tentar expressar em palavras alguns senti- mentos que se seguiram ao tentar descrever brevemente a trajetória da minha vida até o momento. Seria pretensão me equiparar aos es- critores, esses grandes sujeitos que, de forma simples e delicada, ajus- tam em linhas emoções que, por vezes, só podem ser sentidas. No entanto, preciso dizer que a tarefa de elaborar um texto sintetizando nossas vivências é um exercício muito complexo e subjetivo, que me causou, primeiramente, certo desconforto, seguido de pontinhas de ansiedade, pois, no decorrer das lembranças, fui recordando fatos que deixei esquecidos na minha mente, e essa mistura de sensações, desejos e memórias fizeram com que eu percebesse minha dificulda- de com as palavras. Mas isso tem uma explicação. As Palavras [...] Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer.  E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso! [...] (A paixão segundo G.H. – Clarice Lispector) Sempre tive grande admiração pelas palavras. Em especial pela palavra “anêmona”. Acho que tem certa musicalidade na sua pro- 1  Estudante de Licenciatura em Ciências Sociais (UFFS/Erechim) e Bolsista Voluntária do Práxis - PET/Conexões de Saberes desde dezembro de 2010.
  • 40. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 40 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS núncia. Sempre adorei música. Desde pequena tive esse interesse peculiar pelos sons das palavras e suas pronúncias. Antes mesmo de me alfabetizar, eu já escolhia minhas palavras prediletas e as que delicadamente me desagradavam, e, como fui uma criança curiosa, buscava seus significados. Confesso que, quando eu não descobria o que determinada palavra denotava, inventava uma definição, e esse fato me causou alguns problemas no Ensino Fundamental, mas isso é assunto para doravante. “co.me.çar: transitivo direto - dar início a al- guma coisa. co.me.ço: do verbo começar, 1ª pessoa do singular no Presente do Indicativo.” Nasci em Recife, capital do Pernambuco, em 1988. Filha mais nova de um casal um tanto quanto conservador. Típica família “nu- clear” para os padrões vigentes da sociedade. Pai- mãe - filho - filha. Meus pais me deram o nome de “Janniny”. Um nome diferente e incomum, que surpreendeu muita gente. Segundo eles, tem um pou- co a ver com a marca de um violão e a confusão de uma escrivã no cartório. Para mim, essa escolha sempre significou um desejo latente de uma filha diferente e incomum. A cidade onde nasci tinha um clima muito quente, e isso fez com que eu crescesse apenas de fraldas e pés no chão. Lá, era tudo muito simples, e me recordo de pouca coisa dessa época. O que lembro muito bem era do chamado “pula pula 5 mil” (esse foi um apelido dado pelas crianças do prédio a aqueles brinquedos que são cheios de ar, nos quais se entra dentro e fica pulando, e, como ele custava cinco mil cruzeiros, todos nós entrávamos dentro e ficávamos pulan- do e cantando: “pula-pula cinco mil”). Até hoje me lembro do quão específico era aquele cheiro de gás misturado com plástico e borra- cha. Acho que o que mais me encantava eram as cores do brinquedo, extremamente vibrantes. O que sobra dessa primeira infância, além disso, são as fotos, nas quais, na maioria delas, eu apareço machuca- da. Resquícios de uma criança muito agitada.
  • 41. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 41 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS Em meados da década de noventa, mais precisamente em 1991, mudamos para São Paulo capital, pois, na época, meu pai trabalha- va de operário em uma empresa e foi transferido de setor. Um ano depois, comecei a frequentar o “Jardim A”. Eu tinha quatro anos na ocasião e me recordo vagamente de estar animadíssima com o fato. Era um grande colégio de freiras, localizado no Bairro da Moca, onde todos os meus vizinhos iriam estudar, especialmente um deles, minha primeira “melhor amiga”. Nós vivíamos grudadas, até nossas roupas eram iguais, o que, segundo a mãe dela, era para não causar maiores disputas e constrangimentos. Até hoje me pergunto o real significado disso, mas, na época, era divertido. As professoras achavam que nós éramos irmãs. As aulas eram animadas. Nós cantávamos e desenhá- vamos. A professora era muito legal. Ela foi minha primeira referência de “mãe” fora do ambiente familiar. Eu adorava ser ajudante do dia e poder estar ao lado dela na fila após o recreio. Lembro que, nos finais das atividades, eu limpava a sala com uma vassoura de palha enorme, com a maior empolgação. Ainda tenho guardados dessa época um álbum de fotos e desenhos que construímos em sala de aula. O Jardim B já não foi tão prazeroso, pois criei muita expectativa com o fato de me alfabetizar. A professora era bastante rígida e, atualmente, quando me lembro desse período, tenho a impressão de que estudei em uma espécie de “masmorra” ou “porão”, tenho a