1. O EMPIRISMO DE JOHN LOCKE
Um dos maiores empiristas britânicos, John Locke viveu em uma época de grandes
descobertas cientificas e de revolução política. Ele se envolveria profundamente nesse
processo, e por ele seria influenciado.
Nascido em Somerset, na Inglaterra, Locke estudou filosofia em Oxford, não muito tempo
depois de a guerra civil inglesa ( na qual o pai lutou contra os monarquistas) ter culminado
com a decapitação de Carlos I, em 164
Em Oxford, Locke ficou fascinado pelas ciências e se formou em medicina. Em seguida, em
1667, tornou-se médico particular do conde de Shafetsbury. Após uma tentativa fracassada
de depor Carlos II em 1682, Locke e o conde fugiram para a Holanda, onde ficaram até
1688, quando o protestante Guilherme de Orange forçou o católico inglês Jaime II a
deixar o trono. Locke retornou à Inglaterra para trabalhar na administração pública e
publicar as obras que acabaram tendo uma grande influência na política e na filosofia
posterior. As revoluções francesa e americana se identificaram com as idéias liberais e
democráticas de Locke.
O EMPIRISTA
Descartes e Spinoza eram racionalistas. Um racionalista acredita que a razão humana
é a fonte básica do conhecimento. Acredita também que o homem possui determinadas
idéias inatas, que existem na mente antes de qualquer experiência – e, quanto mais claras
forem essas idéias, tanto mais certo é o fato de que elas correspondem à realidade.
No século XVIII, o racionalismo foi objeto de uma crítica cada vez mais intensa.
Inúmeros filósofos afirmaram que tudo o que está na mente foi experimentado pelos
sentidos. Essa perspectiva é chamada de empirismo. Os empiristas mais importantes
foram Locke, Berkeley e Hume.
O empirismo (do grego empeiria, que significa: experiência dos sentidos) considera que o
real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se reduz à
experiência sensorial que temos dos objetos cujas sensações se associam e formam idéias
em nosso cérebro.
A formulação clássica de uma abordagem empírica vem de Aristóteles, que disse: “Nada há
na mente que não tenha passado primeiro pelos sentidos”. Esse ponto de vista implica uma
crítica severa a Platão, que afirmara que o homem traria consigo um conjunto de “idéias
inatas” do mundo das idéias. Locke repetiu as palavras de Aristóteles, usando-as contra
Descartes.
A principal obra de Locke foi o Ensaio sobre o entendimento humano, publicado em
1690. Nela, Locke tentou esclarecer duas questões. A primeira: onde conseguimos nossas
idéias; a segunda: podemos confiar no que os sentidos nos dizem?
IDEIAS
2. Locke afirmava que todos os nossos pensamentos e idéias se originam daquilo que
apreendemos pelos sentidos. Antes de percebermos qualquer coisa, a mente é uma
tabula rasa – ou uma lousa vazia quanto o quadro-negro antes de o professor entrar na
sala de aula. Mas então começamos a perceber as coisas. Vemos o mundo a nossa volta,
sentimos cheiro e gosto, tocamos e ouvimos. E ninguém faz isso com mais intensidade do
que uma criança. Surgem, assim, o que Locke chamou de “idéias sensoriais simples”.
Mas a mente não só receber passivamente informações do exterior. No interior da mente
também se dá uma atividade. As impressões sensoriais simples são trabalhadas pelo
pensamento, pelo conhecimento, pela crença e pela dúvida, resultando dessa maneira no
que Locke chamava de “reflexão”. Assim, Locke distinguiu entre “sensação” e reflexão”.
A mente não é um mero receptor passivo. Ela classifica e processa todas as sensações
à medida que vão chegando.
Locke afirmava que as únicas coisas que podemos perceber são sensações simples.
Quando comemos uma maçã, por exemplo, não sentimos a maçã inteira em uma única
sensação. Na verdade, recebemos toda uma série de sensações simples – algo que é
vermelho, fresco, suculento e ácido. Só depois de comer muitas maçãs é que pensamos:
agora estou comendo uma “maçã”. Como diria Locke, formamos uma idéia complexa de
uma “maçã. Quando uma criança come uma maçã pela primeira vez, ela não possui essa
idéia complexa, mas vê algo vermelho, saboreia algo fresco, suculento... e ainda um tanto
ácido”.
Pouco a pouco acumulamos diversas sensações semelhantes, que formam conceitos como
“maçã”, “pêra” e “laranja”. Mas, em última análise, todo o material para nosso
conhecimento do mundo nos chega pelos sentidos. Conforme Locke, o conhecimento que
não pode ser atribuído à sensação simples seria, portanto, um conhecimento falso e
precisaria ser rejeitado.
