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Miguel Mahfoud (org)
DanielMarinhoDrummond
JulianaMendanhaBrandão
John Keith Wood
Raquel Wrona Rosenthal
Roberta Oliveira e Silva
Vera Engler Cury
Walter Cautella Junior
PlantãoPsicológico:
novoshorizontes
Todos os direitos desta edição estão reservados à
EDITORA C.I. LTDA.
Rua Florinéia, 38 – Água Fria
02334-050 – São Paulo – SP
Tele/fax: 11 6950-4683
LaPS – Laboratório de Psicologia Social/UFMG
© 1999 by Miguel Mahfoud
1ª edição, outubro de 1999
Revisão Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
Capa e Diagramação
Na capa
Juliana de Souza Vaz
Paul Klee, Caminho Principal e Caminhos
Secundários (1929) Coleção C. e A.
Vowinckel
Edição do CD-ROM
Apoio técnico
Daniel Marinho Drummond
SUMÁRIO
Autores ......................................................................................................... 5
Prefácio......................................................................................................... 7
Introdução ................................................................................................. 11
Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes
Sapientiae: uma proposta de atendimento
aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal............................................................... 15
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
Miguel Mahfoud............................................................................ 29
Plantão Psicológico na escola: presença que
mobiliza
Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e
Silva .................................................................................................. 49
Pesquisar processos para aprender experiências:
Plantão Psicológico à prova
Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e
Silva .................................................................................................. 81
Plantão Psicológico em Hospital Psiquiátrico:
Novas Considerações e desenvolvimento
Walter Cautella Junior.................................................................... 97
Plantão Psicológico em Clínica-Escola
Vera Engler Cury ......................................................................... 115
Psicólogos de plantão...
Vera Engler Cury ......................................................................... 135
5
AUTORES
Autores
Daniel Marinho Drummond é psicólogo, mestrando
no Programa de Pós-Gradução em Psicologia
da Universidade Federal de Minas Gerais.
John Keith Wood Ph.D. em Psicologia pelo The Union
Institute (E.U.A.), foi professor na California State
University em San Diego (E.U.A.) onde
também fez plantão psicológico no Hospital e
no Centro de Aconselhamento, e, no Brasil, foi
professor no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Clínica da PUC-Campinas. Amigo
íntimo e colaborador direto de Carl Rogers por
quinze anos desenvolvendo uma Psicologia de
grandes grupos e vários projetos internacionais.
Juliana Mendanha Brandão é psicóloga pela
Universidade Federal de Minas Gerais, pós-
graduanda em Psicopedagogia pelo Centro
Universitário de Belo Horizonte.
6
Plantão Psicológico: novos horizontes
Miguel Mahfoudé professor adjunto do Departamento
de Psicologia da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de
Minas Gerais, Doutor em Psicologia pela
Universidade de São Paulo.
Raquel Wrona Rosenthal é psicóloga pela PUC-SP,
com Especialização em Aconselhamento
Psicológico pela Universidade de São Paulo e
Curso de Estudos Avançados da Abordagem
Centrada na Pessoa (Rosenberg/Wood).
Coordenadora do Curso de Especialização em
Abordagem Centrada na Pessoa promovido
pelo Centro de Psicologia da Pessoa em São
Paulo. Psicoterapeuta e facilitadora de grupos.
Roberta Oliveira e Silva é psicóloga pela Universidade
Federal de Minas Gerais.
Vera Engler Cury é professora do Instituto de
Psicologia e Fonoaudiologia da PUC-
Campinas, Coordenadora do Departamento de
Psicologia Clínica, Doutora em Psicologia pela
PUC-Campinas.
Walter Cautella Junior é psicólogo, mestrando pelo
Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, Chefe do Departamento de Psicologia e
Psicoterapia da Casa de Saúde Nossa Senhora
de Fátima, Coordenador e supervisor do
programa de estágios em psicologia institucional
e Presidente do Centro de Estudos daquela
mesma instituição.
7
Prefácio
PREFÁCIO
Este livro traz boas novas.
Primeiramente, apresenta evidências de que o
Plantão Psicológico é um serviço viável para atender
adolescentes, estudantes universitários e outros
membros da comunidade, abastados ou não.
O contato com esse serviço ajuda as pessoas
a lidarem efetivamente com os predicamentos da
vida, não os tratando como problemas que requerem
tratamento psiquiátrico. Por exemplo, uma pessoa
em uma “crise espiritual” não está confrontando um
problema. Não está tendo um comportamento
normal ou anormal. É um predicamento envolvendo
questões filosóficas, buscando significados,
identidade.
O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustra
este ponto de vista em um relato sobre experiências
em um colégio. Plantão seria “um espaço onde o
aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e
refletir suas questões”. Naturalmente, tal atividade
8
Plantão Psicológico: novos horizontes
não é apenas uma conversa entre amigos. Em
situações onde uma forma diferente de psicoterapia
é mais apropriada, a pessoa recebe a indicação de
um(a) profissional competente.
Uma outra boa nova é que plantão psicológico
pode promover uma experiência de aprendizagem
eficaz para estagiários(as). Confrontando a pessoa inteira
no contexto completo da sua existência, o estagiário(a)
necessariamente deve ampliar sua visão do papel da
psicoterapia. O filósofo e matemático inglês Alfred
North Whitehead observou que, “O conhecimento
de segunda-mão do mundo instruído é o segredo da
sua mediocridade”. O tipo de problemas que as pessoas
enfrentam são, em geral, de primeira-mão. A ajuda
que necessitam é de ordem prática. Esta forma de
aprendizagem é prática.
Assim, ambos os participantes – o plantonista
e o indagador(a) – participam e se beneficiam de uma
educação intuitiva cujo objetivo é a auto-realização.
Em um encontro de pessoa a pessoa como este, onde
se procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhor
parte do outro com o propósito de curar a mente, o
corpo e a natureza, a essência da psicoterapia está, de
fato, sendo redefinida.
O mesmo observa Walter Cautella Junior,
descrevendo seu trabalho em um hospital
psiquiátrico: “A experiência do plantão psicológico
leva a instituição a reformar sua visão do indivíduo
institucionalizado”.
Há promessas de mais boas novas. A palavra
“plantão” vem do francês planton, quando era aplicado
em linguagem militar para designar a pessoa que ocupa
uma posição fixa, alerta dia e noite. Seu uso moderno
refere-se ao suporte, fora do horário normal,
oferecido por médicos em hospitais ou, como aqui,
por um psicólogo. Além disso, sua relevância está no
9
fato de que a origem da palavra planton vem do latin:
plantare, plantar.
Um significado dessa palavra refere-se a “planta
do pé”. Assim, o plantão psicológico pode ser visto
como tendo seus pés no chão. Sendo prático.
Respondendo às necessidades imediatas dos clientes
(que poderão ser psicológicas ou de qualquer outra
ordem).
O segundo sentido de “plantar,” é “meter um
organismo vegetal na terra para enraizar”. Essa é outra
característica do Plantão Psicológico descrito neste
livro: estar plantado na cultura brasileira com suas
deficiências e seus nutrientes. Principalmente, é um
organismo vivo e crescendo. Assim, como lembram
as palavras de Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, “Uma ética
das relações interpessoais, sutil mas poderosa, feita de
pequenos gestos e acenos suaves, simples e ainda assim
determinada, parece conduzir os projetos do Plantão
Psicológico”.
Se for possível ficar imune e não se deixar
restringir por dogmas e modismos filosóficos poderá
continuar a se desenvolver efetivamente de acordo com
as necessidades da população desse tempo e lugar.
John Keith Wood
Jaguariúna, Agosto 1999
Prefácio
235566559 plantao-psicologico
11
INTRODUÇÃO
1
MAHFOUD,
Miguel. A vivência
de um desafio:
plantãopsicológico.
In: ROSENBERG,
Rachel Lea (Org.).
Aconselhamento
p s i c o l ó g i c o
centrado na
pessoa. São Paulo:
EPU, 1987, p.75-83.
(Série Temas Bási-
cos de Psicologia,
Vol. 21)
Introdução
Frutos Maduros do Plantão
Psicológico
Miguel Mahfoud
Desde a primeira sistematização – nos idos
de 1987
1
– da inicial experiência de Plantão
Psicológico no Brasil, que se apresentava como
desafio a ser vivenciado, como semente que muda
de cor e se alastra no terreno de sempre com brotos
frágeis mas injetando a verde esperança que tudo
transforma, desde então a proposta de um
Aconselhamento Psicológico aberto às mudanças de
nosso tempo, de nossa cultura e de nossa realidade
social foi brotando e formando raízes.
Quesoloseriaomaispropícioaodesenvolvimento
de algo que prometia vitalidade senão o nosso próprio,
nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais?
Aprender da experiência a partir de um empenho com a
realidade assim como ela é para de dentro transformá-
la.Assim,emnossosolobrasileiroaexperiênciadePlantão
Psicológico tomou corpo de maneira original.
O presente livro quer comunicar a sistematização
de um exercício de aprendizagem a partir da experiência
12
Plantão Psicológico: novos horizontes
de empenho em diferentes contextos institucionais.
Diversas experiências de Plantão Psicológico que dão
vida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológico
que aceitou romper os limites estabelecidos pelo
descompromisso teorizado de tantas psicologias, pelo
reducionismo sentimental de algumas propostas de
psicologia que se querem humanistas.
Veremos aqui os desafios serem enfrentados em
novos horizontes. Tantos desafios permanecem os
mesmos para a psicologia desde muito: desafios sociais
como as dificuldades econômicas e de trabalho,
desafios educacionais, desafios de uma psicologia
humanista atuante dentro das instituições... A novidade
vem da vitalidade da experiência mesma de um
atendimento que aceita outros parâmetros para orientar
seu desenvolvimento. Os novos horizontes são
indicados pela própria aprendizagem significativa
sistematizada com rigor para acolher a vitalidade que
com surpresa emerge.
Queremos que o leitor possa entrar em contato
com a vitalidade da experiência, e com a força
provocadora que algo acontecido de fato pode nos
comunicar: a força do possível. Mais do que modelos,
encontramos aqui provocações.
Umadasprovocaçõessignificativaséaintegração
de trabalhos de base humanista inserido em instituições.
Tantas vezes ouvimos o refrão quase automaticamente
repetido de que as instituições têm objetivos diversos
daqueles que movem a Psicologia Humanista já que
esta quer acentuar a centralidade da pessoa e seus
processos autênticos. As experiências aqui comunicadas
indicam uma possibilidade de trabalhos claramente de
base humanista que aceitam – com nossos próprios
sujeitos – o desafio de continuamente buscar, no
contexto assim como se apresenta, a afirmação dos
interesses propriamente humanos. Se realmente fosse
impossível para nós, de que maneira poderíamos esperar
13
Introduçâo
que fosse possível para nossos clientes? Se não fosse
possível para nós, só nos restaria propor o atendimento
psicológico como espaço alternativo, e por isso
inevitavelmente alienante. Encontramos aqui
experiências que podem abrir novos horizontes neste
sentido.
Em se tratando de uma novidade que estava
apenas brotando, por muitos anos a comunidade psi
acolheu a proposta de Plantão Psicológico como algo
“alternativo”. No sentido que seria algo outro em
relação ao estabelecido como campo seguro e próprio
do saber e da técnica psicológica. Desconfianças,
dúvidas, reticências... cultivadas em compasso de
espera, até que os frutos amadurecessem e se pudesse
conhecer de fato esse Plantão. O próprio Conselho
Federal de Psicologia chegou a se pronunciar em
documento oficial, classificando Plantão Psicológico
dentre as técnicas alternativas emergentes. Alternativa
de maneira distinta daquelas de origem confusa ou
exotérica, mas entendida como proposta inovadora, que
em certa medida rompe parâmetros estabelecidos por
técnicas tradicionais e que ainda estava aguardando uma
avaliação mais rigorosa de sua eficácia pelas instituições
de ensino superior e de pesquisa.
Pois bem, os frutos amadureceram e são aqui
oferecidos. Amadureceram no trabalho sistemático, na
observação atenta, na sistematização com rigor
metodológico com base em pesquisas de base
fenomenológica. São esses frutos que agora, aqui, são
oferecidos à comunidade para que possamos promover
a experiência de Plantão Psicológico com uma
concepção clara, de maneira tal a possibilitar sua
correspondente avaliação.
Neste sentido este livro dá um passo histórico.
Já não podemos falar em Plantão Psicológico técnica
alternativa. O atual e crescente interesse documentado
pela presença de mesas redondas e/ou de comunicação
14
Plantão Psicológico: novos horizontes
de pesquisa sobre Plantão Psicológico em
diversos congressos nacionais e regionais já era um
indício dessa mudança. A apresentação dessas
experiências sistematizadas e pesquisadas colocam um
ponto final.
É claro que trata-se de um ponto final só no
caráter de alternativo. Sabemos bem que estamos no
início. Plantão tem ainda muito em que crescer para
exprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutos
maduros apresentam o Plantão; e sabemos, agora mais
do que nunca, que vale a pena cultivá-lo, que há terreno
propício, que há horizonte amplo onde mirar.
Bom terreno, boas sementes, bons frutos... : bom
proveito!
15
O Plantão Psicológico no Instituto Sedes Sapientiae
O Plantão de Psicólogos no Instituto
Sedes Sapientiae: uma proposta de
atendimento aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal
No final da década de 70, parte do grupo de
profissionais que antes se reunia como “Grupo de
Psicologia Humanista”, decide constituir no Instituto
Sedes Sapientiae, o Centro de Desenvolvimento da
Pessoa, CDP.
Estimulado pelo entusiasmo de Rachel Lea
Rosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudos
teóricos, grupos de supervisão e reflexão sobre a
prática clínica, promovia workshops abertos ao público,
ciclos de encontros de profissionais paulistas e também
encontros nacionais, constituindo-se em importante
referência para os interessados em discutir e aprofundar
o conhecimento da ACP, Abordagem Centrada na
Pessoa.
Sempre atenta ao potencial transformador da
ACP, considerando tanto a dimensão individual quanto
a social / comunitária, Dra. Rosenberg propõe a criação
de um serviço de Plantão de Psicólogos, inspirado
nas experiências das walk-in clinics, surgidas nos Estados
16
Plantão Psicológico: novos horizontes
1
ROGERS, Carl
Ramson. As Condi-
ções necessárias e
suficientes para a
mudança terapêu-
tica da personali-
dade. In: WOOD,
John Keith et alii
(Org.s). Aborda-
gem centrada na
pessoa, Vitória:
Fundação Ceciliano
Abel de Almeida /
Universidade Fede-
ral do Espírito San-
to, 1995, p.157-179.
2
ROGERS, Carl
R a m s o n .
Psicoterapia e
consulta psico-
lógica, 1ª
ª
ed.,
São Paulo: Martins
Fontes, 1987 (Cole-
ção Psicologia e
Pedagogia), p.207-
208.
Unidos para prestar atendimento imediato à
comunidade. Até então o Serviço de Aconselhamento
Psicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sob
sua coordenação, já vinha oferecendo o que chamava
“plantão”, e que consistia, naquele caso, em uma
disponibilidade mais atenciosa de recepção aos clientes
que procuravam inscrição para atendimento regular
em aconselhamento psicológico. Daí surgiram as
primeiras reflexões sobre as potencialidades de um
serviço de “Plantão Psicológico”: o poder
transformador da escuta atenciosa, não diretiva,
centrada no cliente, confiante na tendência ao
desenvolvimento das potencialidades inerentes à pessoa
(tendência atualizante), e na possibilidade dessa
tendência ser estimulada, mesmo através de um único
encontro com o profissional, desde que este último
possa oferecer sua presença inteira, através de sua
própria congruência, capacidade de empatia e aceitação
incondicional do outro, atitudes pilares da ACP.
1
É de Carl Rogers, o criador a Abordagem
Centrada na Pessoa, a ponderação:
“Se atendermos à complexidade da vida humana com
olhar justo, temos que reconhecer que é altamente
improvável que possamos reorganizar a estrutura da
vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite
e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus,
poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de
esclarecimento,mesmonumcurtoespaçodetempo.Podemos
permitir ao cliente que exprima seus problemas e
sentimentos de forma livre, e deixá-lo com o reconhecimento
das questões que enfrenta.”2
Muitas pessoas, em determinada circunstância
de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essa
interlocução diferenciada, que lhes propiciasse uma
oportunidade também de escutar a si mesmos,
17
O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae
3
INSTITUTO
S E D E S
SAPIENTIAE: Carta
de Princípios, s/d
(mineo.).
identificando e reconhecendo seus próprios
sentimentos e possibilidades de auto direção, no
momento em que enfrentam a dificuldade, sem que
necessariamente tenham que se submeter a atendimento
sistemático, prolongado, como tradicionalmente
oferecem as psicoterapias.
Coube a mim a coordenação e supervisão do
Plantão de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeira
vez em agosto de 1980, como um dos chamados
“cursos de expansão”do Instituto Sedes Sapientiae. O
cursotinhaduraçãosemestral,eprestava,atravésde seus
alunos, atendimento psicológico aberto à população.
O Instituto Sedes Sapientiae ou Sedes, como hoje
o chamamos, fundado em São Paulo em 1975, é um
importante centro de prestação de serviços, ensino e
pesquisa ligados às áreas da Psicologia e da Educação,
tendo como compromisso
“assumir sua parcela de responsabilidade na
transformação qualitativa da realidade social, estimulando
todos os valores que acelerem o processo histórico no sentido
de justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoa
humana”3
Feliz associação de ideais, nosso Plantão tinha
lugar certo para acontecer!
As atividades iniciaram-se pela seleção dos
plantonistas. Os critérios adotados pediam que fossem
psicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP,
que tivessem experiência mínima de um ano em
atendimento clínico e estivessem especialmente
sensibilizados pela natureza do serviço proposto.
Contávamos com um grupo de doze
plantonistas e uma supervisora e estabelecemos o
horário das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras
18
Plantão Psicológico: novos horizontes
4
BELLAK, Leopold
& SMALL, Leonard.
Psicoterapia de
Emergência e
P s i c o t e r a p i a
Breve, Porto Ale-
gre: Artes Médicas,
1980.
para os atendimentos e nossas reuniões. Dedicamos
aproximadamente um mês e meio ao planejamento e à
divulgação do novo serviço, período em que pudemos
compartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacando
nossa ansiedade, acentuada pela ausência de bibliografia
específica sobre plantão psicológico. Não havia
qualquer menção, nas diversas bibliotecas
especializadas que consultamos, às walk-in clinics das
quais Rachel Rosenberg nos falara.
Sabíamos que a possibilidade de psicoterapias
de curta duração vinha sendo considerada por autores
que adotavam diferentes abordagens, como por
exemplo, os trabalhos de Bellak e Small,
4
de orientação
psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo,
desde a década de 70, grande implemento e pesquisa,
mas nada de sistemático havia sobre outras experiências
de curta duração ou mesmo de sessões únicas de
atendimento.
Dra.Rosenberg, ao refletir sobre variações no
tempo de atendimento, apontava o caráter preventivo
de uma intervenção no momento oportuno:
“A duração prevista para um atendimento
possivelmente eficaz em terapia tem sofrido
modificações de várias espécies. Comprovações
empíricas de resultados satisfatórios justificam o uso
de atendimentos com um número pré-determinado
ou máximo de horas. Cria-se uma metodologia
específica para este tipo de atendimento em linhas
teóricas variadas [...], o atendimento de curta duração
se insere como aplicação natural, bem sucedida e cada
vez mais utilizada. Mesmo no caso de problemas graves
ou dificuldades antigas, conclui-se que o princípio de
tudo-ou-nada — ou seja ,terapia profunda e
prolongada ou nenhuma assistência psicoterápica —
não tem real validade. Especialmente em pontos
19
O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae
5
ROSENBERG,
Rachel Lea. Terapia
para Agora. In
ROGERS, Carl
Ramson &
R O S E N B E R G ,
Rachel Lea. A
Pessoa como
Centro, São Paulo:
E.P.U., 1977, p.52.
6
Madre Cristina,
nascida Célia Sodré
Dória, cônega de
Santo Agostinho,
educadora, psicó-
loga e fundadora do
Instituto Sedes
S a p i e n t i a e ,
personalidade ines-
quecível para a
Psicologia e para a
História brasileiras.
críticos do desenvolvimento ou da vivência, uma
intervenção adequada tem, além de efeitos terapêuticos,
caráter preventivo de conflitos maiores posteriores”.
5
Alguns alunos supunham que, devido ao caráter
imediato do atendimento, certamente receberíamos
muitos clientes em crise emocional aguda e insistiam
na necessidade de contarmos com um psiquiatra
plantonista. Precisamos esclarecer que nossa proposta
não era criar um serviço para emergências psiquiátricas
e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no
momento da dificuldade, sem que necessariamente a
intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto
crítico que representasse ameaça iminente à sua
integridade ou à de outros; não era destinado ao suicida
em potencial, como sugeria a divulgação recente do
CVV, Centro de Valorização da Vida, cuja equipe de
plantonistas era constituída por leigos em psicologia e
prestava atendimento inicial por telefone. Por
precaução, tratamos de pesquisar e organizar uma
relação de instituições e serviços particulares de
psiquiatria, caso viéssemos a necessitar.
A preocupação de Madre Cristina
6
era de que
o novo serviço não viesse aumentar as já enormes
filas de espera para psicoterapia naquela clínica, tão
solicitada devido à tradicional qualidade dos serviços
prestados. Insistíamos em esclarecer que a intenção não
era fazer triagem, embora pudéssemos, eventualmente,
realizar encaminhamentos. O Plantão Psicológico não
foi concebido como uma alternativa “tampão” para
acabar com filas de espera em serviços de assistência
psicoterapêutica, já que não pretende substituir a
psicoterapia. Não acreditamos que uma única sessão
seja capaz de resolver sérios problemas emocionais
ou promover resultados reconstrutivos da
personalidade. Somente mais tarde é que viemos a
descobrir as possibilidades terapêuticas do plantão.
20
Plantão Psicológico: novos horizontes
7
umdestescartazes
e n c o n t r a - s e
digitalizado no CD-
ROM anexo ao livro.
Fizemos várias reuniões em torno de aspectos
éticos das formas de divulgação: tratava-se de uma
nova proposta e aberta à comunidade em geral. Como
divulgá-la, transmitindo sua originalidade e
acessibilidade, sem banalizá-la? Optamos pela
impressão de cartazes
7
, que foram afixados em diversas
escolas, igrejas, hospitais, bibliotecas públicas e
faculdades com o destaque: “Psicólogos de Plantão ”
e o texto:
“Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar
idéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você no
momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.”
Seguia-se o nome da psicóloga responsável e
seu número de inscrição no CRP, o endereço e horários
do atendimento.
Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedes
onde se desenvolviam outros cursos, para anunciar o
atendimento e esclarecer dúvidas a respeito. Os
primeiros a nos procurar foram justamente alguns
alunos desses cursos, uns motivados por questões
pessoais, outros, pelo interesse profissional em
conhecer melhor o Plantão.