lembrança de um lugar frio e escuro. Recordo que eu desejava an- siosamente que a hora passasse para poder frequentar as aulas de “jazz/balé”, que eram no próprio prédio do colégio. Nessas aulas, fiz algumas inimizades, pois havia garotas mais velhas que queriam se “sobressair”, e, como, desde essa época, eu já cultivava um senti- mento de “justiça”, arrumei a maior confusão defendendo as garotas da minha idade. Quase não pude participar da apresentação do final do ano. Ainda nesse período, fiz amizade com uma tímida menina descendente de orientais. Eu era a única pessoa com a qual ela “con- versava”. Na verdade, cochichava, pois ela só falava bem baixinho, e no meu ouvido. Em 1994, minha família se mudou para o sul do país devido também a questões de trabalho de meu pai. A despedida na escola
  • 42. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 42 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS em São Paulo foi bastante constrangedora. Lembro que eu estava na fila, esperando para ir para casa, e a diretora falou no microfone que eu estava me mudando de cidade. Só que ela não sabia pronunciar o nome do local para onde eu estava me transferindo. Então, foi mo- tivo de riso para todas as crianças, pois ela ficou tentando duas ou três vezes e ninguém podia ajudá-la porque desconheciam a palavra “Erechim”. “mu.dan.ça: (feminino) - o ato de trocar ou mudar. Do latim: mutare. mu.dar: Quando transitivo: transferir de um lugar para outro; dispor de outro modo; desviar; variar; substituir; alterar; modificar; transformar; Quando intransitivo: ir viver para outro lugar; tomar outro aspecto; Quando reflexivo: ir viver para outro lugar.” Costumo dizer que todos da família trabalhavam com meu pai, uma vez que, onde ele tivesse que ir, todos iriam junto. Fomos trans- feridos para Erechim, que, para mim, era a cidade mais gelada do mundo (alguém que nasce em Pernambuco e vem parar no sul do país tem certa dificuldade de adaptação). Meu pai adorou o fato, pois a família dele mora toda nessa região. Fui matriculada na pri- meira série do Ensino Fundamental em um colégio próximo à minha casa, e, como no Rio Grande do Sul, em algumas escolas, a alfabe- tização inicia na primeira série, eu já me encontrava mais adiantada do que as demais crianças, pois já sabia ler e escrever; sendo assim, a escola queria me passar direto para a segunda série. Minha mãe foi contrária a essa posição, discordou do colégio por achar que eu ainda era muito nova e deveria acompanhar meus colegas. O Ensino Fundamental, assim como o Médio, foi marcado por diversas mudanças de residência e escola. Meu desejo de aprender aumentava cada vez mais, e, por ser uma criança que mudava bastan- te, nunca fiz amizades mais duradouras. Sendo assim, ficava em casa, arrumando todas as bonecas como se elas fossem minhas alunas e
  • 43. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 43 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS brincando de ser a professora. Houve até uma ocasião muito cômica em que eu estava “dando aula” aos bonecos e comendo salgadinho. De repente, na maior das distrações, comi o giz do quadro-negro. Lembro que saí cuspindo pelo corredor, amaldiçoando todo mundo que impedia minha passagem até o banheiro. A segunda série foi o meu terror. Fui parar em uma escola mui- to pequena, municipal, de primeira a quinta série. Costumo chamar esse ano da minha vida de: “ano do pavor do português”. Foi nessa série que meu desejo pelas palavras e seus significados foi morto com apenas um grito: o grito da professora. Sabe essas professoras lendárias de filmes infantis com óculos, verrugas, muita gordura, uma voz aterrorizadora e régua na mão? Pois é, ela era real. Como se não bastasse amedrontar todos os alunos, ela não sabia português. Exatamente, uma professora de português que não sabia português. Como sei disso? Ela passou uma atividade em aula que consistia no velho e famoso método do “ditado”. Lembro-me até hoje das cin- co palavras: característica, frase, xícara, ensinar e amanhecer. Eu as escrevi corretamente, eu era boa com as palavras. Mas a “dita” da professora me deu errado nas três primeiras e disse que eu deveria escrever 10 linhas de cada uma delas e levar na aula seguinte. Como a minha mãe sempre foi muito atenciosa e dedicada com as ativida- des escolares, todo dia ela sentava comigo para verificar “os temas de casa” e, nesse dia, ela levou um susto. A professora estava errada. Aí começou a confusão. No outro dia, minha mãe apareceu na escola para falar com a professora e, depois de muita discussão, entrou em cena, nada mais, nada menos, que: o dicionário. Ela viu que estava errada e, como se não bastasse o erro dela, ainda tinha minhas peripécias em aula, pois fiz questão de ficar inventando novas palavras a cada ditado sugeri- do. Resultado: ela me “perseguiu” até o final do ano, me cobrando sobre as palavras e seus significados. Acho que esse ano ficou mar- cado tanto pra mim quanto pra ela. Mudei de escola e perdi o gosto pelas palavras. Nunca mais escrevi e nem criei nada. Os anos que se seguiram foram relativamente tranquilos. Fui es- tudar em um colégio particular, pois meus pais ficaram receosos de-
