Conhecer os direitos da pessoa com deficiência e colaborar para disseminá-los é o objetivo do Guia dos Direitos da Pessoa com Deficiência, lançado hoje (12/05) na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
Não somente reproduzir conceitos, mas ampliar o potencial disseminador dos direitos sociais das pessoas com deficiência. Este é o objetivo do Guia dos Direitos da Pessoa com Deficiência, lançado na manhã de hoje, 12 de maio, na Assembléia Legislativa de São Paulo, durante seminário organizado pela CORDE (Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), Instituto Paradigma e Instituto do Legislativo Paulista. Composto de revista e CD, o Guia é fruto de encontros regulares do Instituto Paradigma com familiares de pessoas com deficiência e lideranças comunitárias da periferia de São Paulo e região do ABC paulista, durante o curso para Multiplicadores dos Direitos da Pessoa com Deficiência, realizado em 2008.
Joao Jose Saraiva da Fonseca
1. A INCLUSÃO SOCIAL DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL
Como Multiplicar este Direito
Distribução Gratuita.
2.
3. A INCLUSÃO SOCIAL DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL
Como Multiplicar este Direito
CORDE
SÃO PAULO
INSTITUTO PARADIGMA
2008
4. Presidência da República
Secretaria Especial dos Direitos Humanos
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE
Sistema Nacional de Informações sobre Deficiência - SICORDE
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Copyright @2008 by Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Instituto Paradigma
Tiragem : 3.000 exemplares em impressos e 3.000 exemplares em CD-Rom
Coordenação de Priscila Cardoso
Referência bibliográfica
A inclusão social da pessoa com deficiência no Brasil - Como Multiplicar este Direito / Coordenação Instituto Paradig-
ma: Priscila Cardoso e Danilo Namo – São Paulo: Instituto Paradigma, 2008. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. p. :46
Ficha catalográfica:
A inclusão social da pessoa com deficiência no Brasil - Como Multiplicar este Direito / Coordenação Instituto Para-
digma: Priscila Cardoso e Danilo Namo – São Paulo: Instituto Paradigma, 2008. Brasília: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008.
p. : 46
Inclui a íntegra do Curso de Multiplicadores dos Direitos da Pessoa com Deficiência
1.Deficiência – Direito internacional 2. Deficiência – Direitos humanos 3. Pessoa com De-
ficiência – Direito internacional 4. Pessoa com Deficiência – Direitos humanos 5. Direitos
humanos – Pessoa com Deficiência I. Brasil. Coordena¬doria Nacional para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência II. Instituto Paradigma. Cardoso, Priscila, Namo, Danilo,
coord.
5. Autores
Carina Palma de Moura Alterio
Psicóloga, Especialista em Reabilitação Clínica Hospitalar, Coordenadora do Centro de Referência da Pessoa com De-
ficiência (2005/2008) e Presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência – COM-
DEF de Santo André, (2005/2008). É Supervisora Técnica de Serviços de Cidadania da Secretaria de Inclusão Social
da Prefeitura de Santo André e membro do Conselho do COMDEF (2008/2010).
Elizabete Terezinha Silva Rosa
Assistente social, bacharel em Direito, mestre em Serviço Social pela PUC-SP, professora de cursos de graduação e
pós-graduação em Serviço Social, consultora na área de assistência social.
Fabiano Puhlmann
Psicoterapeuta Jungiano, Especialista em Psicologia Hospitalar da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da USP,
Mestrado em Integração de Pessoas com Deficiência pela Universidade de Salamanca, Espanha. Atua no Instituto
Paradigma com prjetos na área da inclusão de pessoas com deficiência.
Flavia Maria de Paiva Vital
Graduada em Comunicação Social, Analista de Gestão da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, Dire-
tora de Relações Institucionais do Centro de Vida Independente Araci Nallin.
Humberto Dantas
Doutor em Ciência Política, coordenador da pesquisa de acesso do eleitor paulistano com deficiência à urnas, professor
universitário e conselheiro do Movimento Voto Consciente.
Odete Sidericoudes
Doutora em Educação em área de Novas Tecnologias. É consultora de projetos para a formação de recursos humanos
para o uso da tecnologia e para a inclusão de pessoas com deficiência.
Priscila Cardoso
Assistente Social, doutora em Serviço Social pela PUC-SP, Professora da graduação de Serviço Social da Unicsul, as-
sessora e consultora na área de assistência social e formação. Coordenou a metodologia e conteúdos deste projeto como
assessora do Instituto Paradigma.
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca
Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e Doutor pela Universidade Federal do
Paraná. É Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho – 9ª Região,
8. 8
Prefácio
Caro leitor,
Essa publicação complementa um kit de formação para multiplicadores dos direitos das pessoas com deficiência, fruto da
experiência do Instituto Paradigma na coordenação de encontros regulares com familiares de pessoas com deficiência e lideranças
comunitárias da periferia de São Paulo e região do ABC* paulista. Esses encontros tiveram origem como parte das atividades
desenvolvidas na implantação do projeto de educação inclusiva nas escolas municipais de Santo André.
Estabelecer um contato permanente com as quase mil famílias das crianças, jovens e adultos com deficiência, que frequentavam
as classes regulares e os programas educativos e profissionalizantes da Secretaria Municipal de Santo André, e as lideranças de
bairro, informando sobre direitos e os recursos disponíveis no município para a atenção às necessidades especificas das pessoas
com deficiência era estratégico para a efetiva inclusão e participação social dessa população na comunidade.
Esse processo se consolidou numa experiência bem sucedida que se multiplicou em outras comunidades do entorno da capital
paulista, como por exemplo o município de Embu das Artes, onde favoreceu mais 2500 famílias. As informações discutidas e
o aprendizado acumulado foram importantes e precisavam ser disseminados, de tal forma que contribuíssem e fortalecessem
continuamente outras iniciativas de trabalho semelhante, estimulando o desenvolvimento e a participação comunitária de
maneira inclusiva. Isso só foi possível com o apoio e a parceria da CORDE – Coordenadoria Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, confirmando a relevância e a pertinência de se investir na formação de multiplicadores do direito
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
das pessoas com deficiência, contribuindo para a construção de políticas públicas locais que oportunizem, com equiparação de
oportunidades, a convivência e a participação na vida comunitária das pessoas com deficiência.
Foi dessa forma que se tornou possível para a equipe técnica do Instituto Paradigma construir uma metodologia e organizar a
abordagem dos temas desses encontros em unidades temáticas que servissem de inspiração para os multiplicadores desse trabalho,
e que sinceramente esperamos que sirva de estímulo para a formação de novos grupos por todo o nosso país.
Bom trabalho!
Equipe do Instituto Paradigma
www.institutoparadigma.org.br
* A região do ABC paulista é formada pelas cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano.
9. 9
Educação popular na formação de multiplicadores no direito das pessoas com deficiência – reconstruindo um caminho
de ensino-aprendizagem
Priscila Cardoso
“Por que e para que ensinar determinados conceitos? Por que e para que estimular determinados comportamentos? Por
que e para que exigir determinadas atitudes?
