O documento descreve a história e tipos de bonecas tradicionais portuguesas feitas de materiais naturais, incluindo bonecas do Egito Antigo, Grécia Antiga, Alemanha, Holanda e várias regiões de Portugal como os Açores, Constância, Monsanto e Fundão. Detalha os materiais e técnicas usadas para fazer diferentes bonecas tradicionais portuguesas ao longo dos séculos.
2. Na pré-história
Segundo os autores da Enciclopédia Luso-Brasileira Volume III, não se sabe
precisar ao certo a origem nem o período em que surgiram as primeiras
bonecas, porém, crê-se que já na Pré-história fossem usadas matérias
perecíveis para fazer bonecas, contudo, não existe nenhum vestígio que tenha
chegado aos nossos dias que comprove efectivamente a sua existência neste
período.
Vênus de Willendorf
3. Em túmulos de crianças do Antigo Egipto, datáveis do período situado entre
3000 e 2000 a.C., foram encontradas bonecas de madeira com uma forma
que se assemelha a uma espátula, possuindo uma cabeleira farta, sendo os
cabelos feitos de fios de cabelo, provavelmente banhados em argila. Também
se conhecem bonecas mais sofisticadas, com braços e pernas articuladas e
com roupas.
Egipto
4. Na Grécia Antiga, fazia parte dos rituais que antecediam o
casamento a entrega por parte da noiva das suas bonecas e
de outros brinquedos à deusa Ártemis, simbolizando o fim
da infância.
Grécia
5. A criação de bonecas com objectivos comerciais estruturou-se na Alemanha
do século XV.
No século XVII, apareceram na Holanda bonecas com olhos de vidro e
bonecas com perucas feitas de cabelo humano.
No inicio do século XX, surgiram as primeiras bonecas que diziam orações.
6. Bonecas Tradicionais Portuguesas
As bonecas artesanais ainda hoje são construídas com base nos processos antigos,
sendo muitas vezes criadas através do aproveitamento e transformação de recursos
naturais e de objectos do quotidiano.
Para além de servirem de brinquedo, muitas das bonecas tradicionais têm um teor
simbólico e místico.
Boneca de folhas de árvore e bolota Boneca de grão de bico, palito e tecido
7. Marafona
A palavra marafona de origem árabe quer dizer mulher enganadora.
No caso das bonecas de Monsanto, são utilizadas para celebrar a fertilidade e a
felicidade conjugal.
No dia 3 de Maio, os habitantes de Monsanto, sobem ao castelo evocando “A lenda do
Cerco”.
Associada a esta tradição, existe também o ritual das raparigas casadoiras levarem
marafonas e fazerem-nas bailar ao som de adufes igualmente tocados por mulheres.
Depois da festa as bonecas são colocadas em cima da cama onde têm o poder de livrar
a casa das tempestades de trovoada e de mau-olhado.
8. Em Monsanto existe poesia popular
relativa a estas bonecas:
Dança, dança marafona
nas mãos de quem te dá voltas
ao som dum belo adufe
tu ficas sempre de costas
(Maria Rosette Felino de Almeida)
Marafonas na poesia popular
9. A marafona simboliza a fertilidade, e por isso é colocada
por baixo da cama na noite de núpcias, em jeito de ritual
para trazer fertilidade e felicidade ao casal (como não têm
olhos, orelhas, boca, nada vêem, nada ouvem e nada
podem contar sobre a noite de núpcias do casal)
Simbolismo das Marafonas
11. As Bonecas de Constância, ou Bonecas das pernas de cana,
foram o ganha-pão das mulheres de pescadores que,
enquanto os homens embarcavam nas águas do Tejo, ficavam
em casa a cuidar dos filhos, aproveitando nessa circunstância
os restos de tecidos para fazerem bonecas que depois
vendiam.
.
Bonecas de Constância
12. As bonecas de Constância existem apenas em versão
feminina, representando diferentes estratos da
sociedade do século XIX. Senhoras, amas com bebés,
noivas e saloias são confeccionadas com um molde
comum, variando somente o trajar que ainda hoje se
mantém claramente oitocentista
Os adornos dependem do tipo de boneca. As camponesas levam
um lenço à cabeça e as damas usam chapéu. Há também a
boneca que carrega à cabeça um cesto de vime, um cântaro com
água, um molho de lenha ou a trouxa da roupa para lavar no rio.
13. Na elaboração destas bonecas são
utilizados os seguintes materiais:
tecido para a cabeça, tronco e vestuário;
cartão para os braços;
caninhas envolvidas em tiras de meia de
seda para as pernas.
Lã preta para os cabelos
Algodão para o enchimento
Materiais usados nas Bonecas de Constância
14. “As pernas da boneca são feitas de cana e enroladas em nastro ,é usada uma fita
estreita de algodão, que substitui as meias. As canas são colhidas nos canaviais perto
dos rios.