Houve uma divulgação num programa da TV
Cultura, uma reportagem extensa que entrevistou
plantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foi
ao ar às vésperas da interrupção do serviço devido às
férias. Este fator diminuiu o impacto de sua
repercussão, pois os clientes que nos procuraram em
seguida à edição do programa da TV não puderam
ser atendidos.
O jornal Folha de São Paulo publicou reportagem
do jornalista Paulo Sérgio Scarpa sobre o Plantão
Psicológico, destacando sua utilidade pública.
Interessanteassinalarqueaseçãoondeseinseriuamatéria
21
O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae
8
Estas matérias se
encontram digita-
lizadas no CD-ROM
anexo ao livro.
intitulava-se “A Folha e as respostas da sociedade à
crise”(07/11/81). Outras menções ao serviço já haviam
sido feitas por esse mesmo jornal, em edição de 16/01/
81 e em seu caderno “Folhetim”, cuja edição ,em 20/
09/81, era dedicada ao tema “Desemprego e
Insegurança”
8
. Hoje, passados 19 anos, podemos
reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas.
O primeiro grupo de doze plantonistas
trabalhou de agosto a dezembro de 1980, dividido
em sub-grupos de seis que se alternavam entre
atendimento e supervisão: enquanto metade prestava
plantão às segundas- feiras, a outra parte reunia-se para
supervisão; às quintas-feiras, invertiam-se as funções.
A supervisão também era acessível ao plantonista
durante o transcorrer de um atendimento, caso
precisasse dela. A duração de uma sessão de
atendimento poderia variar de uma a duas horas,
dependendo de haver ou não outros clientes à espera.
Dispúnhamos de sete salas, sendo seis destinadas
ao atendimento e uma para as reuniões de supervisão.
Madre Cristina, confiante na importância da
iniciativa,ofereceu-separarecepcionarosclientes.Assim,
quem procurava o Plantão Psicológico, mesmo nas
noites mais frias do inverno, encontrava-a logo à
entrada do Sedes, sentada atrás de uma pequena mesa,
apoiada num travesseiro para respaldar suas costas,
que tão vigorosamente suportaram, com coragem e
dignidade, as pressões da luta por justiça social em
nosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e a
sala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza,
já despertando nele uma disposição receptiva ao
encontro com o profissional.
No primeiro semestre de 1981 foi feita nova
seleção de plantonistas e alguns dos ex-alunos,
entusiasmados que estavam, se re-inscreveram.
22
Plantão Psicológico: novos horizontes
Novamente, para o terceiro curso, no segundo
semestre de 1981, tivemos re-inscrições.
Em 1982 não foi renovada a proposta. A
supervisora, preparando-se para sua terceira gravidez,
embevecida que estava pelo novo, decidiu-se pela
dedicação mais intensa às suas filhas, enquanto se
afastava do Sedes, levando muito para refletir a respeito
de seus plantões e suas “ plantinhas”. Mais tarde, é
convidada a oferecer Plantão Psicológico aos
funcionários do mesmo instituto, atividade que
desenvolveu até dezembro de 97. Esse convite atesta
o reconhecimento da importância da proposta e a
repercussão que o Plantão Psicológico alcançou dentro
daquela instituição .
Trataremos aqui de apresentar como foi
desenvolvido o Plantão Psicológico aberto à
comunidade.
OS CLIENTES
Nos três semestres do Plantão de Psicólogos,
realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos.
Tínhamosestabelecidotrêsretornoscomo possibilidade
máxima para cada cliente no mesmo semestre.
Entendíamos que, caso nos procurasse com maior
freqüência, isto indicaria a conveniência de encaminhá-
lo à psicoterapia. Tínhamos uma relação de instituições
que prestavam atendimento gratuito, como era nosso
caso, e também uma relação de psicoterapeutas
dispostos a trabalhar por honorários simbólicos.
Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% eram
mulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros;
o nível de escolaridade dos clientes variou de semi-
alfabetizados a curso superior completo; 17% eram
profissionais liberais (advogado, economista, psicólogo,
fisioterapeuta), e o restante composto por outras
ocupações (escriturário, comerciário, comerciante,
motorista, vendedor, feirante, office-boy, técnicos em
23
O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae
serviços diversos). Procurou-nos também uma pessoa
que declarou como ocupação, ser “pedinte”. Meses
depois, a plantonista que o atendeu o encontraria num
dos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre os
passageiros.
Após cada atendimento, era solicitado ao cliente
que depositasse numa urna um comentário escrito, sem
necessidade de se identificar. Dos 68 depoimentos
recolhidos, destacamos alguns, para ilustrar a
repercussão imediata ao encontro:
“Eu nunca havia participado de uma entrevista com
psicólogos. Fiquei até com receio pois não sabia como
iria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fácil do que
imaginava. O ‘à vontade’ com que a psicóloga conduziu
o bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo o
que vinha me inquietando, chegando mesmo a tirar
conclusões ou elucidar dúvidas com o simples desabafo de
minhas preocupações. Senti-me pois tão satisfeita como
se tivesse recebido um presente de Natal ”.
“Não acho que o atendimento recebido tenha resolvido o
meu problema, mas tenho plena convicção de que abriu-
me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir.
Creio que agora estou mais apto a resolvê-lo e muito
otimista por saber que posso”.
“Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazer
esta ‘pré-análise’ antes de se definir pelo terapeuta”.
“Não fez minha cabeça”.
“Como é bom ter e sentir que podemos sentar e conversar
com uma pessoa. Falar de nossos problemas sem pensar
que vamos ser censurados”.
24
Plantão Psicológico: novos horizontes
“Achei ótima a idéia desse Plantão. Psicólogos ouvindo
pessoas em casos de emergência ‘emocional’. Deve continuar
e se expandir em vários locais e ser divulgado e ‘ensinado’,
dado como curso nas escolas de Psicologia”.
“Acho essa iniciativa muito válida e isso, acredito eu,
vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezes
reprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmo
sendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam,
nossas 23 horas restantes e dias posteriores serão
melhores”.
De maneira geral, os comentários aludiam à
importância de ser ouvido, faziam referências ao alívio
pelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveria
ser pago, apontavam a necessidade de maior divulgação
do serviço e a ampliação dos horários de atendimento
e alguns revelaram frustração da expectativa de que
pudessem receber atendimento prolongado.
OS PLANTONISTAS
Os plantonistas se referiam com freqüência à
sua experiência como estagiários durante o tempo da
faculdade, declarando o quanto “sofreram” ao se
desligar do cliente por ocasião da conclusão do curso
de graduação. Agora, a questão do vínculo, a separação
do cliente, a ansiedade em função desse único encontro,
a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade
(sessão seguinte) para eventual “reparação” de sua
atuação, tudo era discutido sistematicamente nas
supervisões. Suponho que uma das conseqüências
dessas dificuldades dos alunos foi o número de
encaminhamentos realizados e a quantidade de
intervenções de natureza diretiva, com tendência a
oferecer respostas e sugestões.
Outra questão diz respeito à superação do
estereótipo de que uma relação de ajuda psicológica
25
O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae
deva se estender no tempo, de que profundidade e
intensidade sejam diretamente proporcionais à duração
do atendimento. A possibilidade de que uma
intervenção de natureza breve pudesse ser suficiente
para o cliente não era claramente percebida pelos
alunos, limitação que podemos atribuir à formação que
receberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitação
do psicólogo estava mais voltada para a atividade clínica
da psicoterapia ou do psicodiagnóstico através de testes.
Também em relação às intervenções diretivas
observamos, muitas vezes, que o sentimento de
impotência do plantonista diante de clientes de menor
poder aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistas
e, de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houve
casos em que o aluno procurava encontrar soluções
imediatas, dar conselhos e sugestões ou mesmo insistir
em encaminhamentos muitas vezes não percebidos
como necessários pelo próprio cliente.
Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempo
depois iniciaria também como supervisora o
atendimento psicológico do tipo plantão em postos
de saúde através da Clínica das Faculdades São
Marcos, fez a seguinte reflexão sobre sua experiência:
“A questão dos valores do psicólogo é
importante em qualquer processo psicoterapêutico, mas
quando se trata de sua ‘vontade de ajudar’ pessoas
com problemas de subsistência, a visão que ele tem
da ‘pobreza’ e de seu próprio lugar na sociedade modela
seus objetivos explícitos e implícitos e suas atitudes.
O psicólogo tem a tendência a se preocupar mais com
o ‘como’ de sua atuação do que com o ‘porquê”, ou
seja, com as implicações pessoais e ideológicas de suas
intervenções. Por exemplo, não terá a mesma postura
se acredita que uma tomada de consciência individual
possa ser um fator de mudança, ou se acredita que
somente uma mudança social e política possa trazer
26
Plantão Psicológico: novos horizontes
9
Extraído de rela-
tório pessoal não
publicado (1982).
Parágrafo aqui
reproduzido sob
permissão da
autora.
soluções para as situações individuais.[...] Ele deve, mais
do que nunca, estar atento às incongruências de seus
sentimentos com os pressupostos intelectuais: até que
ponto ele realmente confia nos recursos da pessoa para
enfrentar suas dificuldades e modificar seu mundo?”
9
O SERVIÇO E O CURSO
Quanto à estruturação do serviço, que
acompanhava o calendário dos cursos do Instituto
Sedes Sapientiae, percebemos que a proposta
semestral, com constantes interrupções devido às férias,
além de truncar o afluxo de clientes, tornava muito
curto o período de preparação do plantonista,
preparação que nos parece requerer bastante empenho,
especialmente no que diz respeito às bases conceituais
da Abordagem Centrada na Pessoa e aos valores
pessoais do profissional. Isto pôde ser confirmado
pelo número de re-inscrições dos alunos para os
semestres seguintes, evidenciando que não só
reconheciam a relevância e efetividade do Plantão
Psicológico, como também a consciência que tinham
da necessidade de aperfeiçoamento. O tempo breve
da relação com o cliente talvez torne mais perceptível,
tanto para o supervisor como para o próprio aluno,
o grau de consistência na adoção da ACP como
referencial para sua atuação. A ausência de solidez na
“atitude centrada na pessoa” prejudicará a qualidade
da relação de ajuda, gerando no plantonista
comportamentos incongruentes e condutas diretivas
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANTÃO
Nossas próprias “descobertas” antecipam o que
diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder:
“A grande descoberta deste século para as Ciências
Humanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não há
melhor entendimento que alguém possa nos prestar do
27
O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae
10
BONDER, Nilton –
Elul, O mês da
escuta,Kol–Boletim
Informativo da
ComunidadeJudaica
do Brasil, Rio de
Janeiro,AnoIII,n.7,
agosto 1998, p.1.
que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase
imperceptíveis de nossa existência”10
.
Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas não
é.Ouvirimplicaacompanhar,estaratento,estarpresente.
Presença inteira. Que quer dizer “presença inteira”?
Todos sabemos o que significa presença “parcial”.
Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor esteja
realmente nos ouvindo? Mesmo que alguém, ao ser
questionado “Você está ‘mesmo’ me ouvindo?” seja
capaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir,
a repetição soará vazia, oca de sentido, se sua presença
estiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso não
significa ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemos
até perceber, sem mesmo ter consciência de que
percebemos - pela própria “densidade” de olhar do
outro, pelo tipo de brilho desse olhar - a denúncia da
“parcialidade” da presença. Um olhar nosso ao olhar
do interlocutor poderá revelá-la. A repetição, mesmo
quandosetorneumareprodução,istoé,quandoprocure
“re-produzir”, sintetizando o conteúdo daquilo que foi
ouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca,
é apenas e simplesmente um eco.
Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava a
companhia dos homens e dos deuses e não se importava
com o Amor. Pã, apaixonado por ela e irritado com sua
indiferença, fez que os pastores da região a
despedaçassem, espalhando os despojos pelas
campinas. Eco, dispersada por muitos lugares, limita-
se a repetir os sons que se produzem por perto.
Ouvir realmente, e não apenas “ecoar”, requer
concentração do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.).
Não é possível ouvir estando disperso como Eco. E
não estou me referindo a concentração apenas como
capacidade de focalizar a atenção (no cliente ou na
fala do cliente), mas quero ressaltar a concentração
do terapeuta em si mesmo.
28
Plantão Psicológico: novos horizontes
Proponho refletirmos sobre “concentração”
como “congruência”. Parece estranho? Congruência
pode ser entendida como o alinhamento de várias
esferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamente
falando, significaria ter as dimensões do pensar, sentir
e agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter “todos
os centros num mesmo centro”. Congruência é
portanto con-centração, tomar dentro de si como único
centro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamento
interno, concentração, presença inteira.
AAbordagemCentradanaPessoa,enfatizandoas
qualidades da relação (aceitação incondicional, empatia e
congruência) como fator mobilizador do crescimento
(tendência atualizante) se confirma como perfeito
referencial para o “Plantão Psicológico”, modalidade de
atendimento que vem abrir também novas perspectivas
de contribuição social para o psicólogo.
Relembrando a expressão tão rica de sentidos
doProf. MiguelMahfoud, podemosconfirmaroPlantão
Psicológico como presença que mobiliza.
29
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
1
O presente texto
foi originalmente
apresentadonoVIII
Encuentro Latino-
americano del Enfo-
que Centrado en la
Persona,promovido
pela Universidade
Iberoamericana da
Cidade do México e
pela Universidade
Autônoma de
Aguascalientes, em
Aguascalientes,
México, em 1996,
com apoio da
FAPEMIG.
Plantão Psicológico na escola: uma
experiência
Miguel Mahfoud
Odesempenho profissional é fruto possível
de raízes filosóficas, e é verdade que se conhece a
árvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenho
profissional não morrer, ficará só; se morrer um pouco,
para uma reflexão mais profunda e para se misturar
com o que dá vida, produzirá cem por um.
Por isso quero agradecer a possibilidade de
compartilhar experiências
1
, a oportunidade de pensar
um pouco mais no que faço; oportunidade de me
enriquecer pela consciência de que também eu fui
plantado e que também eu sou árvore com raiz e fruto,
e oportunidade de comunicar. O sentido mais
profundo do fruto não é semear de novo?
A Educação tem pedido técnicas à Psicologia.
Mas o risco é o de não se clarear a finalidade geral da
educação, respondendo segundo objetivos precisos
mas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco é o
de não explicitarmos (nem a nós mesmos) que a
30
Plantão Psicológico: novos horizontes
finalidade da educação é a formação da pessoa, e
querermos responder a tantas demandas com diversos
objetivos definidos (aumento do rendimento escolar,
auxílio na expressão verbal e escrita, aplacamento de
comportamentos anti-sociais...) que podem nos ocupar
muito, podemos até obter resultados, mas poderíamos
ainda assim não estar respondendo à verdadeira
finalidade da educação. Se a explicitarmos, daremo-
nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos,
métodos e técnicas. E, ainda mais importante, daremos
a nós mesmos a oportunidade de sermos educadores,
isto é, testemunhas de uma consciência ampla possível,
que já começa a ser uma rota de orientação dentro da
desorientação cultural em que vivemos, e que as nossas
crianças e adolescentes não têm como evitar.
É nesse sentido que um pouco ousadamente
evitei assumir uma função psico-pedagógica na escola
em que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamos
uma condição de trabalho incomum, não sendo
chamados a desempenhar as funções de orientação
educacional, ou coordenação pedagógica ou disciplinar
- funções estas exercidas por outros profissionais. Pude
então me preocupar com uma contribuição
propriamente psicológica no âmbito escolar.
Devido à minha formação marcada pela
Abordagem Centrada na Pessoa logo quis que também
na escola a psicologia pudesse contribuir primeiramente
constituindo um espaço para o aluno como pessoa. Um
espaçoondeseretomasseafinalidadedaeducaçãoatravés
da formação da pessoa naquele contexto, assim como é,
comtodososseusrecursoselimites,já.Emumcontexto
institucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmente
partícipe da desorientação cultural que todos vivemos,
eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valor
e a potência inovadora e criadora da pessoa que cresce
com consciência de si e da realidade.
31
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
2
Cf. MAHFOUD,
Miguel. A Vivência
de um Desafio:
Plantão Psicoló-
gico. In Rosenberg,
R.L.(Org.), Acon-
selhamento Psi-
cológico Centra-
do na Pessoa,
São Paulo: EPU,
1987, pp.75-83.
(Série Temas Bási-
cos de Psicologia,
Vol. 21)
Assumindo isso como finalidade, a técnica de
atendimento breve que tem sido chamada de “Plantão
Psicológico”
2
serviu como método de presença entre
os alunos e professores.
Sabemos bem que a imagem de um Serviço de
psicologia dentro da escola é visto por todos como
algo muito diferente disso que propomos, e assim
quisemos afirmar essa nova ótica para todos, mas
principalmente - e a partir - dos alunos, a quem aquele
Serviço de psicologia queria servir. Preparamos, então,
folhetos de divulgação da proposta, que penso possam
ajudar a explicar a vocês também um pouco do que
vem a ser um Plantão Psicológico na escola.
Aos alunos de nível colegial foi entregue um
folheto com trechos da música “Quase sem querer”
do grupo Legião Urbana, e alguns comentários
apresentando o Plantão Psicológico. Trazia os seguintes
dizeres:
“Tenho andado distraído,
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso.
...
Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém
...
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira.
Mas não sou mais
Tão criança a ponto de saber
Tudo.
...
32
Plantão Psicológico: novos horizontes
3
As ilustrações
dos panfletos
apresentados neste
capítulo são de
Durval Cordas, a
quem agradecemos
a autorização para
publicação.
Sei que às vezes uso
Palavras repetidas
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?”
de “Quase Sem Querer”
(Dado Villa-Lobos/ Legião Urbana)
PLANTÃO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO
– uma ajuda para quem não quer viver
desperdiçando chances (com os amigos,
com a família, no colégio...)
– um espaço para procurar ouvir em si as
palavras mais profundas e verdadeiras.
– uma possibilidade para todo aluno que não
quer viver “quase sem querer”.
Os pedidos de encontro com o
psicólogo podem ser feitos pessoalmente todas
as 3as
e 6as
feiras nos intervalos da manhã na
sala 45 (próximo à biblioteca e à informática).
Ou por escrito, todos os dias deixando
na portaria do Colégio um bilhete destinado
ao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seu
nome, número e classe, data e assinatura.
– Querendo, apareça!
Já o folheto preparado e entregue aos alunos
de nível ginasial foi o seguinte
3
:
33
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
34
Plantão Psicológico: novos horizontes
35
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
36
Plantão Psicológico: novos horizontes
37
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
38
Plantão Psicológico: novos horizontes
A resposta dos alunos foi bastante positiva. No
início a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipo
de atendimento era o mais marcante, e vagarosamente
foi se instalando como um espaço para as pessoas, mais
do que para os problemas. Isso fez com que mesmo
quandoprecisávamoschamaralguémparaconversarpor
pedidos da coordenação pedagógica ou disciplinar, ou
por pedido de algum professor, a disponibilidade de
tratar dos problemas era já diferente, porque o interesse
era por ele, e não por suas notas ou comportamentos.
Entãoatésuasnotasecomportamentoseramdiscutidos;
suas queixas intermináveis, ouvidas; mas sua pessoa
continuava a ser o centro, e a resposta à situação assim
como é ainda cabe a ele, que pode agora ter alguém a
quem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar.
A consciência ampla do educador ali frente ao aluno se
traduz também em disponibilidade e cumplicidade para
que o aluno viva com realismo e com cuidado consigo
mesmo. De modo geral isso é mobilizado rapidamente
e o psicólogo permanece como referência para o aluno
na escola, também para outras ocasiões mais tarde, e a
experiência permanece como referência dentro do aluno
- espero para sempre.
A consciência de si e da realidade pede, antes
de mais nada, discriminação. Quem é quem na escola?
Com quem você pode contar? Quais são os recursos
disponíveis na rede de relacionamentos?
Mas se provoco os alunos a estarem atentos à
realidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presença
na escola, é porque procuro fazer o mesmo ali. Também
eu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer as
diferentes contribuições dos vários professores e
coordenadores que convivem muito mais diretamente
com os alunos do que eu, e por isso podem ser um
contatoimportanteparaomeutrabalhoeparadiferentes
formas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem
39
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
4
Este folheto
encontra-se degita-
lizado no CD-ROM
que acompanha o
livro.
medarfeed-backdeminhasintervenções,podemcooperar
quandotambémelesseabremaumtipodecompreensão
dos acontecimentos que considere o lado dos alunos e
as outras dimensões normalmente deixadas à margem
da sala de aula.
Na verdade a manutenção desse tipo de
proposta pede um empenho constante, e
disponibilidade a manter um diálogo continuamente
retomado – com os professores, com os alunos e
com o conjunto da instituição - para se esclarecer a
linha do trabalho, e para que se tenha atenção com o
sentido que o trabalho vai tomando para a instituição:
COM OS PROFESSORES
Quanto aos professores, é fácil que em um
primeiro momento eles sintam que somos “defensores”
dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem-
se incompreendidos. Chamá-los a colaborar conosco na
atenção com os alunos nem sempre é potente para
romper aquela impressão. Às vezes é preciso que eles
vejam alguns passos que estão sendo dados pelo aluno e
que se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se a
explicitá-losnemsempreéfácil,masésempreimportante.
COM OS ALUNOS
Quanto aos próprios alunos, é importante
retomar a proposta de que eles próprios podem nos
procurar, e estar atentos às tensões que nossa presença
suscita entre eles, para poder lidar com elas também
enquanto escola no seu conjunto, além do âmbito de
atendimento individual ou de pequenos grupos.
Como exemplo, apresento a vocês um folheto
4
que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalhar
comigo no Colégio, e aproveitamos para lidar também
com a tensão existente entre os alunos, ligada ao fato
de que alguns deles se encontravam conosco.
40
Plantão Psicológico: novos horizontes
41
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
42
Plantão Psicológico: novos horizontes
43
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
44
Plantão Psicológico: novos horizontes
Assim, brincamos um pouco com a tensão, e o
projeto foi re-proposto.
COM A INSTITUIÇÃO
Quantoànecessidadederecolocarcontinuamente
a proposta, a nível institucional a questão também não é
simples. Às vezes nos sentimos um pouco “marcianos”.
Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder às
demandas da instituição retomando sempre o ponto
de partida da centralidade da pessoa. De fato, isso é
muito desafiador e criativo. Criamos métodos e
instrumentos novos ao procurar responder aos pedidos
e necessidades da instituição retomando a finalidade da
educação e as contribuições da Psicologia.
Gostaria de citar dois exemplos:
1) O primeiro se refere a um pedido que a
direção da escola nos fez de nos ocuparmos de
Orientação Profissional, sugerindo a aplicação de testes.
