Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
O Teeteto de Platão e a Apologia de Sócrates
1. Prefácio
Este
texto
destina-‐se
aos
meus
alunos
de
Filosofia.
Foi
composto
a
partir
de
apontamentos
meus,
muitos
deles
sem
qualquer
referência,
por
se
destinarem
mais
a
apoiar
as
minhas
leituras
do
que
a
serem
alguma
vez
publicados,
e
a
partir
das
obras
de
Platão:
O
Teeteto
e
a
Apologia,
em
língua
francesa.
No
meu
tempo
de
estudante
de
Filosofia
no
Ensino
Superior,
as
obras
de
Platão
não
estavam
acessíveis
em
língua
portuguesa,
pelo
que
me
habituei
a
lê-‐las
em
francês.
Mais
tarde,
tendo
completado
a
minha
formação
superior
numa
Universidade
francesa,
adquiri
o
gosto
por
ler
Platão
e
outros
autores
clássicos
em
francês.
Desta
circunstância,
resulta
uma
leitura
do
Teeteto
que
não
coincide
inteiramente
com
aquela
que
se
encontra
nos
manuais
portugueses:
assume-‐se
que
o
tema
do
Teeteto
é
a
ciência
e
não
o
conhecimento.
No
entanto,
é
mantida
a
terminologia,
habitual
nesses
manuais,
relativa
à
opinião
e
à
opinião
verdadeira,
por
ser
irrelevante
outra
qualquer,
se
o
tema
considerado
for
o
da
Ciência.
Os
pormenores
que
se
referem
à
vida
de
Sócrates
são
sobretudo
influenciados
pela
História
da
Filosofia
de
Magalhães
Vilhena.
São
acrescentados
mapas,
retirados
do
“google
maps”
para
ilustrar
a
região
geográfica
por
onde
Sócrates
viajou.
Algumas
dessas
localidades,
como
Mégara
e
Kifissia,
conheci-‐as
pessoalmente,
outras
são
localizadas
nos
mapas
atuais,
a
partir
das
informações
contidas
na
“Wikipedia”.
O
mesmo
acontece
com
o
valor
do
dinheiro
da
época
que
foi
apurado
a
partir
da
conversão
das
minas
em
dracmas.
A
escrita
deste
texto,
começada
há
já
bastante
tempo,
foi
interrompida
e
interrompe,
agora,
a
escrita
de
um
outro
texto
sobre
a
Doutrina
Social
da
Igreja
(DSI).
Na
verdade,
este
último
2. tem-‐se
revelado
mais
complexo
do
que
era
minha
intenção
inicial:
A
DSI
não
se
compadece
com
uma
escrita
esquemática,
como
aquela
que
eu
pensava
fazer.
Tanto
Platão
como
a
DSI
concordam
num
ponto
em
termos
de
política:
a
justiça
é
o
bem
maior
do
Estado,
a
justiça
ou
o
bem
comum.
A
liberdade
individual
deve
subordinar-‐se
à
justiça.
Numa
época,
em
que
as
conceções
políticas,
por
fanatismo
liberal,
se
aproximam
perigosamente
de
conceções
e
sobretudo
de
práticas
anarquistas,
quer
Platão,
quer
a
DSI
podem,
a
par
das
teorias
de
Rawls
ou
de
Amartya
Senn,
ser
refrescantes
e
promissoras.
A
justiça
de
que
aqui
se
fala
não
é
a
justiça
dos
tribunais,
que
essa
tem
sempre
origem
na
injustiça,
mas
a
justiça
que,
se
existisse,
dispensaria
os
tribunais.
Julho,
2012
Jorge
Nunes
Barbosa
3. A
Vida
de
Platão
Platão
nasceu
em
Atenas
no
ano
428-‐427
a.C.,
no
povoado
de
Collytos.
Segundo
Diógenes
de
Laércio,
o
seu
pai
Aríston
era
descendente
de
uma
família
real,
a
família
de
Codros,
o
último
rei
de
Atenas.
A
sua
mãe,
Perictione,
irmã
de
Carmides
e
prima
de
Crítias,
o
tirano,
descendia
de
Drópides,
que
Diógenes
de
Laércio
dizia
ser
irmão
de
Sólon,
um
dos
sete
sábios
da
Grécia.
A
tradição
mandava
que
a
uma
criança,
como
Platão,
fosse
atribuído
o
nome
do
seu
avô.
Portanto,
Platão
deveria
ter-‐se
chamado
Aristocles.
Segundo
Diógenes
de
Laércio,
o
nome
de
Platão
foi-‐lhe
dado
pelo
seu
mestre
de
ginástica,
em
alusão
à
sua
corpulência.
A
família
de
Platão
possuía
uma
propriedade
em
Kifissia,
onde
atualmente
se
situa
uma
estação
terminal
da
linha
1
do
metro
de
Atenas.
Aí,
deve
ter
aprendido
a
gostar
da
calma
da
vida
rural,
mas,
muito
provavelmente,
deve
ter
passado
a
maior
parte
da
sua
infância
na
cidade,
para
poder
ter
acesso
à
educação
própria
da
sua
condição
social
(o
metro
que
liga
o
centro
da
cidade
de
Atenas
a
Kifissia
é
muito
recente...).
O
mais
certo,
tendo
em
conta
as
suas
origens
de
nobreza,
é
que
tenha
aprendido
a
honrar
os
deuses
e
a
respeitar
os
rituais
da
religião,
como
era
tradição
em
todas
as
famílias
de
bem.
Manterá
durante
4. toda
a
sua
vida
este
respeito
pela
religião
e
imporá
esse
respeito
nas
suas
Leis.
Para
além
da
ginástica
e
da
música,
que
eram
a
base
da
educação
ateniense,
também
terá
sido
iniciado
no
desenho
e
na
pintura.
Em
filosofia,
a
sua
formação
terá
começado
com
as
lições
de
um
discípulo
de
Heraclito,
Crátilo,
cujo
nome
foi
dado,
por
Platão,
a
um
dos
seus
diálogos.
Eram-‐lhe
reconhecidos
talentos
para
a
poesia.
Foi
testemunha
dos
sucessos
de
Eurípides
e
Ágaton,
e
ele
próprio
compôs
tragédias,
poemas
líricos
e
ditirambos.
Com
cerca
de
vinte
anos
de
idade,
Platão
conheceu
Sócrates.
Diz-‐se
que
queimou
as
suas
tragédias
e
que
se
dedicou
completamente
à
filosofia.
Sócrates
tinha
dedicado
toda
a
sua
vida
a
ensinar
a
virtude
aos
seus
concidadãos:
a
reforma
(a
conversão
à
virtude)
dos
cidadãos
era
a
condição
necessária
e
indispensável
para
o
bem-‐estar
da
cidade.
Este
será
também
o
objetivo
principal
da
vida
de
Platão
que,
tal
como
o
seu
primo
Crítias
e
o
seu
tio
Cármides,
ambicionava
dedicar-‐se
a
uma
carreira
política;
no
entanto,
os
excessos
dos
Trinta
(um
governo
oligárquico
de
Atenas
composto
por
trinta
magistrados)
acabaram
por
o
horrorizar.
Quando
foi
restabelecida
a
constituição
democrática
em
Atenas,
Platão
já
não
estava
tão
confiante
numa
carreira
política.
A
condenação
de
Sócrates
pelo
regime
democrático
desiludiu-‐o
de
forma
irrecuperável
e
definitiva.
Ele
tinha
mantido
a
esperança
de
que
a
democracia
haveria
de
melhorar
a
vida
política;
vendo
que
o
mal
parecia
incurável,
dedicou-‐se
completamente
a
preparar,
através
das
suas
obras,
alterações
políticas
de
fundo,
onde
os
filósofos,
preceptores
e
governantes
da
humanidade,
haveriam
de
pôr
fim
à
maldade
que
ele
tanto
repudiava.
5. Segundo
consta,
Platão
estaria
doente
quando
Sócrates
bebeu
a
cicuta,
e,
por
isso,
não
pôde
estar
presente
nos
seus
últimos
momentos.
Após
a
morte
do
mestre,
retirou-‐se
para
Mégara
(atualmente
um
aglomerado
agrícola
a
43Km
de
Atenas,
atravessado
pela
auto-‐estrada
Atenas-‐Corinto),
para
junto
de
Euclides
e
Terpsion,
tal
como
ele,
discípulos
de
Sócrates.
Mais
tarde,
teve
de
voltar
a
Atenas
para
cumprir
serviço
militar
na
cavalaria.
Participou,
segundo
parece,
nas
campanhas
de
395
e
de
394
da
guerra
de
Corinto.
Na
verdade,
Platão
nunca
se
referiu
aos
seus
serviços
militares,
mas
sempre
preconizou
os
exercícios
militares
para
desenvolver
o
vigor
físico
dos
jovens.
O
desejo
de
instrução
levou
Platão
a
viajar.
Cerca
de
390,
dirigiu-‐se
ao
Egito,
levando
consigo
um
carregamento
de
azeite
para
pagar
a
viagem.
Aí,
tomou
contacto
com
artes
e
costumes
com
milhares
de
anos
de
tradição.
Há
quem
pense
que
foi
graças
ao
espetáculo
desta
civilização,
fiel
a
antigas
tradições,
que
Platão
criou
a
ideia
de
que:
•
os
homens
podem
ser
felizes,
se
respeitarem
as
formas
imutáveis
de
vida,
•
a
música
e
a
poesia
não
necessitam
de
novas
criações,
e
•
basta
descobrir
a
melhor
constituição
e
forçar
os
povos
a
aderir
a
ela
para
se
viver
numa
cidade
justa.
