O documento resume a obra literária "Sagarana", de Guimarães Rosa, publicada originalmente em 1937. A obra traz contos regionais do sertão mineiro que misturam elementos reais e mágicos, utilizando uma linguagem inovadora e complexa.
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
Análise dos contos de Sagarana, de João Guimarães Rosa
1. SAGARANA - Guimarães Rosa
Escrita em 1937, a obra "Sagarana" foi submetida a um concurso literário (Prêmio Graça
Aranha, da Editora José Olympio) em que ficou em segundo lugar. O autor usou o pseudônimo
de Viator, que, em latim, significa "viandante". A obra trazia quinhentas páginas. Com o
tempo, foi reduzida para cerca de trezentas e publicada em 1946.
O título é um hibridismo (união de dois radicais de línguas distintas): "saga", de origem
germânica, significa "canto heróico"; e "rana", de origem indígena, quer dizer "à maneira de"
ou "espécie de".
A obra de Guimarães Rosa apresenta um regionalismo de novo significado: a fusão
entre o real e o mágico, de forma a radicalizar os processos mentais e verbais inerentes ao
contexto fornecedor de matéria-prima, traz à tona o caráter universal. O folclórico, o pitoresco
e o documental cedem lugar a uma maneira nova de repensar as dimensões da cultura, flagrada
em suas articulações no mundo da linguagem.
Entre as experiências vividas pelo autor estão as viagens pelo sertão brasileiro,
principalmente o mineiro, acompanhadas pelos famosos caderninhos de anotações. Neles, Guimarães Rosa registrava
palavras e expressões do povo brasileiro que, mais tarde, transformaria em metáforas poéticas.
Voltada para as forças virtuais da linguagem, a escritura de Guimarães Rosa procede abolindo intencionalmente as
barreiras entre narrativa e lírica, revitalizando recursos da expressão poética: células rítmicas, aliterações, onomatopeias,
rimas internas, elipses, cortes e deslocamentos sintáticos, vocabulário insólito, com arcaísmos e neologismos, associações
raras, metáforas, anáforas, metonímias, fusão de estilos.
Imerso na musicalidade da fala sertaneja, o autor procurou fixá-la na melopeia de um
fraseio no qual soam cadências populares e medievais.
O trabalho com o mito poético é outra característica da obra rosiana. Segundo o crítico e
ensaísta Alfredo Bosi, a "saída" proposta por Guimarães Rosa para esconjurar o pitoresco e o
exótico do regionalismo deu-se com a entrega amorosa à paisagem e ao mito, reencontrados na
materialidade da linguagem.
Guimarães Rosa tinha plena consciência das dificuldades que seus textos apresentam
para o leitor:
"Como escritor, não posso seguir a receita de Hollywood, segundo a qual é preciso
sempre orientar-se pelo limite mais baixo do entendimento. Portanto, torno a repetir: não do
ponto de vista filológico e sim do metafísico, no sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski
e Flaubert, porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão (...). No sertão, o homem é o eu que ainda não
encontrou um tu; por ali os anjos e o diabo ainda manuseiam a língua".
Portanto, não se deixe abater, aceite o desafio e lembre-se de que toda essa inventividade e esse repensar a cultura e
a linguagem exigem a colaboração ativa do leitor; no caso, a sua colaboração.
O Burrinho Pedrês (Sagarana) - Guimarães Rosa
Sete-de-Ouros, um burrinho já idoso, é escolhido para servir de montaria num transporte
de gado. Um dos vaqueiros, Silvino, está com ódio de Badu, que anda namorando a moça de
quem Silvino gosta. Corre o boato, entre os vaqueiros, de que Silvino pretende vingar-se do
rival. De fato, Silvino atiça um touro e o faz investir contra Badu, que, porém, consegue
dominá-lo. Os vaqueiros continuam murmurando que Silvino vai matar Badu. No caminho de
volta, este, bêbado, é o último a sair do bar e tem de montar no burro. Anoitece e Silvino revela
a seu irmão o plano de morte. Contudo, na travessia do Córrego da Fome, que pela cheia
transformara-se em rio perigoso, vaqueiros e cavalos se afogam. Salvam-se apenas Badu e
Francolim, um montado e outro pendurado no rabo do burrinho.
Sete-de-Ouros, burro velho e desacreditado, personifica a cautela, a prudência e a muito
mineira noção de que não vale a pena lutar contra a correnteza, se o que se pretende é a
travessia. Sete-de-Ouros - no jogo de truco, de "manilha velha" é a manilha mais baixa, após a
espadilha, o sete-de-copas e o zape.
COLÉGIO E CURSO GÊN SIS
LÍNGUA PORTUGUESA / LITERATURA
ANÁLISE DO LIVRO SAGARANA, DE JOÃO GUIMARÃES ROSA
3ª SÉRIE E. M Professor Jason Lima
NOME: Data: ___/___/____
2. "Macho" é mulo, mu, muar - o burrinho Sete-de-Ouros, protagonista da história. "Carregado de algodão" simboliza
o peso da vida, o trabalho do burrinho, e metaforiza a carga dos homens, o peso do mundo, como fardos de algodão.