Na nossa visão, para aqueles alunos, o problema
se localizava no tema da escolha. Sendo alunos de classe
sócio-econômica “A”, poderiam escolher o que
quisessem - mas na verdade não podem escolher porque
não sabem o que querem, ou porque o caminho
profissional já está traçado por herança familiar (a
empresa da família, o consultório do pai...). Não
queríamosaplicartestes,porquenãoosajudariaem nada
a enfrentar o problema de não se conhecerem, e o de
assumirem conscientemente um caminho para si na vida
e na sociedade. Não queríamos substituí-los nessa tarefa
deescolhaqueétãoimportante,eassinalaumapassagem
para o mundo adulto.
A atenção a isso nos deu criatividade para
utilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentos
criados a partir de outros parâmetro teóricos.
Utilizamos textos da cultura brasileira, por exemplo o
da música “Caçador de Mim” (Sérgio Magro/Luís
45
5
Cf. MARTINS, C.R.
Psicologia do
Comportamento
Vocacional. São
Paulo: EPU/EDUSP,
1978.
6
FRANKL, V. E.
Psicoterapia e
sentido da vida:
fundamentos da
logoterapia e
análise existen-
cial. São Paulo:
Quadrante, 1973
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
Carlos Sá) como imagem da busca de si que aquele
momento de escolha envolve; ou o poema “Que é o
Homem?” de Carlos Drummond de Andrade para abrir
espaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo num
horizonte amplo.
Mas desenvolvemos um novo método de
Orientação Vocacional adaptando o Método de História
de Vida apresentado por Julius Huizinga no IV Fórum
Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, no
Rio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos para
desenharemográficodesuahistóriadevida,assinalando
as experiências mais significativas desde o nascimento
até o momento presente, avaliando-as como positivas
ou negativas em diferentes graus. Depois pedimos que
redijam um texto apresentando um dia comum no
futuro, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho é
possível extrair o critério pessoal com o qual cada um
deles olha, avalia e se engaja na própria vida. Então se
propõe enfrentar a questão da escolha profissional com
aqueles critérios pessoais, tendo em vista as profissões
que mais favoreceriam a expressão e o desenvolvimento
de suas características; ao invés de perseguir a questão
de onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz -
questão esta que parte de uma posição alienada e
alienante. Só depois de explicitados esses critério e
mobilizado esse processo de busca é que utilizamos,
eventualmente, testes de personalidade (como o de
Pfister) e o Modelo de Holland
5
de grupos profissionais
associadosacaracterísticasdepersonalidade.Aproposta
é a de enriquecer e ampliar a reflexão sobre si como
ser-no-mundo, único e irrepetível,
6
ao invés de esperar
daqueles instrumentos uma resposta.
2) Outro exemplo, para nós muito significativo,
foi quanto à dificuldade da instituição em trabalhar
explicitamente a questão das drogas, que preocupa
muito a todos - direção, professores, pais e alunos.
46
Plantão Psicológico: novos horizontes
8
MAHFOUD, Miguel
& BRANDÃO, Sílvia
Regina. Educação
Afetiva. In. I Con-
gresso Interno
do Instituto de
Psicologia da
USP, São Paulo,
1991, p. Z6.
7
Cf. CARLINI, E.A.;
CARLINI-COTRIN,
B. & SILVA FILHO,
A.R., Sugestões
para programas
de prevenção ao
abuso de drogas
no Brasil, São
Paulo: CEBRID,
1990.
Frente à necessidade de um trabalho de
prevenção ao uso de drogas e frente às dificuldades
institucionais de tratar do tema, nos pareceu mais
adequado procurar utilizar o método que vem sendo
chamado de Educação Afetiva
7
, que procura modificar
fatores pessoais considerados disponentes à utilização
de drogas (como auto-estima, identidade, resistência a
pressão de grupo etc.) sem necessariamente enfocar o
tema drogas.
Assim, Sílvia Regina Brandão e eu elaboramos
o primeiro material brasileiro de Educação Afetiva
8
,
sempre retomando a questão da centralidade da pessoa,
e abordando principalmente o tema da identidade a
partir da existência, do ser-no-mundo e o tema da
conjugação entre desejo e limite.
SITUAÇÃO DESAFIADORA
Para terminar, eu não seria verdadeiro comigo
mesmo se não citasse uma situação que para mim tem
sido muito difícil e desafiadora: trata-se da situação de
morte de alunos, em particular quando há suspeita de
suicídio. Por um lado retomo com muita força a
questão da finalidade da educação no que se refere à
formação da pessoa e à formação de uma consciência
ampla de si e da realidade. Uma morte assim nos coloca
em xeque, tolhe a possibilidade de lutar e de construir
com aquela pessoa, significa que ela não aceitou a
referência que quisemos propor e evidencia o mistério
da liberdade do homem.
Mas também nesse momento a nossa
contribuição de adultos, educadores e psicólogos passa
pela consciência ampla que podemos testemunhar. E
consciência ampla nesse momento significa poder ficar
frente ao mistério da vida e da morte, perplexos, ao
lado dos adolescentes desorientados. E isso só é
possível para nós adultos se com eles retomamos a
última frase do caderno Educação Afetiva: “retomar
47
Plantão Psicológico na escola: uma experiência
sempre o que é importante para mim, me ajuda a fazer
escolhas, me ajuda a verificar as pessoas e os grupos
que mais podem me ajudar a nunca deixar de desejar e
batalhar para ser feliz”.
Isso não é dado por nenhuma identidade social,
por nenhuma formação universitária e por poder
algum. Isso só pode ser dado por uma companhia
viva, de horizonte de vida amplo, à qual cada um de
nós pode ou não aceitar pertencer.
Passa por aí o sentido do nosso trabalho, que
não será dado pela instituição em que trabalhamos,
mas ao contrário, será a instituição que crescerá com
sentido se o carregarmos conosco ao vivermos ali.
Parafraseando a introdução do caderno
Educação Afetiva, quero desejar a cada um de vocês o
mesmo que desejo àqueles com quem trabalho: que
tambémoseutrabalho“ajudeaencontrarmoscaminhos
sempre novos - para cada um e para a convivência
entre nós - na constante batalha para ser feliz!”.
235566559 plantao-psicologico
49
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
1
Expressamos o
reconhecimentodos
plantonistas que
colaboraram em
uma primeira siste-
matização desta
e x p e r i ê n c i a :
Alessandra R.
Alvarenga, Ivana
Carla B. C. Santos,
Lilian Rocha da
Silva, Romina
Magalhães,Ronnara
Kelles Ribeiro e
Tânia Coelho de
Alcântara.
Plantão Psicológico na escola:
presença que mobiliza
Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
Juliana Mendanha Brandão
RobertaOliveiraeSilva
Comunicar uma experiência
1
, explicitar seu
método, ressaltar a potencialidade de uma proposta, dar
visibilidade a um processo real: são objetivos do presente
capítulo.Impactar-secomaforçadopossívelqueemerge
de uma experiência: eis a motivação destas páginas.
Experiência, é claro, se dá em tempo, espaço e
contexto social determinados; e da compreensão de seus
elementos fundamentais depende a continuidade de sua
presença mobilizadora ao longo do tempo. Na verdade,
se assim não fosse, nem ao menos poderíamos chamá-la
de experiência. Procuramos, então, aqui, explicitar o
palmilhar de um percurso feito. Compartilhado o
caminho com o leitor, a continuidade da experiência já
será objeto de atenção de todos nós, cada qual em seu
tempo, espaço e contexto social.
TEMPO, ESPAÇO E CONTEXTO SOCIAL
Relatamos aqui a implantação de um Serviço de
Plantão Psicológico em uma escola pública de segundo
50
Plantão Psicológico: novos horizontes
2
A experiência aqui
relatada se deu em
1997.
3
Confira o capítulo
“Plantão Psicoló-
gico na escola: uma
experiência”, de
Miguel Mahfoud,
neste mesmo livro.
grau num bairro operário na periferia de Belo Horizonte
(MG)
2
, estabelecendo um campo de estágio da
disciplina “Aconselhamento Escolar: Plantão
Psicológico” no curso de Psicologia da Universidade
Federal de Minas Gerais, a partir da proposta de Plantão
Psicológico no contexto escolar elaborada pelo
professor
3
.
Trata-se de uma aplicação original – cunhada
em comum entre professor e estagiários – iniciada e
levada a cabo com atenção a potencializar os recursos
pessoais e materiais que aquele grupo e aquela instituição
apresentavam. Trata-se, então, não de aplicação
mecânica de um novo modelo, mas de atualização de
uma atenção viva às pessoas que compunham a equipe,
de maneira tal que atentas à própria experiência se
colocassem no contexto escolar mobilizando a mesma
atenção; de maneira tal que disponíveis ao encontro
com o novo se inserissem na escola despertando o
desejo de encontro e de crescimento que constitui todo
homem; de maneira tal que atentos aos movimentos
de transformação e crescimento se desenrolando entre
nós da equipe, se dispusessem a observar, acolher e
facilitar, com curiosa e discreta abertura, cada
movimento promovido no contexto institucional.
Aquela escola específica foi escolhida por estar
inserida em uma comunidade muito ativa em termos
de movimentos sociais, comunitários e culturais. A
própria escola foi idealizada e construída pela
comunidade local (construída enquanto instituição mas
também enquanto espaço físico). Poder contar com
esse perfil dinâmico e mobilizador da comunidade para
o desenvolvimento do nosso trabalho foi uma das
intenções, de maneira tal que as relações entre o
atendimento individual, a instituição e a comunidade
em que estão inseridos fossem objeto de atenção; de
maneira tal que o atendimento aos alunos dentro
daquela escola pudesse concretamente contribuir –
51
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
ainda que de maneira simples – com um movimento
social mais amplo que, por posicionamento político e
cultural, valorizamos.
Estabelecemos um contrato com a escola,
através de sua diretora, oferecendo um Serviço de
atendimento em Plantão Psicológico nas dependências
da escola, nos horários normais de aulas, para receber
alunos que solicitassem ajuda psicológica. Em
contrapartida, a escola garantiria alguns aspectos
fundamentais para o andamento do trabalho: espaço
físico adequado para acomodação dos estagiários onde
pudessem ser feitos os atendimentos; autorização aos
alunos para saírem de sala de aula para procurar o
Serviço; o não encaminhamento dos alunos ao Plantão
Psicológico por parte de professores e direção.
Uma vez que para atingir nossos objetivos de
mobilizar os alunos era fundamental abrir para eles
um espaço em que a busca por ajuda pudesse ser livre
de qualquer imposição ou limitação de horários por
parte da escola, era fundamental que eles tivessem a
liberdade de procurar-nos no momento que fizesse
mais sentido para eles, do modo que achassem melhor,
para falar sobre o que desejassem.
A diretoria da escola recebera de bom grado a
proposta e sentia-se honrada em ser o público número
um de um projeto piloto em Belo Horizonte, em
conjunto com a nossa universidade.
PREPARAR:DAAPREENSÃOÀATITUDEDEESCUTAPROFUNDA
Habitualmente, ao se pensar em presença de
psicólogos no contexto escolar emergem duas
concepções: a da intervenção psico-sociológica
tradicionalmente considerada – com planejamento a
partir de uma leitura diagnóstica da instituição – e a da
intervenção de base clínica, voltada a favorecer a
superação de dificuldades localizadas no aluno, em seu
desenvolvimento e/ou saúde mental. Essas concepções
52
Plantão Psicológico: novos horizontes
se apresentam insistentemente a quem se dispõe a
adentrar aquele contexto, e a proposta de um modelo
outro, baseado em acolher as demandas dos alunos
enquanto pessoas – normalmente desconhecidas antes
que se inicie o trabalho – e que procura acompanhar
as ressonâncias institucionais de mobilizações pessoais
– que se verificarão só a partir da intervenção – não
pode deixar de provocar apreensão.
A proposta de Plantão Psicológico em si mesma
já requer uma abertura ao não-planejado; quando se
acrescenta a vinculação institucional a ser delineada no
decorrer do processo, a exigência de disponibilidade
a acompanhar um processo sem um planejamento
prévio é ainda maior. Frente à inevitável apreensão,
uma sugestão: observar atentamente para conhecer;
ouvir profundamente para facilitar a expressão do que
de mais significativo será trazido a nós; estar realmente
presente, disponível, e atentar à mobilização que pode
nascer daí.
Contato com literatura especializada e relatos
de experiências de intervenções nessa modalidade de
Aconselhamento Psicológico (cf. Mahfoud, 1987, 1989,
1992; Mahfoud, Morato & Eisenlohr, 1993), ajudaram
que se estabelecesse uma posição de ativo empenho
com a proposta – que é mesmo um tanto
desconcertante –, respaldados também na literatura
fundamental acerca da Abordagem Centrada na Pessoa
elaborada por Rogers.
A proposta era disponibilizar-se em termos de
tempo e de escuta. Ou seja, os estagiários comporiam
uma equipe sempre presente na escola: estariam
literalmente de plantão ali à disposição dos alunos,
cobrindo todos os horários de funcionamento daquela
instituição,disponíveisaoatendimentoàpessoadoaluno
no momento em que ele estivesse precisando de ajuda,
não sendo assim necessário marcar horário com
antecedência e não estaria implicada necessariamente
53
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
uma continuidade de atendimento. O que dirige o
percurso é a necessidade da pessoa, garantida a
permanênciadadisponibilidadedaequipedeplantonistas
e contando com a iniciativa dos próprios alunos
buscarem atendimento quando fizer sentido para eles.
Mas afinal o que estaríamos oferecendo neste
serviço? Um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda
para rever, repensar e refletir suas questões. O objetivo
era possibilitar aos alunos a oportunidade de se cuidar,
de estarem atentos ao que é realmente importante para
eles naquele momento, e então de se posicionarem
diante disso. O psicólogo neste tipo de serviço não
está ali atento a solucionar algum problema mas
procura estar presente acolhendo a pessoa e escutando-
a ativamente, possibilitando com isso que ela se
mobilize frente à sua situação; procura estar centrado
na pessoa mais do que no problema.
Esse momento de preparação fora fundamental
do ponto de vista do método, pois pôde ficar claro
que ouvir – escuta ativa, profunda – é uma intervenção,
e que aquilo que verbalizamos para a pessoa, aquilo
que pontuamos ou refletimos devolvendo para ela é
uma intervenção complementar à escuta, vem como
que acoplada. A escuta, enquanto postura básica, é
saber ouvir o outro, estar preparado e disponível para
receber a vivência que estiver trazendo, tomando-a em
sua complexidade original, em seus múltiplos
horizontes, demaneiratalafacilitarqueapessoaexamine
com cuidado as diversas facetas de sua experiência.
Essa escuta solicita de nós uma atenção a uma
multiplicidade de perspectivas, mas sobretudo requer
uma atenção à perspectiva que aquela pessoa escolhe
–oupode–nomomentoexaminarparaadentrarsempre
mais profundamente na própria experiência; e isso
requer mais respeito ao caminho empreendido pela
própria pessoa do que qualquer habilidade preditiva
por parte do plantonista. Abertura ao novo
54
Plantão Psicológico: novos horizontes
incansavelmente emergente em cada pessoa que
examina sua vivência; abertura maravilhada diante do
mistério da liberdade de cada ser humano, e daquele
ali em particular: é o primeiro passo para entrar em
contato com a realidade das pessoas.
Nos permitimos entrar em contato com o ouvir
não só do ponto de vista teórico (cf. Rogers, 1983;
Amatuzzi, 1990) mas reconhecendo nossa experiência,
sabendo que está em nós o recurso fundamental para
facilitar que o outro se escute a si próprio.
Reconhecemos, então, o fundamento do Plantão
Psicológico naquela atitude que propicia a facilitação
de um processo que é do cliente, e portanto a função
do psicólogo não é conduzir esse processo mas
acompanhá-lo.
Mas, na prática, o que seria ouvir? O que
representaria esse tipo de atenção para com o outro
ali diante de mim? Preocupação primária e fonte de
ansiedade para os iniciantes em atendimento
psicológico, mas preocupação e ansiedade em outra
medida sempre presente também para quem, por anos
a fio, busca se colocar diante do outro com a abertura
confiante necessária para que se dê um processo na
direção do crescimento e da mobilização, para que se
dê um processo de mudança em função do sentido
tão próprio àquele que pede ajuda.
E na supervisão não poderia ser diferente:
atentar para os recursos ali presentes, enquanto pessoa,
e acolhê-los, sobretudo para que cada estagiário pudesse
descobrir-se como terapeuta no decorrer do contato
com o outro, mobilizando seus próprios recursos
afetivos e intelectuais. Todos nós, diante desse tipo de
escuta, livres de interpretações, generalizações e pré-
concepções, estaríamos mais propícios a nos perceber
e perceber o outro. O grande segredo é o aprendizado
com a própria experiência. E esse segredo se revela
efetivamente só com o decorrer do próprio trabalho.
55
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
CONTATOS INICIAIS
Nos primeiros contatos de toda a equipe do
Plantão Psicológico com a escola confirmamos, da
parte deles, o interesse e a disponibilidade em colaborar.
Porém, já de início eram perceptíveis as expectativas
da instituição quanto ao trabalho: a de que
responderíamos a demandas pré-definidas por eles,
ligadas ao que consideravam ser os problemas mais
graves, recorrentes e emergenciais como, por exemplo,
abuso de álcool e gravidez na adolescência.
Nos parecia natural que frente à novidade da
proposta, surgisse na escola – juntamente à
disponibilidade e abertura – alguma dificuldade em
colocar-se numa perspectiva diferente, centrada no
aluno e a partir de um posicionamento diverso por
parte da Psicologia. Demo-nos conta de que não era
preciso que a escola entendesse, imediatamente, tudo
o que iríamos fazer ali: o fundamental naquele momento
é que aceitasse o desafio e possibilitasse nossa atuação.
Afinal, quem de nós sabia o que estava por vir? Era o
início de nossa presença ali; e sabíamos que clarificar,
continuamente, nossa proposta era mesmo parte de
nosso trabalho. No vivo da interação com a instituição
íamos repropondo e reafirmando os princípios e os
fundamentos. Era imprescindível que fôssemos firmes
em nossa proposta assim como nas exigências
necessárias para colocá-la em prática. E então, melhor
do que argumentar seria mostrar a que viemos.
APRESENTANDO A PROPOSTA
Organizamos uma apresentação da equipe de
plantonistas e de nossa proposta para os alunos – que
sabíamos ser útil a todo o quadro da escola. Evitamos
passar de sala em sala, ou reunir a todos para explicar o
que é Plantão Psicológico. A apresentação da proposta
ao público interessado precisava ter impacto para marcar
nossa presença e nosso trabalho entre eles, sem deixar
56
Plantão Psicológico: novos horizontes
também de explicitar com clareza nosso objetivo. Além
do quê, era preciso desmistificar a Psicologia, aproximá-
la da realidade daqueles adolescentes, mostrando a eles
que psicólogo não é “pra doido”, como muitas pessoas
costumam pensar, mas para todos que tenham interesse
em se conhecer melhor, olhar para si e se reconhecer em
suas vivências, cuidar para vivê-las de um modo mais
saudável e consciente; era preciso afirmar que estaríamos
ali disponíveis para acompanhá-los em sua experiência.
Para alcançar tal objetivo elaboramos uma
apresentação que fosse clara e próxima dos alunos,
procurando utilizar uma linguagem própria da idade
deles e que pudesse abarcar ao máximo a realidade em
que vivem. Utilizamos recursos musicais e teatrais pois,
além de provocar certo impacto, era uma maneira em
que nos sentíamos muito à vontade. Estávamos
lançando mão de nossos próprios recursos, oferecendo
nossa disponibilidade, cada um podendo se colocar
com o que tem para oferecer tornando o grupo uma
equipe coesa e disponível, cada um com suas diferenças,
facilitando assim que as diversidades se aproximassem.
Essa forma de se apresentar aconteceu nos três
turnos, aproveitando o horário do recreio, por
considerarmos ser o momento em que poderíamos estar
mais próximos dos alunos e para passar a mensagem que
estávamospropondoumespaçorealmentevoltadoaeles
na escola. Preparamo-nos sem que os alunos soubessem;
apenas a diretoria estava ciente do que iríamos fazer.
Quando tocou o sinal para o recreio e os alunos
começaram a sair das salas e se dirigirem para o pátio nós
começamosatocarumamúsicaeiniciamosaapresentação,
distribuímos panfletos com a letra de uma música
composta por nós e no verso uma explicação do que
seria o Plantão Psicológico. Utilizamos algumas músicas
jáconhecidas,comtemáticabemjovemeatual,quetraziam
questões propícias a se mobilizar em direção a se cuidar,
como por exemplo as de Legião Urbana, Kid Abelha,
57
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
Lulu Santos, Ultraje a Rigor. Criamos também algumas
músicas-paródiaeatécompusemos“ORapdoPlantão”.
Seguem alguns exemplos:
Rap do Plantão
Cheguei em casa da escola tô cansado de estudar
Meu pai não me entende não adianta conversar
Minha mãe me repreende não tenho com quem falar
Liguei pra namorada e ela não estava lá
Procurei por meus amigos
Me disseram: Sai pra lá!
Ninguém
Quer me entender
Ninguém
Quer me responder
Em minha cabeça tudo roda e eu não sei o que fazer
Quem sou?
De onde vim?
Pra onde vou?
O que fazer, o que fazer?
Não consigo esclarecer tá difícil de entender
Não consigo me acalmar tá difícil de aguentar
Mil problemas me esquentam
Mil questões me atormentam
E os outros no meu pé
Cada um com seu palpite
Minha cabeça dá um nó
E não há quem acredite
E eu?
O que que eu faço desta vida?
E eu?
Qual vai ser a minha história?
E eu?
58
Plantão Psicológico: novos horizontes
Reggae do Plantão
(Paródia de “Pensamento”, do grupo Cidade Negra)
Eu preciso falar do que se passa aqui dentro
Vou procurar o plantão
Preciso de alguém que me escute e me entenda
Prá eu também me entender
É este mundo
É minha vida
Quero mudar
Quero aproveitar
Quem não se cuida
Não curte a vida
Fica parado sem sair do lugar
Exibem poesia as palavras de um rei
Faça sua parte
Que eu te ajudarei
Twist do Plantão
(Paródia de “Twist and Shout”)
Vou conversar no Plantão (no Plantão)
Não sei se tem solução (solução)
É um espaço pra mim (para mim)
É disto que eu tô afim.
Ah... Ah... Ah... Ah... Ah...
Melô do Plantão
No plantão falar é “bão”
Muito “bão” (Repete 3x)
Muito “bão”.
No plantão falar é “bão”.
59
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
4
Uma breve edição
em vídeo de filma-
gens feitas durante
estas apresenta-
ções está incluída
no CD-ROM anexo
aolivro.Asmúsicas
também podem ser
ouvidas já integra-
das ao vídeo ou
através de um CD-
player convencio-
nal (faixas 2, 3, 4, e
5)
Pretendíamos criar um momento de
apresentação em que eles se reconhecessem e
pudessem estar mais atentos à explicação que iríamos
dar posteriormente sobre o Serviço.