  • 44. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 44 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS pois do fato acontecido e optaram por um colégio de freiras. O que me chama atenção hoje em dia em relação a essa época é que eu sempre procurei fazer amizades com pessoas que tinham dificuldade de relacionamento e aprendizagem, pessoas que, de certa forma, eram “excluídas” pelos demais. Eu era uma garota bastante comuni- cativa, que buscava coisas novas e tinha uma ânsia imensa de viver mais do que era permitido, encontrando novos desafios e novos ami- gos. Até a sexta série, não houve maiores problemas. Eu tive colegas legais, amizades novas, professoras bacanas. Até a sexta, porque aí começou novamente meu pesadelo: outra professora de português. Só podia ser perseguição! Logo comigo, que cultivava um amor pela busca de palavras e seus significados. Dessa vez foi diferente: ela era muito rígida, baixinha, manca de uma perna e fazia a gente rezar de pé todo início de aula. Desde o princípio, eu não gostei dela, e vice- -versa. Creio que, se não tivesse mudado de escola na metade do ano, teria rodado nessa matéria. Fiquei bem animada com a expectativa de mudança, o que não me surpreendia; afinal, sempre me relacionei muito bem com o verbo “mudar”. Ano conturbado. Como acabei mudando de colégio na metade do ano em função de uma crise econômica familiar, fui para uma escola estadual, e, como surgiu uma vaga na metade do ano e era muito difícil a admissão de novos alunos, meus pais não perderam tempo (mudança na metade do ano é muito assustador: você chega à escola e vira a “garota nova”. Todos te olham e querem conversar contigo). Eu fiquei apavorada, não somente por isso, mas era extre- mamente diferente do meu antigo colégio de freiras. Ali, as cadeiras e paredes eram pintadas, não com tinta colorida, mas com corretivos e rabiscos ilegíveis, havia crianças muito mais velhas do que eu, nin- guém obedecia aos professores, havia alguns docentes que até cho- ravam na sala de aula implorando por silêncio. As meninas brigavam de tapas e puxões de cabelo dentro da sala, isso é claro, quando não se prometiam com a famosa frase: “te pego na saída”. Ah! Como eu chorei, detestava a escola e o mundo. Só queria ficar sozinha. Mas, hoje em dia, sou muito grata por essa fase mal elabora-
  • 45. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 45 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS da de adaptação, pois foi o tempo em que mais frequentei a biblioteca e li diferentes livros. Estudei ali até o primeiro ano do segundo grau, ou do “Ensino Médio”, onde, de fato, começou minha adolescência. Nes- sa época, em meio a coturnos e roupas pretas, comecei a frequentar alguns shows de rock e cheguei até a formar uma banda, que, obvia- mente, nunca saiu da garagem. A crise financeira havia supostamente passado. A fase estava melhor para os negócios familiares. Então, mu- dei novamente de escola. Na minha cabeça, eu tinha a falsa ideia de que me prepararia melhor para o vestibular se fosse estudar em uma escola particular. Surpreendentemente, ou nem tanto assim, reencon- trei todos os meus colegas do antigo colégio de freiras. Esse ano foi interessante. Eu estava estudando bastante. Os professores eram incríveis, e decidi, então, optar por Medicina no vestibular. Com essa ideia fixa na cabeça, meus pais foram obrigato- riamente convencidos por mim de que eu deveria ir morar em Porto Alegre, pois, segundo minhas argumentações, lá eu teria uma melhor preparação, uma vez que eu faria o chamado “terceirão”, que é co- légio junto com cursinho pré-vestibular. Arrumei as malas e fui morar com minha tia na capital. Lá, conheci pessoas singulares, vida dife- rente, “mundos” desconhecidos. Passei o ano em meio a piercings, tatuagens, guitarras, bebidas e cabelos coloridos, sem falar nas horas de debates contestando a sociedade. Quanta rebeldia, não? Pois é! Estava no auge de minha adolescência, não queria nem saber de vestibular, muito menos de aula. Obviamente, desisti da Medicina (definitivamente meu interesse era com as palavras) e, no final do ano, optei por diferentes cursos nas inscrições para as uni- versidades, passando por Relações Públicas, Publicidade e Propagan- da, Serviço Social, Ciências Sociais e Arquitetura. Dentre os diversos vestibulares que prestei, acabei passando em uma federal, no curso de Serviço Social. Então, decidi por fazer minha matrícula e mudar novamente de cidade, e também de Estado. trans.for.mar: mudar, alterar - do infinitivo la- tino transformare. Verbo regular da 1.ª conjugação (-ar)