6. Do
Egito,
partiu
para
Cirene
(colónia
grega
na
região
da
Líbia
atual),
onde
frequentou
a
escola
do
matemático
Teodoro,
que
será
um
dos
interlocutores
do
Teeteto.
De
Cirene,
passou
para
Itália,
onde
fez
amizade
com
os
pitagóricos
Filolau,
Arquitas
e
Timeu.
Não
é
seguro
que
tenha
sido
com
estes
pitagóricos
que
Platão
passou
a
acreditar
na
migração
das
almas;
mas
a
eles
deve
seguramente
a
ideia
de
eternidade
da
alma,
que
haveria
de
ser
a
pedra
angular
da
sua
filosofia;
essa
ideia
de
imortalidade
da
alma
forneceu
a
solução
para
o
problema
do
conhecimento.
Com
esses
pitagóricos,
Platão
aprofundou
também
os
seus
conhecimentos
em
aritmética,
em
astronomia
e
em
música.
Dirigiu-‐se,
depois,
para
a
Sicília
e,
em
Siracusa,
assistiu
às
farsas
populares
e
comprou
o
livro
de
um
autor
de
farsas
em
prosa.
Foi
recebido
na
corte
de
Dionísio
na
qualidade
de
estrangeiro
distinto
(diríamos
agora
VIP)
e
conquistou
para
a
filosofia
o
cunhado
do
tirano.
No
entanto,
não
durou
muito
tempo
a
cordialidade
de
Dionísio
que
o
despachou
num
barco
com
destino
a
Egina
(uma
ilha
a
cerca
de
27
Km
de
Atenas,
com
a
qual,
na
época,
estava
em
conflito
aberto),
como
escravo
do
Lacedemónio
Pollis.
Felizmente,
um
Cireneu,
que
reconheceu
Platão,
comprou
a
sua
liberdade
pelas
vinte
minas
que
ele
tinha
valido
no
mercado
de
Siracusa
(cerca
de
128
dracmas
-‐
mal
comparando,
um
euro
equivale
à
conversão
de
340,750
dracmas,
nos
tempos
atuais).
Platão
voltou,
então,
a
Atenas,
muito
provavelmente
com
cerca
de
quarenta
anos.
7.
Nesse
ano
(388
a.C.),
Eurípides
já
tinha
morrido
e
não
tinha
sucessor
à
sua
altura,
Aristófanes
acabava
de
representar
a
sua
última
tragédia,
e
o
teatro
cómico
estava
em
decadência.
A
poesia
enfrentava
um
declínio
evidente
em
Atenas,
mas
a
prosa
estava
em
ascensão.
Lísias
(que
aparece
em,
pelo
menos,
dois
diálogos
de
Platão)
escrevia
discursos
de
defesa
em
tribunal
(parece
que
escreveu
mesmo
um
para
Sócrates),
e
Isócrates
tinha
fundado
uma
escola
de
retórica.
Dois
discípulos
de
Sócrates,
Ésquines
e
Antístenes,
que
tinham
tomado
a
defesa
do
mestre,
tinham
uma
escola
e
publicavam
escritos
ao
gosto
do
povo
ateniense.
Platão
dedicou-‐se
também
ao
ensino;
mas,
em
vez
de
o
fazer
através
da
conversa,
como
Sócrates,
fundou
uma
escola
à
imagem
das
sociedades
pitagóricas.
Comprou
um
terreno
próximo
do
ginásio
do
bosque
de
Academos,
e
aí
mandou
construir
a
sua
escola.
Daí,
o
nome
de
Academia,
dado
à
escola
de
Platão.
Os
seus
alunos
formavam
um
grupo
de
amigos,
cujo
presidente
era
escolhido
pelos
jovens
que,
sem
dúvida,
pagariam
uma
espécie
de
cotização.
Não
se
sabe
nada
dos
vinte
anos
da
vida
de
Platão,
que
decorreram
entre
o
seu
retorno
a
Atenas
e
a
sua
nova
deslocação
à
Sicília.
Nem
nas
suas
obras
se
encontra
qualquer
alusão
aos
acontecimentos
seus
contemporâneos:
•
a
reconstituição
do
império
marítimo
da
Atenas,
•
aos
sucessos
de
Tebas
com
Epaminondas,
8. •
à
decadência
de
Esparta.
Entretanto,
Dionísio,
o
antigo,
tinha
morrido
em
368.
O
seu
cunhado,
Deão,
esperava
poder
influenciar
o
pensamento
de
Dionísio,
o
jovem,
sucessor
de
seu
pai.
Sonhava,
ao
que
parece,
transformar
a
tirania
numa
monarquia
constitucional,
onde
a
lei
e
a
liberdade
pudessem
conviver
pacificamente.
Por
isso,
pediu
ajuda
a
Platão.
Platão
ainda
alimentava
a
ambição
de
desempenhar
um
papel
político
importante,
pondo
em
prática
o
seu
sistema.
Deixou
a
direção
da
sua
escola
a
Eudoxo,
reforçando,
deste
modo,
a
sua
amizade
com
Arkitas,
matemático
filósofo
que
governava
Tarento.
Quando
chegou
a
Siracusa,
no
entanto,
a
situação
já
tinha
mudado.
Foi
muito
bem
recebido
por
Dionísio,
mas
muito
mal
pelos
partidários
da
tirania.
Por
outro
lado,
tendo-‐se
apercebido
de
que
o
tio,
Deão,
o
queria
manter
sob
sua
tutela,
Dionísio
expulsou-‐o
de
Siracusa.
Enquanto
Deão
foi
viver
para
Atenas,
Platão,
sob
o
pretexto
de
ser
o
mestre
de
Dionísio,
ficou
retido
em
Siracusa
durante
todo
o
Inverno.
Finalmente,
na
primavera
do
ano
de
365,
Dionísio
autorizou-‐o
a
partir,
sob
promessa
de
voltar
com
Deão.
Platão
e
Dionísio
separaram-‐se,
apesar
de
tudo,
como
amigos,
graças
sobretudo
às
diligências
bem
sucedidas
de
Platão
junto
de
Arquitas
de
Tarento
para
que
aceitasse
fazer
uma
aliança
com
Dionísio.
De
volta
a
Atenas,
Platão
encontrou
Deão
que
levava
uma
vida
faustosa.
Retomou
o
ensino.
Entretanto,
Dionísio,
aparentemente,
tinha
ganho
o
gosto
pela
filosofia.
Tinha
chamado
à
sua
corte
dois
discípulos
de
Sócrates,
Ésquino
e
Aristipo
de
Cirene,
e
manifestou
o
desejo
de
voltar
a
encontrar-‐se
com
Platão.
Na
Primavera
de
361,
enviou
um
vaso
de
guerra
ao
Pireu.
O
seu
comandante
era
portador
de
cartas
de
Árquitas
de
Tarento
e
de
Dionísio,
em
que
Árquitas
lhe
garantia
a
sua
segurança
pessoal,
e
Dionísio
lhe
relembrava
o
interesse
no
retorno
de
Deão
no
ano
seguinte.
Platão
acreditou
nestes
pedidos
e
partiu
para
Siracusa
com
um
seu
sobrinho,
Speusipo.
Novos
contratempos
o
esperavam
em
Siracusa,
na
Sicília:
não
conseguiu
convencer
Dionísio
a
mudar
de
9. vida.
Entretanto,
Dionísio
embargou
os
bens
de
Deão.
Platão
quis
partir;
o
tirano
reteve-‐o,
e
foi
necessária
a
intervenção
de
Árquitas
para
que
ele
pudesse
deixar
Siracusa,
na
Primavera
de
360.
Encontrou,
depois,
Deão
na
cidade
de
Olímpia.
Sabe-‐se
que,
tendo
sabido
que
Dionísio
se
tinha
apropriado
da
sua
mulher
e
oferecido
a
outro,
Deão
marchou
contra
ele
em
357
e
apoderou-‐se
de
Siracusa.
Acabou
por
ser
assassinado
quatro
anos
depois,
em
353.
Platão
sobreviveu-‐lhe
cinco
anos.
A
academia
de
Platão
sobreviveu
até
529
da
nossa
era,
ano
em
que
o
imperador
Justiniano
a
mandou
fechar.
10.
A
Filosofia
de
Platão
Nas
suas
primeiras
obras,
isto
é,
nos
diálogos
chamados
socráticos,
Platão,
fiel
discípulo
de
Sócrates,
dedica-‐se,
tal
como
este,
a
definir
as
ideias
morais.
Procura
saber
o
que
é
a
coragem,
a
sabedoria,
a
amizade,
a
piedade,
a
virtude.
Sócrates
acreditava
que
basta
conhecer
o
bem
para
o
praticar,
e
que,
por
conseguinte,
a
virtude
é
ciência
e
o
vício
é
ignorância.
Platão
manter-‐se-‐á
fiel,
durante
toda
a
sua
vida,
a
esta
doutrina.
Tal
como
Sócrates,
honrará
os
deuses
e
defenderá
que
a
virtude
consiste
em
se
assemelhar
a
eles,
tanto
quanto
o
permita
a
fraqueza
humana.
Como
Sócrates,
acreditará
que
o
bem
é
o
fim
supremo
de
toda
a
existência
e
que
é
no
bem
que
deve
ser
procurada
a
explicação
do
universo.
Mas,
por
muito
dócil
que
Platão
tenha
sido
às
lições
de
Sócrates,
a
sua
grande
ambição
de
saber
impediu
que
se
limitasse
ao
ensino
puramente
moral
do
seu
mestre.
Antes
de
conhecer
Sócrates,
tinha
recebido
lições
de
Crátilo
que
o
familiarizou
com
a
doutrina
de
Heraclito.