Elaboramos uma dramatização que pudesse
representar bem a vivência de um adolescente
incompreendido em sua própria casa e que por fim
resolve buscar ajuda no Plantão Psicológico como meio
de pensar e refletir sobre suas questões.
De início os alunos pareciam espantados e aos
poucos foram se ambientando, começaram a interagir
conosco cantando as músicas e batendo palmas, e até
mesmo dançando. Nos entremeios de uma música e
outra e o teatro íamos falando de forma espontânea
quem éramos nós e o que estávamos fazendo ali.
Procuramostocá-losnoquedizrespeitoàvivência
deseradolescentecheiodequestões,dúvidas,inquietações
e à dificuldade de contar com alguém que possa estar
junto com ele acompanhando-o nessa experiência.
Estávamos propondo a eles que uma maneira “legal” de
se cuidar, de manter-se bem em meio aos problemas e
dificuldades,édar-seaoportunidadedefalardessascoisas,
pensando sobre elas e sobre como eles podem estar
vivendo de forma consciente cada situação, podendo até
passar a vê-la de modo diferente. Divulgamos assim o
Serviço de forma descontraída sem perder a seriedade
donossocompromissocomaproposta.
4
OS ATENDIMENTOS E AS DEMANDAS
No dia seguinte à apresentação da proposta aos
alunos, os estagiários começaram a ficar de plantão, na
sala disponibilizada pela escola, e imediatamente os
atendimentos começaram. Os estagiários se dividiam
pelos três turnos de aulas, de segunda a sexta-feira, e
tambémnosábadodemanhã,oquefaziacomquesempre
houvesse um ou dois estagiários na sala do Plantão,
disponíveis para os alunos.
60
Plantão Psicológico: novos horizontes
Nos atendimentos procurávamos acompanhar a
organização própria dos alunos, pois era centrando na
experiência destes que descobríamos como proceder.
Esta atenção ao movimento que os alunos faziam ao
buscar o Plantão Psicológico nos indicava como
responder à este movimento. Sendo assim, o número
dealunosqueparticipavadeumasessão, aduraçãodesta,
a marcação de uma nova, e o próprio andamento de
cada sessão acompanhavam a necessidade do momento
e não uma regra pré-estabelecida. O que mantínhamos
firme sempre era nossa disponibilidade para ouvi-los,
ajudá-los a examinar sua experiência, e a proposta de
que o Plantão Psicológico era para qualquer aluno que
quisesse ‘se cuidar’. Atendemos então indivíduos e
grupos, em uma ou mais de uma sessão, que duraram
de quinze minutos a uma hora e meia.
Nos casos em que os alunos voltavam, sendo
atendidos diversas vezes, e se percebia uma necessidade
de ajuda que ia além da proposta de atendimento em
Plantão Psicológico (ver abaixo a categoria “Incômodo
com a maneira de ser e de reagir à situações”), nós os
encaminhávamos para Serviços ou clínicas sociais que
oferecessem psicoterapia a um baixo custo ou
gratuitamente. Foram poucos os casos encaminhados,
já que na maioria não houve esta necessidade.
Ao final do primeiro semestre, realizados
atendimentos no período de abril a junho, havíamos
atendido 11,9% do total de alunos da escola (124 de
um total de 1035), em 134 sessões (ver tabela I na
próxima página). Note que o número de alunos
atendidos e de sessões é diferente, já que um aluno
pode ter sido atendido em mais de uma sessão e vários
alunos, em grupo, podem ter sido atendidos em uma
única sessão. Para chegarmos a este total de alunos
atendidos contabilizamos as sessões efetivas, (ou seja,
aquelas em que os alunos haviam se movimentado
frente à alguma questão) deixando de lado, para efeito
61
PlantãoPsicológiconaescola:presençaquemobiliza
TABELAI
Dadosquantitativossobrecadaturno
ALUNOSMATRICULADOS
Númerode
alunos
matriculados
em cada
turno
% de alunos
matriculados
em relação
aonúmero
total de
alunos da
escola
Númerode
pessoas
atendidas no
turno
Manhã
ALUNOSATENDIDOS ATENDIMENTOS(SESSÕES)
% de pessoas
atendidas no
turno em
rela-çãoao
total de
alunos ma-
triculadosno
mesmoturno
% de pessoas
atendidas no
turno em re-
lação ao
total de
pessoas
atendidos na
escola
Númerode
atendimentos
no turno
% de
atendimentos
no turno em
relaçãoao
total de
atendimentos
na escola
423 40,9% 31 7,3% 25 36 26,9
Tarde 126 12,2% 46 36,5% 37,1 14 10,4
Noite 486 46,9% 47 9,7% 37,9 84 62,7
Total 1035 100% 134 100% 100% 124 100%
62
Plantão Psicológico: novos horizontes
de contagem, as situações em que os alunos passavam
rapidamente pela sala do Plantão Psicológico para dizer
olá, espiar, ou fazer um comentário, e aquelas em que
os alunos permaneciam conosco por algum tempo
conversando “fiado” ou querendo saber mais sobre
nossa proposta, fazendo perguntas do tipo “O que é
mesmo o Plantão?”. Vale dizer que algumas situações
como estas serviram como via de acesso à ajuda, ou
seja, o aluno chegava como quem não quer nada para
logo em seguida, já ambientado, conseguir falar de si,
transformando a “visita” em um atendimento, que era
então contabilizado.
Durante todo o semestre os atendimentos eram
discutidos nos encontros semanais de supervisão. Para
cada sessão ou atendimento era feito um relatório
escrito. Nestes encontros, além dos atendimentos,
conversávamos também sobre a instituição em seus
diferentes âmbitos, ou seja, falávamos dos professores,
da diretoria, dos turnos, do que observávamos
enquanto estávamos na escola.
Queríamos estar atentos para as repercussões
que nossa presença estava tendo na escola. Isto também
era parte de nossa proposta de Plantão Psicológico.
Ao escutar os alunos, estávamos intervindo também
na instituição, ajudando estes a se dar conta de suas
necessidades frente à escola, o que poderia mobilizá-
los a atuar nesta para transformá-la. Ao escutar a
instituição em cada um de seus âmbitos estávamos
também intervindo, pois surgiam então respostas que
poderiam ser dadas ao grupo.
Um exemplo disto foi nossa atuação
diferenciada em relação à características singulares que
o turno da tarde tinha em relação aos outros turnos:
No turno da tarde funcionavam três turmas,
todas do primeiro ano do segundo grau, totalizando
cento e vinte e seis alunos. No início do trabalho, os
alunos deste turno não procuraram o Plantão
63
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
Psicológico, diferenciando-se dos outros turnos onde
a procura foi imediata, acontecendo já no primeiro dia
de funcionamento do Serviço. Através de observações
que os estagiários haviam feito enquanto aguardavam
atendimento e de conversas informais com os alunos,
principalmente no horário do recreio, levantamos
algumas características específicas deste turno que
poderiam explicar a não-procura pelos atendimentos
naquele turno. Concluímos que a procura poderia estar
sendo dificultada por:
- um maior controle sobre os alunos, por parte
de quem ocupava a direção da escola naquele
período, no sentido de evitar que os alunos
ficassem fora de sala de aula no horário letivo;
- um maior controle dos alunos sobre os
próprios alunos. Neste turno haviam poucas
turmas, o que fazia cada aluno estar mais
exposto. Todos eles eram novatos na escola –
já que eram turmas de 1
a
série do científico – e
estavam provavelmente tentando se ‘enturmar’,
fazer amigos, e a busca por um Serviço de
atendimento psicológico poderia atuar
negativamente neste sentido, pela imagem
tradicional do psicólogo como alguém que
atende ‘loucos’. De fato os alunos que falavam
em procurar o Plantão Psicológico eram
caçoados pelos colegas.
Entendemos que precisávamos intervir
diferenciadamente neste turno para facilitar o acesso à
ajuda. Criamos para isto uma estória em quadrinhos
que foi colocada em um cartaz bem visível aos alunos
deste turno. Essa estória retratava a situação de um
aluno que queria ir ao Plantão Psicológico mas se
intimidava pois os colegas caçoavam quando
expressava esta vontade. Ele conversa então com um
outro colega que havia ido mas que se recusa a explicar
o que havia acontecido lá, dizendo que ‘No plantão falar
64
Plantão Psicológico: novos horizontes
é bão’, com uma expressão muito satisfeita, indicando
que este deveria descobrir por si mesmo. O aluno
decide então ir ao Plantão Psicológico. Com este cartaz
estávamos espelhando a situação dos alunos para eles
mesmos. Era já uma escuta.
Uma outra intervenção desse gênero foi a de
uma estagiária, que envolveu um grupinho de alunos,
convidando-os para a ajudarem a confeccionar um
cartaz onde foi escrito ‘Plantão Psicológico’ para ser
colocado na porta de nossa sala. Buscava com isso
aproximar mais os alunos do nosso espaço de
atendimento, desmistificando também o psicólogo
como distante e como ‘coisa para doido’.
A resposta a estas intervenções foi imediata. No
dia seguinte à fixação da estória em quadrinhos num
corredor da escola, um grupo de alunos apareceu para
conversar. Os atendimentos começaram então a
acontecer também no turno da tarde, no qual foram
atendidos 46 alunos, ou seja, 37,1% do total de alunos
atendidos na escola. O número de atendimentos neste
turno foi de 14, que corresponde a 10,4% dos
atendimentos realizados na escola. A diferença entre o
número de atendimentos e o de alunos atendidos é
grande pois houveram vários atendimentos em grupo
neste turno. Esta ‘preferência’ dos alunos pelos grupos,
e o fato dos atendimentos terem acontecido geralmente
no horário do recreio ou quando algum professor não
comparecia para dar aula, pode ser entendida: se é o
grupo que comparece, diminui o controle individual
que as características de contexto descritas mais acima
exerciam sobre os alunos.
Os turnos da manhã e da noite tinham um
número bem próximo de alunos matriculados, sendo
423 no da manhã e 486 no da noite. Nestes dois turnos
os alunos procuravam o Plantão Psicológico em
qualquer horário, ou seja, no recreio ou durante as aulas,
quando queriam ser atendidos. No turno da manhã,
65
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
foram atendidos 31 alunos (7,3% do total de alunos
atendidos na escola), em 36 atendimentos (26,9% do
total de atendimentos realizados na escola). Houveram
atendimentos em grupo, embora não tantos quanto no
turno da tarde. O turno da noite se diferencia neste
aspecto pois quase não houveram atendimentos em
grupo. Neste turno ocorreram a maior parte dos
atendimentos realizados na escola (62,7% do total),
sendo atendidos 47 alunos (37,9% do total). Quanto à
porcentagem de pessoas atendidas em cada turno em
relação ao total de alunos naquele mesmo turno, os
turnos da manhã e da tarde se assemelham, com
respectivamente 7,3% e 9,7% de seus alunos atendidos.
Já o turno da tarde se destaca pois teve 36,5% dos
seus alunos atendidos, geralmente em grupos, como já
foi dito.
Após passarmos pela experiência de um
primeiro semestre atendendo em Plantão Psicológico,
surgiu a necessidade de organizar essa experiência,
buscando entender com clareza as necessidades
daqueles sujeitos que nos procuravam. Essa
organização nos daria, através de uma leitura mais
sistematizada das demandas dos alunos, um maior
conhecimento sobre os sujeitos que atendíamos e,
conseqüentemente, uma ajuda para o entendimento da
dinâmica da instituição escolar e até para nossas
intervenções ali. Além disso, seria importante para o
retorno que daríamos à escola sobre nosso trabalho e,
de forma mais geral, sobre as questões mais discutidas
pelos alunos. Esse retorno, por sua vez, poderia levar
a escola a rever sua visão e sua posição frente aos alunos.
Deste modo, passamos um semestre atendendo
em Plantão Psicológico, ouvindo cada pessoa enquanto
pessoas únicas, com demandas próprias, que iam, à
medida em que eram escutadas e se escutavam, fazendo
seu movimento em direção à mudança (cf. Mahfoud,
1989). Mas a singularidade do movimento de cada
66
Plantão Psicológico: novos horizontes
umnãoocultavaquemuitosalunosaliatendidosvinham
falar de coisas que às vezes eram comuns a outros. E
foi em busca do que fosse comum que fizemos uma
categorização das demandas que os alunos da escola
traziam, a partir dos relatórios dos atendimentos que
eram escritos pelos plantonistas.
É importante frisar que as categorias de
demandas não foram criadas antes de examinarmos
atentamente os relatórios, para que tentássemos
encaixar nelas os “problemas já-categorizados” dos
alunos, pois se fizéssemos assim, correríamos o risco
certeiro de distorcer a experiência do aluno
enquadrando-o em “pré-suposições” nossas. Ao
contrário, optando por uma metodologia
fenomenológica, deixamos que as categorias
“emergissem”, fossem “des-cobertas”, após discussões
concentradas sobre os diversos casos.
Assim, discutimos qual o tema central de cada
atendimento, qual a principal demanda que ali se
sobressaía como uma questão importante para o aluno,
na perspectiva dele. Não tentamos ver o que estava
“por trás” do que ele dizia e nem nos guiar em direção
daquilo que mais se chocava aos nossos olhos – mais
que aos deles – como a violência, que por vezes
permeava suas realidades.
Algumas vezes, a questão principal de um sujeito
só aparecia ao final de um atendimento, após serem
discutidos outros assuntos ou mesmo problemas. Mas
o momento em que o tema central aparecia era aquele
em que a demanda tornava-se nítida, através de indícios
como uma maior emoção, atenção, entusiasmo,
constrangimento, “brilhos no olhar” ou até a revelação
da própria pessoa dizendo que aquela era sua demanda
principal, era o principal motivo pelo qual estava ali.
As diversas questões principais “descobertas”
eram comparadas entre si a fim de se descobrir
semelhanças entre elas. Questões que envolviam um
67
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
mesmo tipo de dificuldade, incômodo ou mesmo busca
foram, então, agrupadas sob uma mesma expressão que
as abarcasse todas.
Desta forma, elaboramos 15 categorias, além de
uma chamada “demanda indeterminada”. Quando uma
pessoa vinha ao Plantão Psicológico e durante o
atendimentováriasquestõesapareciamcomoigualmente
importantes para ela, o atendimento era considerado
“demanda indeterminada”. Também dentro desta
categoria foram incluídos os casos em que não foi
identificada nenhuma demanda claramente ou aqueles
em grupo em que cada pessoa trazia uma diferente
questão, aparecendo então uma multiplicidade de
demandas principais na mesma sessão. Essa
impossibilidade de se identificar a demanda se deveu
em alguns casos a relatórios mais interpretativos do que
descritivosque,dandomaisênfasenavisãodoplantonista
do que na fala do aluno atendido, nos impossibilitou de
identificar sua demanda principal. Perceber essa falha
nos relatórios foi uma indicação valiosa para futuros
relatos de atendimentos e até para atendimentos em si,
nos quais se corre o risco de abandonar a atenção
centrada na pessoa que busca o Plantão Psicológico para
voltá-la para elocubrações que a ultrapassam.
A escola tinha expectativas quanto às questões
que mais seriam abordadas pelos seus alunos.
Esperavam, por exemplo, que os alunos falassem de
gravidez na adolescência, de seus professores e
diretoras e ainda de abuso de álcool. Nós mesmos
esperávamos que o tema “violência” aparecesse
enquanto uma categoria isolada, já que essa questão
foi muito abordada nos atendimentos. Notamos, no
entanto, que esses temas eram na maior parte das vezes,
“apenas” subjacentes àquilo que mais os incomodava.
Como se fosse um cenário às particulares histórias dos
vários sujeitos que procuravam atendimento ou mesmo
mais uma contingência difícil de suas vidas.
68
Plantão Psicológico: novos horizontes
Foi muito importante entender que, muitas
vezes, o que era atordoante para os plantonistas – como
a violência sexual, familiar e de rua – e que talvez por
isso esperávamos que fosse o mais importante e
atordoante também para a pessoa que nos procurava,
às vezes, podia não se apresentar assim. Desse modo,
percebemos que, atendendo pessoas que vivem uma
realidade diferente da nossa e categorizando esses
atendimentos segundo suas demandas, devíamos
cuidar para que nossa atenção centrada na pessoa e
em sua perspectiva não fosse abandonada em função
de nossos próprios valores.
Entre as categorias de cujo aparecimento havia
alguma expectativa de nossa parte, apenas a demanda
“dificuldade com drogas”(4) foi realmente
categorizada. No entanto, surgiu apenas um caso em
que essa demanda, enquanto principal, foi apresentada.
De um modo geral, em nossa categorização, a
questão da “violência” apareceu associada a outras,
incluídas na categoria “insatisfação com as atribuições
e contingências” (11). As pessoas cujos atendimentos
foram aí categorizados queixavam-se de insatisfação
com as condições externas a elas, o que as
incomodavam, mas que independiam de suas ações. O
que se poderia fazer, então, era quase que suportar tal
realidade e se colocar em relação a ela de maneira
diferente. Um exemplo de um caso incluído nesta
categoria seria aquele em que o aluno queixa-se de sua
mãe que é alcoólatra, de seu pai violento e foi
“atribuído” a ele, cuidar dos irmãos mais novos. Tudo
isso, são contingências de sua vida que o incomodam
com as quais tem que lidar e que lhe foram impostas
por outros, no caso, o pai e a mãe.
Na categoria “preocupação com conseqüências
de ações ou decisões passadas” (14), foram agrupados
os casos em que havia uma ansiedade acerca de
decisões ou atos já realizados, como o da aluna com
69
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
medo de estar grávida ou do rapaz preocupado com as
implicações de ter montado um trailler ecomoconciliaria
istocomseusestudos. Umaoutracategoria,“dificuldade
em fazer escolhas”(6), foi criada para aqueles casos
em que uma pessoa tinha diante de si opções entre as
quais deveria escolher uma, a qual poderia mudar o
rumo de sua vida. Incluímos, nessa categoria, as
demandas de orientação profissional e também
demandas relacionadas a outras decisões a serem
tomadas na vida pessoal.
Os casos em que sujeitos tinham que aprender
a lidar com alguma perda que haviam sofrido
configuraram a categoria “elaboração de perdas”(7)
que incluiu perdas por morte ou por separação, como
término de relacionamento amoroso.
Já a categoria “arrependimento e culpa” (1)
abarcou os casos em que as repercussões de atos e
decisões já efetuados levavam a estes sofrimentos
especificados. Havia um questionamento relacionado
à adequação de tais ações e decisões já tomadas,
fazendo com que sentimentos de culpa ligados a
valores pessoais e sociais emergissem. Um exemplo
dessa categoria seria o da aluna que se sentia
arrenpendida e culpada por ter feito um aborto. Esta
categoria se diferencia da categoria “preocupação com
as conseqüências de ações passadas” pelo fato de que
nesta, havia uma ansiedade (uma pré-ocupação) em
torno das ações já realizadas, como que um medo de
sofrer pelas conseqüências, e na categoria
“arrependimento e culpa”, a conseqüência de um ato
já está causando sofrimento.
As demandas ligadas à categoria “sexualidade”
eram, em sua maioria, associadas a uma necessidade
de discussão, por parte de alunas, a respeito de
virgindade, valores da sociedade sobre a sexualidade,
a posição e idéias de cada aluna frente ao assunto.
Todos os atendimentos dessa categoria foram feitos
70
Plantão Psicológico: novos horizontes
em grupo e no turno da tarde, no qual, talvez pela
idade dos alunos (eram mais novos que os dos outros
turnos), tais assuntos despertassem maior interesse.
Uma outra categoria: “dificuldades com a
escola”(5) englobou os assuntos relacionados à vida
escolar dos alunos, desde dificuldades com um
determinado professor até problemas de atenção, notas
e aprendizagem.
Na categoria “busca de reconhecimento”,
agrupamos os casos em que os alunos nos procuravam
para nos contar como estavam lidando bem com os
desafios que lhes eram colocados pela vida. Eles já
haviam tomado uma decisão, gostavam da própria
maneira de ser e precisavam apenas de alguém que, de
certa forma, poderia os deixar mais seguros sobre o
que estavam fazendo ou sobre seu próprio jeito de ser.
Ao nosso ver, o aparecimento da demanda
“busca de reconhecimento” em nossa categorização é
um sinal do diferencial que uma proposta como o
Plantão Psicológico em Escola representa, em relação
a outras propostas de atendimentos psicológicos em
instituições de ensino. Isso porque,ao situar o psicólogo
em um espaço também para o que é saudável, para o
“se cuidar” e não apenas para o “se tratar”, o Plantão
Psicológico abre um caminho para o sujeito que está
bem se expressar de maneira total, obtendo uma escuta
aberta ao seu modo de viver sua própria vida.
Umaoutracategoria–“incômodocomamaneira
de ser e de reagir às situações”(10) – abarcou justamente
os casos opostos à última categoria explicada. As
pessoas que entraram nessa categoria queixavam-se de
não estarem felizes com algo no seu jeito de ser, como
nervosismo, timidez, solidão, ou com a forma como
sempre reagiam a situações específicas. Um exemplo
deste caso, seria o da mulher que sempre chorava
quando o marido se atrasava. Ela não gostava desta
sua própria reação ao marido, já que não a ajudava em
71
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
nada. Este tipo de sofrimento, um sofrimento que só
dependia do próprio sujeito para que pudesse ser
alterado, foi o que mais demandou atendimentos
(totalizaram 24 sessões) e sobre o qual mais pessoas se
queixaram (14 pessoas com essa demanda). Através da
relação entre o número de pessoas nessa categoria e o
número de sessões, podemos ver que, para este tipo
de demanda é necessário, na maior parte das vezes,
que uma mesma pessoa seja atendida mais de uma vez.
Por causa das características desta demanda,
cujos atendimentos visam uma mudança estrutural na
maneira de ser de uma pessoa, e do tempo maior
necessário para que isso aconteça, começamos a pensar
na possibilidade de encaminhar os sujeitos com essa
demanda para uma psicoterapia, o que fizemos em
alguns casos. Isso não quer dizer que o espaço do
Plantão Psicológico não seja suficiente para que uma
mudança estrutural aconteça, pois vimos que ela
ocorreu em alguns atendimentos. Porém, é uma
proposta de atendimento por Aconselhamento
Psicológico, especialmente adequado a mobilizar
mudanças situacionais, ligadas a questões que os
sujeitostrazememumdeterminadomomento,causadas
por algo que os aflige ou acontece agora. Essas
questões situacionais se adaptam muito bem ao espaço
dinâmico do Plantão Psicológico. As mudanças
estruturais podem ser trabalhadas mais calmamente
através da psicoterapia com atendimentos mais
regulares, mais “garantidos” (porque haverá menos
chance de outra pessoa estar com o psicólogo no
momento da procura) e dentro de um processo que
pode ser mais longo e contínuo (bem maior que o
período letivo ao qual o Plantão Psicológico na escola
está atrelado). O encaminhamento de pessoas com
essas demandas para uma psicoterapia ainda possibilita
que mais pessoas com as outras demandas sejam
atendidas no Plantão Psicológico.