  • 46. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 46 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS Em Florianópolis, tudo me encantava. Achava a universidade um lugar extraordinário. Tinha uma ideia bastante romântica sobre o “lu- gar onde o conhecimento era difundido”. Foi uma experiência incrível, e, nesse ano de 2006, no auge dos meus 17 anos, comecei a ter maior contato com o mundo político, com dilemas sociais, culturas e per- cepção da realidade. No entanto, cursei apenas um semestre devido a questões financeiras e à minha desmotivação em relação ao futuro. Sendo assim, decidi voltar para casa e tentar me conhecer me- lhor. Mais uma mudança. Foi nesse momento que encontrei a Psico- logia. Sempre achei que esse curso seria uma maneira interessante de tentar entender o porquê as coisas são da maneira que são. Achava que seria uma forma de tentar entender o comportamento humano e preencher o enorme vazio que eu sentia por não compreender as pessoas. Minha curiosidade e sede por conhecimento nunca cessa- ram. Nesse período, eu me questionava diariamente sobre as atitudes sem sentido que eu observava. Só posteriormente que fui compreen- der que nada faz muito sentido mesmo (nada é uma palavra que me incomoda demasiadamente). Freud, Lacan, Heidegger, Deleuze, Nietzsche, Sartre, e tantos ou- tros... Sou extremamente grata pela Psicologia ter me proporcionado a leitura desses autores, mas, apesar de ela me oferecer diferentes co- nhecimentos e aprendizagens, eu ainda sentia e sinto que não era/é o bastante, parecia e parece que falta muita coisa (e desejo profun- damente que esse sentimento de insatisfação não se esgote nunca. Preciso dele como propulsor vital). Por isso, com a vinda da Univer- sidade Federal para Erechim, decidi fazer Ciências Sociais e retomar antigas crenças e ideologias, aliando com os saberes da psicologia e tentando, assim, mudar algumas coisas nas quais eu acredito. devir: futuro, porvir. tornar-se, suceder, acon- tecer. do Latim: devenire Verbo irregular da 3.ª conjugação (-ir) Angústia: o eterno propulsor que não pode te deixar se acomo- dar com o que incomoda. Sinto-me angustiada nesse momento, e é
  • 47. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 47 ESQUECIMENTOS MEMORÁVEIS assim que exatamente gostaria de me sentir ao finalizar esse texto sobre minha trajetória. Não diria “texto”, diria “memórias”. Texto é um monte de palavras juntas com alguma atribuição de significado, já as “memórias” possibilitam dizer coisas que são negligenciadas pelas palavras, que envolvem sentimentos, vivências, encontros... e tudo isso não é da ordem do vocábulo, do “dito”, do dialogado. Enfim... apenas posso dizer que ainda tenho muito para apren- der e muito para fazer. Acredito que tudo pode ser diferente. As pes- soas, a sociedade, os comportamentos. Acredito que é importante ter uma coisa rara chamada “consciência”, que seja necessário olhar através do buraco da fechadura e perceber os acontecimentos peque- nos para poder ver os grandes, ou seja, apreciar as coisas singelas e simples para depois contemplar o universo inteiro. Eduardo Galeano, um autor que gosto bastante, ao ser questionado sobre a serventia de “utopias”, citou um amigo seu, Fernando Birra, e disse que: “A utopia está lá no horizonte. Quando me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Quando caminho dez passos, o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Então, para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de cami- nhar”. É isso. As únicas convicções que tenho são que não vou deixar de estudar nunca e que vou mudar sempre.
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  • 49. HÁ UMA UNIVERSDADE NO MEIO DO CAMINHO 49 EU SOU ASSIM Silvia Maria Ujacov1 Sinto o abraço do tempo apertar E redesenhar minhas escolhas Logo eu que queria mudar tudo Me vejo cumprindo ciclos, gostar mais de hoje E gostar disso Me vejo com seus olhos, tempo Espero pelas novas folhas Imagino jeitos novos para as mesmas coisas (Abril – Adriana Calcanhotto) Falar ou descrever as lembranças e as experiências vividas não é uma tarefa fácil, mas posso dizer que, de certa forma, é uma tarefa prazerosa. Começo este memorial com um trecho da música “Abril”, que traduz o que sinto no atual momento, em que estou a redesenhar um caminho novo e cheio de novas experiências. Com a proposta de escrever este memorial formativo, de forma criativa, procurei organizar a minha vida contando alguns fatos que aconteceram no passado e como me sinto no momento atual, fazen- do, assim, uma pequena reflexão dos pontos positivos e negativos da minha trajetória profissional e escolar. 1  Estudante de Licenciatura em Pedagogia (UFFS/Erechim) e Bolsista do Práxis – PET/Cone- xões de Saberes entre dezembro de 2010 e agosto de 2011.