QUALIDADES DOS OBJETOS
Locke indagou se o mundo seria de fato como percebemos. Ao responder, estabeleceu uma
diferença entre o que chamou de qualidades “primarias” e “secundárias”. E, com isso,
reconheceu uma dívida para com os grandes filósofos que o antecederam – inclusive
Descartes.
Por qualidades primárias, Locke entendia extensão, peso, movimento, número e assim por
diante. Quando se trata de qualidades como estas, podemos estar certos de que nossos
sentidos as reproduzem objetivamente. Mas também percebemos outras qualidades nas
coisas. Dizemos que alguma coisa é doce ou azeda, verde ou vermelha, quente ou fria.
Locke chamava isso de qualidades secundárias. Sensações como essas – cor, cheiro, sabor,
som – não reproduziriam as qualidades “reais” inerentes às coisas em si. Os objetos
possuiriam apenas qualidades primárias, mas as qualidades secundárias específicas que
cada objeto individual possui determinariam as qualidades secundárias particulares que
percebemos nos objetos.
Locke argumentava que todos concordamos quanto a qualidades primarias, como tamanho
e peso, pois elas estão nos objetos em si. Mas quanto a qualidades secundárias, como cor e
sabor, que se referem a sensações subjetivas de cada indivíduo, elas podem variar de
pessoa para pessoa e de animal para animal, dependendo da natureza das sensações do
indivíduo. (Locke não poderia saber, em meados do século XVII, que cor, cheiro etc. são,
também eles, definíveis em termos de grandezas físicas em princípio mensuráveis –
3. comprimento de onda e composição química. Mas o argumento dele pode ser transposto
para outros exemplos.).
Duas pessoas podem chupar a mesma laranja, e para uma delas a laranja é azeda,
enquanto para a outra é doce e saborosa. As duas pessoas, no entanto, concordarão em
que a laranja é redonda, já que não podemos “pensar” em um circulo como um quadrado.
Assim, quando se tratava de realidade “estendia”, Locke concordava com Descartes em
que ela possuiria determinadas qualidades, que o homem compreende com a razão. Locke
admitiu também em outros campos o que chamou de conhecimento “intuitivo”, ou
“demonstrativo”. Por exemplo, afirmou que determinados princípios éticos se aplicariam a
todos. Em outras palavras, acreditava na idéia de um “direito natural”, uma característica
racionalista de seu modo de pensar. Outra característica igualmente racionlista era o fato
de Locke acreditar ser inerente à razão humana a capacidade de saber que Deus existe.
A POLÍTICA DE LOCKE
Locke defendia a liberdade intelectual e a tolerância. Ele se preocupava também com a
igualdade dos sexos, afirmando que a submissão das mulheres aos homens é uma
“criação do homem”. Essa situação, portanto, poderia ser alterada. Locke exerceu uma
grande influência sobre John Stuart Mill, que, por sua vez, teve um papel-chave na luta
pela igualdade dos sexos.
Locke foi precursor de muitas idéias liberais que só floresceram durante o iluminismo
Francês, no século XVIII. Foi o primeiro a apresentar o principio da divisão dos poderes,
segundo o qual o poder do Estado se divide entre instituições diferentes: o Poder
Legislativo, ou o Parlamento, o Poder Judiciário, ou o Tribunal, e o Poder Executivo, ou o
Governo.
Essa divisão de poder foi defendida por Montesquieu, filósofo do Iluminismo Francês. Em
primeiro lugar, e antes de qualquer coisa, Locke salientou que os poderes Legislativo e
Executivo deveriam ser separados, se quiséssemos evitar a tirania. Ele foi contemporâneo
de Luís XIV, que tinha nas mãos todo o poder e dizia “O Estado sou eu”. Diz-se que Luís foi
um soberano “absoluto”. Hoje em dia diríamos que o governo de Luís XIV era arbitrário.
Locke afirmava que, para assegurar um Estado de direito, os representantes do povo
deveriam promulgar as leis, e o rei ou o governo executá-las.
4. Excerto Filosófico / Atividade Interpretativa
Todas as idéias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é,
como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres,
sem nenhuma idéia; como ela será suprida? De onde lhe provém este
vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do homem pintou nela com
uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da
razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência.
Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva
fundamentalmente o próprio conhecimento. Empregada tanto nos objetos
sensíveis externos como nas operações internas de nossas mentes, que
são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre
nossos entendimentos com todos os materiais do pensamento. Dessas
duas fontes de conhecimento jorram todas as nossas idéias, ou as que
possivelmente teremos.
LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Trad. Anoar Aiex.
São Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 57. (Os Pensadores).
A partir do excerto acima explique em poucas palavras a afirmação: “Ser é perceber
e ser percebido”.