Há sentido na resposta quando se afirma que é porque essa escolha vai permitir que avance o processo de democratização
da sociedade, que os indivíduos exerçam seus direitos, vivam com dignidade, desenvolvam sua criatividade, juntos, na
reafirmação constante do compromisso com a realização do bem público, comum a todos, que não pode ser apropriado
isoladamente por ninguém”
Terezinha Rios
A noção da realização de uma formação para a multiplicação em direitos da pessoa com deficiência só teria sentido se efetivada
a partir de um processo de educação popular na perspectiva do que Terezinha Rios nos afirma acima, ou seja, uma formação que
se pretendesse facilitadora do desenvolvimento de discussões e debates que instrumentalizasse os diferentes atores sociais na luta
pela efetivação de direitos na busca por uma vida melhor em sociedade.
E por que a perspectiva da educação popular?
A opção por um curso na linha de educação popular para multiplicadores deve-se ao fato de acreditarmos na força da
mobilização popular e no ensino a partir dos conhecimentos e vivências que cada indivíduo traz na sua história e na participação
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
da vida comunitária.
A partir desta perspectiva e, tendo como objetivo do curso: organizar um processo de educação popular que socialize e
multiplique informações e experiências na garantia dos direitos das pessoas com deficiência, organizamos um processo
metodológico que pudesse dar conta deste objetivo, desde a organização dos conteúdos até seu ensino-aprendizado.
Ao falarmos de metodologia, estamos compreendendo todo o processo de organização para execução deste curso, desde os
conceitos que permeiam a concepção geradora de todos os conteúdos, até a forma como tais conteúdos seriam trabalhados, ou
seja, não só um conjunto de técnicas ou do “como fazer”, mas toda a concepção que engendrou este jeito de fazer, que não é
esvaziado de um “por que e para que fazer” e une-se ao “como fazer”. Tentaremos, então, retomar aqui este processo metodológico,
resgatando os procedimentos adotados na criação desta proposta.
Partimos do objetivo do curso (anteriormente já apresentado), para traçar seus objetivos específicos, perfil do público-alvo
e dos professores dentro da perspectiva de realizarmos uma formação que se pretendeu multiplicadora junto a diferentes atores
sociais vinculados à questão da deficiência, quer seja por sua vivência, quer seja pela militância ou pelo estudo da temática.
Realizamos então um processo de discussão com os professores conjuntamente definindo os conteúdos a serem trabalhados
em cada bloco temático e a perspectiva de abordá-los a partir da vivência e conhecimento dos participantes do curso. A opção
pela discussão e preparação dos professores para a elaboração das oficinas após um alinhamento conceitual e de concepção
metodológica faz parte da coerência da criação de uma metodologia na linha da educação popular pretendida nesta formação.
Tal perspectiva pautou-se na idéia de criarmos um processo de formação verdadeiramente, e não de preparação técnica e
informativa para que as pessoas saíssem do curso reproduzindo conceitos apresentados. A idéia foi formar criticamente pessoas
que pudessem multiplicar um processo formativo de maneira crítica e reflexiva, estando instrumentalizadas para tal a partir desta
formação.
“É por esta razão que nós, educadores democráticos, devemos lutar de modo a que se torne cada vez mais e mais claro
que a educação representa formação e não treinamento.” (Freire, 2001: 66)
Sendo assim, o curso foi ministrado por diferentes professores conhecedores das temáticas de cada bloco, partindo sempre do
conhecimento e da vivência dos participantes, para poder então trazer conceitos que contribuíssem para o processo de inclusão,
10. 10
abordagens técnicas pertinentes, e apresentar o marco legal internacional e brasileiro, instrumentalizando os participantes do
curso para contribuir na construção de paradigmas sociais que privilegiam a garantia dos direitos sociais das pessoas com
deficiência.
O curso foi organizado em cinco blocos temáticos, que estabeleceram diálogo entre si no que diz respeito à integração dos
conteúdos, bem como, à forma de trabalhar tais conteúdos.
Abaixo quadro demonstrativo dos blocos, conteúdos e carga horária dos mesmos:
Bloco temático Conteúdo Carga horária Aulas
(n° de horas)
Bloco 1
• Os conceitos de Estado e Sociedade Civil.
• Os conceitos e a relação entre direito, política
social e cidadania.
Direitos sociais
• Os conceitos relativos ao tema da deficiência: 12 03
e humanos –
inclusão, integração e deficiência.
construindo a
• Os marcos históricos dos direitos das pessoas
cidadania
com deficiência.
• Os marcos legais, nacionais e internacionais, dos
Bloco 2
direitos das pessoas com deficiência.
• O processo de construção das leis no Brasil.
Direitos da pessoa
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
• Legislação e direitos das pessoas com deficiência
com deficiência
nas seguintes áreas: Educação, Saúde, Trabalho,
– conhecendo a
12 03
Lazer, Informação, Acessibilidade, Assistência
Legislação social
Social e outros direitos.
• Direito a não discriminação e as sanções penais
do não cumprimento da lei.
Bloco 3
• A Convenção Internacional dos Direitos das
Espaços de
participação Pessoas com Deficiência.
• Os espaços de denúncia e de defesa dos direitos.
e exercício 12 03
• A importância da participação na construção dos
dos direitos –
vivenciando a direitos e os espaços de participação existentes.
cidadania
Bloco 4
• Inclusão digital: noções preliminares do uso da
Inclusão digital
internet como instrumento de comunicação e 04 01
- exercitando a
organização.
comunicação
Bloco 5 • Conceito de multiplicação e seu uso.
• Estratégias que orientem aos alunos como
Conceito de
disseminar informações e possibilidades de
multiplicação –
intervenção no contexto social, no que se refere 04 01
Reproduzindo os
à garantia de direitos sociais, em especial, das
conteúdos deste
pessoas com deficiência.
curso
• Avaliação do curso.
A partir, então, da discussão coletiva dos conteúdos dos cinco blocos junto aos professores, bem como da delimitação da
linha metodológica compreendendo a importância de realizar aulas/oficinas partindo do conhecimento dos participantes
para posteriormente apresentar conceitos e conteúdos teóricos, históricos e legais, orientamos os professores na realização do
planejamento das aulas tendo sempre como base exercícios, dramatizações, pequenos debates em grupos, elaborações trazidas
11. 11
pelos alunos, para então, trabalhar com conteúdos de apresentação de slides e/ou aulas expositivas.
O objetivo foi possibilitar, em primeiro lugar, ouvir o que a vivência dos participantes pode nos trazer para então dar sentido
aos conteúdos propostos pelo curso.
“... Ter voz é ser presença crítica na história. Ter voz é estar presente, não ser presente. Nas experiências autoritárias,
tremendamente autoritárias, o povo não está presente. Ele é representado. Ele não representa.” (Freire, 2001: 131)
Partimos aqui de uma concepção do homem/mulher como sujeito e objeto ao mesmo tempo de sua própria história. Encará-
lo nesta perspectiva (baseada na concepção materialista-histórica da realidade) é compreender que o mesmo é autor e ator da
história social; sendo assim, pensar a formação na linha que trabalhamos significou compreender os participantes do curso como
autores e atores durante o processo das aulas/oficinas, podendo ouvir suas realidades e apreensões do mundo e da situação da
pessoa com deficiência e podendo apontar para a importância de sua participação ativa na mudança da realidade social, em
especial no que se refere à efetivação dos direitos da pessoa com deficiência.