Também
estudou
as
teorias
dos
Eleatas
(Parménides),
de
Anaxágoras
e
os
escritos
de
Empédocles.
Durante
a
sua
viagem
a
Cirene,
aperfeiçoou-‐se
na
geometria
e,
em
Itália,
dedicou-‐se
ao
estudo
da
aritmética,
da
astronomia,
da
música
e
da
medicina
dos
pitagóricos.
Tinha
intenção
de
visitar
a
Jónia
e
as
cidades
costeiras
do
mar
Egeu,
mas
a
guerra
com
a
Pérsia
demoveu-‐o
dessa
ideia.
Em
Abdera
(localidade
que
se
situa
atualmente
perto
das
fronteiras
da
Grécia
com
a
Turquia
e
a
Bulgária
-‐
antiga
Trácia),
travou
conhecimento
com
Demócrito
e
com
o
atomismo,
uma
das
mais
geniais
criações
da
filosofia
grega
antes
de
Platão.
De
qualquer
modo,
o
sistema
de
Platão
é
uma
síntese
de
tudo
o
11. que
se
sabia
no
seu
tempo,
mas
sobretudo
das
doutrinas
de
Sócrates,
de
Heraclito,
de
Parménides
e
dos
Pitagóricos.
A
teoria
platónica
das
ideias
é
a
base
e
a
originalidade
de
todo
o
seu
sistema.
Inicialmente,
Platão
tinha
estudado
a
doutrina
de
Heraclito
que
se
baseava
no
fluir
universal
das
coisas.
“Tudo
flui,
dizia
Heraclito,
nada
permanece.
O
mesmo
homem
não
entra
duas
vezes
no
mesmo
rio”.
Desta
ideia,
Platão
retira
a
consequência
de
que
os
seres,
que
se
encontram
em
perpétuo
devir,
dificilmente
merecem
o
nome
de
seres,
e
sobre
eles
só
podemos
formar
opiniões
confusas,
incapazes
de
se
justificar
a
si
mesmas.
Não
podem
ser
objeto
de
uma
verdadeira
ciência,
pois
não
não
há
ciência
do
que
está
em
perpétua
mudança;
só
há
ciência
do
que
é
fixo
e
imutável.
Todavia,
quando
observamos
atentamente
esses
seres
em
mutação
permanente,
damo-‐nos
conta
de
que
reproduzem,
dentro
da
mesma
espécie,
características
constantes.
Estas
características
transmitem-‐se
de
indivíduo
para
indivíduo,
de
geração
para
geração.
São,
portanto,
cópias
de
modelos
universais,
imutáveis,
eternos
a
que
Platão
dá
o
nome
de
Formas
ou
de
Ideias.
Na
nossa
linguagem
corrente,
entendemos
por
ideia
uma
modificação,
um
ato
do
espírito.
Na
linguagem
de
Platão,
a
Ideia
exprime,
não
o
ato
do
espírito
que
conhece,
mas
o
próprio
objeto
que
é
conhecido.
Assim,
a
Ideia
de
homem
é
a
forma
ideal
de
homem,
que
todos
os
homens
reproduzem
com
maior
ou
menor
perfeição.
Esta
forma
é
puramente
inteligível,
isto
é,
não
se
apreende
pelos
sentidos,
mas
nem
por
isso
deixa
de
ser
viva.
É
mesmo
o
único
ser
verdadeiramente
vivo,
pois
as
suas
cópias,
estando
sempre
em
mudança,
são
mortais.
A
Ideia
de
homem
é
aquilo
que
realmente
existe,
que
é
eterno
e
imutável
e,
por
isso,
é
aquilo
que
pode
ser
conhecido
e
ser
objeto
da
ciência.
Platão
ilustrou
a
sua
teoria
das
Ideias
na
célebre
alegoria
da
caverna,
onde
os
homens
são
comparados
a
prisioneiros
acorrentados
que
não
podem
virar
a
cabeça
para
trás
e
que
só
vêem
na
parede
do
fundo
da
sua
prisão
(à
sua
frente)
as
sombras
12. projetadas
dos
objetos,
que
desfilam
por
trás
deles
iluminados
pela
luz
de
uma
fogueira.
Os
objetos
que
passam
por
trás
dos
prisioneiros
são
os
objetos
do
mundo
inteligível
(as
Ideias),
a
luz
que
os
ilumina
é
a
ideia
de
Bem,
origem
de
toda
a
ciência
e
de
toda
a
existência.
Reconhece-‐se
aqui
a
doutrina
de
Parménides
(escola
Eleata),
para
quem
o
mundo
não
passa
de
aparência,
e
para
quem
a
única
realidade
é
a
Unidade.
Mas
enquanto,
para
Parménides,
o
Ser
uno
e
imutável
é
uma
abstração,
para
Platão,
é
o
Ser
por
excelência,
fonte
de
onde
brota
toda
a
vida.
A
Ideia
do
Bem,
diz
Platão,
está
no
limite
do
mundo
inteligível:
é
a
última
e
a
que
ocupa
o
lugar
mais
alto;
admite,
em
todo
o
caso,
que
existe
uma
hierarquia
de
Ideias.
No
livro
X
da
República,
parece
aceitar
que
todos
os
objetos
da
natureza
e
as
criações
do
homem,
como
um
banco
ou
uma
mesa,
retiram
a
sua
existência
de
uma
Ideia
e
que
as
Ideias
são
em
número
indeterminado.
Mas,
habitualmente,
só
fala
das
Ideias
do
Belo,
do
Justo
e
do
Bem.
A
teoria
das
Ideias
está
estreitamente
associada
à
doutrina
da
reminiscência
e
da
imortalidade
da
alma.
A
nossa
alma,
que
existiu
antes
de
nós
e
passará
para
outros
corpos
depois
de
nós,
já
conheceu
essas
Ideias,
mais
ou
menos
vagamente,
num
outro
mundo.
O
mito
do
Fedro
mostra-‐nos
a
alma
a
subir
as
escadas
para
o
céu,
atrás
do
cortejo
dos
deuses,
para
ir
contemplar
as
Ideias
do
outro
lado
da
abóbada
celeste.
Ela
traz
de
lá
uma
lembrança
obscura
que
a
filosofia
se
esforça
por
esclarecer.
Este
esforço
de
esclarecimento
implica
um
treino
inicial
destinado
a
despertar
a
reflexão.
As
ciências
que
se
caracterizam
pelo
raciocínio
puro,
a
aritmética,
a
geometria,
a
astronomia,
são
as
mais
indicadas
para
nos
familiarizar
com
o
mundo
do
inteligível.
A
dialética
surge
então
como
o
método
mais
eficaz.
Platão
parte
da
dialética
socrática,
espécie
de
conversa,
através
da
qual
se
busca
a
definição
de
uma
virtude.
Assim,
no
diálogo
Laques,
os
três
interlocutores,
Laques,
Nicias
e
Sócrates
procuram
definir
coragem.
Laques
propõe
uma
13. primeira
definição:
“O
homem
corajoso,
diz
ele,
é
o
que
se
mantém
firme
contra
o
inimigo”.
Sócrates
considera
esta
definição
muito
pobre,
pois
a
coragem
pode
ser
aplicada
em
muitas
outras
circunstâncias.
Laques
propõe,
então,
uma
nova
definição:
“A
coragem
é
uma
espécie
de
firmeza”.
Mas
se
essa
firmeza
se
basear
na
loucura
e
na
ignorância,
responde
Sócrates,
não
poderá
corresponder
à
coragem.
Por
seu
turno,
Nicias
diz
que
a
coragem
é
a
ciência
que
nos
permite
distinguir
aquele
que
devemos
temer
daquele
de
quem
não
precisamos
de
ter
medo.
A
esta
definição,
Sócrates
apresenta
outra
objeção.
Se
a
coragem
é
uma
ciência,
então
deve
ser
a
ciência
de
todos
os
bens
e
de
todos
os
males;
nesse
caso,
essa
definição
aplicar-‐se-‐ia
à
virtude
em
geral
e
não
especificamente
à
coragem.
A
partir
daqui
os
três
interlocutores
separam-‐se
sem
alcançarem
a
definição
procurada.
Mas
dá
para
perceber
o
processo
que,
de
uma
proposição,
passa
a
outra
mais
compreensiva,
até
que
se
chegue
à
ideia
geral
que
compreenderá
todos
os
casos
e
distinguir-‐se-‐á
das
ideias
vizinhas.
Platão
aplica
este
método
socrático
ao
domínio
das
Ideias,
para
as
alcançar
a
elas,
subindo
das
Ideias
inferiores
até
à
Ideia
do
Bem.
Temos
de
começar
por
uma
hipótese
a
respeito
do
objeto
estudado.
Essa
hipótese
é
verificada
pelas
conclusões
a
que
conduz.
Se
as
conclusões
forem
insustentáveis,
a
hipótese
é
rejeitada.
Uma
outra
hipótese
toma
o
seu
lugar,
sujeitando-‐se
ao
mesmo
procedimento,
até
que
se
encontre
uma
que
resista
ao
exame
da
sua
sustentabilidade.
Cada
hipótese
é
um
degrau
que
nos
conduz
à
Ideia.
Quando
tivermos
examinado
deste
modo
todos
os
objetos
de
conhecimento,
alcançaremos
todos
os
princípios
(arkai)
incontestáveis,
não
somente
em
si
mesmos,
mas
também
na
sua
mútua
dependência
e
na
relação
que
têm
com
o
princípio
superior
e
absoluto
que
é
a
Ideia
de
Bem.
O
diálogo
Parménides
fornece-‐nos
um
exemplo
deste
procedimento.
Este
procedimento
exige
uma
inteligência
superior
e
um
trabalho
incansável,
de
que
só
o
filósofo
é
capaz.