  • 50. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 50 EU SOU ASSIM Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até o fim do mundo, E viu-se, redonda, do azul profundo. (O infante – Fernando Pessoa) Nasci em 15 de setembro de 1980, às oito horas da manhã, no Hospital São Vicente de Paulo, na cidade de Barão de Cotegipe. Meu pai, Pedro Ujacov, e minha mãe, Edilse Bernardi Ujacov, eram agricultores e residiam em Parobé, interior de Itatiba do Sul. Minha mãe sempre conta que o dia em que nasci era muito frio e tinha neve. Por sorte, o padre Milton Matias se atrasou para visitar o quarto de minha mãe, pois ele vinha com uma sugestão nada legal para meu nome: “Dolores”, porque era dia de Nossa Senhora das Dores. No entanto, meu pai já tinha saído para fazer minha certidão de nas- cimento com o nome que ele havia encontrado na borda de uma fralda. Em virtude de minha família ser muito religiosa, agregaram o segundo nome de Maria, resultando, então, em meu nome: Silvia Maria Ujacov. Pura sorte! Pedro Ujacov, meu pai, faleceu em 22 de março de 1982, motivo pelo qual eu e minha mãe fomos morar em Linha Seis, interior de Barão de Cotegipe, na casa dos meus avós maternos, até que meu avô conseguisse comprar e construir uma casa para nós na cidade de Barão de Cotegipe. Na casa de meu avô, mo- ravam, além de nós, mais seis irmãos da minha mãe e a minha bisavó. Em 1984, nos mudamos, eu e minha mãe, para nossa casa. Mi- nha mãe sustentava a casa com a “pensão” (benefício concedido a viúvas pelo INSS). Trabalhava como costureira e alugava um quarto para uma guria que trabalhava no Hospital, a Líbera. Pensando em meu futuro, minha mãe, então por influência de pessoas em que ela confiava, decidiu dar início a minha vida escolar.
  • 51. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 51 EU SOU ASSIM Dos Sistemas já trazes, ao nascer, tua filosofia. as razões? essas vêm posteriormente. tal como escolhes, na chapelaria. a fôrma que mais te assente... (Mário Quintana) Minha bisavó Elisa não falava nenhuma palavra em português. Ela falava somente italiano e, pela convivência com ela, eu tive vários problemas ao ingressar na escola. Era ela que cuidava de mim no pe- ríodo em que minha mãe e eu passamos na casa de meu avô. Ao completar cinco anos, as irmãs que administravam a Escola Cristo Rei, por conhecerem a minha família, pois minha mãe confec- cionava os uniformes dos alunos daquela escola, a orientaram a fazer minha matrícula no “Jardim”, para que eu aprendesse a falar o por- tuguês corretamente, já que eu falava algumas palavras em italiano e outras em português, misturando as duas línguas, pela influência da convivência com minha bisavó. Iniciou-se, então, a minha trajetória escolar. Minha primeira profes- sora, diga-se de passagem, era bem paciente comigo, ao contrário da irmã superiora, que era a diretora do colégio (detalhe: era um colégio de freiras). Não posso dizer que tenho muitas recordações desta fase, mas um fato que me marcou bastante foi o meu primeiro dia dos pais naquela escola. Todas as crianças tinham que fazer um trabalhinho para entregar a seu pai e o pai viria para recebê-lo. Lembro que cheguei em casa e pedi a minha mãe por que só eu não tinha pai e para quem eu iria entregar o presente. Ela me disse que meu pai era uma estreli- nha lá do céu e que o presente era para entregar a meu avô. Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. (Isto- Fernando Pessoa)
  • 52. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 52 EU SOU ASSIM Admiro muito minha mãe por ela ter sido sempre uma mulher forte, batalhadora e dedicada a me educar e a dar o melhor pra mim. Em meados de 1987, uma irmã de minha mãe e seu marido resolveram apresentar minha mãe para Nélio Luiz Balestrin. Os dois começaram um relacionamento que, em 25 de fevereiro de 1988, se consolidou através do casamento. Com o casamento veio também a mudança para a casa onde ele morava no interior, na localidade de Linha 4 Secção Paiol Grande, que, por sua vez, resultou na minha transferência para outra escola. Aquela menininha acostumada com uma montanha de regras que a escola regida pelas freiras impunha vai parar em uma escola cheia de pessoas estranhas, sem fila para entrar na sala, tendo que ajudar a limpar sua sala, sem local adequado para fazer os exercícios de Educação Física, sem parque para brincar, ou seja, sem uma estru- tura adequada. Esta, por sua vez, tinha mais um detalhe, era plurisse- riada. A biblioteca era dentro da própria sala e alguns tijolos com um pedaço de madeira serviam de prateleira. A