72
Plantão Psicológico: novos horizontes
Quatro categorias de demandas dizem respeito
a relacionamentos:
A primeira delas – “desconfiança nos
relacionamentos”(3) – relacionada a relacionamentos
em geral: amorosos, de amizade, familiares etc.
Compreende os casos em que o aluno tem uma pessoa
de quem gosta e por quem se empenha, essa pessoa
parece também agir dessa forma, mas o aluno desconfia
da legitimidade dos sentimentos dos outro para com
ele. Essa desconfiança vem muitas vezes acompanhada
de insegurança.
Já a categoria “insatisfação nos relacionamentos
com a família”(12) envolve as dificuldades que o aluno
pode ter com qualquer membro de sua família, exceto o
cônjuge, que podem se modificar dependendo de como
se coloca frente a elas. Isso é, basicamente, o que difere
essa categoria da “insatisfação com atribuições e
contingências”, na qual as dificuldades existem
independentemente do aluno, como algo realmente
externo a ele. Um exemplo para essa categoria 12, seria o
do filho que não consegue conversar e ser mais próximo
do pai, embora este se mostre bastante disponível.
As outras categorias que envolvem
relacionamentos – “falta de correspondência nos rela-
cionamentos amorosos”(8) e “falta de reciprocidade nos
relacionamentosjáestabelecidos”(9)–têmumadiferença
básica que é justamente o já-estabelecimento ou não do
relacionamento amoroso. A primeira categoria citada é
aquela na qual os relacionamentos ainda não estão
estabelecidos e uma frase que a explicaria seria: “eu
gosto de alguém que não gosta de mim”. Já no segundo
caso, já há um compromisso “firmado”, de namoro,
casamento, noivado etc, pressupondo-se que duas
pessoas pelo menos se gostam. No entanto, ocorre que
o empenho das duas neste relacionamento não é
recíproco. Um se empenha mais que o outro e essa
falta do outro é que traz o sofrimento. É interessante
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235566559 plantao-psicologico

  • 1. Miguel Mahfoud (org) DanielMarinhoDrummond JulianaMendanhaBrandão John Keith Wood Raquel Wrona Rosenthal Roberta Oliveira e Silva Vera Engler Cury Walter Cautella Junior PlantãoPsicológico: novoshorizontes
  • 2. Todos os direitos desta edição estão reservados à EDITORA C.I. LTDA. Rua Florinéia, 38 – Água Fria 02334-050 – São Paulo – SP Tele/fax: 11 6950-4683 LaPS – Laboratório de Psicologia Social/UFMG © 1999 by Miguel Mahfoud 1ª edição, outubro de 1999 Revisão Miguel Mahfoud Daniel Marinho Drummond Capa e Diagramação Na capa Juliana de Souza Vaz Paul Klee, Caminho Principal e Caminhos Secundários (1929) Coleção C. e A. Vowinckel Edição do CD-ROM Apoio técnico Daniel Marinho Drummond
  • 3. SUMÁRIO Autores ......................................................................................................... 5 Prefácio......................................................................................................... 7 Introdução ................................................................................................. 11 Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade Raquel Wrona Rosenthal............................................................... 15 Plantão Psicológico na escola: uma experiência Miguel Mahfoud............................................................................ 29 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond, Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e Silva .................................................................................................. 49
  • 4. Pesquisar processos para aprender experiências: Plantão Psicológico à prova Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond, Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e Silva .................................................................................................. 81 Plantão Psicológico em Hospital Psiquiátrico: Novas Considerações e desenvolvimento Walter Cautella Junior.................................................................... 97 Plantão Psicológico em Clínica-Escola Vera Engler Cury ......................................................................... 115 Psicólogos de plantão... Vera Engler Cury ......................................................................... 135
  • 5. 5 AUTORES Autores Daniel Marinho Drummond é psicólogo, mestrando no Programa de Pós-Gradução em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. John Keith Wood Ph.D. em Psicologia pelo The Union Institute (E.U.A.), foi professor na California State University em San Diego (E.U.A.) onde também fez plantão psicológico no Hospital e no Centro de Aconselhamento, e, no Brasil, foi professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-Campinas. Amigo íntimo e colaborador direto de Carl Rogers por quinze anos desenvolvendo uma Psicologia de grandes grupos e vários projetos internacionais. Juliana Mendanha Brandão é psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós- graduanda em Psicopedagogia pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.
  • 6. 6 Plantão Psicológico: novos horizontes Miguel Mahfoudé professor adjunto do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Raquel Wrona Rosenthal é psicóloga pela PUC-SP, com Especialização em Aconselhamento Psicológico pela Universidade de São Paulo e Curso de Estudos Avançados da Abordagem Centrada na Pessoa (Rosenberg/Wood). Coordenadora do Curso de Especialização em Abordagem Centrada na Pessoa promovido pelo Centro de Psicologia da Pessoa em São Paulo. Psicoterapeuta e facilitadora de grupos. Roberta Oliveira e Silva é psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais. Vera Engler Cury é professora do Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia da PUC- Campinas, Coordenadora do Departamento de Psicologia Clínica, Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas. Walter Cautella Junior é psicólogo, mestrando pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Chefe do Departamento de Psicologia e Psicoterapia da Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima, Coordenador e supervisor do programa de estágios em psicologia institucional e Presidente do Centro de Estudos daquela mesma instituição.
  • 7. 7 Prefácio PREFÁCIO Este livro traz boas novas. Primeiramente, apresenta evidências de que o Plantão Psicológico é um serviço viável para atender adolescentes, estudantes universitários e outros membros da comunidade, abastados ou não. O contato com esse serviço ajuda as pessoas a lidarem efetivamente com os predicamentos da vida, não os tratando como problemas que requerem tratamento psiquiátrico. Por exemplo, uma pessoa em uma “crise espiritual” não está confrontando um problema. Não está tendo um comportamento normal ou anormal. É um predicamento envolvendo questões filosóficas, buscando significados, identidade. O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustra este ponto de vista em um relato sobre experiências em um colégio. Plantão seria “um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e refletir suas questões”. Naturalmente, tal atividade
  • 8. 8 Plantão Psicológico: novos horizontes não é apenas uma conversa entre amigos. Em situações onde uma forma diferente de psicoterapia é mais apropriada, a pessoa recebe a indicação de um(a) profissional competente. Uma outra boa nova é que plantão psicológico pode promover uma experiência de aprendizagem eficaz para estagiários(as). Confrontando a pessoa inteira no contexto completo da sua existência, o estagiário(a) necessariamente deve ampliar sua visão do papel da psicoterapia. O filósofo e matemático inglês Alfred North Whitehead observou que, “O conhecimento de segunda-mão do mundo instruído é o segredo da sua mediocridade”. O tipo de problemas que as pessoas enfrentam são, em geral, de primeira-mão. A ajuda que necessitam é de ordem prática. Esta forma de aprendizagem é prática. Assim, ambos os participantes – o plantonista e o indagador(a) – participam e se beneficiam de uma educação intuitiva cujo objetivo é a auto-realização. Em um encontro de pessoa a pessoa como este, onde se procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhor parte do outro com o propósito de curar a mente, o corpo e a natureza, a essência da psicoterapia está, de fato, sendo redefinida. O mesmo observa Walter Cautella Junior, descrevendo seu trabalho em um hospital psiquiátrico: “A experiência do plantão psicológico leva a instituição a reformar sua visão do indivíduo institucionalizado”. Há promessas de mais boas novas. A palavra “plantão” vem do francês planton, quando era aplicado em linguagem militar para designar a pessoa que ocupa uma posição fixa, alerta dia e noite. Seu uso moderno refere-se ao suporte, fora do horário normal, oferecido por médicos em hospitais ou, como aqui, por um psicólogo. Além disso, sua relevância está no
  • 9. 9 fato de que a origem da palavra planton vem do latin: plantare, plantar. Um significado dessa palavra refere-se a “planta do pé”. Assim, o plantão psicológico pode ser visto como tendo seus pés no chão. Sendo prático. Respondendo às necessidades imediatas dos clientes (que poderão ser psicológicas ou de qualquer outra ordem). O segundo sentido de “plantar,” é “meter um organismo vegetal na terra para enraizar”. Essa é outra característica do Plantão Psicológico descrito neste livro: estar plantado na cultura brasileira com suas deficiências e seus nutrientes. Principalmente, é um organismo vivo e crescendo. Assim, como lembram as palavras de Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, “Uma ética das relações interpessoais, sutil mas poderosa, feita de pequenos gestos e acenos suaves, simples e ainda assim determinada, parece conduzir os projetos do Plantão Psicológico”. Se for possível ficar imune e não se deixar restringir por dogmas e modismos filosóficos poderá continuar a se desenvolver efetivamente de acordo com as necessidades da população desse tempo e lugar. John Keith Wood Jaguariúna, Agosto 1999 Prefácio
  • 11. 11 INTRODUÇÃO 1 MAHFOUD, Miguel. A vivência de um desafio: plantãopsicológico. In: ROSENBERG, Rachel Lea (Org.). Aconselhamento p s i c o l ó g i c o centrado na pessoa. São Paulo: EPU, 1987, p.75-83. (Série Temas Bási- cos de Psicologia, Vol. 21) Introdução Frutos Maduros do Plantão Psicológico Miguel Mahfoud Desde a primeira sistematização – nos idos de 1987 1 – da inicial experiência de Plantão Psicológico no Brasil, que se apresentava como desafio a ser vivenciado, como semente que muda de cor e se alastra no terreno de sempre com brotos frágeis mas injetando a verde esperança que tudo transforma, desde então a proposta de um Aconselhamento Psicológico aberto às mudanças de nosso tempo, de nossa cultura e de nossa realidade social foi brotando e formando raízes. Quesoloseriaomaispropícioaodesenvolvimento de algo que prometia vitalidade senão o nosso próprio, nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais? Aprender da experiência a partir de um empenho com a realidade assim como ela é para de dentro transformá- la.Assim,emnossosolobrasileiroaexperiênciadePlantão Psicológico tomou corpo de maneira original. O presente livro quer comunicar a sistematização de um exercício de aprendizagem a partir da experiência
  • 12. 12 Plantão Psicológico: novos horizontes de empenho em diferentes contextos institucionais. Diversas experiências de Plantão Psicológico que dão vida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológico que aceitou romper os limites estabelecidos pelo descompromisso teorizado de tantas psicologias, pelo reducionismo sentimental de algumas propostas de psicologia que se querem humanistas. Veremos aqui os desafios serem enfrentados em novos horizontes. Tantos desafios permanecem os mesmos para a psicologia desde muito: desafios sociais como as dificuldades econômicas e de trabalho, desafios educacionais, desafios de uma psicologia humanista atuante dentro das instituições... A novidade vem da vitalidade da experiência mesma de um atendimento que aceita outros parâmetros para orientar seu desenvolvimento. Os novos horizontes são indicados pela própria aprendizagem significativa sistematizada com rigor para acolher a vitalidade que com surpresa emerge. Queremos que o leitor possa entrar em contato com a vitalidade da experiência, e com a força provocadora que algo acontecido de fato pode nos comunicar: a força do possível. Mais do que modelos, encontramos aqui provocações. Umadasprovocaçõessignificativaséaintegração de trabalhos de base humanista inserido em instituições. Tantas vezes ouvimos o refrão quase automaticamente repetido de que as instituições têm objetivos diversos daqueles que movem a Psicologia Humanista já que esta quer acentuar a centralidade da pessoa e seus processos autênticos. As experiências aqui comunicadas indicam uma possibilidade de trabalhos claramente de base humanista que aceitam – com nossos próprios sujeitos – o desafio de continuamente buscar, no contexto assim como se apresenta, a afirmação dos interesses propriamente humanos. Se realmente fosse impossível para nós, de que maneira poderíamos esperar
  • 13. 13 Introduçâo que fosse possível para nossos clientes? Se não fosse possível para nós, só nos restaria propor o atendimento psicológico como espaço alternativo, e por isso inevitavelmente alienante. Encontramos aqui experiências que podem abrir novos horizontes neste sentido. Em se tratando de uma novidade que estava apenas brotando, por muitos anos a comunidade psi acolheu a proposta de Plantão Psicológico como algo “alternativo”. No sentido que seria algo outro em relação ao estabelecido como campo seguro e próprio do saber e da técnica psicológica. Desconfianças, dúvidas, reticências... cultivadas em compasso de espera, até que os frutos amadurecessem e se pudesse conhecer de fato esse Plantão. O próprio Conselho Federal de Psicologia chegou a se pronunciar em documento oficial, classificando Plantão Psicológico dentre as técnicas alternativas emergentes. Alternativa de maneira distinta daquelas de origem confusa ou exotérica, mas entendida como proposta inovadora, que em certa medida rompe parâmetros estabelecidos por técnicas tradicionais e que ainda estava aguardando uma avaliação mais rigorosa de sua eficácia pelas instituições de ensino superior e de pesquisa. Pois bem, os frutos amadureceram e são aqui oferecidos. Amadureceram no trabalho sistemático, na observação atenta, na sistematização com rigor metodológico com base em pesquisas de base fenomenológica. São esses frutos que agora, aqui, são oferecidos à comunidade para que possamos promover a experiência de Plantão Psicológico com uma concepção clara, de maneira tal a possibilitar sua correspondente avaliação. Neste sentido este livro dá um passo histórico. Já não podemos falar em Plantão Psicológico técnica alternativa. O atual e crescente interesse documentado pela presença de mesas redondas e/ou de comunicação
  • 14. 14 Plantão Psicológico: novos horizontes de pesquisa sobre Plantão Psicológico em diversos congressos nacionais e regionais já era um indício dessa mudança. A apresentação dessas experiências sistematizadas e pesquisadas colocam um ponto final. É claro que trata-se de um ponto final só no caráter de alternativo. Sabemos bem que estamos no início. Plantão tem ainda muito em que crescer para exprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutos maduros apresentam o Plantão; e sabemos, agora mais do que nunca, que vale a pena cultivá-lo, que há terreno propício, que há horizonte amplo onde mirar. Bom terreno, boas sementes, bons frutos... : bom proveito!
  • 15. 15 O Plantão Psicológico no Instituto Sedes Sapientiae O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade Raquel Wrona Rosenthal No final da década de 70, parte do grupo de profissionais que antes se reunia como “Grupo de Psicologia Humanista”, decide constituir no Instituto Sedes Sapientiae, o Centro de Desenvolvimento da Pessoa, CDP. Estimulado pelo entusiasmo de Rachel Lea Rosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudos teóricos, grupos de supervisão e reflexão sobre a prática clínica, promovia workshops abertos ao público, ciclos de encontros de profissionais paulistas e também encontros nacionais, constituindo-se em importante referência para os interessados em discutir e aprofundar o conhecimento da ACP, Abordagem Centrada na Pessoa. Sempre atenta ao potencial transformador da ACP, considerando tanto a dimensão individual quanto a social / comunitária, Dra. Rosenberg propõe a criação de um serviço de Plantão de Psicólogos, inspirado nas experiências das walk-in clinics, surgidas nos Estados
  • 16. 16 Plantão Psicológico: novos horizontes 1 ROGERS, Carl Ramson. As Condi- ções necessárias e suficientes para a mudança terapêu- tica da personali- dade. In: WOOD, John Keith et alii (Org.s). Aborda- gem centrada na pessoa, Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida / Universidade Fede- ral do Espírito San- to, 1995, p.157-179. 2 ROGERS, Carl R a m s o n . Psicoterapia e consulta psico- lógica, 1ª ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1987 (Cole- ção Psicologia e Pedagogia), p.207- 208. Unidos para prestar atendimento imediato à comunidade. Até então o Serviço de Aconselhamento Psicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sob sua coordenação, já vinha oferecendo o que chamava “plantão”, e que consistia, naquele caso, em uma disponibilidade mais atenciosa de recepção aos clientes que procuravam inscrição para atendimento regular em aconselhamento psicológico. Daí surgiram as primeiras reflexões sobre as potencialidades de um serviço de “Plantão Psicológico”: o poder transformador da escuta atenciosa, não diretiva, centrada no cliente, confiante na tendência ao desenvolvimento das potencialidades inerentes à pessoa (tendência atualizante), e na possibilidade dessa tendência ser estimulada, mesmo através de um único encontro com o profissional, desde que este último possa oferecer sua presença inteira, através de sua própria congruência, capacidade de empatia e aceitação incondicional do outro, atitudes pilares da ACP. 1 É de Carl Rogers, o criador a Abordagem Centrada na Pessoa, a ponderação: “Se atendermos à complexidade da vida humana com olhar justo, temos que reconhecer que é altamente improvável que possamos reorganizar a estrutura da vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus, poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de esclarecimento,mesmonumcurtoespaçodetempo.Podemos permitir ao cliente que exprima seus problemas e sentimentos de forma livre, e deixá-lo com o reconhecimento das questões que enfrenta.”2 Muitas pessoas, em determinada circunstância de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essa interlocução diferenciada, que lhes propiciasse uma oportunidade também de escutar a si mesmos,
  • 17. 17 O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae 3 INSTITUTO S E D E S SAPIENTIAE: Carta de Princípios, s/d (mineo.). identificando e reconhecendo seus próprios sentimentos e possibilidades de auto direção, no momento em que enfrentam a dificuldade, sem que necessariamente tenham que se submeter a atendimento sistemático, prolongado, como tradicionalmente oferecem as psicoterapias. Coube a mim a coordenação e supervisão do Plantão de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeira vez em agosto de 1980, como um dos chamados “cursos de expansão”do Instituto Sedes Sapientiae. O cursotinhaduraçãosemestral,eprestava,atravésde seus alunos, atendimento psicológico aberto à população. O Instituto Sedes Sapientiae ou Sedes, como hoje o chamamos, fundado em São Paulo em 1975, é um importante centro de prestação de serviços, ensino e pesquisa ligados às áreas da Psicologia e da Educação, tendo como compromisso “assumir sua parcela de responsabilidade na transformação qualitativa da realidade social, estimulando todos os valores que acelerem o processo histórico no sentido de justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoa humana”3 Feliz associação de ideais, nosso Plantão tinha lugar certo para acontecer! As atividades iniciaram-se pela seleção dos plantonistas. Os critérios adotados pediam que fossem psicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP, que tivessem experiência mínima de um ano em atendimento clínico e estivessem especialmente sensibilizados pela natureza do serviço proposto. Contávamos com um grupo de doze plantonistas e uma supervisora e estabelecemos o horário das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras
  • 18. 18 Plantão Psicológico: novos horizontes 4 BELLAK, Leopold & SMALL, Leonard. Psicoterapia de Emergência e P s i c o t e r a p i a Breve, Porto Ale- gre: Artes Médicas, 1980. para os atendimentos e nossas reuniões. Dedicamos aproximadamente um mês e meio ao planejamento e à divulgação do novo serviço, período em que pudemos compartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacando nossa ansiedade, acentuada pela ausência de bibliografia específica sobre plantão psicológico. Não havia qualquer menção, nas diversas bibliotecas especializadas que consultamos, às walk-in clinics das quais Rachel Rosenberg nos falara. Sabíamos que a possibilidade de psicoterapias de curta duração vinha sendo considerada por autores que adotavam diferentes abordagens, como por exemplo, os trabalhos de Bellak e Small, 4 de orientação psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo, desde a década de 70, grande implemento e pesquisa, mas nada de sistemático havia sobre outras experiências de curta duração ou mesmo de sessões únicas de atendimento. Dra.Rosenberg, ao refletir sobre variações no tempo de atendimento, apontava o caráter preventivo de uma intervenção no momento oportuno: “A duração prevista para um atendimento possivelmente eficaz em terapia tem sofrido modificações de várias espécies. Comprovações empíricas de resultados satisfatórios justificam o uso de atendimentos com um número pré-determinado ou máximo de horas. Cria-se uma metodologia específica para este tipo de atendimento em linhas teóricas variadas [...], o atendimento de curta duração se insere como aplicação natural, bem sucedida e cada vez mais utilizada. Mesmo no caso de problemas graves ou dificuldades antigas, conclui-se que o princípio de tudo-ou-nada — ou seja ,terapia profunda e prolongada ou nenhuma assistência psicoterápica — não tem real validade. Especialmente em pontos
  • 19. 19 O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae 5 ROSENBERG, Rachel Lea. Terapia para Agora. In ROGERS, Carl Ramson & R O S E N B E R G , Rachel Lea. A Pessoa como Centro, São Paulo: E.P.U., 1977, p.52. 6 Madre Cristina, nascida Célia Sodré Dória, cônega de Santo Agostinho, educadora, psicó- loga e fundadora do Instituto Sedes S a p i e n t i a e , personalidade ines- quecível para a Psicologia e para a História brasileiras. críticos do desenvolvimento ou da vivência, uma intervenção adequada tem, além de efeitos terapêuticos, caráter preventivo de conflitos maiores posteriores”. 5 Alguns alunos supunham que, devido ao caráter imediato do atendimento, certamente receberíamos muitos clientes em crise emocional aguda e insistiam na necessidade de contarmos com um psiquiatra plantonista. Precisamos esclarecer que nossa proposta não era criar um serviço para emergências psiquiátricas e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no momento da dificuldade, sem que necessariamente a intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto crítico que representasse ameaça iminente à sua integridade ou à de outros; não era destinado ao suicida em potencial, como sugeria a divulgação recente do CVV, Centro de Valorização da Vida, cuja equipe de plantonistas era constituída por leigos em psicologia e prestava atendimento inicial por telefone. Por precaução, tratamos de pesquisar e organizar uma relação de instituições e serviços particulares de psiquiatria, caso viéssemos a necessitar. A preocupação de Madre Cristina 6 era de que o novo serviço não viesse aumentar as já enormes filas de espera para psicoterapia naquela clínica, tão solicitada devido à tradicional qualidade dos serviços prestados. Insistíamos em esclarecer que a intenção não era fazer triagem, embora pudéssemos, eventualmente, realizar encaminhamentos. O Plantão Psicológico não foi concebido como uma alternativa “tampão” para acabar com filas de espera em serviços de assistência psicoterapêutica, já que não pretende substituir a psicoterapia. Não acreditamos que uma única sessão seja capaz de resolver sérios problemas emocionais ou promover resultados reconstrutivos da personalidade. Somente mais tarde é que viemos a descobrir as possibilidades terapêuticas do plantão.