Mas
a
dialética
não
é
suficiente
para
compreendermos
todas
as
coisas.
Há
segredos
impenetráveis
para
a
razão,
cuja
posse
os
14. deuses
reservaram
para
si
mesmos.
Podem,
é
verdade,
deixar
que
alguns
homens
privilegiados
tenham
uma
visão
desses
segredos,
sem
lhes
dar
o
privilégio
de
os
alcançar
plenamente.
Os
deuses
permitem,
por
exemplo,
que
os
adivinhos
conheçam,
embora
imperfeitamente,
o
futuro
e
que
os
artistas
tenham
inspirações;
é
o
caso
de
Sócrates,
a
quem
os
deuses
favoreceram,
com
informações
privilegiadas.
Assim,
talvez
se
verifiquem,
nos
poetas
e
nas
crenças
populares,
traços
de
uma
revelação
divina,
que
lançariam
alguma
luz
sobre
as
nossas
origens
e
o
nosso
destino
após
a
morte.
Os
Egípcios
acreditavam
que
os
homens
são
julgados
pelos
seus
atos
após
a
morte,
e
os
Pitagóricos
acreditavam
que
a
alma
passa
do
corpo
de
um
animal
para
o
de
um
outro.
Platão
não
desprezou
a
recolha
destas
crenças,
mas
recusou-‐se
a
dá-‐las
como
certas.
Para
ele,
são
esperanças
ou
sonhos
que
ele
expõe
em
mitos
de
uma
poesia
sublime.
A
sua
imaginação
transmite-‐lhes
um
brilho
mágico
e
sugere
pormenores
tão
precisos,
que
se
diria
que
Platão
assistiu
aos
mistérios
do
Além.
Encontrou
nesse
Além
limbos,
um
purgatório
e
um
inferno
eterno
reservado
à
almas
incorrigíveis.
Estas
visões
extraordinárias
impressionaram
de
tal
modo
os
espíritos
do
seu
tempo
e
dos
tempos
seguintes
que
os
cristãos,
modificando-‐as
um
pouco,
fizeram
delas
dogmas
religiosos.
15.
A Psicologia
A
psicologia
de
Platão
é
marcada
por
características
profundamente
espiritualistas.
A
alma
é
eterna.
Antes
de
se
unir
ao
corpo,
contemplou
as
Ideias
e,
graças
à
reminiscência,
pode
reconhecê-‐las
depois
de
ter
incarnado
num
corpo.
Devido
à
coabitação
com
a
matéria,
a
alma
perde
a
sua
pureza
e
adquire
três
componentes
diferentes:
•
uma
componente
superior,
ou
a
razão,
faculdade
contemplativa,
destinada
a
governar
e
manter
a
harmonia
entre
ela
e
as
duas
componentes
inferiores,
•
a
coragem,
faculdade
nobre
e
generosa
que
inclui
ao
mesmo
tempo
desejos
elevados
da
nossa
natureza
e
a
vontade,
•
o
instinto
e
o
desejo
que
atraem
os
homens
para
objetos
sensíveis
e
para
desejos
grosseiros.
O
ponto
mais
fraco
desta
conceção
é
a
reduzida
valorização
da
vontade
livre.
Platão
defende,
tal
como
Sócrates,
que
o
conhecimento
do
bem
implica
a
adesão
da
vontade,
o
que
dificilmente
se
compagina
com
a
experiência.
Platão
tentou
estabelecer
os
princípios
que
regem
a
sobrevivência
da
alma
através
de
demonstrações
dialéticas,
e
expôs
no
Górgias,
na
República
e
no
Fédon
as
migrações
e
as
purificações
a
que
alma
é
submetida,
antes
de
voltar
à
terra
e
entrar
num
novo
corpo.
O
16. detalhe
destas
descrições
varia,
no
entanto,
de
obra
para
obra.
A Política
A
política
de
Platão
é
modelada
pela
sua
psicologia,
pois,
no
seu
entender,
os
costumes
do
Estado
são
necessariamente
modelados
pelos
dos
indivíduos.
A
base
fundamental
do
Estado
é
a
justiça:
o
Estado
não
pode
existir
sem
justiça.
Platão
entende
a
justiça
de
uma
forma
mais
ampla
do
que
aquela
que
é
habitual
para
a
maior
parte
das
pessoas.
Para
um
grande
número
de
pessoas,
a
justiça
consiste
em
dar
a
cada
um
o
que
é
seu.
Sócrates
rejeita
esta
definição
no
primeiro
livro
da
República.
Para
ele,
ao
nível
individual,
a
justiça
consiste
em
que
cada
componente
da
alma
cumpra
a
função
que
lhe
é
própria:
que
o
desejo
se
submeta
à
coragem
e
que
a
coragem
se
submeta
à
razão.
O
mesmo
se
passa
ao
nível
da
cidade.
Esta
é
constituída
por
três
tipos
de
cidadãos
que
correspondem
às
três
componentes
da
alma:
•
os
magistrados
filósofos
que
representam
a
razão;
•
os
guerreiros
que
representam
a
coragem
e
que
são
encarregados
de
proteger
o
Estado
dos
inimigos
externos
e
de
fazer
os
cidadão
obedecer
às
leis
do
Estado;
•
finalmente,
os
trabalhadores,
os
artesãos
e
os
comerciantes
que
representam
o
instinto
e
o
desejo.
Para
estes
três
tipos
de
cidadãos,
a
justiça
consiste,
tal
como
para
os
indivíduos,
em
cumprir
a
sua
função
específica.
Os
magistrados
governam,
os
guerreiros
obedecem
aos
magistrados,
e
os
outros
obedecem
aos
dois;
deste
modo,
reinará
a
harmonia,
isto
é,
a
justiça
entre
as
três
categorias
de
cidadãos.
A
educação
deve
preparar
os
magistrados,
os
guerreiros
e
os
auxiliares
para
o
exercício
das
suas
futuras
funções,
sendo
também
um
meio
para
determinar
as
características
que
definem,
em
cada
um,
a
17. categoria
social
a
que
deve
pertencer.
Tal
como
os
homens,
as
mulheres
também
devem
beneficiar
dessa
educação,
uma
vez
que,
segundo
Platão,
elas
são
tão
aptas
como
os
homens.
Assim,
as
mulheres
devem
poder
aceder
aos
mesmos
cargos
dos
homens
incluindo
a
função
de
guerreiro.
Os
magistrados
devem
ser
escolhidos
de
entre
os
mais
dotados,
que
tenham
evidenciado
uma
maior
dedicação
ao
bem
público.
Devem
ser
formados
na
dialética,
para
que
possam
contemplar
as
Ideias
e
governar
o
Estado
de
acordo
com
a
Ideia
de
Bem.
Importa
esclarecer
que
estas
três
categorias,
ou
classes,
não
correspondem
a
castas
ou
a
privilégios
transmitidos
de
geração
em
geração;
pelo
contrário,
as
crianças
são
encaminhadas
para
uma
ou
para
outra
categoria,
de
acordo
com
as
aptidões
que
revelem
possuir
durante
o
processo
de
formação,
e
não
de
acordo
com
os
recursos
ou
estatuto
social
da
sua
família.
Por
outro
lado,
o
Estado
deve
ser
de
dimensão
reduzida.
Na
verdade,
Platão
considerava
que
o
pior
perigo
para
o
Estado
seria
a
sua
divisão
interna.
Por
isso,
não
acredita
na
viabilidade
da
justiça
em
Estados
de
grande
dimensão,
do
tipo
do
império
Persa,
como
defendia
Xenofonte.
O
seu
modelo
de
Estado
eram
as
cidades
gregas.
Um
Estado
pequeno
não
corre
o
risco
de
se
dividir
com
a
mesma
facilidade
de
um
grande
Estado,
formado
por
povos
diferentes,
e
facilita
também
a
supervisão
dos
magistrados.
Para
evitar
a
divisão,
o
pior
dos
males
de
que
sofriam
as
cidades
gregas,
deveriam
ser
suprimidos
os
inimigos
mais
temíveis
da
unidade:
•
o
interesse
pessoal,
e
•
o
espírito
de
família.
O
interesse
pessoal
seria
suprimido
através
do
estabelecimento
da
comunidade
de
bens,
e
o
espírito
de
família
através
da
comunidade
das
mulheres
e
das
crianças,
que
deveriam
ser
educadas
pelo
Estado.
No
entanto,
esta
comunidade
de
bens,
de
mulheres
e
de
crianças
não
deveria
abranger
todo
o
povo;
só
seria
regra
para
as
duas
ordens
superiores,
as
únicas
capazes
de
18. compreender
o
valor
dessa
comunidade
e
submeter-‐se
a
ela
em
nome
do
bem
público.
Por
outro
lado,
os
casamentos
não
poderiam
ser
deixados
ao
critério
dos
jovens:
sendo
efémeros
como
a
experiência
dizia
que
eram,
seria
da
competência
dos
magistrados
regulá-‐los
oficial
e
solenemente.
Platão
não
tinha
quaisquer
dúvidas
a
respeito
da
dificuldade
em
pôr
em
prática
o
seu
sistema.
Ele
sabia
que
a
doutrina
das
Ideias,
em
que
ele
se
baseava,
era
incompreensível
para
a
multidão
e
que,
por
conseguinte,
a
sua
Constituição
teria
de
ser
imposta
à
maioria
do
povo,
mesmo
que
fosse
contra
a
sua
vontade,
e
que
essa
imposição
só
seria
eficiente
se
fosse
conduzida
por
um
rei
filósofo,
e
filósofo
à
maneira
de
Platão.