Assim, a idéia de trabalharmos com exercícios, dramatizações, pequenos debates, está pautada na base de concepção desta
formação, compreendendo a necessidade de utilizarmos técnicas e instrumentos que possibilitassem o diálogo com o conhecimento
dos participantes, para a partir deste conhecimento poder construir coletivamente novos conhecimentos e estimularmos a
multiplicação destes como forma de garantir os direitos da pessoa com deficiência de maneira crítica e reflexiva.
Nas palavras de Rios:
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
“O ensino não é, portanto, um movimento de transmissão que termina quando a coisa que se transmite é recebida,
mas ‘o começo do cultivo de uma mente de forma que o que foi semeado crescerá’ (Oakeshott, 1968:160). Penso que
é importante ir além da metáfora da semeadura e descobrir no ensino sua função essencial de socialização criadora e
recriadora de conhecimento e cultura.
“Por intermédio do gesto de ensinar, o professor, na relação com os alunos, proporciona a eles, num exercício de
mediação, o encontro com a realidade, considerando o saber que já possuem e procurando articulá-lo a novos saberes e
práticas.” (Rios, 2001:52)
Tentamos reconstruir neste breve texto o processo de criação da metodologia que foi a base de efetivação deste curso e está
expressa nas páginas que se seguirão. Esta publicação reconstrói todo o planejamento, desde a concepção de cada bloco temático
(no ementário que apresenta a ementa de cada bloco), que se desdobra no plano de cada aula/oficina precedido de um texto
síntese do conteúdo central presente nestas e os conteúdos dos slides utilizados nas aulas/oficinas.
Cada plano de aula/oficina tem o detalhamento das atividades realizadas, com a descrição dos objetivos e desenvolvimento de
cada uma delas, para que se possa compreender onde se quer chegar com a atividade.
A idéia é que este material possa servir àqueles que passaram por este processo e queiram se apropriar da condição de atores
e autores da sua história e da história social, exercendo a possibilidade de difundir estes conteúdos como multiplicadores, bem
como para pessoas que não realizaram o curso, mas que possam compreender a lógica desta proposta e realizar o curso junto a
outras pessoas. Ou seja, desejamos que este seja um material para aqueles que queiram multiplicar não só os conteúdos, mas toda
a proposta metodológica aqui construída.
Vale ressaltar apenas, em coerência com a perspectiva que estamos apresentando como base desta metodologia, que cada grupo
é um grupo, pois as pessoas e vivências são diferentes. As orientações de atividades e conteúdos aqui contidas devem ser pensadas
para cada grupo e o grande desafio do multiplicador é compreender a realidade apresentada pelos participantes dos grupos e
conseguir ser um mediador e estimulador da cidadania e de uma formação crítica e reflexiva que possibilite o encorajamento para
a luta por uma sociedade realmente justa e livre de preconceitos e discriminações.
12. 12
Investir na formação para quê? Aprender para quê? Ensinar para quê?
“Aprender é preciso, para viver. É preciso aprender a viver. E este viver não é algo abstrato, mas algo que transcorre
na polis, na sociedade organizada, na relação com os outros.” (Rios, 2001:62)
Assim, nosso desejo real é que este curso e sua concretização neste material possam servir para uma intervenção mais qualificada
dos diferentes atores sociais com maiores subsídios na luta por novas formas de se relacionar socialmente no que diz respeito à
cidadania e aos direitos da pessoa com deficiência.
E, por que não dizer, a busca efetiva por uma sociedade feliz, na qual todos possam viver dignamente e livres. Uma busca
difícil, mas não impossível. Como nos diz o poeta Mário Quintana:
Se as coisas são inatingíveis...ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, senão fôra
A mágica presença das estrelas!
Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Org. Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: Editora Unesp, 2001.
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar – por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.
13. 13
BLOCO TEMÁTICO I
Direitos sociais e humanos – construindo a cidadania
Construir e Consolidar a Cidadania
Elizabete Terezinha Silva Rosa
Este conciso texto tem por objetivo apresentar algumas reflexões realizadas no Bloco temático 1: “Direitos sociais e humanos
– construindo a cidadania”, do Curso de Multiplicadores dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Uma sociedade que busca consolidar suas bases democráticas necessita de mecanismos capazes de promover e garantir os
direitos de cidadania da população. A Constituição de 1988 foi um marco quanto aos fundamentos das ações públicas para
alcançar esse objetivo.
Um dos antecedentes internacionais dessa luta está datado de 10 de dezembro de 1948, quando se proclamou em São Francisco,
no estado da Califórnia – EUA, na assembléia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, no
caráter abrangente dos seus trinta artigos, objetiva não só garantir os direitos civis, mas também os direitos sociais.
Os direitos sociais são o conjunto das pretensões ou exigências das quais derivam expectativas legítimas que os cidadãos têm,
não como indivíduos isolados, uns independentes dos outros, mas como indivíduos sociais que vivem, e não podem deixar de
viver, em sociedade com outros indivíduos.
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Entende-se que o reconhecimento desses direitos sociais requer a intervenção direta do Estado, tanto que são denominados
também direitos de prestação, porque exigem que o Estado intervenha com providências adequadas.
Em 2008, comemoram-se 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Carta das Nações Unidas começa
declarando a necessidade de “salvar as futuras gerações do flagelo da guerra que por duas vezes no curso desta geração trouxe
inenarráveis aflições à humanidade”, e logo em seguida reafirma “a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no
valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, e das nações grandes e pequenas”.
No Brasil, a incorporação da Carta das Nações Unidas só foi possível com a promulgação da Constituição Federal de 1988,
portanto tivemos 40 anos de atraso. Esta Constituição assegurou os Direitos Individuais e Coletivos no Capítulo I, inserindo-
os no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. No artigo 5o, estão destacados os direitos individuais e coletivos,
merecendo especial relevo os direitos: à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, decorrendo destes todos os
demais que estão salvaguardados nos incisos I a LXXVII. O referido artigo 5o arrola os chamados direitos e deveres individuais
e coletivos. O dispositivo começa enunciando o direito de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
A Constituição assegurou os direitos sociais também no Título II, onde estão consignados os artigos 6o a 11º, quais sejam:
a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados. A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua inviolável contextura formal, premissa
indeclinável de uma construção material sólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais importante da dignidade
humana.
Construir Direitos
Ao analisar o cenário brasileiro entre os anos de 1985 e 1988, compreende-se que essa época foi decisiva para se entender o
jogo de forças do período constituinte. Compreender esse período da história do país é fundamental para entender a passagem
de vinte anos de ditadura militar para a democracia. A perpetuação de determinadas oligarquias políticas no poder, aliada ao
desenvolvimento econômico e social desigual durante os governos militares, contribuiu para influenciar o esboço de proteção
social que se pretendia construir no Brasil com a nova Constituição.
14. 14
Havia uma busca por uma nova Constituição capaz de oferecer condições concretas para a realização de um país justo,
democrático e igualitário, transformando o espaço da constituinte em um momento singular na história do Brasil.
Esse longo percurso histórico, que culminou na Constituição de 1988, estrutura o terreno para construir um novo paradigma
da assistência social, que poria fim ao uso dessa política como instrumento clientelista para construir uma política capaz de
combater a pobreza e a desigualdade; ou seja, romper com as práticas caritativas até chegar ao status de direito social garantido
constitucionalmente.