  • 20. 20 Plantão Psicológico: novos horizontes 7 umdestescartazes e n c o n t r a - s e digitalizado no CD- ROM anexo ao livro. Fizemos várias reuniões em torno de aspectos éticos das formas de divulgação: tratava-se de uma nova proposta e aberta à comunidade em geral. Como divulgá-la, transmitindo sua originalidade e acessibilidade, sem banalizá-la? Optamos pela impressão de cartazes 7 , que foram afixados em diversas escolas, igrejas, hospitais, bibliotecas públicas e faculdades com o destaque: “Psicólogos de Plantão ” e o texto: “Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar idéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você no momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.” Seguia-se o nome da psicóloga responsável e seu número de inscrição no CRP, o endereço e horários do atendimento. Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedes onde se desenvolviam outros cursos, para anunciar o atendimento e esclarecer dúvidas a respeito. Os primeiros a nos procurar foram justamente alguns alunos desses cursos, uns motivados por questões pessoais, outros, pelo interesse profissional em conhecer melhor o Plantão. Houve uma divulgação num programa da TV Cultura, uma reportagem extensa que entrevistou plantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foi ao ar às vésperas da interrupção do serviço devido às férias. Este fator diminuiu o impacto de sua repercussão, pois os clientes que nos procuraram em seguida à edição do programa da TV não puderam ser atendidos. O jornal Folha de São Paulo publicou reportagem do jornalista Paulo Sérgio Scarpa sobre o Plantão Psicológico, destacando sua utilidade pública. Interessanteassinalarqueaseçãoondeseinseriuamatéria
  • 21. 21 O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae 8 Estas matérias se encontram digita- lizadas no CD-ROM anexo ao livro. intitulava-se “A Folha e as respostas da sociedade à crise”(07/11/81). Outras menções ao serviço já haviam sido feitas por esse mesmo jornal, em edição de 16/01/ 81 e em seu caderno “Folhetim”, cuja edição ,em 20/ 09/81, era dedicada ao tema “Desemprego e Insegurança” 8 . Hoje, passados 19 anos, podemos reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas. O primeiro grupo de doze plantonistas trabalhou de agosto a dezembro de 1980, dividido em sub-grupos de seis que se alternavam entre atendimento e supervisão: enquanto metade prestava plantão às segundas- feiras, a outra parte reunia-se para supervisão; às quintas-feiras, invertiam-se as funções. A supervisão também era acessível ao plantonista durante o transcorrer de um atendimento, caso precisasse dela. A duração de uma sessão de atendimento poderia variar de uma a duas horas, dependendo de haver ou não outros clientes à espera. Dispúnhamos de sete salas, sendo seis destinadas ao atendimento e uma para as reuniões de supervisão. Madre Cristina, confiante na importância da iniciativa,ofereceu-separarecepcionarosclientes.Assim, quem procurava o Plantão Psicológico, mesmo nas noites mais frias do inverno, encontrava-a logo à entrada do Sedes, sentada atrás de uma pequena mesa, apoiada num travesseiro para respaldar suas costas, que tão vigorosamente suportaram, com coragem e dignidade, as pressões da luta por justiça social em nosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e a sala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza, já despertando nele uma disposição receptiva ao encontro com o profissional. No primeiro semestre de 1981 foi feita nova seleção de plantonistas e alguns dos ex-alunos, entusiasmados que estavam, se re-inscreveram.
  • 22. 22 Plantão Psicológico: novos horizontes Novamente, para o terceiro curso, no segundo semestre de 1981, tivemos re-inscrições. Em 1982 não foi renovada a proposta. A supervisora, preparando-se para sua terceira gravidez, embevecida que estava pelo novo, decidiu-se pela dedicação mais intensa às suas filhas, enquanto se afastava do Sedes, levando muito para refletir a respeito de seus plantões e suas “ plantinhas”. Mais tarde, é convidada a oferecer Plantão Psicológico aos funcionários do mesmo instituto, atividade que desenvolveu até dezembro de 97. Esse convite atesta o reconhecimento da importância da proposta e a repercussão que o Plantão Psicológico alcançou dentro daquela instituição . Trataremos aqui de apresentar como foi desenvolvido o Plantão Psicológico aberto à comunidade. OS CLIENTES Nos três semestres do Plantão de Psicólogos, realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos. Tínhamosestabelecidotrêsretornoscomo possibilidade máxima para cada cliente no mesmo semestre. Entendíamos que, caso nos procurasse com maior freqüência, isto indicaria a conveniência de encaminhá- lo à psicoterapia. Tínhamos uma relação de instituições que prestavam atendimento gratuito, como era nosso caso, e também uma relação de psicoterapeutas dispostos a trabalhar por honorários simbólicos. Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% eram mulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros; o nível de escolaridade dos clientes variou de semi- alfabetizados a curso superior completo; 17% eram profissionais liberais (advogado, economista, psicólogo, fisioterapeuta), e o restante composto por outras ocupações (escriturário, comerciário, comerciante, motorista, vendedor, feirante, office-boy, técnicos em
  • 23. 23 O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae serviços diversos). Procurou-nos também uma pessoa que declarou como ocupação, ser “pedinte”. Meses depois, a plantonista que o atendeu o encontraria num dos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre os passageiros. Após cada atendimento, era solicitado ao cliente que depositasse numa urna um comentário escrito, sem necessidade de se identificar. Dos 68 depoimentos recolhidos, destacamos alguns, para ilustrar a repercussão imediata ao encontro: “Eu nunca havia participado de uma entrevista com psicólogos. Fiquei até com receio pois não sabia como iria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fácil do que imaginava. O ‘à vontade’ com que a psicóloga conduziu o bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo o que vinha me inquietando, chegando mesmo a tirar conclusões ou elucidar dúvidas com o simples desabafo de minhas preocupações. Senti-me pois tão satisfeita como se tivesse recebido um presente de Natal ”. “Não acho que o atendimento recebido tenha resolvido o meu problema, mas tenho plena convicção de que abriu- me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir. Creio que agora estou mais apto a resolvê-lo e muito otimista por saber que posso”. “Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazer esta ‘pré-análise’ antes de se definir pelo terapeuta”. “Não fez minha cabeça”. “Como é bom ter e sentir que podemos sentar e conversar com uma pessoa. Falar de nossos problemas sem pensar que vamos ser censurados”.
  • 24. 24 Plantão Psicológico: novos horizontes “Achei ótima a idéia desse Plantão. Psicólogos ouvindo pessoas em casos de emergência ‘emocional’. Deve continuar e se expandir em vários locais e ser divulgado e ‘ensinado’, dado como curso nas escolas de Psicologia”. “Acho essa iniciativa muito válida e isso, acredito eu, vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezes reprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmo sendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam, nossas 23 horas restantes e dias posteriores serão melhores”. De maneira geral, os comentários aludiam à importância de ser ouvido, faziam referências ao alívio pelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveria ser pago, apontavam a necessidade de maior divulgação do serviço e a ampliação dos horários de atendimento e alguns revelaram frustração da expectativa de que pudessem receber atendimento prolongado. OS PLANTONISTAS Os plantonistas se referiam com freqüência à sua experiência como estagiários durante o tempo da faculdade, declarando o quanto “sofreram” ao se desligar do cliente por ocasião da conclusão do curso de graduação. Agora, a questão do vínculo, a separação do cliente, a ansiedade em função desse único encontro, a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade (sessão seguinte) para eventual “reparação” de sua atuação, tudo era discutido sistematicamente nas supervisões. Suponho que uma das conseqüências dessas dificuldades dos alunos foi o número de encaminhamentos realizados e a quantidade de intervenções de natureza diretiva, com tendência a oferecer respostas e sugestões. Outra questão diz respeito à superação do estereótipo de que uma relação de ajuda psicológica
  • 25. 25 O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae deva se estender no tempo, de que profundidade e intensidade sejam diretamente proporcionais à duração do atendimento. A possibilidade de que uma intervenção de natureza breve pudesse ser suficiente para o cliente não era claramente percebida pelos alunos, limitação que podemos atribuir à formação que receberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitação do psicólogo estava mais voltada para a atividade clínica da psicoterapia ou do psicodiagnóstico através de testes. Também em relação às intervenções diretivas observamos, muitas vezes, que o sentimento de impotência do plantonista diante de clientes de menor poder aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistas e, de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houve casos em que o aluno procurava encontrar soluções imediatas, dar conselhos e sugestões ou mesmo insistir em encaminhamentos muitas vezes não percebidos como necessários pelo próprio cliente. Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempo depois iniciaria também como supervisora o atendimento psicológico do tipo plantão em postos de saúde através da Clínica das Faculdades São Marcos, fez a seguinte reflexão sobre sua experiência: “A questão dos valores do psicólogo é importante em qualquer processo psicoterapêutico, mas quando se trata de sua ‘vontade de ajudar’ pessoas com problemas de subsistência, a visão que ele tem da ‘pobreza’ e de seu próprio lugar na sociedade modela seus objetivos explícitos e implícitos e suas atitudes. O psicólogo tem a tendência a se preocupar mais com o ‘como’ de sua atuação do que com o ‘porquê”, ou seja, com as implicações pessoais e ideológicas de suas intervenções. Por exemplo, não terá a mesma postura se acredita que uma tomada de consciência individual possa ser um fator de mudança, ou se acredita que somente uma mudança social e política possa trazer
  • 26. 26 Plantão Psicológico: novos horizontes 9 Extraído de rela- tório pessoal não publicado (1982). Parágrafo aqui reproduzido sob permissão da autora. soluções para as situações individuais.[...] Ele deve, mais do que nunca, estar atento às incongruências de seus sentimentos com os pressupostos intelectuais: até que ponto ele realmente confia nos recursos da pessoa para enfrentar suas dificuldades e modificar seu mundo?” 9 O SERVIÇO E O CURSO Quanto à estruturação do serviço, que acompanhava o calendário dos cursos do Instituto Sedes Sapientiae, percebemos que a proposta semestral, com constantes interrupções devido às férias, além de truncar o afluxo de clientes, tornava muito curto o período de preparação do plantonista, preparação que nos parece requerer bastante empenho, especialmente no que diz respeito às bases conceituais da Abordagem Centrada na Pessoa e aos valores pessoais do profissional. Isto pôde ser confirmado pelo número de re-inscrições dos alunos para os semestres seguintes, evidenciando que não só reconheciam a relevância e efetividade do Plantão Psicológico, como também a consciência que tinham da necessidade de aperfeiçoamento. O tempo breve da relação com o cliente talvez torne mais perceptível, tanto para o supervisor como para o próprio aluno, o grau de consistência na adoção da ACP como referencial para sua atuação. A ausência de solidez na “atitude centrada na pessoa” prejudicará a qualidade da relação de ajuda, gerando no plantonista comportamentos incongruentes e condutas diretivas ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANTÃO Nossas próprias “descobertas” antecipam o que diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder: “A grande descoberta deste século para as Ciências Humanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não há melhor entendimento que alguém possa nos prestar do
  • 27. 27 O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae 10 BONDER, Nilton – Elul, O mês da escuta,Kol–Boletim Informativo da ComunidadeJudaica do Brasil, Rio de Janeiro,AnoIII,n.7, agosto 1998, p.1. que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase imperceptíveis de nossa existência”10 . Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas não é.Ouvirimplicaacompanhar,estaratento,estarpresente. Presença inteira. Que quer dizer “presença inteira”? Todos sabemos o que significa presença “parcial”. Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor esteja realmente nos ouvindo? Mesmo que alguém, ao ser questionado “Você está ‘mesmo’ me ouvindo?” seja capaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir, a repetição soará vazia, oca de sentido, se sua presença estiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso não significa ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemos até perceber, sem mesmo ter consciência de que percebemos - pela própria “densidade” de olhar do outro, pelo tipo de brilho desse olhar - a denúncia da “parcialidade” da presença. Um olhar nosso ao olhar do interlocutor poderá revelá-la. A repetição, mesmo quandosetorneumareprodução,istoé,quandoprocure “re-produzir”, sintetizando o conteúdo daquilo que foi ouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca, é apenas e simplesmente um eco. Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava a companhia dos homens e dos deuses e não se importava com o Amor. Pã, apaixonado por ela e irritado com sua indiferença, fez que os pastores da região a despedaçassem, espalhando os despojos pelas campinas. Eco, dispersada por muitos lugares, limita- se a repetir os sons que se produzem por perto. Ouvir realmente, e não apenas “ecoar”, requer concentração do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.). Não é possível ouvir estando disperso como Eco. E não estou me referindo a concentração apenas como capacidade de focalizar a atenção (no cliente ou na fala do cliente), mas quero ressaltar a concentração do terapeuta em si mesmo.
  • 28. 28 Plantão Psicológico: novos horizontes Proponho refletirmos sobre “concentração” como “congruência”. Parece estranho? Congruência pode ser entendida como o alinhamento de várias esferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamente falando, significaria ter as dimensões do pensar, sentir e agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter “todos os centros num mesmo centro”. Congruência é portanto con-centração, tomar dentro de si como único centro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamento interno, concentração, presença inteira. AAbordagemCentradanaPessoa,enfatizandoas qualidades da relação (aceitação incondicional, empatia e congruência) como fator mobilizador do crescimento (tendência atualizante) se confirma como perfeito referencial para o “Plantão Psicológico”, modalidade de atendimento que vem abrir também novas perspectivas de contribuição social para o psicólogo. Relembrando a expressão tão rica de sentidos doProf. MiguelMahfoud, podemosconfirmaroPlantão Psicológico como presença que mobiliza.
  • 29. 29 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 1 O presente texto foi originalmente apresentadonoVIII Encuentro Latino- americano del Enfo- que Centrado en la Persona,promovido pela Universidade Iberoamericana da Cidade do México e pela Universidade Autônoma de Aguascalientes, em Aguascalientes, México, em 1996, com apoio da FAPEMIG. Plantão Psicológico na escola: uma experiência Miguel Mahfoud Odesempenho profissional é fruto possível de raízes filosóficas, e é verdade que se conhece a árvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenho profissional não morrer, ficará só; se morrer um pouco, para uma reflexão mais profunda e para se misturar com o que dá vida, produzirá cem por um. Por isso quero agradecer a possibilidade de compartilhar experiências 1 , a oportunidade de pensar um pouco mais no que faço; oportunidade de me enriquecer pela consciência de que também eu fui plantado e que também eu sou árvore com raiz e fruto, e oportunidade de comunicar. O sentido mais profundo do fruto não é semear de novo? A Educação tem pedido técnicas à Psicologia. Mas o risco é o de não se clarear a finalidade geral da educação, respondendo segundo objetivos precisos mas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco é o de não explicitarmos (nem a nós mesmos) que a
  • 30. 30 Plantão Psicológico: novos horizontes finalidade da educação é a formação da pessoa, e querermos responder a tantas demandas com diversos objetivos definidos (aumento do rendimento escolar, auxílio na expressão verbal e escrita, aplacamento de comportamentos anti-sociais...) que podem nos ocupar muito, podemos até obter resultados, mas poderíamos ainda assim não estar respondendo à verdadeira finalidade da educação. Se a explicitarmos, daremo- nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos, métodos e técnicas. E, ainda mais importante, daremos a nós mesmos a oportunidade de sermos educadores, isto é, testemunhas de uma consciência ampla possível, que já começa a ser uma rota de orientação dentro da desorientação cultural em que vivemos, e que as nossas crianças e adolescentes não têm como evitar. É nesse sentido que um pouco ousadamente evitei assumir uma função psico-pedagógica na escola em que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamos uma condição de trabalho incomum, não sendo chamados a desempenhar as funções de orientação educacional, ou coordenação pedagógica ou disciplinar - funções estas exercidas por outros profissionais. Pude então me preocupar com uma contribuição propriamente psicológica no âmbito escolar. Devido à minha formação marcada pela Abordagem Centrada na Pessoa logo quis que também na escola a psicologia pudesse contribuir primeiramente constituindo um espaço para o aluno como pessoa. Um espaçoondeseretomasseafinalidadedaeducaçãoatravés da formação da pessoa naquele contexto, assim como é, comtodososseusrecursoselimites,já.Emumcontexto institucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmente partícipe da desorientação cultural que todos vivemos, eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valor e a potência inovadora e criadora da pessoa que cresce com consciência de si e da realidade.
  • 31. 31 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 2 Cf. MAHFOUD, Miguel. A Vivência de um Desafio: Plantão Psicoló- gico. In Rosenberg, R.L.(Org.), Acon- selhamento Psi- cológico Centra- do na Pessoa, São Paulo: EPU, 1987, pp.75-83. (Série Temas Bási- cos de Psicologia, Vol. 21) Assumindo isso como finalidade, a técnica de atendimento breve que tem sido chamada de “Plantão Psicológico” 2 serviu como método de presença entre os alunos e professores. Sabemos bem que a imagem de um Serviço de psicologia dentro da escola é visto por todos como algo muito diferente disso que propomos, e assim quisemos afirmar essa nova ótica para todos, mas principalmente - e a partir - dos alunos, a quem aquele Serviço de psicologia queria servir. Preparamos, então, folhetos de divulgação da proposta, que penso possam ajudar a explicar a vocês também um pouco do que vem a ser um Plantão Psicológico na escola. Aos alunos de nível colegial foi entregue um folheto com trechos da música “Quase sem querer” do grupo Legião Urbana, e alguns comentários apresentando o Plantão Psicológico. Trazia os seguintes dizeres: “Tenho andado distraído, Impaciente e indeciso E ainda estou confuso. ... Quantas chances desperdicei Quando o que eu mais queria Era provar pra todo mundo Que eu não precisava Provar nada pra ninguém ... Como um anjo caído Fiz questão de esquecer Que mentir pra si mesmo É sempre a pior mentira. Mas não sou mais Tão criança a ponto de saber Tudo. ...
  • 32. 32 Plantão Psicológico: novos horizontes 3 As ilustrações dos panfletos apresentados neste capítulo são de Durval Cordas, a quem agradecemos a autorização para publicação. Sei que às vezes uso Palavras repetidas Mas quais são as palavras Que nunca são ditas?” de “Quase Sem Querer” (Dado Villa-Lobos/ Legião Urbana) PLANTÃO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO – uma ajuda para quem não quer viver desperdiçando chances (com os amigos, com a família, no colégio...) – um espaço para procurar ouvir em si as palavras mais profundas e verdadeiras. – uma possibilidade para todo aluno que não quer viver “quase sem querer”. Os pedidos de encontro com o psicólogo podem ser feitos pessoalmente todas as 3as e 6as feiras nos intervalos da manhã na sala 45 (próximo à biblioteca e à informática). Ou por escrito, todos os dias deixando na portaria do Colégio um bilhete destinado ao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seu nome, número e classe, data e assinatura. – Querendo, apareça! Já o folheto preparado e entregue aos alunos de nível ginasial foi o seguinte 3 :
  • 33. 33 Plantão Psicológico na escola: uma experiência
  • 35. 35 Plantão Psicológico na escola: uma experiência
  • 37. 37 Plantão Psicológico na escola: uma experiência
  • 38. 38 Plantão Psicológico: novos horizontes A resposta dos alunos foi bastante positiva. No início a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipo de atendimento era o mais marcante, e vagarosamente foi se instalando como um espaço para as pessoas, mais do que para os problemas. Isso fez com que mesmo quandoprecisávamoschamaralguémparaconversarpor pedidos da coordenação pedagógica ou disciplinar, ou por pedido de algum professor, a disponibilidade de tratar dos problemas era já diferente, porque o interesse era por ele, e não por suas notas ou comportamentos. Entãoatésuasnotasecomportamentoseramdiscutidos; suas queixas intermináveis, ouvidas; mas sua pessoa continuava a ser o centro, e a resposta à situação assim como é ainda cabe a ele, que pode agora ter alguém a quem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar. A consciência ampla do educador ali frente ao aluno se traduz também em disponibilidade e cumplicidade para que o aluno viva com realismo e com cuidado consigo mesmo. De modo geral isso é mobilizado rapidamente e o psicólogo permanece como referência para o aluno na escola, também para outras ocasiões mais tarde, e a experiência permanece como referência dentro do aluno - espero para sempre. A consciência de si e da realidade pede, antes de mais nada, discriminação. Quem é quem na escola? Com quem você pode contar? Quais são os recursos disponíveis na rede de relacionamentos? Mas se provoco os alunos a estarem atentos à realidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presença na escola, é porque procuro fazer o mesmo ali. Também eu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer as diferentes contribuições dos vários professores e coordenadores que convivem muito mais diretamente com os alunos do que eu, e por isso podem ser um contatoimportanteparaomeutrabalhoeparadiferentes formas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem
  • 39. 39 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 4 Este folheto encontra-se degita- lizado no CD-ROM que acompanha o livro. medarfeed-backdeminhasintervenções,podemcooperar quandotambémelesseabremaumtipodecompreensão dos acontecimentos que considere o lado dos alunos e as outras dimensões normalmente deixadas à margem da sala de aula. Na verdade a manutenção desse tipo de proposta pede um empenho constante, e disponibilidade a manter um diálogo continuamente retomado – com os professores, com os alunos e com o conjunto da instituição - para se esclarecer a linha do trabalho, e para que se tenha atenção com o sentido que o trabalho vai tomando para a instituição: COM OS PROFESSORES Quanto aos professores, é fácil que em um primeiro momento eles sintam que somos “defensores” dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem- se incompreendidos. Chamá-los a colaborar conosco na atenção com os alunos nem sempre é potente para romper aquela impressão. Às vezes é preciso que eles vejam alguns passos que estão sendo dados pelo aluno e que se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se a explicitá-losnemsempreéfácil,masésempreimportante. COM OS ALUNOS Quanto aos próprios alunos, é importante retomar a proposta de que eles próprios podem nos procurar, e estar atentos às tensões que nossa presença suscita entre eles, para poder lidar com elas também enquanto escola no seu conjunto, além do âmbito de atendimento individual ou de pequenos grupos. Como exemplo, apresento a vocês um folheto 4 que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalhar comigo no Colégio, e aproveitamos para lidar também com a tensão existente entre os alunos, ligada ao fato de que alguns deles se encontravam conosco.