Houve
um
momento
em
que
parece
que
ele
acreditou
encontrar
esse
rei
filósofo
em
Dionísio
de
Siracusa,
o
jovem,
e
no
seu
amigo
Deão.
O
seu
fracasso
junto
do
primeiro,
e
o
assassinato
do
segundo,
depois
de
ter
usurpado
o
poder
a
Dionísio,
retiraram-‐lhe
todas
as
ilusões.
Mas
a
política
tinha
sido
sempre
uma
das
preocupações
dominantes
de
Platão.
Já
velho,
volta
a
pegar
na
pena
para
redigir
uma
nova
Constituição,
que
expôs
em
As
Leis.
Esta
nova
Constituição
baseia-‐se
nos
mesmos
princípios,
mas
é
mais
prática
e
abdica
da
comunidade
dos
bens,
das
mulheres
e
das
crianças.
A Moral
19. A
moral
de
Platão
tem
um
caráter,
ao
mesmo
tempo,
ascético
e
intelectual.
Platão
reconhece,
tal
como
Sócrates,
que
a
felicidade
é
o
fim
natural
da
vida;
mas,
ao
nível
dos
prazeres,
de
que
depende
a
felicidade,
há
a
mesma
hierarquia
que
caracteriza
as
componentes
da
alma.
Cada
componente
da
alma
dá-‐nos
um
prazer
específico:
•
a
razão,
o
prazer
de
conhecer;
•
a
coragem,
as
satisfações
da
ambição;
•
o
desejo,
os
prazeres
grosseiros
a
que
Platão
chamou
o
prazer
do
lucro.
Para
determinar
qual
destes
três
prazeres
é
superior,
basta
consultar
aqueles
que
têm
experiência
deles.
Ora,
o
artesão,
que
procura
o
lucro,
não
conhece
os
outros
dois
prazeres;
o
ambicioso,
por
seu
turno,
não
conhece
o
prazer
da
ciência;
só
o
filósofo
tem
a
experiência
dos
três
tipos
de
prazer
e,
por
isso,
é
o
único
capaz
de
ter
opinião
fundamentada
sobre
todos.
Nesta
linha
de
pensamento,
aos
seus
olhos,
o
maior
e
o
mais
puro
de
todos
os
prazeres
é
o
prazer
de
conhecer
próprio
do
filósofo.
Por
outro
lado,
uma
vez
que
ele
considera
que
o
corpo
é
um
empecilho
da
alma,
que
é
como
um
objeto
de
chumbo
que
dificulta
e
impede
mesmo
que
a
alma
voe
para
as
regiões
superiores
da
Ideia,
é
necessário
mortificá-‐lo
e
libertar
a
alma,
tanto
quanto
possível,
das
necessidades
grosseiras
que
têm
origem
no
corpo.
Assim,
a
virtude
consiste
na
submissão
dos
desejos
inferiores
ao
desejo
de
conhecer,
ao
gosto
ou
amor
pela
sabedoria
(filosofia).
Conhecendo
o
bem,
o
homem
é
naturalmente
virtuoso,
pois
não
é
possível
vê-‐lo
sem
o
desejar;
o
vício
tem
sempre
origem
na
ignorância.
Embora
Platão
reduza
a
ignorância
a
um
erro
de
cálculo,
ou
a
um
erro
de
dialética,
nem
por
isso
deixa
de
a
considerar
suscetível
de
ser
punida.
O
mau,
segundo
ele,
deveria
submeter-‐se,
a
si
mesmo,
a
expiar
a
sua
ignorância.
Em
todo
o
caso,
se
escapar
neste
mundo,
não
escapará
no
outro,
pensava
Platão.
20.
A Estética
A
estética
de
Platão
depende
da
teoria
das
Ideias
e,
também,
da
moral
e
da
política,
elas
igualmente
modeladas
pela
doutrina
das
Ideias.
Com
efeito,
as
Ideias
são
imutáveis
e
eternas.
Uma
vez
que
é
nosso
dever
regularmo-‐nos
por
elas,
as
artes
serão,
tal
como
as
Ideias,
imutáveis
e
estabelecidas
para
sempre.
Platão
não
prevê
a
necessidade
de
qualquer
tipo
de
inovação,
nem
na
poesia,
nem
nas
artes
em
geral.
Uma
vez
alcançado
o
ideal,
deveremos
fixar-‐nos
nele
ou
recopiá-‐lo
permanentemente.
Por
outro
lado,
a
única
função
da
arte
é
servir
a
moral
e
a
política.
“Nós
obrigaremos
os
poetas,
diz
Platão,
a
só
oferecer
nos
seus
poemas
modelos
de
bons
costumes,
e,
do
mesmo
modo,
controlaremos
os
outros
artistas
e
impedi-‐los-‐emos
de
imitar
o
vício,
a
intemperança,
a
baixeza,
seja
na
pintura
de
seres
vivos,
seja
em
qualquer
outro
tipo
de
imagem,
ou,
se
não
conseguirem
proceder
de
outro
modo,
proibi-‐los-‐emos
de
trabalhar
na
nossa
cidade.”
Em
resultado
destes
princípios,
Platão
proíbe
todos
os
tipos
musicais
que
não
respeitem
os
estilos
dório
e
frígio,
os
únicos
que
convêm
à
seriedade
dos
guerreiros.
Proíbe
a
tragédia,
cuja
tendência
para
o
queixume
poderia
amolecer
o
coração;
proíbe
a
comédia
humorística
(a
bobice)
e
até
o
riso,
que
condiz
mal
com
a
seriedade.
Critica
o
próprio
Homero,
de
quem
ele
tanto
gosta,
cujos
poemas
conhece
de
cor
e
que
cita
vezes
sem
conta,
por
não
achar
graça
à
descrição
que
faz
dos
deuses
como
se
fossem
tão
imorais
como
os
homens.
Depois
de
o
ter
“coroado
com
flores”,
Platão
acaba
por
condenar
Homero
ao
silêncio
na
sua
República.
Em
todo
o
caso,
os
mais
desprezíveis
para
ele
são
os
pintores
e
os
escultores.
Como
as
suas
obras
não
passam
de
cópias
incompletas
dos
objetos
sensíveis,
e
estes
são
cópias
imperfeitas
das
Ideias,
segundo
Platão,
elas
distanciam-‐se,
em
três
degraus,
da
verdade;
esses
artistas
são,
portanto,
ignorantes,
inferiores
mesmo
aos
artesãos
que
fabricam
os
objetos
21. reais,
cuja
distância
à
verdade
é
de
dois
degraus.
Por
outras
palavras,
quem
pudesse
ser
Aquiles
não
quereria
ser
Homero:
mais
vale
ser
herói
do
que
ser
relator
da
heroicidade
de
quem
quer
que
seja.
Portanto,
os
poemas
de
Homero
situam-‐se
a
um
nível
inferior
ao
da
vida
real
de
Aquiles
que
eles
relatam.
É
este
o
tipo
de
raciocínio,
coerente,
que
Platão
utiliza
para
a
sua
conceção
de
estética.
Levando
este
raciocínio
ao
limite,
seria
legítimo
dizer
que
um
sapateiro
que
criticasse
Fídias
seria
superior
a
este
grande
escultor,
ou
a
Apeles,
um
dos
mais
importantes
pintores
da
Grécia
clássica.
Esta
conceção
de
estética
mostra
bem
até
onde
o
espírito
de
sistema,
ou
a
busca
de
coerência
a
todo
o
custo,
conduz
um
homem,
como
Platão,
que
foi,
ele
próprio,
um
dos
maiores
artistas
da
humanidade,
pela
beleza
dos
seus
escritos.
A Física e o Demiurgo
No
Timeu,
Platão
fornece
a
sua
explicação
do
Universo
em
geral
e
do
Homem
em
particular.
Nessa
obra
condensou
os
conhecimentos
da
sua
escola
sobre
a
natureza.
Segundo
ele,
existe
um
Deus
muito
bom
que
criou
o
mundo
à
sua
imagem.
Não
o
criou
do
nada,
como
o
Deus
dos
judeus
e
dos
cristãos,
pois
sempre
coexistiram
ao
seu
lado
duas
substâncias
(a
alma
incorpórea
e
indivisível
e
a
outra
material
e
divisível),
a
que
a
filosofia
grega
chama
O
Uno
ou
O
Mesmo,
e
O
Outro.
O
Demiurgo
(o
Deus)
criou,
em
primeiro
lugar
o
mundo
sensível.
A
partir
da
substância
indivisível
e
da
substância
divisível
compôs,
misturando-‐as,
uma
terceira
substância
intermédia
que
inclui
a
natureza
do
Uno
e
a
natureza
do
Outro:
a
alma
do
mundo
é
formada
por
estas
três
substâncias
(as
duas
originais
e
a
terceira
criada
por
Deus).
Com
o
mundo
nasceu
também
o
tempo
que
é
a
medida
do
movimento
dos
astros.
Para
povoar
o
mundo,
o
Demiurgo
criou,
em
primeiro
lugar,
os
deuses
(astros
ou
deuses
mitológicos)
e
encarregou-‐os
a
eles
de
criar
os
animais,
para
não
22. ser
responsável
pelas
suas
imperfeições.
Os
deuses
formaram
o
corpo
dos
seres,
tendo
em
vista
o
maior
bem;
aplicaram
na
formação
desses
corpos
leis
geométricas
muito
complexas.
No
corpo
do
homem
colocaram
também
uma
alma,
que,
tendo
em
conta
a
forma
como
conduza
a
sua
vida,
se
bem,
após
a
morte
voltará
para
o
astro
de
onde
é
originária,
se
mal,
passará
para
outros
corpos
até
que
seja
purificada.