brincadeira preferida da turma era se esconder da professora no meio de um “mato”, motivo pelo qual as professoras, depois da primeira semana de aula, não faziam mais a “hora da merenda”. Foram anos difíceis, confesso, mas que deixaram saudades. Nesta escola, chamada de Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima, cursei da segunda à quinta série do Ensino Fundamental. O Auto-Retrato No retrato que me faço - traço a traço – às vezes me pinto nuvem, às vezes me pinto árvore... (O auto-retrato - Mário Quintana) Outra mudança de escola, outro desafio que remete uma criança a se indagar por que mudar de novo. A própria escola, quando o alu- no completava a quinta série do Ensino Fundamental, encaminhava para uma nova escola pública. Eu, juntamente com mais quatro co-
  • 53. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 53 EU SOU ASSIM legas, fomos encaminhados para a Escola Estadual Dr. João Caruso, no município de Erechim. A prefeitura disponibilizava o transporte gratuitamente, mas com um detalhe, o transporte passava por vários locais até chegar ao colégio. Para chegar ao colégio, levávamos em torno de 35 minutos dentro de uma Kombi. A estrutura oferecida pela nova escola era bem melhor e os desa- fios para quem saiu de uma “escolinha do interior” eram bem maio- res. Uma sala com 25 alunos da mesma idade cursando a mesma sé- rie, vários professores diferentes, um local separado e cheio de livros novos, meu primeiro contato com uma biblioteca, local adequado para Educação Física. Posso dizer que era uma escola de ótima qualidade, onde que aprendi muito, não só com os professores, mas também com meus colegas. Vários de meus colegas não chegaram a fazer a formatura junto comigo. Perdemos alguns por reprovações e outros pelas “dro- gas”. Esta escola oferecia até a oitava série do Ensino Fundamental. Após, precisaria ser feita uma escolha, procurar uma outra escola estadual, ir para uma escola particular ou ainda parar de estudar. A última opção jamais passou pela minha cabeça e muito menos pela cabeça de meus pais. Na infância, uma das minhas brincadeiras e das minhas primas era a de professora. Na hora de decidir para que escola eu iria, vários fatos pesaram na decisão de meus pais. Escola particular nem pensar, dinheiro para isso não tínhamos. Minha mãe tinha vontade que eu fizesse magistério, mas não foi possível, pois dependia do local que meu tio iria matricular as filhas dele, minhas primas, porque naquele tempo a prefeitura só disponibilizava trans- porte até o final do Ensino Fundamental. Depois disso, cada um teria que arranjar um jeito para chegar à escola. A preferência de minha mãe era de continuar os meus estudos em Erechim, mas a escolha de meu tio em matricular as minhas primas em Barão de Cotegipe fez com que meus pais me matriculassem lá também, pois não queriam que eu fosse para outra escola sozinha. Fui, então, matriculada na Escola Estadual de 1º e 2º Graus Má- rio Quintana, na cidade de Barão de Cotegipe. Para chegar à esco- la, eu e minhas duas primas percorríamos um trajeto de 4 km a pé para ir e mais 4km para retornar para casa. Muitas vezes, no inverno,
  • 54. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 54 EU SOU ASSIM quando chovia ou era muito frio, meu padrasto levava até uma parte da estrada de carro. Foram três anos difíceis estes. A única opção que a escola disponibilizava era a de Preparação Para o Vestibular – PPV, sendo esta a que cursei no meu Ensino Médio. O que guardo deste período é a visão de uma escola com uma ótima estrutura, mas com alguns professores que não atualizavam seus métodos de trabalho e seus materiais, pois os mesmos trabalhos que fiz minhas primas repetiam no outro ano. Esses três anos passaram rápido, e uma nova escolha teria que ser feita: ir para uma faculdade ou parar? Além disso, pensar: e se fosse fazer uma faculdade, de que seria? A vontade de meus pais era que eu continuasse a estudar, mas eles não tinham condições financeiras para que eu continuasse a es- tudar e não havia conhecimento deles de alguma forma de como pagar minha tão sonhada faculdade. Olho por todo o meu passado e vejo Que fui quem aquilo e torno meu, Salvo o que vago e incógnito desejo De ser eu mesmo de meu ser me deu. (O andaime – Fernando Pessoa) Continuava sonhando ainda com uma faculdade, mesmo saben- do que meus pais não poderiam pagá-la naquele momento. Foi atra- vés de muita conversa com eles que decidi que eu iria fazer um curso técnico e que procuraria um trabalho para juntar dinheiro para pagar uma faculdade. A única certeza que eu tinha era a de que, se eu não corresse atrás, eu não conseguiria fazer a minha faculdade. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pen- sante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. (Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire). Através de uma bolsa de estudos de 50%, fornecida pelo Sindica- to dos Trabalhadores Rurais onde meu padrasto era associado, iniciei