  • 41. 41 Plantão Psicológico na escola: uma experiência
  • 43. 43 Plantão Psicológico na escola: uma experiência
  • 44. 44 Plantão Psicológico: novos horizontes Assim, brincamos um pouco com a tensão, e o projeto foi re-proposto. COM A INSTITUIÇÃO Quantoànecessidadederecolocarcontinuamente a proposta, a nível institucional a questão também não é simples. Às vezes nos sentimos um pouco “marcianos”. Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder às demandas da instituição retomando sempre o ponto de partida da centralidade da pessoa. De fato, isso é muito desafiador e criativo. Criamos métodos e instrumentos novos ao procurar responder aos pedidos e necessidades da instituição retomando a finalidade da educação e as contribuições da Psicologia. Gostaria de citar dois exemplos: 1) O primeiro se refere a um pedido que a direção da escola nos fez de nos ocuparmos de Orientação Profissional, sugerindo a aplicação de testes. Na nossa visão, para aqueles alunos, o problema se localizava no tema da escolha. Sendo alunos de classe sócio-econômica “A”, poderiam escolher o que quisessem - mas na verdade não podem escolher porque não sabem o que querem, ou porque o caminho profissional já está traçado por herança familiar (a empresa da família, o consultório do pai...). Não queríamosaplicartestes,porquenãoosajudariaem nada a enfrentar o problema de não se conhecerem, e o de assumirem conscientemente um caminho para si na vida e na sociedade. Não queríamos substituí-los nessa tarefa deescolhaqueétãoimportante,eassinalaumapassagem para o mundo adulto. A atenção a isso nos deu criatividade para utilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentos criados a partir de outros parâmetro teóricos. Utilizamos textos da cultura brasileira, por exemplo o da música “Caçador de Mim” (Sérgio Magro/Luís
  • 45. 45 5 Cf. MARTINS, C.R. Psicologia do Comportamento Vocacional. São Paulo: EPU/EDUSP, 1978. 6 FRANKL, V. E. Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da logoterapia e análise existen- cial. São Paulo: Quadrante, 1973 Plantão Psicológico na escola: uma experiência Carlos Sá) como imagem da busca de si que aquele momento de escolha envolve; ou o poema “Que é o Homem?” de Carlos Drummond de Andrade para abrir espaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo num horizonte amplo. Mas desenvolvemos um novo método de Orientação Vocacional adaptando o Método de História de Vida apresentado por Julius Huizinga no IV Fórum Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, no Rio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos para desenharemográficodesuahistóriadevida,assinalando as experiências mais significativas desde o nascimento até o momento presente, avaliando-as como positivas ou negativas em diferentes graus. Depois pedimos que redijam um texto apresentando um dia comum no futuro, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho é possível extrair o critério pessoal com o qual cada um deles olha, avalia e se engaja na própria vida. Então se propõe enfrentar a questão da escolha profissional com aqueles critérios pessoais, tendo em vista as profissões que mais favoreceriam a expressão e o desenvolvimento de suas características; ao invés de perseguir a questão de onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz - questão esta que parte de uma posição alienada e alienante. Só depois de explicitados esses critério e mobilizado esse processo de busca é que utilizamos, eventualmente, testes de personalidade (como o de Pfister) e o Modelo de Holland 5 de grupos profissionais associadosacaracterísticasdepersonalidade.Aproposta é a de enriquecer e ampliar a reflexão sobre si como ser-no-mundo, único e irrepetível, 6 ao invés de esperar daqueles instrumentos uma resposta. 2) Outro exemplo, para nós muito significativo, foi quanto à dificuldade da instituição em trabalhar explicitamente a questão das drogas, que preocupa muito a todos - direção, professores, pais e alunos.
  • 46. 46 Plantão Psicológico: novos horizontes 8 MAHFOUD, Miguel & BRANDÃO, Sílvia Regina. Educação Afetiva. In. I Con- gresso Interno do Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, 1991, p. Z6. 7 Cf. CARLINI, E.A.; CARLINI-COTRIN, B. & SILVA FILHO, A.R., Sugestões para programas de prevenção ao abuso de drogas no Brasil, São Paulo: CEBRID, 1990. Frente à necessidade de um trabalho de prevenção ao uso de drogas e frente às dificuldades institucionais de tratar do tema, nos pareceu mais adequado procurar utilizar o método que vem sendo chamado de Educação Afetiva 7 , que procura modificar fatores pessoais considerados disponentes à utilização de drogas (como auto-estima, identidade, resistência a pressão de grupo etc.) sem necessariamente enfocar o tema drogas. Assim, Sílvia Regina Brandão e eu elaboramos o primeiro material brasileiro de Educação Afetiva 8 , sempre retomando a questão da centralidade da pessoa, e abordando principalmente o tema da identidade a partir da existência, do ser-no-mundo e o tema da conjugação entre desejo e limite. SITUAÇÃO DESAFIADORA Para terminar, eu não seria verdadeiro comigo mesmo se não citasse uma situação que para mim tem sido muito difícil e desafiadora: trata-se da situação de morte de alunos, em particular quando há suspeita de suicídio. Por um lado retomo com muita força a questão da finalidade da educação no que se refere à formação da pessoa e à formação de uma consciência ampla de si e da realidade. Uma morte assim nos coloca em xeque, tolhe a possibilidade de lutar e de construir com aquela pessoa, significa que ela não aceitou a referência que quisemos propor e evidencia o mistério da liberdade do homem. Mas também nesse momento a nossa contribuição de adultos, educadores e psicólogos passa pela consciência ampla que podemos testemunhar. E consciência ampla nesse momento significa poder ficar frente ao mistério da vida e da morte, perplexos, ao lado dos adolescentes desorientados. E isso só é possível para nós adultos se com eles retomamos a última frase do caderno Educação Afetiva: “retomar
  • 47. 47 Plantão Psicológico na escola: uma experiência sempre o que é importante para mim, me ajuda a fazer escolhas, me ajuda a verificar as pessoas e os grupos que mais podem me ajudar a nunca deixar de desejar e batalhar para ser feliz”. Isso não é dado por nenhuma identidade social, por nenhuma formação universitária e por poder algum. Isso só pode ser dado por uma companhia viva, de horizonte de vida amplo, à qual cada um de nós pode ou não aceitar pertencer. Passa por aí o sentido do nosso trabalho, que não será dado pela instituição em que trabalhamos, mas ao contrário, será a instituição que crescerá com sentido se o carregarmos conosco ao vivermos ali. Parafraseando a introdução do caderno Educação Afetiva, quero desejar a cada um de vocês o mesmo que desejo àqueles com quem trabalho: que tambémoseutrabalho“ajudeaencontrarmoscaminhos sempre novos - para cada um e para a convivência entre nós - na constante batalha para ser feliz!”.
  • 49. 49 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 1 Expressamos o reconhecimentodos plantonistas que colaboraram em uma primeira siste- matização desta e x p e r i ê n c i a : Alessandra R. Alvarenga, Ivana Carla B. C. Santos, Lilian Rocha da Silva, Romina Magalhães,Ronnara Kelles Ribeiro e Tânia Coelho de Alcântara. Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza Miguel Mahfoud Daniel Marinho Drummond Juliana Mendanha Brandão RobertaOliveiraeSilva Comunicar uma experiência 1 , explicitar seu método, ressaltar a potencialidade de uma proposta, dar visibilidade a um processo real: são objetivos do presente capítulo.Impactar-secomaforçadopossívelqueemerge de uma experiência: eis a motivação destas páginas. Experiência, é claro, se dá em tempo, espaço e contexto social determinados; e da compreensão de seus elementos fundamentais depende a continuidade de sua presença mobilizadora ao longo do tempo. Na verdade, se assim não fosse, nem ao menos poderíamos chamá-la de experiência. Procuramos, então, aqui, explicitar o palmilhar de um percurso feito. Compartilhado o caminho com o leitor, a continuidade da experiência já será objeto de atenção de todos nós, cada qual em seu tempo, espaço e contexto social. TEMPO, ESPAÇO E CONTEXTO SOCIAL Relatamos aqui a implantação de um Serviço de Plantão Psicológico em uma escola pública de segundo
  • 50. 50 Plantão Psicológico: novos horizontes 2 A experiência aqui relatada se deu em 1997. 3 Confira o capítulo “Plantão Psicoló- gico na escola: uma experiência”, de Miguel Mahfoud, neste mesmo livro. grau num bairro operário na periferia de Belo Horizonte (MG) 2 , estabelecendo um campo de estágio da disciplina “Aconselhamento Escolar: Plantão Psicológico” no curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, a partir da proposta de Plantão Psicológico no contexto escolar elaborada pelo professor 3 . Trata-se de uma aplicação original – cunhada em comum entre professor e estagiários – iniciada e levada a cabo com atenção a potencializar os recursos pessoais e materiais que aquele grupo e aquela instituição apresentavam. Trata-se, então, não de aplicação mecânica de um novo modelo, mas de atualização de uma atenção viva às pessoas que compunham a equipe, de maneira tal que atentas à própria experiência se colocassem no contexto escolar mobilizando a mesma atenção; de maneira tal que disponíveis ao encontro com o novo se inserissem na escola despertando o desejo de encontro e de crescimento que constitui todo homem; de maneira tal que atentos aos movimentos de transformação e crescimento se desenrolando entre nós da equipe, se dispusessem a observar, acolher e facilitar, com curiosa e discreta abertura, cada movimento promovido no contexto institucional. Aquela escola específica foi escolhida por estar inserida em uma comunidade muito ativa em termos de movimentos sociais, comunitários e culturais. A própria escola foi idealizada e construída pela comunidade local (construída enquanto instituição mas também enquanto espaço físico). Poder contar com esse perfil dinâmico e mobilizador da comunidade para o desenvolvimento do nosso trabalho foi uma das intenções, de maneira tal que as relações entre o atendimento individual, a instituição e a comunidade em que estão inseridos fossem objeto de atenção; de maneira tal que o atendimento aos alunos dentro daquela escola pudesse concretamente contribuir –
  • 51. 51 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza ainda que de maneira simples – com um movimento social mais amplo que, por posicionamento político e cultural, valorizamos. Estabelecemos um contrato com a escola, através de sua diretora, oferecendo um Serviço de atendimento em Plantão Psicológico nas dependências da escola, nos horários normais de aulas, para receber alunos que solicitassem ajuda psicológica. Em contrapartida, a escola garantiria alguns aspectos fundamentais para o andamento do trabalho: espaço físico adequado para acomodação dos estagiários onde pudessem ser feitos os atendimentos; autorização aos alunos para saírem de sala de aula para procurar o Serviço; o não encaminhamento dos alunos ao Plantão Psicológico por parte de professores e direção. Uma vez que para atingir nossos objetivos de mobilizar os alunos era fundamental abrir para eles um espaço em que a busca por ajuda pudesse ser livre de qualquer imposição ou limitação de horários por parte da escola, era fundamental que eles tivessem a liberdade de procurar-nos no momento que fizesse mais sentido para eles, do modo que achassem melhor, para falar sobre o que desejassem. A diretoria da escola recebera de bom grado a proposta e sentia-se honrada em ser o público número um de um projeto piloto em Belo Horizonte, em conjunto com a nossa universidade. PREPARAR:DAAPREENSÃOÀATITUDEDEESCUTAPROFUNDA Habitualmente, ao se pensar em presença de psicólogos no contexto escolar emergem duas concepções: a da intervenção psico-sociológica tradicionalmente considerada – com planejamento a partir de uma leitura diagnóstica da instituição – e a da intervenção de base clínica, voltada a favorecer a superação de dificuldades localizadas no aluno, em seu desenvolvimento e/ou saúde mental. Essas concepções
  • 52. 52 Plantão Psicológico: novos horizontes se apresentam insistentemente a quem se dispõe a adentrar aquele contexto, e a proposta de um modelo outro, baseado em acolher as demandas dos alunos enquanto pessoas – normalmente desconhecidas antes que se inicie o trabalho – e que procura acompanhar as ressonâncias institucionais de mobilizações pessoais – que se verificarão só a partir da intervenção – não pode deixar de provocar apreensão. A proposta de Plantão Psicológico em si mesma já requer uma abertura ao não-planejado; quando se acrescenta a vinculação institucional a ser delineada no decorrer do processo, a exigência de disponibilidade a acompanhar um processo sem um planejamento prévio é ainda maior. Frente à inevitável apreensão, uma sugestão: observar atentamente para conhecer; ouvir profundamente para facilitar a expressão do que de mais significativo será trazido a nós; estar realmente presente, disponível, e atentar à mobilização que pode nascer daí. Contato com literatura especializada e relatos de experiências de intervenções nessa modalidade de Aconselhamento Psicológico (cf. Mahfoud, 1987, 1989, 1992; Mahfoud, Morato & Eisenlohr, 1993), ajudaram que se estabelecesse uma posição de ativo empenho com a proposta – que é mesmo um tanto desconcertante –, respaldados também na literatura fundamental acerca da Abordagem Centrada na Pessoa elaborada por Rogers. A proposta era disponibilizar-se em termos de tempo e de escuta. Ou seja, os estagiários comporiam uma equipe sempre presente na escola: estariam literalmente de plantão ali à disposição dos alunos, cobrindo todos os horários de funcionamento daquela instituição,disponíveisaoatendimentoàpessoadoaluno no momento em que ele estivesse precisando de ajuda, não sendo assim necessário marcar horário com antecedência e não estaria implicada necessariamente
  • 53. 53 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza uma continuidade de atendimento. O que dirige o percurso é a necessidade da pessoa, garantida a permanênciadadisponibilidadedaequipedeplantonistas e contando com a iniciativa dos próprios alunos buscarem atendimento quando fizer sentido para eles. Mas afinal o que estaríamos oferecendo neste serviço? Um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e refletir suas questões. O objetivo era possibilitar aos alunos a oportunidade de se cuidar, de estarem atentos ao que é realmente importante para eles naquele momento, e então de se posicionarem diante disso. O psicólogo neste tipo de serviço não está ali atento a solucionar algum problema mas procura estar presente acolhendo a pessoa e escutando- a ativamente, possibilitando com isso que ela se mobilize frente à sua situação; procura estar centrado na pessoa mais do que no problema. Esse momento de preparação fora fundamental do ponto de vista do método, pois pôde ficar claro que ouvir – escuta ativa, profunda – é uma intervenção, e que aquilo que verbalizamos para a pessoa, aquilo que pontuamos ou refletimos devolvendo para ela é uma intervenção complementar à escuta, vem como que acoplada. A escuta, enquanto postura básica, é saber ouvir o outro, estar preparado e disponível para receber a vivência que estiver trazendo, tomando-a em sua complexidade original, em seus múltiplos horizontes, demaneiratalafacilitarqueapessoaexamine com cuidado as diversas facetas de sua experiência. Essa escuta solicita de nós uma atenção a uma multiplicidade de perspectivas, mas sobretudo requer uma atenção à perspectiva que aquela pessoa escolhe –oupode–nomomentoexaminarparaadentrarsempre mais profundamente na própria experiência; e isso requer mais respeito ao caminho empreendido pela própria pessoa do que qualquer habilidade preditiva por parte do plantonista. Abertura ao novo
  • 54. 54 Plantão Psicológico: novos horizontes incansavelmente emergente em cada pessoa que examina sua vivência; abertura maravilhada diante do mistério da liberdade de cada ser humano, e daquele ali em particular: é o primeiro passo para entrar em contato com a realidade das pessoas. Nos permitimos entrar em contato com o ouvir não só do ponto de vista teórico (cf. Rogers, 1983; Amatuzzi, 1990) mas reconhecendo nossa experiência, sabendo que está em nós o recurso fundamental para facilitar que o outro se escute a si próprio. Reconhecemos, então, o fundamento do Plantão Psicológico naquela atitude que propicia a facilitação de um processo que é do cliente, e portanto a função do psicólogo não é conduzir esse processo mas acompanhá-lo. Mas, na prática, o que seria ouvir? O que representaria esse tipo de atenção para com o outro ali diante de mim? Preocupação primária e fonte de ansiedade para os iniciantes em atendimento psicológico, mas preocupação e ansiedade em outra medida sempre presente também para quem, por anos a fio, busca se colocar diante do outro com a abertura confiante necessária para que se dê um processo na direção do crescimento e da mobilização, para que se dê um processo de mudança em função do sentido tão próprio àquele que pede ajuda. E na supervisão não poderia ser diferente: atentar para os recursos ali presentes, enquanto pessoa, e acolhê-los, sobretudo para que cada estagiário pudesse descobrir-se como terapeuta no decorrer do contato com o outro, mobilizando seus próprios recursos afetivos e intelectuais. Todos nós, diante desse tipo de escuta, livres de interpretações, generalizações e pré- concepções, estaríamos mais propícios a nos perceber e perceber o outro. O grande segredo é o aprendizado com a própria experiência. E esse segredo se revela efetivamente só com o decorrer do próprio trabalho.
  • 55. 55 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza CONTATOS INICIAIS Nos primeiros contatos de toda a equipe do Plantão Psicológico com a escola confirmamos, da parte deles, o interesse e a disponibilidade em colaborar. Porém, já de início eram perceptíveis as expectativas da instituição quanto ao trabalho: a de que responderíamos a demandas pré-definidas por eles, ligadas ao que consideravam ser os problemas mais graves, recorrentes e emergenciais como, por exemplo, abuso de álcool e gravidez na adolescência. Nos parecia natural que frente à novidade da proposta, surgisse na escola – juntamente à disponibilidade e abertura – alguma dificuldade em colocar-se numa perspectiva diferente, centrada no aluno e a partir de um posicionamento diverso por parte da Psicologia. Demo-nos conta de que não era preciso que a escola entendesse, imediatamente, tudo o que iríamos fazer ali: o fundamental naquele momento é que aceitasse o desafio e possibilitasse nossa atuação. Afinal, quem de nós sabia o que estava por vir? Era o início de nossa presença ali; e sabíamos que clarificar, continuamente, nossa proposta era mesmo parte de nosso trabalho. No vivo da interação com a instituição íamos repropondo e reafirmando os princípios e os fundamentos. Era imprescindível que fôssemos firmes em nossa proposta assim como nas exigências necessárias para colocá-la em prática. E então, melhor do que argumentar seria mostrar a que viemos. APRESENTANDO A PROPOSTA Organizamos uma apresentação da equipe de plantonistas e de nossa proposta para os alunos – que sabíamos ser útil a todo o quadro da escola. Evitamos passar de sala em sala, ou reunir a todos para explicar o que é Plantão Psicológico. A apresentação da proposta ao público interessado precisava ter impacto para marcar nossa presença e nosso trabalho entre eles, sem deixar
  • 56. 56 Plantão Psicológico: novos horizontes também de explicitar com clareza nosso objetivo. Além do quê, era preciso desmistificar a Psicologia, aproximá- la da realidade daqueles adolescentes, mostrando a eles que psicólogo não é “pra doido”, como muitas pessoas costumam pensar, mas para todos que tenham interesse em se conhecer melhor, olhar para si e se reconhecer em suas vivências, cuidar para vivê-las de um modo mais saudável e consciente; era preciso afirmar que estaríamos ali disponíveis para acompanhá-los em sua experiência. Para alcançar tal objetivo elaboramos uma apresentação que fosse clara e próxima dos alunos, procurando utilizar uma linguagem própria da idade deles e que pudesse abarcar ao máximo a realidade em que vivem. Utilizamos recursos musicais e teatrais pois, além de provocar certo impacto, era uma maneira em que nos sentíamos muito à vontade. Estávamos lançando mão de nossos próprios recursos, oferecendo nossa disponibilidade, cada um podendo se colocar com o que tem para oferecer tornando o grupo uma equipe coesa e disponível, cada um com suas diferenças, facilitando assim que as diversidades se aproximassem. Essa forma de se apresentar aconteceu nos três turnos, aproveitando o horário do recreio, por considerarmos ser o momento em que poderíamos estar mais próximos dos alunos e para passar a mensagem que estávamospropondoumespaçorealmentevoltadoaeles na escola. Preparamo-nos sem que os alunos soubessem; apenas a diretoria estava ciente do que iríamos fazer. Quando tocou o sinal para o recreio e os alunos começaram a sair das salas e se dirigirem para o pátio nós começamosatocarumamúsicaeiniciamosaapresentação, distribuímos panfletos com a letra de uma música composta por nós e no verso uma explicação do que seria o Plantão Psicológico. Utilizamos algumas músicas jáconhecidas,comtemáticabemjovemeatual,quetraziam questões propícias a se mobilizar em direção a se cuidar, como por exemplo as de Legião Urbana, Kid Abelha,
  • 57. 57 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza Lulu Santos, Ultraje a Rigor. Criamos também algumas músicas-paródiaeatécompusemos“ORapdoPlantão”. Seguem alguns exemplos: Rap do Plantão Cheguei em casa da escola tô cansado de estudar Meu pai não me entende não adianta conversar Minha mãe me repreende não tenho com quem falar Liguei pra namorada e ela não estava lá Procurei por meus amigos Me disseram: Sai pra lá! Ninguém Quer me entender Ninguém Quer me responder Em minha cabeça tudo roda e eu não sei o que fazer Quem sou? De onde vim? Pra onde vou? O que fazer, o que fazer? Não consigo esclarecer tá difícil de entender Não consigo me acalmar tá difícil de aguentar Mil problemas me esquentam Mil questões me atormentam E os outros no meu pé Cada um com seu palpite Minha cabeça dá um nó E não há quem acredite E eu? O que que eu faço desta vida? E eu? Qual vai ser a minha história? E eu?
  • 58. 58 Plantão Psicológico: novos horizontes Reggae do Plantão (Paródia de “Pensamento”, do grupo Cidade Negra) Eu preciso falar do que se passa aqui dentro Vou procurar o plantão Preciso de alguém que me escute e me entenda Prá eu também me entender É este mundo É minha vida Quero mudar Quero aproveitar Quem não se cuida Não curte a vida Fica parado sem sair do lugar Exibem poesia as palavras de um rei Faça sua parte Que eu te ajudarei Twist do Plantão (Paródia de “Twist and Shout”) Vou conversar no Plantão (no Plantão) Não sei se tem solução (solução) É um espaço pra mim (para mim) É disto que eu tô afim. Ah... Ah... Ah... Ah... Ah... Melô do Plantão No plantão falar é “bão” Muito “bão” (Repete 3x) Muito “bão”. No plantão falar é “bão”.
  • 59. 59 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 4 Uma breve edição em vídeo de filma- gens feitas durante estas apresenta- ções está incluída no CD-ROM anexo aolivro.Asmúsicas também podem ser ouvidas já integra- das ao vídeo ou através de um CD- player convencio- nal (faixas 2, 3, 4, e 5) Pretendíamos criar um momento de apresentação em que eles se reconhecessem e pudessem estar mais atentos à explicação que iríamos dar posteriormente sobre o Serviço. Elaboramos uma dramatização que pudesse representar bem a vivência de um adolescente incompreendido em sua própria casa e que por fim resolve buscar ajuda no Plantão Psicológico como meio de pensar e refletir sobre suas questões. De início os alunos pareciam espantados e aos poucos foram se ambientando, começaram a interagir conosco cantando as músicas e batendo palmas, e até mesmo dançando. Nos entremeios de uma música e outra e o teatro íamos falando de forma espontânea quem éramos nós e o que estávamos fazendo ali. Procuramostocá-losnoquedizrespeitoàvivência deseradolescentecheiodequestões,dúvidas,inquietações e à dificuldade de contar com alguém que possa estar junto com ele acompanhando-o nessa experiência. Estávamos propondo a eles que uma maneira “legal” de se cuidar, de manter-se bem em meio aos problemas e dificuldades,édar-seaoportunidadedefalardessascoisas, pensando sobre elas e sobre como eles podem estar vivendo de forma consciente cada situação, podendo até passar a vê-la de modo diferente. Divulgamos assim o Serviço de forma descontraída sem perder a seriedade donossocompromissocomaproposta. 4 OS ATENDIMENTOS E AS DEMANDAS No dia seguinte à apresentação da proposta aos alunos, os estagiários começaram a ficar de plantão, na sala disponibilizada pela escola, e imediatamente os atendimentos começaram. Os estagiários se dividiam pelos três turnos de aulas, de segunda a sexta-feira, e tambémnosábadodemanhã,oquefaziacomquesempre houvesse um ou dois estagiários na sala do Plantão, disponíveis para os alunos.