Platão
só
se
interessa
pelo
destino
do
homem,
e
é
por
se
interessar
pelo
homem
que
ele
estuda
o
Universo.
Por
conseguinte,
a
fisiologia
e
a
higiene
do
homem
são
o
principal
objeto
do
Timeu:
a
estrutura
do
corpo,
os
órgãos,
a
origem
das
impressões
sensíveis,
as
causas
das
doenças
do
corpo
e
da
alma,
a
geração,
a
metempsicose.
Platão
tratou
de
todos
estes
assuntos,
utilizando
os
ensinamentos
de
Empédocles
e
do
médico
Alcméon,
acrescentando
as
descobertas
realizadas
na
sua
escola.
Sendo
o
Timeu
uma
das
últimas
obras
de
Platão,
acontece
que
nem
sempre
está
de
acordo
com
obras
anteriores.
A
diferença
mais
importante
tem
a
ver
com
o
facto
de
o
Deus
do
Timeu
ser
distinto
do
mundo
das
Ideias
que
lhe
servem
de
modelos
para
a
formação
do
mundo
sensível.
Na
República,
pelo
contrário,
é
a
Ideia
de
Bem
que
é
a
fonte,
não
só
de
todo
o
conhecimento,
mas
também
de
toda
a
existência.
É
a
Ideia
de
Bem
que
corresponde
a
Deus.
Segundo
Teofrasto,
Platão
tinha
tendência
para
identificar
a
Ideia
de
Bem
com
o
Deus
supremo;
mas
parece
claro
que
Platão
não
levou
ao
limite
esta
sua
tendência,
e
o
seu
pensamento
sobre
Deus
acaba
por
ser
flutuante.
Influência do Platonismo
A
teoria
essencial
em
que
se
baseia
toda
a
filosofia
de
Platão,
a
teoria
das
Ideias,
foi
rejeitada
pelo
seu
discípulo
Aristóteles;
o
simples
bom
senso
bastaria,
aliás,
para
a
refutar.
Discípulo
dos
Eleatas,
para
quem
só
o
Uno
existia,
e
dos
Pitagóricos,
que
viam
no
número
o
princípio
das
coisas,
Platão
concedeu
uma
existência
real
a
conceitos
abstratos
que
só
existem
no
nosso
espírito.
23. Formado
nos
raciocínios
matemáticos,
aplicou-‐os
intrepidamente
às
noções
morais,
ao
Uno,
ao
Ser,
ao
Bem,
à
Causa.
Acreditou
estar
a
dar
sentido
à
realidade
através
dos
seus
raciocínios,
mas
na
verdade
só
dava
sentido
a
abstrações.
Mas
mesmo
que
as
ideias
não
tenham
uma
existência
independente,
basta
que
estejam
no
nosso
espírito
como
um
ideal,
para
que
nos
possamos
orientar
por
elas.
É
por
isso
que
Platão,
separando-‐nos
do
mundo
sensível
para
nos
elevar
ao
ideal
inteligível,
ainda
nos
dias
de
hoje
exerce
um
poderoso
fascínio
sobre
os
seus
leitores.
Ninguém
falou
do
bem
e
do
belo
com
um
entusiasmo
tão
comunicativo.
A
vida
que
vale
a
pena
ser
vivida,
diz
ele
no
Banquete,
é
a
do
homem
que
se
elevou
do
amor
aos
corpos
belos,
ao
amor
às
almas
belas,
e
deste,
ao
amor
às
belas
ações,
e
depois,
ao
amor
das
belas
ciências,
até
à
beleza
absoluta
que
atravessa
os
corações
com
um
arrebatamento
inexprimível.
Uma
multidão
de
ideias
platónicas
exerce
ainda
uma
influência
muito
considerável
no
mundo
moderno.
Platão
é
um
autor
espiritualista:
concebeu
a
alma
como
o
essencial
do
homem.
Segundo
ele,
o
homem
deve
esforçar-‐se
por
devolver
à
sua
alma
o
estado
de
pureza
que
ela
perdeu
ao
unir-‐se
com
o
corpo.
É
deste
esforço
que
depende
a
sua
vida
futura.
A
vida
deve,
portanto,
ser
uma
preparação
para
a
morte.
A
existência
de
uma
Providência
que
governa
o
mundo,
a
necessidade
de
expiação
de
toda
a
maldade
cometida,
a
recompensa
dos
bons,
a
punição
dos
maus
num
outro
mundo
e
muitas
outras
ideias
foram
incorporadas
na
filosofia
cristã
e
continuam
a
comandar
a
nossa
conduta.
Por
este
motivo,
podemos
dizer
que
nenhum
outro
filósofo
marcou
tão
profundamente
o
pensamento
dos
antigos
e
o
pensamento
dos
modernos.
24.
O
Teeteto
Argumento
O
debate
que
é
travado
no
Teeteto
é
precedido
de
uma
espécie
de
prólogo.
É
uma
conversa
entre
dois
megarianos
(habitantes
de
Mégara),
antigos
discípulos
de
Sócrates,
Euclides
e
Terpsion.
Euclides,
tendo
ido
ao
porto
de
Mégara,
encontrou
lá
Teeteto,
que
estava
a
ser
transportado,
doente
e
ferido,
do
campo
de
batalha
de
Corinto
para
Atenas.
Que
perda
-‐
exclama
Terpsion
-‐
se
este
grande
sábio
e
valente
soldado
vier
a
morrer!
Ele
justificou,
diz
Euclides,
o
augúrio
de
Sócrates,
que
lhe
tinha
predito
um
futuro
glorioso.
Com
efeito,
Sócrates,
pouco
antes
de
ter
sido
condenado,
tinha
conhecido
Teeteto
e
tinha
tido
com
ele
uma
conversa,
onde
a
precoce
inteligência
do
ainda
jovem
Teeteto
o
tinha
surpreendido.
Será
que
podes,
pergunta
Terpsion,
relatar-‐me
essa
conversa?.
-‐
Não,
mas
redigi
um
relato
que
Sócrates
me
fez
dela.
Só
que,
em
vez
de
conservar
a
forma
de
narrativa,
construí
um
diálogo
entre
Sócrates
e
os
seus
dois
interlocutores,
Teodoro
e
Teeteto.
Voltemos
para
casa
que
o
meu
escravo
far-‐nos-‐á
a
leitura
desse
diálogo.
Sócrates
abre
a
conversa.
Diz-‐me
Teodoro,
tu
que
ensinas
aqui
geometria,
se
distinguiste,
de
entre
os
teus
alunos
atenienses,
alguns
jovens
que
prometam
tornar-‐se
homens
de
mérito.
-‐
Sim,
Sócrates,
um
em
particular.
Ele
é
fisicamente
parecido
contigo
e
é
maravilhosamente
dotado
de
inteligência
e
de
qualidades
morais.
25. Ali
vem
ele,
com
aqueles
jovens
que
se
aproximam
de
nós.
Chama-‐
se
Teeteto.
-‐
Queres
dizer-‐lhe
que
venha
aqui?
Chamado
por
Teodoro,
Teeteto
aproxima-‐se.
-‐
Uma
vez
que
aprendes
as
ciências
na
escola
de
Teodoro,
diz-‐lhe
Sócrates,
poderias
dizer-‐me
em
que
consiste
a
ciência?
-‐
A
ciência
é
aquilo
que
Teodoro
ensina,
a
geometria,
a
astronomia,
a
harmonia,
o
cálculo
e
as
artes
em
geral.
-‐
Desse
modo,
não
estás
a
definir
a
ciência,
mas
os
seus
objetos.
Se
eu
te
perguntasse
o
que
é
o
barro
e
tu
me
respondesses:
há
barro
dos
oleiros,
o
barro
dos
tijolos
e
outros,
eu
não
ficaria
a
saber
nada
sobre
a
natureza
do
barro.
O
que
era
preciso
que
me
dissesses
é
que
o
barro
é
um
certo
tipo
de
terra
misturada
com
água.
-‐
Compreendo,
diz
Teeteto:
o
que
tu
me
perguntas,
foi
o
que
nós
fizemos
há
uns
dias
atrás,
o
jovem
Sócrates
e
eu,
a
propósito
das
raízes.
Sendo
as
raízes
infinitas
em
número,
tentámos
juntá-‐las
todas
num
termo
único,
e
reconhecemos
assim
duas
classes
de
números,
a
que
chamámos
comprimentos
e
raízes.
-‐
Perfeito,
diz
Sócrates.
E
agora,
uma
vez
que
englobaste
todas
as
raízes
numa
forma
única,
tenta
fazer
o
mesmo
com
as
numerosas
formas
de
ciência.
-‐
Já
tentei
várias
vezes,
mas
sem
sucesso.
No
entanto,
não
consigo
desinteressar-‐me
da
questão.
-‐
É
porque
tens
uma
alma
grande,
Teeteto.
Bom,
não
ouviste
dizer
que
sou
filho
de
uma
parteira,
e
que
tenho
a
arte
de
fazer
dar
à
luz
os
espíritos,
como
a
parteira
de
fazer
dar
à
luz
as
mulheres?
Sei
ainda
discernir
se
o
espírito
de
um
jovem
está
a
dar
à
luz
uma
quimera,
ou
um
fruto
real
e
verdadeiro.
Confia,
portanto,
em
mim
e
não
te
aflijas
se,
ao
examinar
aquilo
que
dizes,
o
julgar
como
um
fantasma
sem
realidade.
A
partir
daqui,
entramos
no
tema
central
do
Teeteto:
o
que
é
a
ciência?
Teeteto
vai
propor
sucessivamente
três
definições
que
serão
examinadas
e
recusadas
por
Sócrates
uma
após
outra:
•
A
ciência
é
a
sensação;
•
A
ciência
é
a
opinião
verdadeira;
A
ciência
é
a
opinião
verdadeira,
acompanhada
de
razão.