Dessa forma, a assistência social passa a se constituir um dos direitos sociais caracterizado como proteção social, e de ações
de combate à pobreza. Portanto, passou a se constituir de responsabilidade do Estado garantir a proteção social aos sujeitos de
direito.
A assistência social como política pública orienta-se pelos direitos de cidadania e não mais pela ajuda ou favor; rompe,
portanto, com práticas assistencialistas. A Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS de 1993,
afirmam que a política de assistência social é dever de Estado e direito de cidadania da população usuária. Portanto, a Política
Nacional de Assistência Social - PNAS - 2004, a Norma Operacional Básica - NOB 2005 e a construção do Sistema Único de
Assistência Social - SUAS, vêm concretizar a perspectiva de consolidação da assistência social enquanto direito, visando garantir
a proteção social ao cidadão em situação de vulnerabilidade social.
Para sua efetivação, a política de assistência social passa a ser organizada por meio de um sistema de proteção social básica
e especial. Na Proteção Social Básica o objetivo é prevenir situações de risco a partir da atenção à família, seus membros e
indivíduos mais vulneráveis, buscando potencializar e fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Trata-se da proteção
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
primordial do usuário, a suas necessidades primeiras e básicas no ciclo da vulnerabilidade social, dando conta, portanto, das
situações de pobreza, privação financeira e social, e fragilização de vínculos afetivos-relacionais.
Para a efetivação e o atendimento a esta proteção, os municípios estão estruturando os Centros de Referência de Assistência
Social – CRAS – localizados em áreas de maior vulnerabilidade social, para atendimento local dos usuários, o que tem favorecido
o atendimento direto à população e suas demandas, realizando a articulação no próprio território da rede socioassistencial local,
servindo de elo entre a população usuária da assistência social e as demais políticas sociais.
A Proteção Social Especial deve dar conta das necessidades mais complexas, atendendo as situações de risco ou de violação
dos direitos. Como, por exemplo, nos casos de maus tratos e abandono de criança e adolescente, cumprimento de medidas
sócio-educativas, e os outros definidos nas normas. Esta proteção Social se divide em Proteção Social Especial de Média
Complexidade e Proteção Social Especial de Alta Complexidade. Na primeira os vínculos familiares e comunitários não
foram desfeitos, mas um ou mais direitos foram violados. Enquanto que a Proteção Social Especial de Alta Complexidade
ocorrerá nos casos em que o vínculo familiar ou comunitário foi rompido ou encontra-se ameaçado, garantindo-se a proteção
integral.
Na V Conferência Nacional de Assistência Social – 2005, foi definido o decálogo dos direitos socioassistenciais, construído
pelas Conferências Estaduais e do Distrito Federal, que estabelece as diretrizes para que se possa compreender e buscar consolidar
esses direitos:
I - Todos os direitos de proteção social de assistência social consagrados em Lei para todos:
Direito de todos e todas, a usufruir dos direitos assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro à proteção
social não contributiva de assistência social efetivada com dignidade e respeito.
II - Direito de equidade rural-urbana na proteção social não-contributiva:
Direito, do cidadão e cidadã, de todas as cidades brasileiras, que vivem no meio rural ou urbano, a ter acesso às
proteções básica e especial da política de assistência social operadas de modo articulado para garantir completude
de atenção.
15. 15
III - Direito de equidade social e de manifestação pública:
Direito, do cidadão e da cidadã, em manifestar-se, exercer protagonismo e controle social na política de assistência
social, sem sofrer discriminações, restrições ou atitudes vexatórias derivadas do nível pessoal de instrução formal,
etnia, raça, cultura, credo, idade, gênero, limitações pessoais.
IV - Direito à igualdade do cidadão e cidadã de acesso e oportunidades na rede socioassistencial:
Direito à igualdade e completude de acesso nas atenções da rede socioassistencial, direta e conveniada, sem
discriminação ou tutela, com oportunidades para a construção da autonomia pessoal dentro das possibilidades e
limites de cada um.
V - Direito do usuário à acessibilidade, qualidade e continuidade:
Direito do usuário e usuária da rede socioassistencial, a ser ouvido e ter o usufruto de respostas dignas, claras
e elucidativas, ofertadas por serviços de ação continuada, localizados próximos à sua moradia, operados por
profissionais qualificados, capacitados e permanentes, em espaços com infra-estrutura e adequados, inclusive, para
os usuários com deficiência.
VI - Direito em ter garantida a convivência familiar e social:
Direito do usuário e usuária, em todas as etapas do ciclo da vida a ter valorizada a possibilidade de se manter
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
sob convívio familiar, que seja na família genética ou construída, e à precedência do convívio social e comunitário
às soluções institucionalizadas.
VII - Direito à intersetorialidade das políticas públicas:
Direito, do cidadão e cidadã, à melhor qualidade de vida, garantida pela articulação intersetorial da política
de assistência social com outras políticas públicas, para que alcancem moradia digna, cuidados de saúde, acesso à
educação, ao lazer, à segurança alimentar, à segurança pública; à preservação do meio ambiente, à infra-estrutura
urbana e rural, ao crédito bancário, à documentação civil e ao desenvolvimento sustentável.
VIII - Direito à renda digna:
Direito do cidadão e cidadã, à renda digna individual e familiar, assegurada através de programas e projetos
intersetoriais de inclusão produtiva, associativismo e cooperativismo, quer vivam no meio urbano ou rural.
IX - Direito ao co-financiamento da proteção social não contributiva:
Direito do usuário e usuária da rede socioassistencial a ter garantido o co-financiamento estatal-federal, estadual,
municipal - para operação integral, profissional, contínua e sistêmica da rede socioassistencial no meio urbano e
rural.
X - Direito ao controle social e defesa dos direitos socioassistenciais:
Direito do cidadão e cidadã a ser informado de forma pública, individual e coletiva: sobre as ofertas da rede
socioassistencial, seu modo de gestão e financiamento; e sobre os direitos socioassistenciais, os modos e instâncias
para defendê-los e exercer o controle social, respeitados os aspectos da individualidade humana, como a intimidade
e a privacidade. (SUAS Plano 10, p.31)
Para a concretização desses direitos é preciso ampliar a competência técnica e ética-política para, assim, estabelecer mediações
eficazes nas relações entre poder local e políticas públicas no contexto atual da descentralização do Estado brasileiro. Torna-se,
16. 16
assim, fundamental compreender os dilemas que cercam o desenvolvimento da ação governamental ao nível local, buscando
identificar a constelação de instituições, agentes e redes que executam as políticas sociais.
Nesta direção, o desafio é grande, pois se faz necessária a descentralização do próprio poder político local, por meio da
disseminação de novos espaços de decisão, a adoção de uma conduta política em que o atendimento às demandas se processe a
partir de critérios enunciados em detrimento do uso clientelístico da política local.
Cidadania ameaçada
Enquanto o movimento democrático brasileiro avança no processo de construir e consolidar a cidadania, transformações
substantivas marcam a sociedade brasileira e ameaçam a garantia dos direitos - o neoliberalismo. Em nome da racionalização,
da modernidade, vem promovendo debate na contra mão da Constituição de 1988, apresentando os direitos sociais como
“privilégios”, além de estimular a “privatização” do Estado e o sucateamento dos serviços públicos.
