O documento descreve a obra e carreira do intelectual brasileiro Alberto da Costa e Silva, destacando três áreas principais em que ele inovou: 1) seu estudo da África pré-colonial e do tráfico de escravos atlântico; 2) sua análise da escravidão na África e Brasil entre 1500-1700; 3) seu livro sobre o mercador de escravos Francisco Félix de Souza. O texto também menciona sua carreira como diplomata e embaixador no Brasil.
Revisão literatura - quinhentismo - barroco - arcadismo - romantismo
Alberto da Costa e Silva
1. 1
ALBERTO DA COSTA E SILVA: O VÍCIO DE ÁFRICA
Alberto da Costa e Silva encontrou em África e no tráfico atlântico de escravos a
raiz a partir da qual o Brasil necessita de ser explicado. A produção deste
intelectual brasileiro mostra que a capacidade para inovar nem sempre se reduz
às rotinas do ensino académico.
Alberto da Costa e Silva foi embaixador em Portugal de embaixador em Portugal 1989 a 1992
A atribuição ao embaixador Alberto da Costa e Silva do Prémio Camões 2014
constitui um incentivo para ler a sua obra.
Para os portugueses, trata-se também de uma ocasião para ultrapassar evidentes
limitações quanto ao conhecimento que temos da produção intelectual brasileira. É
que se contam pelos dedos as iniciativas destinadas a colmatar o nosso enorme
2. 2
desconhecimento acerca do Brasil, sobretudo em mundos da comunicação situados
para além da música, do futebol e da televisão. Claro, algumas exceções de peso
existem, localizadas bem à margem das tretas oficiais da lusofonia - uma espécie de
discurso oficial que de tão recorrente já não convence ninguém, sobretudo quando se
procura impor pela força.
A primeira dessas exceções sucedeu entre 2000 e 2003 e tem de ser vista como
uma das mais sérias contribuições para o estudo das populações ameríndias que se
registaram em Portugal. Foi na contramão das comemorações dos descobrimentos
que, graças a Joaquim Pais de Brito, diretor do Museu Nacional de Etnologia, teve
lugar a grande exposição Os Índios, Nós. Paralelamente, o mesmo museu publicou
um conjunto de monografias em parceria com a Assírio & Alvim, que também editou o
estudo sobre os araweté de Eduardo Viveiros de Castro.
A segunda exceção foi suscitada por Abel Barros Baptista, um estudioso da obra
de Machado de Assis, que entre 2005 e 2008 pôs cá fora, na Cotovia e em vários
volumes, um “Curso breve de literatura brasileira”.
E a terceira exceção não passou despercebida: surgiu com a reedição, no início do
corrente ano, da obra de Edmundo Correia Lopes, A Escravatura – Subsídios para a
sua História (Antígona, 2014; 1.ª ed., Agência Geral das Colónias, 1944). Este
filólogo e musicólogo, dobrado de historiador da estatística e do tráfico de escravos,
aprendeu, durante cerca de uma década no Brasil - graças aos ensinamentos de Nina
Rodrigues, Artur Ramos e Mário de Andrade - a necessidade de estudar as culturas
africanas no seu lugar de origem. Contemporâneo desse outro interesse pela vida
3. 3
intelectual do Brasil - bem representado, nos círculos oficiais do Estado Novo, por
José Osório de Oliveira e que foi também desenvolvido por alguns intelectuais da
oposição que ali conheceram o exílio, tais como Maria Archer e Jaime Cortesão -,
Edmundo Correia Lopes faleceu em 1948 na Guiné, quando ali efetuava trabalhos de
campo.
Alberto da Costa e Silva nasceu em 1931. Da sua infância, na casa grande do
Piauí e chegada ao Rio de Janeiro, escreveu umas memórias. Intitulou-as, com ironia
e gosto pelo paradoxo, Espelho do Príncipe, que lemos no exemplar da Biblioteca
Nacional de Lisboa dedicado ao poeta Alberto de Lacerda. A par da sua carreira
como diplomata, no âmbito da qual serviu como embaixador em Portugal (1989-
1992), dedicou-se à poesia, ao ensaio e à investigação histórica. Tal como um outro
diplomata brasileiro da sua geração, o grande historiador nordestino Evaldo Cabral de
Melo (irmão do poeta e também diplomata João Cabral de Melo Neto), Costa e Silva
deve ser considerado um dos maiores historiadores brasileiros da atualidade.
Se todos estes nomes, só por si, revelam o altíssimo nível intelectual dos
diplomatas brasileiros, eles também indicam que a capacidade para inovar e propor
novos quadros de análise histórica depende de lógicas que nem sempre se reduzem
às rotinas do ensino e da reprodução académica. Quais são, então, os principais
domínios e pontos de vista em que Costa e Silva inovou ou alcançou uma maior
profundidade analítica?
Para responder a esta questão identifico três linhas principais, depois de tomar em
mãos os seus principais livros de história publicados pela Editora Nova Fronteira: A
4. 4
Enxada e a Lança: a África antes dos Portugueses (1992; 2.ª ed., 1996), 768
pp.; A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700 (Nova
Fronteira, 2002), 1071 pp.; Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos
(2004), 207 pp.; Um Rio Chamado Atlântico (Nova Fronteira, 2012), 287 pp.. Não
esqueço uma coletânea de ensaios publicada há muito em Lisboa O Vício da África e
Outros Vícios (João Sá da Costa, 1989), 215 pp.; nem a sua recente coordenação
do vol. I da História do Brasil Nação: 1808-2010 – Crise Colonial e Independência
1808-1930 (Fundación Mapfre e Editora Objetiva, 2011), 256 pp..
http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/alberto-da-costa-e-silva-19312014-o-vicio-de-africa-1638622
(texto com adaptações, de 25-07-2014)