26.
A Ciência é Sensação
A
primeira
definição,
sozinha,
ocupa
mais
tempo
de
conversa
do
que
as
outras
duas
juntas.
A
razão
é
mais
simples
do
que
possa
parecer:
é
que
esta
definição
relaciona-‐se
com
doutrinas
célebres
que
Sócrates
expõe
com
todo
o
seu
vigor
antes
de
as
refutar.
A
doutrina,
segundo
a
qual
a
ciência
é
sensação,
é
precisamente
a
teoria
de
Protágoras,
que
diz
que
o
homem
é
a
medida
de
todas
as
coisas,
isto
é,
que
se
algo
me
aparece,
ele
é
exatamente
esse
algo
para
mim,
e
se
algo
aparece
a
outro,
ele
é
exatamente
esse
algo
para
o
outro.
Como
aparecer
é
ser
sentido
por
alguém,
então
a
sensação
é
a
ciência.
Em
que
é
que
se
apoia
esta
teoria
de
Protágoras?
Na
doutrina
de
Heraclito
de
que
tudo
está
em
movimento,
de
que
nada
é
fixo,
de
que
tudo
flui.
As
bases
desta
teoria
remontam
a
Homero
e
é
seguida
por
todos
os
sábios,
à
exceção
de
Parménides
e
da
sua
escola
(Eleata).
É
a
partir
do
movimento
e
da
mistura
(ou
fusão)
27. recíproca
que
se
formam
todos
os
seres
que
afirmamos
existirem;
por
seu
turno,
a
ausência
de
movimento
(o
repouso)
destrói-‐os.
Os
seres
não
existem
por
si
mesmos:
a
cor
não
é
algo
que
exista
à
parte
de
tudo
o
resto;
com
efeito,
não
é
nem
uma
característica
que
se
aplica
ao
objeto,
nem
o
objeto
ao
qual
essa
característica
é
aplicada,
mas
um
produto
intermédio
específico
a
cada
coisa
ou
indivíduo;
esse
produto
varia
não
só
de
indivíduo
para
indivíduo,
mas
também
no
mesmo
indivíduo,
porque
este
está
em
permanente
mudança.
Como
é
costume
em
Sócrates,
ele
não
vai
limitar-‐se
a
expor
a
teoria
que
critica;
pelo
contrário,
aprofunda
e
completa
essa
mesma
teoria,
assumindo
completamente
a
perspetiva
do
adversário.
Sócrates
empenha-‐se,
portanto,
em
demonstrar
que
só
o
movimento
existe.
Vejamos
a
sua
explicação.
Há
dois
tipos
de
movimento,
sendo
cada
um
em
número
infinito.
Um
deles
consiste
numa
força
ativa,
o
outro
é
uma
força
passiva.
Da
sua
união
e
fricção
mútuas
nascem
proles
em
número
infinito,
mas
em
pares
gémeos
que
estão
sempre
unidos:
um
é
o
objeto
da
sensação,
e
o
outro
a
sensação.
Tudo
está
em
movimento;
mas
este
movimento
pode
ser
rápido
ou
lento.
Tudo
o
que
é
lento
move-‐se
no
mesmo
lugar
ou
em
direção
a
objetos
vizinhos,
e
é
assim
que
esse
movimento
é
gerador
da
realidade.
Quando
os
olhos
e
algum
objeto,
suscetível
de
ser
visto,
geram
a
brancura
e
a
sensação
que
lhe
é
específica
por
natureza,
acontece
que
a
visão
que
vem
dos
olhos
e
a
brancura
que
vem
do
objeto
(que
se
concertaram
para
gerar
a
cor
branca)
se
movem
no
espaço
intermédio
(e
intermediário);
deste
modo,
o
olho
preenche-‐se
de
visão
e
transforma-‐se,
não
numa
visão,
mas
em
olho
vidente
(olho
que
vê).
Do
mesmo
modo,
o
objeto
que
concorreu
com
o
olho
para
a
produção
da
cor,
enche-‐se
de
brancura
e
transforma-‐se,
não
em
brancura,
mas
em
objeto
branco,
seja
madeira
branca,
ou
pedra
branca,
por
exemplo.
O
mesmo
se
passa
com
o
frio
e
o
quente
e
com
outras
qualidades.
Nada
é
isto
ou
aquilo
em
si
e
por
si:
é
a
partir
das
suas
aproximações
mútuas
que
todas
as
coisas
nascem
do
movimento
sob
formas
de
todo
o
género.
É
assim
impossível
28. conceber
o
elemento
ativo
e
o
elemento
passivo
como
existindo
separadamente,
pois
não
existe
elemento
ativo
antes
de
se
associar
ao
elemento
passivo,
nem
elemento
passivo
antes
de
se
unir
ao
elemento
ativo;
por
outro
lado
aquilo
que,
numa
certa
união,
é
agente,
numa
outra
poderá
ser
paciente
(passivo).
Desta
conceção
resulta
que
nada
é
em
si
e
que
devemos
extinguir
a
palavra
ser.
As
objeções
a
este
sistema
usam,
frequentemente,
o
argumento
dos
sonhos,
das
doenças,
da
loucura
e
das
ilusões
dos
sentidos.
Mantendo
a
sua
postura
de
defender
convictamente
aquilo
que
quer
criticar,
Sócrates
continua,
contestando
inicialmente
esses
argumentos.
Com
efeito,
pode
responder-‐se
que
a
sensação,
durante
o
sonho,
existe
tanto
para
aquele
que
sonha,
quanto
existe
a
sensação
para
aquele
que
está
acordado;
que
a
sensação
de
Sócrates
doente
continua
a
ser
tão
verdadeira
para
ele
quanto
o
é
quando
está
de
boa
saúde.
O
único
juiz
da
sensação
é
aquele
que
a
experiencia.
É
por
isso,
precisamente,
que
a
sensação
é
a
ciência.
Após
um
curto
intervalo
na
exposição
e
defesa
da
doutrina
da
sensação,
em
que
anuncia
que
vai
examinar
com
cuidado
o
recém-‐
nascido
de
Teeteto
(a
doutrina
da
sensação),
e
em
que
Teodoro
o
exorta
a
dizer
o
que
realmente
pensa
dela,
Sócrates
desfere
duas
críticas
fulminantes
a
Protágoras:
“Porque
é
que
Protágoras
considera
o
homem
a
medida
de
todas
as
coisas,
de
preferência
ao
porco
ou
ao
macaco,
que
são,
eles
também,
seres
com
sensações?
E
se
cada
um
é
a
medida
da
sua
própria
sabedoria,
em
que
é
que
Protágoras
se
pode
considerar
mais
sábio
do
que
os
outros?”
Incomodado
por
ver
assim
maltratado
o
seu
amigo
Protágoras,
Teodoro
pede
que
seja
Teeteto
a
responder
a
Sócrates.
-‐
Vejamos,
Teeteto,
diz
Sócrates,
não
te
surpreende
veres-‐te
igual
em
sabedoria
a
qualquer
homem
ou
a
qualquer
deus?
-‐
Sim,
responde
Teeteto.
-‐
Vejamos
então
a
que
consequência
nos
conduz
a
tese
de
que
a
ciência
é
a
sensação.
Sentir
através
da
visão
ou
da
audição
é
saber.
Ora,
aquele
que
vê
e
que
tomou
conhecimento
do
29. que
viu,
se
fechar
os
olhos,
lembra-‐se
da
coisa,
mesmo
sem
a
ver.
Ora,
dizer
que
não
vê
é
dizer
que
não
sabe,
pois
ver
é
saber.
Segue-‐
se
que,
quando
um
homem
adquiriu
o
conhecimento
de
uma
coisa
de
que
ainda
se
lembra,
mas
não
vê,
não
a
sabe:
consequência
monstruosa!
Mas,
se
Protágoras
estivesse
presente
para
se
defender,
poderia
alegar
que,
de
facto,
é
possível
que
o
mesmo
homem
que
sabe
uma
coisa,
não
a
saiba.
Supõe
que
alguém
te
tapa
com
a
mão
um
dos
olhos
e
que
te
pergunta
se
vês
a
sua
roupa
com
esse
olho
fechado;
serás
forçado
a
dizer
que
vês
e
que
não
vês
ao
mesmo
tempo.
E
depois,
a
memória
que
conservamos
das
coisas
que
sentimos
não
é
da
mesma
natureza
da
sensação
que
tínhamos
e
já
não
temos.
Já
não
somos
o
mesmo
homem,
porque
estamos
sempre
em
mudança.
Finalmente,
Protágoras
poderia
sustentar
que
as
sensações
diferem,
não
na
sua
qualidade
de
verdadeiras
ou
falsas,
pois
são
todas
reais,
mas
na
sua
qualidade
de
melhores
ou
piores.
Longe
de
não
reconhecer
nem
sabedoria,
nem
sábio,
ele
diria,
pelo
contrário,
que
somos
sábios,
quando,
mudando
a
face
(ou
aspeto)
dos
objetos,
conseguimos
fazer
com
que
pareçam
bons
àquele
a
quem
eles
pareciam,
e
para
quem
eram,
maus.
O
debate
é,
de
novo,
interrompido
por
um
curto
intervalo.
Receando
que
Protágoras
o
criticasse
por
só
discutir
com
gente
nova,
Sócrates
pede
que
seja
Teodoro
a
responder-‐lhe.
Teodoro
bem
tenta,
mas
acaba
por
resignar.
Sócrates
continua:
Protágoras
diz
que
aquilo
que
parece
a
cada
um
existe
realmente
para
aquele
a
quem
isso
parece.