A incorporação do ideário neoliberal tem trazido conseqüências para a consolidação democrática, expressas no frágil
enraizamento da cidadania e das dificuldades históricas de sua universalização, além do acirramento das desigualdades sociais,
encolhimento dos direitos sociais e trabalhistas e o aprofundamento dos níveis de pobreza.
Cidadania requer participação política.
Para que haja confirmação e concretização da nova cidadania assegurada na Carta Constitucional de 1988, é fundamental a
participação da população, ou seja, a dimensão política para consolidar a cidadania está radicalmente vinculada à participação. A
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
universalização do acesso a bens e a serviços relativos a políticas e programas sociais, a ampliação e a consolidação da cidadania
requerem a participação política.
Esta participação está garantida também na Constituição Federal, que se concretiza por meio dos conselhos de gestão das
políticas públicas, prática que vem se desenvolvendo nas áreas da saúde e da assistência social, dos conselhos de direitos da criança
e do adolescente, conselhos tutelares, conselhos de educação entre outros.
Os conselhos foram instituídos nos âmbitos federal, estadual e municipal e têm significado uma importante experiência
em construção no que se refere a um novo espaço de participação nas práticas de gestão pública que buscam articular a ação
organizada e compartilhada de atores da sociedade civil e do Estado.
Dessa forma, a sociedade civil passa a penetrar na ação estatal, inserir suas demandas, interferir nos modos como as políticas
públicas são geridas e administradas e exercer o controle social sobre as decisões que lhes dizem respeito. Para tanto, esses espaços
públicos devem ser alargados para permitir a participação de novos sujeitos sociais, antes excluídos do acesso às decisões do poder
político. Mas até que ponto os Conselhos são capazes de impulsionar a construção da esfera pública como campo de alargamento
dos direitos sociais e da cidadania?
Não restam dúvidas que os Conselhos são canais importantes de participação coletiva e de criação de novas relações políticas
entre governos e cidadãos, que estão sendo construídos no âmbito dos municípios, que buscam a ampliação e o fortalecimento
do poder local. Portanto, representam uma conquista da sociedade civil. No entanto, a participação da população não está
reduzida apenas ao espaço dos conselhos. Ao contrário, o balanço das experiências tem mostrado outras possibilidades, como,
por exemplo, o orçamento participativo.
Cabe ressaltar que é preciso um investimento maior na capacitação dos conselheiros, pois a própria dinâmica da participação e da
representação nos conselhos, a heterogeneidade dos atores, a fragmentação de interesses e demandas, os interesses corporativistas,
têm dificultado consolidar esse espaço de participação.
O caminho é longo, mas a trajetória já foi iniciada. Não resta dúvida que, com a ação participativa mais qualificada, os
sujeitos sociais terão mais condições de estabelecer uma interlocução que rebaterá na ação e na deliberação sobre questões que
dizem respeito à concretização da cidadania.
17. 17
Referências bibliográficas
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BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992.
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VIEIRA, Evaldo Amaro. OS Direitos e a Política Social. São Paulo: Cortez, 2004.
18. 18
BLOCO TEMÁTICO II
Direitos da pessoa com deficiência – conhecendo a Legislação social
Breve histórico das Práticas Sociais com Relação às Pessoas com Deficiência
Fabiano Puhlmann
Quando falamos de uma sociedade inclusiva, o convívio e o respeito com as diferenças são características fundamentais.
Essas diferenças não deverão contribuir para a construção de critérios classificatórios mais ou menos valorosos ou humanos,
não justificando, dessa forma, excluir ou tratar as pessoas com deficiência em posição de desvantagens perante o restante da
comunidade (SANTOS, 1995; BOFF, 2000), assim como as mulheres, os homossexuais, os idosos, as crianças, etc.
No entanto, essa maneira de hierarquizar e organizar os grupos sociais, estabelecendo seus valores e poderes, juntando “os
iguais”, sempre esteve presente na nossa história, no reconhecimento coletivo de classes sociais, modelos de comportamento, de
prestigio econômico, de credibilidade, influência e força de mudanças. Esses padrões sociais são adotados em sintonia com traços
culturais e crenças peculiares a cada grupo social.
O “ser diferente” na história do homem e das comunidades muitas vezes foi tratado nos superlativos: nas sagas dos heróis,
daqueles considerados com dons espirituais e sobrenaturais, e do outro lado, dos endemoniados, dos doentes e loucos, das pessoas
com deficiência, por exemplo. No entanto, esses conceitos têm sido questionados e modificados na sociedade contemporânea ao
longo do tempo.
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
A linha temporal abaixo identifica as etapas e a construção das práticas sociais que envolveram, no decorrer da história, a
relação entre pessoas com e sem deficiência.
Figura 1 – Linha temporal das práticas sociais entre pessoas com e sem deficiência
Descrição da Figura 1: Quadro que demonstra a linha temporal – da Idade Antiga à Idade Contemporânea – com a divisão
das respectivas práticas sociais. A figura está organizada em três níveis: a) Período histórico; b) Principais características em
relação às pessoas com deficiência; c)Paradigmas sociais. Abaixo deste esquema há uma linha que indica movimento do “fazer
para as pessoas com deficiência” até o “fazer com as pessoas com deficiência”. Sendo assim o conteúdo do quadro pode ser
descrito da seguinte maneira:
- Período histórico: Idade Antiga (Grécia e Roma). Principais características: sociedade pautada nos valores da estética, dos
19. 19
feitos heróicos e da guerra; legitimação do abandono e da eliminação. Paradigma: eliminação e isolamento. Prática: fazer para as
pessoas com deficiência.
-Período histórico: Idade Média. Principais características: cristianismo / inquisição; abrigo por troca de indulgências; idéia
de possessão e castigo. Paradigma: isolamento e asilamento. Prática: fazer para as pessoas com deficiência.
-Período histórico: Idade Moderna (Renascimento). Principais características: idéias reformistas monitorando o desenvolvimento
das ciências; convivência da medicina, alquimia e magia. Paradigma: isolamento, asilamento e integração. Prática: fazer para as
pessoas com deficiência.
-Período histórico: Idade Moderna. Principais características: alto grau de desenvolvimento tecnológico; comunicação
globalizada; convivência com a diversidade. Paradigma: isolamento, asilamento, integração e inclusão: Prática: fazer com as
pessoas com deficiência.
Na Grécia, especialmente em Atenas e Esparta, entre os séculos V e IV a. C., havia práticas e valores sociais que privilegiavam
os cidadãos considerados vigorosos e bem dotados fisicamente. Esses seriam os representantes ideais para a prosperidade da
linhagem dessas comunidades, voltadas para a conquista de territórios e a guerra.
Em Esparta, por exemplo, havia um conselho de anciãos, que se reunia em um local conhecido como leschi (edifício, órgão
oficial etc.). Nesse local, examinavam todos os nascidos e determinavam se poderiam retornar ou não ao convívio de seus pais
para serem criados. Os bebês considerados feios, disformes e franzinos eram levados ao Apothetai (depósito) que era, na realidade,
um abismo situado na cadeia de montanhas Taygetos, de onde arremessavam esses recém-nascidos pelo penhasco (SILVA, 1986,
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
pp. 121-122).