Na cabeça, forrada em tecido, é aplicado o cabelo da boneca, que não é mais que lã
preta de ovelha. “Quando não temos lã preta tingimos a lã de castanho. Os cabelos
brancos não têm muita procura”, explica. A cabeça é montada sobre as canas que
sustêm o corpo da boneca.
O enchimento com algodão dá volume ao “corpinho” da boneca. Os braços são
desenhados em cartolina branca. Os olhos, o nariz e a boca são bordados e as faces
rosadas com lápis vermelho. Antigamente eram tingidas com flores.”
Excerto de entrevista à famosa artesã de Constância ,Palmira Governo
Publicação no Semanário Regional “O Mirante” em 1 de Maio de 2003
Como se faz uma boneca de Constância
15. Bonecos em
Madeira de amieiro
Os Bonecos em madeira de amieiro são talhados em madeira e depois
vestidos com réplicas de trajes regionais (por exemplo as palhoças ou a
capucha em burel). Para enriquecer o boneco, constroem-se ainda miniaturas
de utensílios tradicionais (por exemplo bilhas, rocas, fusos, cestas), é comum
encontrar-se bonecas que representam uma mulher a fiar ou com a cesta da
merenda à cabeça.
16. As bonecas de folhelho são tradicionais dos Açores. A matéria-prima utilizada é o
folhelho proveniente da palha do milho. As bonecas de folhelho nascem a partir de
uma estrutura interior em arame, sendo a cabeça de bagulho, e os vestidos de
folhelho e cabelos de barbas de milho.
Bonecas de Folhelho
17. São produzidos diversos modelos, representando as mulheres agricultoras
(ceifeiras, "vindimeiras), padeiras, noivas, damas, etc.
Inicialmente serviam de brinquedo a crianças pouco abastadas, contudo
estas bonecas foram progressivamente assumindo formas mais perfeitas,
com mais pormenores, feitos com o auxílio da tesoura, cola, agulha
sendo tingidas Neste momento a sua função é meramente decorativa.
18. Características da ilha do Pico, são feita de tecido com enchimento de aparas de
criptoméria ou cedro (árvores escolhidas pelo seu odor característico), a labrega
do mato nasceu de uma lenda segundo a qual as labregas, na noite de 1 para 2 de
Fevereiro, saíam à rua e faziam sons estranhos e assustadores durante toda a noite,
silenciando-se apenas no dia 24 de Março. Durante a noite de 1 para 2 de
Fevereiro as pessoas não saiam de casa, rezavam a ‘reza grande’, isto é, 100 ave-
marias para poderem ficar tranquilas durante o resto do ano.
Bonecas Labrega do Mato
19. Bonecas de Juta
As Bonecas de juta são na sua maioria figuras femininas, inspiradas na vida da
aldeia de Martinlongo, de tal forma que delas dizem as artesãs da Oficina
Artesanal – Flor de Agulha, que são "bonecos que contam vidas".
20. Feitas de juta, mais conhecida por serapilheira, à excepção do esqueleto
feito em arame, estas bonecas reproduzem em pormenor elementos do
corpo e do modo de vestir das pessoas que lhes deram o nome. Exemplo:
a Ti Zefa da Lenha é retratada com bengala e o corpo ligeiramente
inclinado para a frente.
21. Todas as bonecas têm a fazer de pé um apanhado na bainha do
vestido, que lhes dá o dinamismo do movimento, e a cabeça é
adornada com chapéus, lenços ou cabeços, sempre em fio de juta,
apanhados em puxo. Muitas das bonecas empunham utensílios
agrícolas ou domésticos que ajudam a identificar as actividades
que representam.
23. Açores – Ilha de São Miguel
Objecto: Boneca
Função: Lúdica/ Decorativa
Materiais: Tecidos vários; fio de metal
Dimensão: 29 cm
Ano: 2009
Artesã: Maria Luísa, 88 anos
24. Maria Luísa é natural da ilha de São Miguel
nos Açores, tem 88 anos e faz as suas bonecas
para ocupar o tempo livre.
As bonecas são feitas com restos de tecido e
com reutilização de peças de roupa que já não
usa.
Maria Luísa opta por não vender as bonecas,
preferindo oferece-las.
Em média cada boneca demora 10 horas a ser
feita. Num ano, Maria Luísa faz entre 20 a 30
bonecas.
25. Objecto: Boneca
Função: Lúdica/ Decorativa
Materiais: Tecidos; lã; malhas
Dimensão: 25 cm
Ano: 2009
Artesã: Maria do Céu, 84 anos
Localidade: Sertã
Sertã
26. Objecto: Boneca
Função: Lúdica/ Decorativa
Materiais: Tecidos; lã; malhas
Dimensão:21cm
Ano: 2009
Artesã: Maria do Céu, 84 anos
Localidade: Sertã
27. Maria do Céu tem 84 anos, reside na Sertã é de volta dos animais, da
pequena horta, das linhas e das agulhas que passa o seu tempo.