  • 55. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 55 EU SOU ASSIM o curso de Técnico em Contabilidade no Instituto Barão do Rio Bran- co. Comecei a procurar emprego através de uma agência e deixando curriculum em diversas lojas e empresas da cidade de Erechim. Na minha trajetória profissional, passei por diversas experiências: fui auxiliar de produção, vendedora, auxiliar de departamento pesso- al, auxiliar de contabilidade, caixa e auxiliar administrativo, tudo bus- cando um trabalho que possibilitasse a realização do meu objetivo, fazer uma faculdade. A pedido de meu ex-namorado, larguei o meu trabalho, que eu gostava muito, no departamento pessoal de uma empresa, para cuidar dos negócios da família, pois meu ex-sogro es- tava passando por problemas de saúde. Após meu ex-sogro ter seus problemas de saúde resolvidos, voltei a procurar um emprego, por- que a ideia de trabalhar junto com eles na empresa da família não era muito boa, gerava alguns conflitos, até mesmo porque a visão de meu ex-sogro era muito machista. Dizia ele que as mulheres daque- la família não precisavam trabalhar, já que eles, os homens, sabiam como sustentar e dar o que precisava para as mulheres da casa. Já a minha visão é de que eu precisava ser independente, ter as minhas próprias regras, viver por mim. Através do Instituto Barão do Rio Branco, fui encaminhada para a Empresa Ouro Verde Papéis e Embalagem para trabalhar no setor de contabilidade da empresa. Esta empresa localiza-se na cidade de Paulo Bento. Para ir até a empresa, eu saía de casa às seis e trinta da manhã e retornava às dezenove horas. Com o pedido de casamento, veio também o pedido para eu parar de trabalhar, para poder cuidar dos detalhes do casamento e também cuidar da abertura de uma filial da madeireira em Mato Grosso, na cidade de Sorriso. O desfecho desta parte não precisa constar neste memorial, não teve final feliz como nos contos de fadas. Retomei minha vida com o desejo ainda maior de voltar a estu- dar, de entrar para uma universidade. Foi assim que decidi aceitar o convite para trabalhar na empresa CEJURGS como secretária, au- xiliando no escritório de advocacia e no cursinho preparatório para concursos públicos. Posso dizer que gostava muito do que fazia e aprendi muito. Conquistei muitas amizades e foi onde descobri algo
  • 56. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 56 EU SOU ASSIM muito importante que guardo até hoje: jamais farei uma faculdade de Direito. Passaram-se três anos e recebi uma proposta de ir trabalhar no Hospital de Caridade, com certeza uma excelente proposta, que eu, sem pensar muito, aceitei. Era um trabalho diferente de todos os ou- tros, com uma responsabilidade bem maior do que todas as que eu já tinha tido; afinal, era trabalho com a vida de pessoas. Trabalhei no setor de Radiologia, inicialmente trabalhava na recepção. Logo após, fui para a digitação de laudos e, em seguida, auxiliava os médicos na realização da transcrição dos exames de RX, Ecografias e Tomogra- fias. Foi certamente um dos trabalhos mais gratificantes que eu fiz, afinal, dizia minha mãe que: ou eu trabalharia com algo relacionado à saúde ou eu seria professora, pois todas as minhas brincadeiras es- tavam relacionadas a uma dessas duas profissões. Ela sempre conta que, se eu não estivesse com livros, eu estava aprontando alguma com algum dos bichos lá de casa (como, por exemplo, transplante de coração nas galinhas dela). Mas, na verdade, a profissão de professo- ra não me encantava muito até eu começar a minha graduação. Gos- tei muito das experiências que tive no hospital, pois lá a melhor parte do trabalho é ver que muitas vezes você ajudou a salvar uma vida. No entanto, o sonho de fazer uma faculdade permanecia. Ainda não sabia ao certo o que eu faria. Em mente, eu tinha várias possíveis opções, como Fisioterapia, Educação Física, Administração, entre ou- tras. A área das licenciaturas, até o momento, não me atraía. O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal, Como tem tempo não tem pressa... (Liberdade – Fernando Pessoa) Na vida, as coisas nem sempre saem do jeito que a gente quer, às vezes, as nossas escolhas vão além de nossas vontades, mas o tempo é que vai dizer se essas escolhas valem ou não a pena. Em 2009, por influência de alguns amigos, resolvi fazer o ENEM. Confesso que fiz