Em Atenas, a família de um recém-nascido oferecia uma festa aos familiares e amigos (amphidromia) e o pai apresentava
solenemente seu filho nos braços para ser conhecido por todos. Após esse momento, havia um banquete. Quando a família não
organizava a amphidromia, sabia-se que o bebê não era suficientemente saudável e cabia ao pai exterminar seu filho (SILVA, 1986
p. 126).
Em Roma, o Estado abstinha-se de garantir direitos civis a recém-nascidos “monstruosos”. Atribui-se a Rômulo uma lei que
proibia a morte intencional de qualquer criança até os três anos de idade, excetuando-se apenas aquelas que nasciam mutiladas
ou se fossem consideradas “monstruosas” (SILVA, 1986 p. 128).
Com o advento da doutrina cristã, houve uma alteração significativa com relação à percepção social acerca das pessoas
com deficiência. Não mais se matava ou abandonava os bebês malformados, pois todos tinham direito à vida. O imperador
Constantino, em 315 d. C., criou uma lei refletindo os princípios cristãos da época, proibindo a morte de recém-nascidos com
deficiência, dentre outras determinações (SILVA, 1986 p. 160).
Mas, mesmo neste contexto reforçado por crenças populares e pela noção religiosa de castigo na remissão de pecados, dar
à luz uma criança com deficiência significava uma punição divina, sendo necessário o isolamento desses indivíduos para que
não se tornasse pública essa falta. Assim, muitos mosteiros, igrejas e organizações religiosas passaram a abrigar as pessoas com
deficiência em retribuição ao pagamento de indulgências e como forma de reparação espiritual.
As doenças, advindas das péssimas condições de saneamento e higiene, os comportamentos sociais promíscuos e os casamentos
consangüíneos estimulados pelas famílias proprietárias de terra e patrimônio na época, geravam deficiências e engrossavam o
numero de casos que pleiteavam a caridade, pois aqueles que não poderiam pagar as indulgências para a igreja abandonavam essas
pessoas nas ruas, que mendigavam por seu sustento.
No período do Renascimento, entre os séculos XV e XVII, ocorreu na Europa cristã uma lenta e constante mudança, com
o surgimento do denominado “espírito científico”. Inicia-se na Europa uma busca por explicações dos males físicos e psíquicos
do homem e, com isso, a evolução pelo interesse dos estudos da medicina. Buscar a explicação da ciência pelos males físicos e
psíquicos da humanidade faz progredir a institucionalização e segregação das doenças consideradas incuráveis e contagiosas,
assim como com aqueles que manifestavam comportamentos não aceitáveis do ponto de vista social e dos bons costumes,
20. 20
funcionando também como um mecanismo de preservação da comunidade considerável saudável e virtuosa.
Ainda no século XVI, surgem as primeiras instituições, na Europa, que cuidavam, abrigavam e ofereciam estudo aos pobres,
doentes e pessoas com deficiências. Um exemplo dessas iniciativas é a do Padre Vicente de Paulo, que criou em 1634 uma
instituição de abrigo e assistência com esses objetivos.
Outro marco importante de mudança foi a invenção da cadeira de rodas, construída no século XVII (1655) pelo alemão
Stephen Farfier, fruto da percepção da necessidade de se criar mecanismos que possibilitasse a reabilitação e a integração das
pessoas com deficiência, ou mobilidade reduzida, com qualidade de vida. No século XVIII, na Inglaterra, surge um forte
movimento de renovação e criação de hospitais e instituições mais preparadas e adequadas ao atendimento a pessoas doentes e
com deficiência. Um exemplo foi o Hospital Saint Luke.
Também nesta época, a medicina passou a ser entendida nas suas especialidades, surgindo assim os relatos médicos e as
propedêuticas direcionadas ao tratamento das deficiências e das doenças mentais. Nesse contexto da deficiência, por exemplo,
surge o Instituto Nacional dos Jovens Cegos, em Paris, fundado por Valentin Haüy, em 1784; os trabalhos de Diderot de
John Conrad Amman e de Charles Michel Epée, que fundou em Paris uma escola de educação para surdos, e tantos outros.
Nessa linha, até o final do sec. XIX, a medicina progride no âmbito da fisiologia e da anatomia, confirmando e descobrindo
particularidades do funcionamento e do comportamento humanos, contribuindo assim para a construção de novas abordagens
em outras áreas do conhecimento como a psicologia, a sociologia e a filosofia, que complementam e tentam explicar, com visão
holística e contextualizada, o homem e suas relações com o ambiente, a sociedade e seus pares.
Finalmente, na Idade Contemporânea, com o advento das grandes guerras e o retorno dos veteranos para seus lares como heróis
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
sobreviventes, se faz necessário organizar grandes centros de reabilitação para possibilitar o cuidado e a integração social dessas
pessoas. Por outro lado, o forte movimento pela democratização de grande parte dos países do mundo, valorizando os direitos
humanos, com direitos iguais de participação e exercício de cidadania a todas as pessoas, independente das suas características
pessoais e condição social, explicitados na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, traz paulatinamente o resgate
das pessoas com deficiência neste movimento. O processo de inclusão social torna-se um objetivo fundamental que contribui
para desconstruir a visão assistencialista e de fragilidade que a sociedade adotou como forma de interação com essa população.
É importante ressaltar, no gráfico apresentado anteriormente, que, nesse movimento histórico do diálogo da deficiência e da
inclusão, no qual inicialmente a construção fica distante e pautada na idéia da doença, do abrigamento e da exclusão, podemos
notar uma evolução paulatina que propõe segregar menos para integrar, reforçando a princípio a aproximação dos padrões de
“normalização” e, posteriormente, a possibilidade de reconstrução do conceito de integração para se falar em inclusão, respeitando
as singularidades como valores e traços constituintes de todas as pessoas.
Santos (op. cit., p. 02) define os dois sistemas – de desigualdade e de exclusão – da seguinte forma:
A desigualdade e a exclusão são dois sistemas de pertença hierarquizada. A desigualdade implica um sistema hierárquico
de integração social. Quem está em baixo está dentro e a sua presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num
sistema igualmente hierárquico, mas dominado pelo princípio da exclusão: pertence-se pela forma como se é excluído. Quem
está em baixo, está fora. Estes dois sistemas de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois que, na prática,
os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois sistemas em combinações complexas.
Como o próprio autor afirma na citação acima, os dois sistemas são hierárquicos e existem simultaneamente nas sociedades.
É relevante notar que, no Brasil, houve uma alteração significativa em relação às práticas de atendimento da população com
deficiência que, inicialmente, restringiam seu protagonismo e autonomia nas tomadas de decisão sobre seu próprio futuro.
Assistidas no inicio da história da educação especial brasileira por instituições especializadas influenciadas por experiências e
modelos europeus e americanos, hoje há uma prática recorrente, e cada vez mais consciente, de deixar de “fazer para” e passar a
“fazer com” elas.
As conquistas de participação das pessoas com deficiência na sociedade brasileira são frutos dos movimentos sociais organizados
e da evolução do marco legal do país que favorece a plena participação de todos os cidadãos na vida comunitária.
21. 21
Organizando para conhecermos a nossa legislação, por ordem cronológica, temos a possibilidade de, por meio da disseminação
da informação, desempenhar nosso papel transformador e multiplicador de conceitos a favor da inclusão social das pessoas com
deficiência.