Gosta de fazer renda e bordar, mas é com as bonecas que faz, que
relembra os tempo de infância.
Nascida numa época em que o dinheiro era escasso, desde cedo
aprendeu a fazer os seus próprios brinquedos.
28. Objecto: Boneca
Função: Lúdica/ Decorativa
Materiais: Tecidos; lã; malhas
Dimensão: 30cm
Ano: 2009
Artesã: Maria da Conceição
Localidade: Sertã
31. Objecto: Boneca
Função: Lúdica/ Decorativa
Materiais: Pano-cru, retalhos de tecido de
algodão, lã, botões e cotão grosso
(desperdício de fabricas de lanifícios)
Dimensão: 35 cm
Ano: 1990
Artesã: Zita Pires
Localidade: S. Martinho - Fundão
S.Martinho - Fundão
32. Objecto: Boneco
Função: Lúdica/ Decorativa
Materiais: Pano-cru, retalhos de tecido de algodão,
trapilho, botões e material de encher almofadas
Dimensão: 45 cm
Ano: 2009
Artesã: Zita Pires
Localidade: S. Martinho - Fundão
33. Entrevista à Artesã Zita Pires
S. Martinho – Fundão
Zita Pires tem 55 anos e actualmente nora em S. Martinho uma anexa da
Barroca Grande, concelho do Fundão. Já viveu em vários países e
adquiriu destas vivências algumas influências para a sua actividade,
procurando sempre evoluir na sua arte. Sente bastante dificuldade na
comercialização e escoamento dos produtos que faz, mas tem muita
esperança que o surgir de uma cooperativa de artesãos no Fundão
resolva esta dificuldade e assim poder passar a dedicar-se
exclusivamente à sua paixão.
34. A animação cultural tem um papel importante na divulgação da identidade de
cada região.
A função de um animador Cultural, na preservação do património cultural, é o
de potenciar os produtos endógenos presentes nas diversas áreas do artesanato
através de recolha, divulgação e dinamização de eventos, para a transmissão de
saberes às gerações vindouras.
Promove a articulação entre as forças vivas de cada concelho (escolas,
associações,…) de modo a evitar que caiam no esquecimento, e gerando uma
fonte de rendimento a quem se dedica a este tipo de actividade.
35. Numa era da globalização, o artesanato, a etnografia, e
gastronomia, representa a identidade cultural de um povo, que em
constante evolução, tende a constituir-se cada vez mais como uma
mais-valia, em termos daqueles que o fazem, mas também para as
gerações futuras, pois não pode correr-se o risco de todos os anos ver
desaparecer a nossa riqueza que são as tradições e costumes de cada
concelho .
Assim a função de um animador tem como objectivos:
- Promover, preservar e comercializar os produtos endógenos;
- Eliminar as assimetrias;
- Revitalizar o Património Cultural de cada Concelho;
- Gerar/Criar novas oportunidades de negócios para o
escoamento dos produtos endógenos .
Permitindo assim criar novas redes de comercialização e
divulgação, captação de novos investimentos e, consequentemente, ser
geradora de mais riqueza para o Concelho.
36. Conclusão
Com este trabalho, verificamos que existe dentro desta temática uma
grande diversidade de bonecas.
De Norte a Sul do País são visíveis as influências dos recursos naturais
de cada região, no entanto cada artesão dá um cunho pessoal ao seu
trabalho, o que leva a que, dentro da mesma localidade existam
diferenças significativas no resultado final.
Este trabalho permitiu que ficássemos a conhecer um pouco melhor os
tesouros da nossa cultura tradicional.
Esta pesquisa consciencializou-nos da dificuldade e morosidade destes
trabalhos, bem como dos entraves colocados aos artesãos que trabalham
individualmente.
37. As ideias, sentimentos e emoções de um artista, presidem a todo o
processo de criação, condicionam a motivação, a representação da ideia
inicial e o desenvolvimento do processo. São factores da expressão e
caracterizam a obra.
O meio ambiente onde se desenvolvem as actividades humanas é cada
vez mais dominado por uma série de objectos e produtos criados pelo
Homem. Podendo ou não cumprir a totalidade das fases enumeradas
anteriormente, como é o caso dos produtos artesanais.
As relações dos homens com o meio social são cada vez mais, feitas
através de objectos e produtos. Neste contexto os objectos são realmente
sistemas de comunicação constituídos por sinais de uso (forma /função) e
sinais comunicacionais entre grupos sociais (valores simbólicos).
Nesta perspectiva o objecto não é consumido pelo seu valor de uso, mas
sim, pelo seu prestígio ou seja, pelo valor social que lhe é atribuído.