  • 60. 60 Plantão Psicológico: novos horizontes Nos atendimentos procurávamos acompanhar a organização própria dos alunos, pois era centrando na experiência destes que descobríamos como proceder. Esta atenção ao movimento que os alunos faziam ao buscar o Plantão Psicológico nos indicava como responder à este movimento. Sendo assim, o número dealunosqueparticipavadeumasessão, aduraçãodesta, a marcação de uma nova, e o próprio andamento de cada sessão acompanhavam a necessidade do momento e não uma regra pré-estabelecida. O que mantínhamos firme sempre era nossa disponibilidade para ouvi-los, ajudá-los a examinar sua experiência, e a proposta de que o Plantão Psicológico era para qualquer aluno que quisesse ‘se cuidar’. Atendemos então indivíduos e grupos, em uma ou mais de uma sessão, que duraram de quinze minutos a uma hora e meia. Nos casos em que os alunos voltavam, sendo atendidos diversas vezes, e se percebia uma necessidade de ajuda que ia além da proposta de atendimento em Plantão Psicológico (ver abaixo a categoria “Incômodo com a maneira de ser e de reagir à situações”), nós os encaminhávamos para Serviços ou clínicas sociais que oferecessem psicoterapia a um baixo custo ou gratuitamente. Foram poucos os casos encaminhados, já que na maioria não houve esta necessidade. Ao final do primeiro semestre, realizados atendimentos no período de abril a junho, havíamos atendido 11,9% do total de alunos da escola (124 de um total de 1035), em 134 sessões (ver tabela I na próxima página). Note que o número de alunos atendidos e de sessões é diferente, já que um aluno pode ter sido atendido em mais de uma sessão e vários alunos, em grupo, podem ter sido atendidos em uma única sessão. Para chegarmos a este total de alunos atendidos contabilizamos as sessões efetivas, (ou seja, aquelas em que os alunos haviam se movimentado frente à alguma questão) deixando de lado, para efeito
  • 61. 61 PlantãoPsicológiconaescola:presençaquemobiliza TABELAI Dadosquantitativossobrecadaturno ALUNOSMATRICULADOS Númerode alunos matriculados em cada turno % de alunos matriculados em relação aonúmero total de alunos da escola Númerode pessoas atendidas no turno Manhã ALUNOSATENDIDOS ATENDIMENTOS(SESSÕES) % de pessoas atendidas no turno em rela-çãoao total de alunos ma- triculadosno mesmoturno % de pessoas atendidas no turno em re- lação ao total de pessoas atendidos na escola Númerode atendimentos no turno % de atendimentos no turno em relaçãoao total de atendimentos na escola 423 40,9% 31 7,3% 25 36 26,9 Tarde 126 12,2% 46 36,5% 37,1 14 10,4 Noite 486 46,9% 47 9,7% 37,9 84 62,7 Total 1035 100% 134 100% 100% 124 100%
  • 62. 62 Plantão Psicológico: novos horizontes de contagem, as situações em que os alunos passavam rapidamente pela sala do Plantão Psicológico para dizer olá, espiar, ou fazer um comentário, e aquelas em que os alunos permaneciam conosco por algum tempo conversando “fiado” ou querendo saber mais sobre nossa proposta, fazendo perguntas do tipo “O que é mesmo o Plantão?”. Vale dizer que algumas situações como estas serviram como via de acesso à ajuda, ou seja, o aluno chegava como quem não quer nada para logo em seguida, já ambientado, conseguir falar de si, transformando a “visita” em um atendimento, que era então contabilizado. Durante todo o semestre os atendimentos eram discutidos nos encontros semanais de supervisão. Para cada sessão ou atendimento era feito um relatório escrito. Nestes encontros, além dos atendimentos, conversávamos também sobre a instituição em seus diferentes âmbitos, ou seja, falávamos dos professores, da diretoria, dos turnos, do que observávamos enquanto estávamos na escola. Queríamos estar atentos para as repercussões que nossa presença estava tendo na escola. Isto também era parte de nossa proposta de Plantão Psicológico. Ao escutar os alunos, estávamos intervindo também na instituição, ajudando estes a se dar conta de suas necessidades frente à escola, o que poderia mobilizá- los a atuar nesta para transformá-la. Ao escutar a instituição em cada um de seus âmbitos estávamos também intervindo, pois surgiam então respostas que poderiam ser dadas ao grupo. Um exemplo disto foi nossa atuação diferenciada em relação à características singulares que o turno da tarde tinha em relação aos outros turnos: No turno da tarde funcionavam três turmas, todas do primeiro ano do segundo grau, totalizando cento e vinte e seis alunos. No início do trabalho, os alunos deste turno não procuraram o Plantão
  • 63. 63 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza Psicológico, diferenciando-se dos outros turnos onde a procura foi imediata, acontecendo já no primeiro dia de funcionamento do Serviço. Através de observações que os estagiários haviam feito enquanto aguardavam atendimento e de conversas informais com os alunos, principalmente no horário do recreio, levantamos algumas características específicas deste turno que poderiam explicar a não-procura pelos atendimentos naquele turno. Concluímos que a procura poderia estar sendo dificultada por: - um maior controle sobre os alunos, por parte de quem ocupava a direção da escola naquele período, no sentido de evitar que os alunos ficassem fora de sala de aula no horário letivo; - um maior controle dos alunos sobre os próprios alunos. Neste turno haviam poucas turmas, o que fazia cada aluno estar mais exposto. Todos eles eram novatos na escola – já que eram turmas de 1 a série do científico – e estavam provavelmente tentando se ‘enturmar’, fazer amigos, e a busca por um Serviço de atendimento psicológico poderia atuar negativamente neste sentido, pela imagem tradicional do psicólogo como alguém que atende ‘loucos’. De fato os alunos que falavam em procurar o Plantão Psicológico eram caçoados pelos colegas. Entendemos que precisávamos intervir diferenciadamente neste turno para facilitar o acesso à ajuda. Criamos para isto uma estória em quadrinhos que foi colocada em um cartaz bem visível aos alunos deste turno. Essa estória retratava a situação de um aluno que queria ir ao Plantão Psicológico mas se intimidava pois os colegas caçoavam quando expressava esta vontade. Ele conversa então com um outro colega que havia ido mas que se recusa a explicar o que havia acontecido lá, dizendo que ‘No plantão falar
  • 64. 64 Plantão Psicológico: novos horizontes é bão’, com uma expressão muito satisfeita, indicando que este deveria descobrir por si mesmo. O aluno decide então ir ao Plantão Psicológico. Com este cartaz estávamos espelhando a situação dos alunos para eles mesmos. Era já uma escuta. Uma outra intervenção desse gênero foi a de uma estagiária, que envolveu um grupinho de alunos, convidando-os para a ajudarem a confeccionar um cartaz onde foi escrito ‘Plantão Psicológico’ para ser colocado na porta de nossa sala. Buscava com isso aproximar mais os alunos do nosso espaço de atendimento, desmistificando também o psicólogo como distante e como ‘coisa para doido’. A resposta a estas intervenções foi imediata. No dia seguinte à fixação da estória em quadrinhos num corredor da escola, um grupo de alunos apareceu para conversar. Os atendimentos começaram então a acontecer também no turno da tarde, no qual foram atendidos 46 alunos, ou seja, 37,1% do total de alunos atendidos na escola. O número de atendimentos neste turno foi de 14, que corresponde a 10,4% dos atendimentos realizados na escola. A diferença entre o número de atendimentos e o de alunos atendidos é grande pois houveram vários atendimentos em grupo neste turno. Esta ‘preferência’ dos alunos pelos grupos, e o fato dos atendimentos terem acontecido geralmente no horário do recreio ou quando algum professor não comparecia para dar aula, pode ser entendida: se é o grupo que comparece, diminui o controle individual que as características de contexto descritas mais acima exerciam sobre os alunos. Os turnos da manhã e da noite tinham um número bem próximo de alunos matriculados, sendo 423 no da manhã e 486 no da noite. Nestes dois turnos os alunos procuravam o Plantão Psicológico em qualquer horário, ou seja, no recreio ou durante as aulas, quando queriam ser atendidos. No turno da manhã,
  • 65. 65 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza foram atendidos 31 alunos (7,3% do total de alunos atendidos na escola), em 36 atendimentos (26,9% do total de atendimentos realizados na escola). Houveram atendimentos em grupo, embora não tantos quanto no turno da tarde. O turno da noite se diferencia neste aspecto pois quase não houveram atendimentos em grupo. Neste turno ocorreram a maior parte dos atendimentos realizados na escola (62,7% do total), sendo atendidos 47 alunos (37,9% do total). Quanto à porcentagem de pessoas atendidas em cada turno em relação ao total de alunos naquele mesmo turno, os turnos da manhã e da tarde se assemelham, com respectivamente 7,3% e 9,7% de seus alunos atendidos. Já o turno da tarde se destaca pois teve 36,5% dos seus alunos atendidos, geralmente em grupos, como já foi dito. Após passarmos pela experiência de um primeiro semestre atendendo em Plantão Psicológico, surgiu a necessidade de organizar essa experiência, buscando entender com clareza as necessidades daqueles sujeitos que nos procuravam. Essa organização nos daria, através de uma leitura mais sistematizada das demandas dos alunos, um maior conhecimento sobre os sujeitos que atendíamos e, conseqüentemente, uma ajuda para o entendimento da dinâmica da instituição escolar e até para nossas intervenções ali. Além disso, seria importante para o retorno que daríamos à escola sobre nosso trabalho e, de forma mais geral, sobre as questões mais discutidas pelos alunos. Esse retorno, por sua vez, poderia levar a escola a rever sua visão e sua posição frente aos alunos. Deste modo, passamos um semestre atendendo em Plantão Psicológico, ouvindo cada pessoa enquanto pessoas únicas, com demandas próprias, que iam, à medida em que eram escutadas e se escutavam, fazendo seu movimento em direção à mudança (cf. Mahfoud, 1989). Mas a singularidade do movimento de cada
  • 66. 66 Plantão Psicológico: novos horizontes umnãoocultavaquemuitosalunosaliatendidosvinham falar de coisas que às vezes eram comuns a outros. E foi em busca do que fosse comum que fizemos uma categorização das demandas que os alunos da escola traziam, a partir dos relatórios dos atendimentos que eram escritos pelos plantonistas. É importante frisar que as categorias de demandas não foram criadas antes de examinarmos atentamente os relatórios, para que tentássemos encaixar nelas os “problemas já-categorizados” dos alunos, pois se fizéssemos assim, correríamos o risco certeiro de distorcer a experiência do aluno enquadrando-o em “pré-suposições” nossas. Ao contrário, optando por uma metodologia fenomenológica, deixamos que as categorias “emergissem”, fossem “des-cobertas”, após discussões concentradas sobre os diversos casos. Assim, discutimos qual o tema central de cada atendimento, qual a principal demanda que ali se sobressaía como uma questão importante para o aluno, na perspectiva dele. Não tentamos ver o que estava “por trás” do que ele dizia e nem nos guiar em direção daquilo que mais se chocava aos nossos olhos – mais que aos deles – como a violência, que por vezes permeava suas realidades. Algumas vezes, a questão principal de um sujeito só aparecia ao final de um atendimento, após serem discutidos outros assuntos ou mesmo problemas. Mas o momento em que o tema central aparecia era aquele em que a demanda tornava-se nítida, através de indícios como uma maior emoção, atenção, entusiasmo, constrangimento, “brilhos no olhar” ou até a revelação da própria pessoa dizendo que aquela era sua demanda principal, era o principal motivo pelo qual estava ali. As diversas questões principais “descobertas” eram comparadas entre si a fim de se descobrir semelhanças entre elas. Questões que envolviam um
  • 67. 67 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza mesmo tipo de dificuldade, incômodo ou mesmo busca foram, então, agrupadas sob uma mesma expressão que as abarcasse todas. Desta forma, elaboramos 15 categorias, além de uma chamada “demanda indeterminada”. Quando uma pessoa vinha ao Plantão Psicológico e durante o atendimentováriasquestõesapareciamcomoigualmente importantes para ela, o atendimento era considerado “demanda indeterminada”. Também dentro desta categoria foram incluídos os casos em que não foi identificada nenhuma demanda claramente ou aqueles em grupo em que cada pessoa trazia uma diferente questão, aparecendo então uma multiplicidade de demandas principais na mesma sessão. Essa impossibilidade de se identificar a demanda se deveu em alguns casos a relatórios mais interpretativos do que descritivosque,dandomaisênfasenavisãodoplantonista do que na fala do aluno atendido, nos impossibilitou de identificar sua demanda principal. Perceber essa falha nos relatórios foi uma indicação valiosa para futuros relatos de atendimentos e até para atendimentos em si, nos quais se corre o risco de abandonar a atenção centrada na pessoa que busca o Plantão Psicológico para voltá-la para elocubrações que a ultrapassam. A escola tinha expectativas quanto às questões que mais seriam abordadas pelos seus alunos. Esperavam, por exemplo, que os alunos falassem de gravidez na adolescência, de seus professores e diretoras e ainda de abuso de álcool. Nós mesmos esperávamos que o tema “violência” aparecesse enquanto uma categoria isolada, já que essa questão foi muito abordada nos atendimentos. Notamos, no entanto, que esses temas eram na maior parte das vezes, “apenas” subjacentes àquilo que mais os incomodava. Como se fosse um cenário às particulares histórias dos vários sujeitos que procuravam atendimento ou mesmo mais uma contingência difícil de suas vidas.
  • 68. 68 Plantão Psicológico: novos horizontes Foi muito importante entender que, muitas vezes, o que era atordoante para os plantonistas – como a violência sexual, familiar e de rua – e que talvez por isso esperávamos que fosse o mais importante e atordoante também para a pessoa que nos procurava, às vezes, podia não se apresentar assim. Desse modo, percebemos que, atendendo pessoas que vivem uma realidade diferente da nossa e categorizando esses atendimentos segundo suas demandas, devíamos cuidar para que nossa atenção centrada na pessoa e em sua perspectiva não fosse abandonada em função de nossos próprios valores. Entre as categorias de cujo aparecimento havia alguma expectativa de nossa parte, apenas a demanda “dificuldade com drogas”(4) foi realmente categorizada. No entanto, surgiu apenas um caso em que essa demanda, enquanto principal, foi apresentada. De um modo geral, em nossa categorização, a questão da “violência” apareceu associada a outras, incluídas na categoria “insatisfação com as atribuições e contingências” (11). As pessoas cujos atendimentos foram aí categorizados queixavam-se de insatisfação com as condições externas a elas, o que as incomodavam, mas que independiam de suas ações. O que se poderia fazer, então, era quase que suportar tal realidade e se colocar em relação a ela de maneira diferente. Um exemplo de um caso incluído nesta categoria seria aquele em que o aluno queixa-se de sua mãe que é alcoólatra, de seu pai violento e foi “atribuído” a ele, cuidar dos irmãos mais novos. Tudo isso, são contingências de sua vida que o incomodam com as quais tem que lidar e que lhe foram impostas por outros, no caso, o pai e a mãe. Na categoria “preocupação com conseqüências de ações ou decisões passadas” (14), foram agrupados os casos em que havia uma ansiedade acerca de decisões ou atos já realizados, como o da aluna com
  • 69. 69 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza medo de estar grávida ou do rapaz preocupado com as implicações de ter montado um trailler ecomoconciliaria istocomseusestudos. Umaoutracategoria,“dificuldade em fazer escolhas”(6), foi criada para aqueles casos em que uma pessoa tinha diante de si opções entre as quais deveria escolher uma, a qual poderia mudar o rumo de sua vida. Incluímos, nessa categoria, as demandas de orientação profissional e também demandas relacionadas a outras decisões a serem tomadas na vida pessoal. Os casos em que sujeitos tinham que aprender a lidar com alguma perda que haviam sofrido configuraram a categoria “elaboração de perdas”(7) que incluiu perdas por morte ou por separação, como término de relacionamento amoroso. Já a categoria “arrependimento e culpa” (1) abarcou os casos em que as repercussões de atos e decisões já efetuados levavam a estes sofrimentos especificados. Havia um questionamento relacionado à adequação de tais ações e decisões já tomadas, fazendo com que sentimentos de culpa ligados a valores pessoais e sociais emergissem. Um exemplo dessa categoria seria o da aluna que se sentia arrenpendida e culpada por ter feito um aborto. Esta categoria se diferencia da categoria “preocupação com as conseqüências de ações passadas” pelo fato de que nesta, havia uma ansiedade (uma pré-ocupação) em torno das ações já realizadas, como que um medo de sofrer pelas conseqüências, e na categoria “arrependimento e culpa”, a conseqüência de um ato já está causando sofrimento. As demandas ligadas à categoria “sexualidade” eram, em sua maioria, associadas a uma necessidade de discussão, por parte de alunas, a respeito de virgindade, valores da sociedade sobre a sexualidade, a posição e idéias de cada aluna frente ao assunto. Todos os atendimentos dessa categoria foram feitos
  • 70. 70 Plantão Psicológico: novos horizontes em grupo e no turno da tarde, no qual, talvez pela idade dos alunos (eram mais novos que os dos outros turnos), tais assuntos despertassem maior interesse. Uma outra categoria: “dificuldades com a escola”(5) englobou os assuntos relacionados à vida escolar dos alunos, desde dificuldades com um determinado professor até problemas de atenção, notas e aprendizagem. Na categoria “busca de reconhecimento”, agrupamos os casos em que os alunos nos procuravam para nos contar como estavam lidando bem com os desafios que lhes eram colocados pela vida. Eles já haviam tomado uma decisão, gostavam da própria maneira de ser e precisavam apenas de alguém que, de certa forma, poderia os deixar mais seguros sobre o que estavam fazendo ou sobre seu próprio jeito de ser. Ao nosso ver, o aparecimento da demanda “busca de reconhecimento” em nossa categorização é um sinal do diferencial que uma proposta como o Plantão Psicológico em Escola representa, em relação a outras propostas de atendimentos psicológicos em instituições de ensino. Isso porque,ao situar o psicólogo em um espaço também para o que é saudável, para o “se cuidar” e não apenas para o “se tratar”, o Plantão Psicológico abre um caminho para o sujeito que está bem se expressar de maneira total, obtendo uma escuta aberta ao seu modo de viver sua própria vida. Umaoutracategoria–“incômodocomamaneira de ser e de reagir às situações”(10) – abarcou justamente os casos opostos à última categoria explicada. As pessoas que entraram nessa categoria queixavam-se de não estarem felizes com algo no seu jeito de ser, como nervosismo, timidez, solidão, ou com a forma como sempre reagiam a situações específicas. Um exemplo deste caso, seria o da mulher que sempre chorava quando o marido se atrasava. Ela não gostava desta sua própria reação ao marido, já que não a ajudava em
  • 71. 71 Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza nada. Este tipo de sofrimento, um sofrimento que só dependia do próprio sujeito para que pudesse ser alterado, foi o que mais demandou atendimentos (totalizaram 24 sessões) e sobre o qual mais pessoas se queixaram (14 pessoas com essa demanda). Através da relação entre o número de pessoas nessa categoria e o número de sessões, podemos ver que, para este tipo de demanda é necessário, na maior parte das vezes, que uma mesma pessoa seja atendida mais de uma vez. Por causa das características desta demanda, cujos atendimentos visam uma mudança estrutural na maneira de ser de uma pessoa, e do tempo maior necessário para que isso aconteça, começamos a pensar na possibilidade de encaminhar os sujeitos com essa demanda para uma psicoterapia, o que fizemos em alguns casos. Isso não quer dizer que o espaço do Plantão Psicológico não seja suficiente para que uma mudança estrutural aconteça, pois vimos que ela ocorreu em alguns atendimentos. Porém, é uma proposta de atendimento por Aconselhamento Psicológico, especialmente adequado a mobilizar mudanças situacionais, ligadas a questões que os sujeitostrazememumdeterminadomomento,causadas por algo que os aflige ou acontece agora. Essas questões situacionais se adaptam muito bem ao espaço dinâmico do Plantão Psicológico. As mudanças estruturais podem ser trabalhadas mais calmamente através da psicoterapia com atendimentos mais regulares, mais “garantidos” (porque haverá menos chance de outra pessoa estar com o psicólogo no momento da procura) e dentro de um processo que pode ser mais longo e contínuo (bem maior que o período letivo ao qual o Plantão Psicológico na escola está atrelado). O encaminhamento de pessoas com essas demandas para uma psicoterapia ainda possibilita que mais pessoas com as outras demandas sejam atendidas no Plantão Psicológico.
  • 72. 72 Plantão Psicológico: novos horizontes Quatro categorias de demandas dizem respeito a relacionamentos: A primeira delas – “desconfiança nos relacionamentos”(3) – relacionada a relacionamentos em geral: amorosos, de amizade, familiares etc. Compreende os casos em que o aluno tem uma pessoa de quem gosta e por quem se empenha, essa pessoa parece também agir dessa forma, mas o aluno desconfia da legitimidade dos sentimentos dos outro para com ele. Essa desconfiança vem muitas vezes acompanhada de insegurança. Já a categoria “insatisfação nos relacionamentos com a família”(12) envolve as dificuldades que o aluno pode ter com qualquer membro de sua família, exceto o cônjuge, que podem se modificar dependendo de como se coloca frente a elas. Isso é, basicamente, o que difere essa categoria da “insatisfação com atribuições e contingências”, na qual as dificuldades existem independentemente do aluno, como algo realmente externo a ele. Um exemplo para essa categoria 12, seria o do filho que não consegue conversar e ser mais próximo do pai, embora este se mostre bastante disponível. As outras categorias que envolvem relacionamentos – “falta de correspondência nos rela- cionamentos amorosos”(8) e “falta de reciprocidade nos relacionamentosjáestabelecidos”(9)–têmumadiferença básica que é justamente o já-estabelecimento ou não do relacionamento amoroso. A primeira categoria citada é aquela na qual os relacionamentos ainda não estão estabelecidos e uma frase que a explicaria seria: “eu gosto de alguém que não gosta de mim”. Já no segundo caso, já há um compromisso “firmado”, de namoro, casamento, noivado etc, pressupondo-se que duas pessoas pelo menos se gostam. No entanto, ocorre que o empenho das duas neste relacionamento não é recíproco. Um se empenha mais que o outro e essa falta do outro é que traz o sofrimento. É interessante