Colocamos, portanto, a seguir os principais referenciais nacionais e internacionais para posterior consulta e uso do leitor:
Declaração Universal dos Direitos Humanos - ONU
Data: 10 de dezembro de 1948
http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes - ONU
Data: 09 de dezembro de 1975
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec_def.pdf
Declaração de Jomtien – Declaração Mundial sobre Educação para Todos
Data: 09 de março de 1990
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
http://www.unesco.org/education/efa/ed_for_all/background/world_conference_jomtien.shtml (documento em inglês)
Declaração de Salamanca - Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais
Data: 10 de junho de 1994
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf
Programa Nacional de Direitos Humanos
Data: 13 de maio de 1996
http://www.justica.sp.gov.br/pedh/pdf/pndh1.pdf
Lei nº 9.394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Data: 20 de dezembro de 1996
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf
Decreto nº 3.956 - Declaração de Guatemala – Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência
Data: 8 de outubro de 2001
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf
22. 22
Decreto nº 4.229 Programa Nacional de Direitos Humanos II
Data: 13 de maio de 2002,
http://www.mj.gov.br/sedh/pndh/pndhII/Texto%20Integral%20PNDH%20II.pdf
Portaria 66 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH
Data: 12 de maio de 2003
www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/edh_livro/
Decreto nº 5.598 - Lei do Aprendiz
Data: 01 de dezembro de 2005
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5598.htm
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU
Data: 13 de dezembro de 2006 (Aprovado pela ONU); 30 de março de 2007 (Assinado pelo Brasil); 01 de agosto de 2008
(Ratificado pelo Brasil)
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http://www.un.org/disabilities/default.asp?navid=12&pid=150
Decreto nº 6.214 - Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com
deficiência e ao idoso
Data: 26 de setembro de 2007
http://www.mds.gov.br/concursos/pss-2008/6214.html
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
Data: 07 de janeiro de 2008
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf
Lei nº 11.788 - Lei de Estágio
Data: 25 de setembro de 2008
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm
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de aula. 1994. 97f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1994.
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
24. 24
A ONU e o seu conceito revolucionário de pessoa com deficiência
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca
Motivos
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Organização das Nações Unidas vem aperfeiçoando, por
meio de seus tratados internacionais, o processo de edificação dos Direitos Humanos, o qual se universalizou a partir da primeira
metade do século XX, para fazer frente aos abusos ocorridos no período das Guerras Mundiais e aos que foram cometidos
posteriormente até os nossos dias. Não é por outra razão que, a partir do enunciado constante do art. 1º daquela Declaração
Universal, no sentido de que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. (...)”, a própria Organização
Internacional editou as sete primeiras convenções internacionais, agora complementadas pela supra-mencionada.
São, assim, as seguintes: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre a
Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias.
Como se vê, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência insere-se num processo de construção do conjunto
dos direitos humanos, os quais foram sistematizados a partir do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966, que elencaram os direitos individuais básicos e os direitos
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
sociais. Posteriormente, esta construção voltou-se a grupos vulneráveis, a saber: minorias raciais, mulheres, pessoas submetidas
a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, crianças, migrantes e, finalmente, pessoas com
deficiência. Observa-se, destarte, conforme expresso no próprio preâmbulo da última Convenção Internacional, que a atenção
aos grupos vulneráveis visa dar eficácia aos direitos humanos de forma a fazê-los unos, indivisíveis e interdependentes, de vez que
as liberdades individuais e os direitos sociais fazem parte de uma sistematização monolítica e reciprocamente alimentada.
A dedicação conferida aos grupos vulneráveis faz-se necessária para que aqueles direitos universais de natureza individual e
social encontrem instrumentos jurídicos hábeis a torná-los eficazes. Logo, cada convenção internacional, assim como a presente,
implica uma retomada de todas aquelas liberdades individuais e daqueles direitos sociais por intermédio de princípios jurídicos
especificamente aplicáveis a cada grupo vulnerável. Defender as minorias significa, portanto, preservar os Direitos Humanos de
todos, para que a maioria democrática não se faça opressiva e possa legitimar-se pela incorporação das demandas de cada grupo
humano, preservando-se a idéia de igualdade real a ser assegurada pelo Direito.
Para tanto, a presente Convenção contém 30 artigos que contemplam direitos humanos universais, devidamente
instrumentalizados para atender à necessidade do segmento das pessoas com deficiência, sem os quais os direitos em questão
não se lhes beneficiam. Trata-se de assegurar-lhes, assim, direitos humanos básicos, como de livre expressão, de ir e vir, de
acessibilidade, de participação política, de respeito a sua intimidade e dignidade pessoal, bem como aqueles de índole social,
como direito à saúde, ao trabalho e ao emprego, à educação, à cultura, ao lazer, aos esportes, à moradia etc.
Além do mais, o próprio conceito de pessoa com deficiência incorporado pela Convenção, a partir da participação direta
de pessoas com deficiência levadas por Organizações Não-Governamentais de todo o mundo, carrega forte relevância jurídica
porque incorpora, na tipificação das deficiências, além dos aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social
e cultural em que o cidadão com deficiência está inserido, vendo nestas o principal fator de cerceamento dos direitos humanos
que lhe são inerentes.
O Brasil participou de todo o processo de elaboração da Convenção, que se deu em tempo recorde – cerca de 5 anos -, e já
a subscreveu, o que reforça a imperiosa necessidade de ratificação do Tratado, mas ela deve se dar sob a égide do parágrafo 3º,
do art. 5º, da Constituição Federal. É que, embora nosso país apresente amplo rol de Leis e Decretos Regulamentares em favor
das pessoas com deficiência, estes não gozam de eficácia plena, seja porque muitos direitos encontram-se em Decretos sem força
de cogência, em razão da inexistência de normas que imponham sanções aos transgressores, seja porque a grande proliferação
de Leis e Decretos se dá de forma desordenada e assistemática, dificultando, ao aplicador, a apreensão e a correta aplicação dos
25. 25
dispositivos.
O fato da Convenção ter sido aprovada com força de norma constitucional, em 01 de agosto de 2008, a torna ainda mais
imperiosa, uma vez que as pessoas com deficiência representam um grupo composto por vinte e quatro milhões e quinhentas
mil pessoas, segundo o último censo ocorrido em 2000, grupo este que é transversal às questões sociais, de gênero, de raça ou
qualquer outro fator de discrímen, que todavia se agrava em razão da deficiência e do longo abismo cultural que vem isolando
as pessoas com deficiência há séculos. Assinale-se que, em torno das pessoas com deficiência, há seus familiares e cônjuges, os
quais, por vezes, suportam ônus que não deveriam, justamente em razão da precariedade de acesso aos direitos que caracteriza o
grupo em comento.
Pode-se afirmar, assim, que a Convenção atingirá diretamente cerca de cem milhões de pessoas no Brasil e, indiretamente,
toda a população, considerando-se a notória elevação da expectativa de vida e as questões inerentes aos idosos, que guardam
estreita relação com os direitos nela assegurados.
Nesse estudo, analisar-se-ão as principais inovações da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e os efeitos
que poderão advir da ratificação pelo Brasil, ocorrida em agosto de 2008, como já citado anteriormente.