Ora,
é
opinião
generalizada
de
que,
entre
os
homens,
há
uns
que
são
sábios
e
outros
que
são
ignorantes,
e
sabes
tu
de
experiência
própria
que
não
há
opinião
que
não
encontre
quem
a
contradiga.
Se
Protágoras
acredita
que
o
homem
é
a
medida
de
todas
as
coisas,
mas
que
a
multidão
se
recusa
a
acreditar
nele,
de
modo
que
o
número
daqueles
que
discordam
supera
o
daqueles
que
concordam,
então
há
razões
para
que
o
seu
princípio
seja
mais
falso
do
que
verdadeiro.
Reconhecendo
que
só
podemos
ter
opiniões
verdadeiras,
Protágoras
reconhece
que
os
30. seus
opositores
têm
uma
opinião
verdadeira,
ao
julgar
a
sua
falsa.
A
doutrina
de
Protágoras
encontra
um
bom
ponto
de
apoio
nas
sensações
do
tipo
das
do
quente
e
do
frio,
do
doce
e
do
amargo
e
de
outras
do
mesmo
género.
Mas
essa
doutrina
encontra
dificuldades
sérias
quando
se
refere
à
saúde,
ao
justo,
à
piedade,
onde
fica
claro
que
há
homens
que
têm
mais
razão
do
que
outros.
Aqui,
Sócrates
pára
e
faz
a
reflexão
de
que
um
argumento
conduz
a
outro
e
que
o
debate
não
tem
fim.
-‐
Bom,
diz
Teodoro,
não
temos
tempo
livre?
Esta
réplica
de
Teodoro
serve
de
pretexto
para
uma
digressão
sobre
a
vida
do
filósofo,
que
tem
sempre
tempo
livre,
ao
contrário
do
orador
ou
do
advogado
que
andam
sempre
atarefados.
O
filósofo,
afastado
dos
negócios
públicos,
só
está
presente
de
corpo
na
cidade;
a
sua
alma
plana
sobre
o
empírico.
Como
Tales
que
caiu
num
poço
enquanto
observava
os
astros,
o
filósofo
ignora
o
que
se
passa
debaixo
dos
seus
pés
e
dá
motivos
para
que
os
outros
se
riam
dele.
Ele
não
se
preocupa
com
o
poder,
com
a
riqueza
ou
com
a
nobreza.
Só
se
interessa
pela
virtude
e
dedica-‐se
a
assemelhar-‐se
a
Deus.
Este
retrato
do
filósofo,
onde
são
agrupados
alguns
traços
dispersos
na
República,
é
o
contraponto
da
imagem
que
Cálicles
traçou
no
Górgias
do
filósofo
que
perde
tempo
com
discussões
infantis
e
que,
afastado
da
ágora
(praça
pública),
se
torna
incapaz
de
se
defender
contra
o
primeiro
patife
que
o
acuse.
Voltemos
ao
assunto.
Vejamos
o
exemplo
de
um
Estado
que
promulga
as
suas
leis.
Ele
concebe-‐as
tendo
em
vista
a
sua
utilidade
futura.
Ora,
a
sensação
não
tem
nada
a
ver
com
o
futuro,
e
só
o
homem
competente
merece
ser
ouvido
a
respeito
do
futuro
das
leis
ou
de
qualquer
outro
futuro.
Mas,
também
no
que
diz
respeito
às
sensações
imediatas
do
quente
e
do
frio
e
de
outras
semelhantes,
não
podemos
garantir
que
sejam
verdadeiras,
baseando-‐nos
na
doutrina
do
movimento.
Existem
dois
tipos
de
movimento,
um
de
translação
e
outro
de
alteração.
Como
tudo
se
move
destas
duas
formas,
a
perceção
e
a
31. qualidade,
que
se
move
entre
o
sujeito
e
o
objeto,
têm
de
mudar
de
natureza
no
momento
exato
da
sensação
e,
por
isso,
essa
perceção
e
qualidade
não
podem
sequer
ser
nomeadas.
Nenhuma
coisa
existe,
mais
do
que
já
não
existe:
Nenhuma
coisa
deixa
de
ser
“assim”,
mais
do
que
não
é
“assim”,
pois
ambas
as
expressões
se
referem
ao
repouso.
A
sensação
sempre
em
mudança
não
é,
portanto,
a
ciência,
e
a
doutrina
de
Heraclito,
pelo
contrário,
é
a
negação
da
ciência.
Teeteto
gostaria
também
de
ouvir
discutir
a
doutrina
dos
adversários
de
Heraclito,
que
pretendem
que
tudo
está
em
repouso.
Mas
Sócrates
recusa-‐se
a
fazê-‐lo
para
não
alongar
o
debate
até
ao
infinito.
A Ciência é Opinião Verdadeira
Sócrates
pergunta
a
Teeteto:
dado
que
o
que
se
sente
por
um
dos
sentidos,
não
pode
ser
sentido
por
outro,
através
de
quê
poderemos
conceber
uma
ideia
que
diz
respeito
aos
dois
sentidos
ao
mesmo
tempo,
e
a
que
órgãos
podemos
atribuir
a
perceção
do
que
é
comum
a
todas
as
coisas,
como
o
ser
e
o
não
ser?
-‐
Só
podemos,
responde
Teeteto,
atribuí-‐la
à
alma.
É
através
da
alma
que
apreendemos
não
somente
o
ser,
mas
também
o
semelhante
e
o
diferente,
o
belo
e
o
feio,
e
outras
ideias
do
mesmo
género.
A
sensação
não
pode
alcançar
o
ser,
nem
por
conseguinte
a
ciência.
Temos
de
a
procurar
naquilo,
qualquer
que
seja
o
nome
que
lhe
damos,
a
que
chamamos
alma,
quando
ela
própria,
por
si
só,
se
dedica
ao
estudo
dos
seres.
A
essa
procura
chama-‐se
julgar
e
é
o
juízo
ou
opinião
verdadeira
que
constitui
a
ciência.
Seja.
Diz
Sócrates;
mas
se
há
uma
opinião
verdadeira,
também
tem
de
haver
uma
opinião
falsa.
Como
é
que
esta
se
forma?
Parece
impossível
não
se
saber
o
que
se
sabe
e
saber
o
que
não
se
sabe.
Quando
fazemos
um
juízo
falso,
será
que
tomamos
as
coisas
que
sabemos
por
outras
que
também
sabemos,
ou
desconhecemos
ambas?
-‐
É
32. impossível.
-‐
Então,
tomamos
as
coisas
que
não
sabemos
por
outras
que
também
não
sabemos?
-‐
Também
impossível.
-‐
Também
não
tomamos
as
coisas
que
sabemos
por
aquelas
que
não
sabemos,
nem
aquelas
que
não
sabemos
por
outras
que
sabemos?
-‐
Não.
-‐
Então,
como
explicar
a
origem
da
opinião
falsa?
Consideremos
o
ser
e
o
não
ser
no
lugar
do
saber
e
da
ignorância.
Aquele,
que
pensa
o
que
não
é,
só
pode
ter
uma
opinião
falsa.
Mas
julgar
o
que
não
é,
é
não
julgar
nada.
Fazer
um
juízo
falso
não
é
mais
do
que
julgar
o
que
não
é.
Não
seria
desprezível
que
confundíssemos
no
nosso
pensamento
duas
coisas
igualmente
reais,
afirmando
que
uma
é
a
outra?
Mas
quando
o
pensamento
faz
esta
confusão,
não
seria
necessário
que
represente
os
dois
objetos
ao
mesmo
tempo,
ou
um
dos
dois?
-‐
Sim.
-‐
Ora,
sendo
o
juízo
um
discurso
que
a
alma
tem
consigo
mesma,
quando
tomamos
uma
coisa
por
outra,
dizemos
a
nós
próprios
que
uma
é
outra:
será
isso
possível?
Não,
pois
é
impossível
que,
ao
pensarmos
nos
dois
objetos
ao
mesmo
tempo,
julguemos
que
um
é
o
outro
e,
se
só
pensarmos
num
dos
dois,
nunca
poderemos
julgar
que
um
é
o
outro
(em
que
não
estamos
a
pensar).
Em
todo
o
caso,
é
indispensável
que
exista
uma
via,
pela
qual
seja
possível
tomar
o
que
se
sabe
por
aquilo
que
não
se
sabe.
Imaginemos
na
nossa
alma
um
bloco
de
cera,
onde
se
gravam
as
nossas
sensações,
e
que
aquilo
que
assim
foi
impresso
será
recordado
e
conhecido
por
nós,
enquanto
que
o
que
se
apagou
ou
não
pôde
ser
gravado
será
esquecido
ou
desconhecido.
Ora,
um
homem
não
pode
ter
uma
opinião
falsa,
pensando
que
as
coisas
que
conhece
são,
ora
aquelas
que
ele
sabe,
ora
aquelas
que
ele
não
sabe?
Após
passar
em
revista
todos
os
casos
a
que
esta
hipótese
dá
lugar,
Sócrates
retém
três,
em
que
a
confusão
lhe
parece
possível:
um,
em
que
se
confunde
uma
coisa
que
se
sabe
com
uma
outra
que
também
se
sabe
e
que
se
perceciona,
outra,
em
que
se
confunde
uma
coisa
que
se
sabe
com
uma
outra
que
não
se
sabe
e
que
se
perceciona,
e
uma
terceira,
em
que
se
confunde
o
que
se
sabe
e
se
perceciona
com
uma
outra
que
se
sabe
e
se
perceciona
igualmente.
Por
exemplo,
diz
Sócrates,
eu
conheço-‐te,
Teeteto,
e
conheço