  • 57. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 57 EU SOU ASSIM mais por brincadeira, sem muitas esperanças em conseguir uma nota que pudesse me dar direito a uma bolsa de estudos e, quem dera, entrar em uma Universidade Federal. A prova do ENEM não foi nada fácil; afinal, já havia se passado vários anos que não pegava um ca- derno na mão pra ver matérias como Física, Biologia, Química, entre outras, ou seja, as que no nosso cotidiano não são muito utilizadas. As questões estavam bastante complexas e extensas. Enfim, foi bem cansativa esta prova. No primeiro dia, eu não cheguei a ler metade da prova, pois faltou tempo. No segundo dia, eu fui um pouco melhor, mas minha média ficou bem baixa. Minha mãe, assistindo o noticiário local em uma sexta-feira, ficou sabendo da vinda da UFFS para a cidade de Erechim e que o último dia de inscrição seria no domingo. Ela comentou comigo no sábado à noite e me aconselhou a tentar fazer a inscrição. No domingo à tarde, voltei à cidade de Erechim. Fui a uma Lan House e fiz minha inscrição. Analisei os cursos oferecidos aqui para a cidade de Erechim e optei por Pedagogia e, em segunda opção, História, mas a minha nota do ENEM era muito baixa e, na primeira chamada, não fui selecionada. Comentei com minha mãe: “Vou estu- dar e tentar no próximo ENEM ir melhor para conseguir aprovação, agora que tem uma faculdade federal em Erechim”. Já havia até esquecido e começado a pensar em arranjar alguns livros para começar a estudar para fazer novamente o ENEM quando recebi uma correspondência dizendo que havia sido aprovada e esta- va sendo chamada para fazer minha inscrição para o curso de Peda- gogia. Quanta alegria em saber que eu havia conseguido. Demorou, mas chegou a minha vez. Pensei: “Vou entrar em uma faculdade, fazer um curso superior, mesmo não sendo o curso que eu queria fazer, mas, como não havia outro curso em que eu achei que me sairia melhor, fui para a Pedagogia”. Confesso que não era realmente o que eu queria. Minha mãe e alguns amigos me disseram: “Começa a fazer e, depois, se você não gostar mesmo, você troca de curso”. E lá fui eu para o curso de Pedagogia. Minha família, principalmente meus avós maternos, me apoiou e gostou muito de me ver entrando na universidade. Afinal, como a
  • 58. HÁ UMA UNIVERSIDADE NO MEIO DO CAMINHO 58 EU SOU ASSIM neta mais velha, tinha que dar exemplo para os outros. No entanto, como toda a boa família, houve quem criticou e disse que era só mais uma maneira de gastar dinheiro e tempo, que eu já estava velha de- mais para querer estudar, que estava na hora de arrumar um marido e ter filhos. Neste momento, ouvi a boa e velha frase: “Estudar para quê se você já tem um trabalho? Tá é na hora de pensar em casar”. Diziam alguns de meus primos que isso era inveja da oposição. Porém, como dizem, nunca é tarde para começar. Então, eu, com trinta anos de idade, me encontro fazendo o meu primeiro curso de graduação. Ao entrar no primeiro dia de aula e ver que a maior parte das minhas colegas eram meninas de dezoito ou dezenove anos, me perguntei: o que eu estou fazendo aqui? Porém, logo vi que muitas delas não tinham noção do quanto era gratificante estar ali apren- dendo uma nova profissão. Enfrento várias dificuldades para acompanhar muitas coisas, mas, quando comecei a conhecer minhas colegas, passei a admirar algumas delas que, com filho, marido e mais de quarenta anos, tam- bém estavam ali buscando seu espaço. Posso dizer que eu gostaria sim de ter feito uma faculdade antes, mas minha situação não me permitia. Por outro lado, penso que foi até melhor assim, pois, pelo menos, eu aproveitei e hoje estou mais madura para tomar as deci- sões que o curso de graduação me impõe. Em março de 2010, ingressei finalmente na universidade, mas meu horário de trabalho não era muito favorável e tive que escolher entre trabalho e faculdade. Fiz a opção por tentar uma das bolsas oferecidas pela UFFS e sair do hospital. Posso dizer que senti medo de largar tudo para estudar e trabalhar na área de Pedagogia. Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção (Pedagogia da autonomia – Paulo Freire). Surgiu, em setembro de 2010, a possibilidade de trabalhar na Escola de Educação Infantil Pedacinho do Céu como auxiliar de pro- fessora. Confesso que fui movida mais pela curiosidade de saber se era isso mesmo que eu queria para mim (trabalhar com crianças), ou