Breves comentários acerca da convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência
Preâmbulo
O preâmbulo do referido instrumento internacional espelha em 25 itens as preocupações levantadas linhas anteriores, acerca
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
da inteireza, inter-dependência e universalidade dos direitos humanos e do acesso a estes em relação ao grupo referido. Alguns
tópicos, porém, merecem destaque porque demonstram a fundamentação político-jurídica a lastrear as normas que se sucedem.
São os seguintes:
Nos itens iniciais realça-se a idéia de preservação do conjunto dos direitos humanos e de sua interdependência. Na letra “e”,
contudo, a Organização Internacional enfoca a justificativa do conceito de pessoa com deficiência contido no art. 1 das normas,
reconhecendo que se trata de um conceito em evolução, o qual deve conter os aspectos clínicos e funcionais das deficiências e que
estas resultam da interação entre aqueles e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem a plena e efetiva participação das
pessoas com deficiência na sociedade, em igualdade de oportunidades com as demais.
No item “k”, os representantes dos Estados membros reconhecem a notória ineficácia dos institutos jurídicos e das políticas
públicas universais no que concerne à garantia de fruição dos direitos humanos pelos cidadãos com deficiência. Por outro lado,
reafirmam no item “m” que as pessoas com deficiência podem contribuir socialmente de forma decisiva para o bem-estar comum
e a diversidade de suas comunidades, e que a promoção de seus direitos humanos trará significativo avanço do desenvolvimento
humano, social e econômico das sociedades, bem como da erradicação da pobreza, que, aliás, caracteriza profundamente este
grupo de pessoas, conforme também explicitado no item “t” do preâmbulo.
Outra diretriz relevante da Convenção em apreço é, de acordo com o que se lê no item “w” do preâmbulo, a idéia de promoção
da pessoa com deficiência a partir de suas capacidades, como sujeito de direitos, deveres e obrigações, qual todos os cidadãos,
fazendo jus, entretanto, a medidas que lhe possibilitem equiparar-se aos outros. No item “x”, a justificativa preambular volta-se ao
reconhecimento dos direitos inerentes à constituição e à proteção da família da pessoa com deficiência. Finalmente, no item “y”, o
preâmbulo se encerra com a seguinte diretriz: “Convencidos de que uma convenção internacional geral e integral para promover
e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência prestará uma significativa contribuição para corrigir as profundas
desvantagens sociais das pessoas com deficiência e para promover sua participação na vida econômica, social e cultural, em
igualdade de oportunidades, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento”.
Monitoramento
Nos artigos 31 a 50, a Convenção estabelece os mecanismos administrativos para sua implantação, para o acompanhamento
e o monitoramento dos resultados pelos Estados Membros, que instituíram mecanismos recíprocos e coletivos para tanto: Artigo
31 - Estatísticas e coleta de dados; Artigo 32 - Cooperação internacional; Artigo 33 - Implementação e monitoramento nacionais;
26. 26
Artigo 34 - Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; Artigo 35 - Relatórios dos Estados Partes; Artigo 36 -
Consideração dos relatórios; Artigo 37 - Cooperação entre os Estados Partes e o Comitê; Artigo 38 - Relações do Comitê com
outros órgãos; Artigo 39 - Relatório do Comitê; Artigo 40 - Conferência dos Estados Partes; Artigo 41 – Depositário; Artigo
42 – Assinatura; Artigo 43 - Consentimento em comprometer-se; Artigo 44 - Organizações de integração regional; Artigo 45 -
Entrada em vigor; Artigo 46 – Restrições; Artigo 47 – Emendas; Artigo 48 – Denúncia; Artigo 49 - Formatos acessíveis; Artigo
50 - Textos autênticos.
Depura-se da leitura dos dispositivos em questão que esta Convenção inovou em muitos aspectos ao estabelecer a criação de
um comitê de monitoramento que se comporá, inicialmente de 12 peritos indicados pela Organização quando da entrada em
vigência do Tratado, o que ocorrerá a partir do depósito da 20ª ratificação empreendida entre os Estados Partes. Ao se darem 60
ratificações, o comitê será acrescido de seis membros, de ilibada reputação e notório conhecimento sobre a matéria, totalizando
18, cujas atribuições de receber denúncia conforme protocolo de adesão voluntária a seguir comentado e dar andamento àquelas
para a verificação da eficácia das normas convencionais nos Estados Partes.
Houve, após intensa negociação, a formulação de um protocolo facultativo à dita Convenção. Decidiu-se adotá-lo porque o
protocolo em tela também é um avanço sobre os métodos de monitoramento tradicionalmente operacionalizados pela ONU,
conforme se verificará, mas a sua implementação foi, por isso mesmo, objeto de dúvida por parte de alguns diplomatas. Sendo
assim, as medidas nele contidas foram extraídas do corpo da Convenção, cuja aprovação se deu por consenso e fixou-se a
possibilidade de que os mecanismos fiscalizatórios do protocolo fossem incorporados apenas por aqueles que não fizessem
restrições.
O Brasil subscreveu o protocolo que reconhece a competência do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
para receber e considerar comunicações submetidas por indivíduos ou grupos de pessoas sujeitos à sua jurisdição, em caso
de transgressões das normas convencionais pelos Estados-Partes. O referido protocolo desenvolve também os mecanismos de
investigação das denúncias, prevendo, inclusive, caso se justifique e o Estado Parte consinta, a possibilidade de visita ao território
investigado. Apurada a denúncia, o Comitê deverá comunicar as conclusões ao Estado Parte investigado, acompanhadas de
comentários e recomendações.
Normas
O artigo 1 que se refere ao Propósito da Convenção está assim redigido: “O propósito da presente Convenção é o de promover,
proteger e assegurar o desfrute pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as
pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade”. Dessa forma, o artigo 1 sintetiza a preocupação de se
garantir a eficácia dos direitos humanos em todos os seus matizes para que as pessoas com deficiência desenvolvam-se plenamente
como cidadãos, superando a notória exclusão decorrente de aspectos culturais, tecnológicos e sociais que as tolhem.
Isso se corrobora justamente no conceito de pessoa com deficiência que também se inseriu no dispositivo em questão, assim
delineado: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.” Esse
conceito, conforme já se disse, está motivado pelo que se fixara no item “e” do preâmbulo, que reconhece: “que a deficiência é um
conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais
que impedem sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
Advirta-se, ainda, que o artigo 3 a seguir comentado, entre os princípios que enumera, veicula a idéia de que a deficiência deve
ser tida como algo inerente à diversidade humana como notoriamente se conhece e traduz-se nas peculiaridades de raça, gênero,
orientação sexual, religiosa, política, ideológica, na condição familiar, étnica, de origem etc.. Defende-se, destarte, a idéia de que
os “impedimentos” pessoais de caráter físico, mental, intelectual ou sensorial revelam-se como atributos pessoais, que, todavia,
são fatores de restrição de acesso aos direitos, não pelos efeitos que tais impedimentos produzem em si mesmos mas, sobretudo,
em conseqüência das barreiras sociais e atitudinais.
O conceito é revolucionário, porque defendido pelos oitocentos representantes das Organizações Não-Governamentais
presentes nos debates, os quais visavam a superação da conceituação clínica das deficiências (as legislações anteriores limitam-se a
apontar a deficiência como uma incapacidade física, mental ou sensorial). A intenção acatada pelo corpo diplomático dos Estados