"Preguntei: p'ra donde ia?" - a forma arcaica do verbo perguntar sugere a indagação permanente dos homens, sábios e
filósofos: para quê?, por quê?, de onde?, para onde?. "P'ra rodar o mutirão" alude ao esforço coletivo, ao dever de
solidariedade que o burrinho cumprirá na sua hora e na sua vez.
Nos contos, novelas e romance de Guimarães Rosa, há sempre um momento crucial, uma "hora e vez", uma
"travessia", ápice da existência, resumo de seu sentido: "...a estória de um burrinho, como a história de um homem
grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida".
Em "Sagarana" renasce o anônimo "contador de estórias", o homem coletivo que se enraíza nos rapsodos gregos e
nas canções de gesta medievais. Desde o início do conto (Era um burrinho pedrês...) esboça-se claramente a atitude
ingênua e espontânea da "palavra lúdica", que não aprisiona o falar nos limites rígidos do individualismo, mas se
identifica com a palavra anônima e coletiva.
Seja pela fórmula linguística caracterizadora da narrativa elementar, da fábula, da lenda (Era um burrinho...), tempo
e modo verbais que, de imediato, tiram à narrativa o caráter de coisa datada, para projetarem na esfera intemporal do
universo de ficção; seja pela mescla de precisão e imprecisão documental no registro do espaço (vindo de Passa-Tempo,
Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão); seja pela dimensão antropomórfica (forma humana) que é dada à
personagem central, o "burrinho-gente", e que situa a narrativa na fronteira entre o real e o mágico; seja pela
funcionalidade das cantigas inseridas no fluxo narrativo, tudo isso e muito mais nos revela, no universo da palavra
rosiana, a presença do "homo ludens" (homem lúdico), descompromissado com as estruturas convencionais do
pensamento lógico.
A volta do marido pródigo (Sagarana) - Guimarães Rosa
Conto narrado em 3ª pessoa, sendo pois o narrador onisciente, não participa da
história. Neste conto, farto em citações de lugares e personagens da região de Itaguara,
assim como em Conversa de bois, os animais se transformam em heróis, questionando o
saber dos homens com o seu suposto não saber.
Em A volta do marido pródigo, o autor descreve um ladino que vende a mulher para
dedicar-se a aventuras na cidade grande, mas depois se arrepende, volta para sua região e,
malandramente, reconquista sua posição e sua mulher.
O conto é uma paródia da "parábola do filho pródigo”, e apresenta traços de humor,
presentes, principalmente, na maneira pela qual a personagem protagonista é caracterizada
como malandro folclórico. Essa questão também é amparada na concepção de mundo às
avessas presente na narrativa.
O que se percebe é que, no conto, não existe julgamento moral a respeito de nenhuma
das atitudes de Lalino, que poderiam, segundo o senso comum, ser consideradas “más”.
Também, as personagens do texto ditas respeitáveis são descritas como “não tão respeitáveis
assim”. No entanto, em qualquer caso, a leveza e a ironia com que tais situações de
desregramento moral são apresentadas amenizam a seriedade que o tratamento desses
assuntos poderia assumir.
Na releitura de Guimarães Rosa há uma visão bem diferente daquela encontrada no ensinamento moral que a
parábola pretendeu passar. No conto, o que importa é retratar a personagem do malandro, do típico brasileiro que, para
tudo, dá um “jeitinho”.
Personagens
Lalino Salãthiel - todos o chamam de Laio. Mulato vivo, malandro, contador de histórias. Garante que conhece a
capital, Rio de Janeiro, mas nunca foi lá. Certa vez, foi realmente conhecê-la.
Maria Rita - mulher de Lalino; trata-o com especial carinho.
Marra - encarregado dos serviços; depois que a obra acabou, mudou-se do arraial.
Ramiro - espanhol que ficou com Ritinha, a mulher de Lalino.
Waldemar - Chefe da Companhia.
Major Anacleto - chefe político do distrito, homem de princípios austeros, intolerante e difícil de se deixar
engambelar.
Tio Laudônio - irmão do Major Anacleto. Esteve no seminário, vivia isolado na beira do rio. Poucas vezes vinha
ao povoado. Chorou na barriga da mãe, enxerga no escuro, sabe de que lado vem a chuva e escuta o capim crescer. Era
conselheiro do Major.
Benigno - inimigo político do Major Anacleto.
Estêvão - capanga respeitado do Major Anacleto. Jamais ria. Tinha pontaria invejável: atirava no umbigo para que
a bala varasse cinco vezes o intestino e seccionasse a medula, lá atrás.
3. Lalino é um sujeito simpático, espertalhão e falante, avesso ao trabalho, sabe como poucos contar uma estória. A
chave para entendê-lo melhor está em suas contínuas alusões a peças de teatro, quase sem ter visto nenhuma. Ele parece
constantemente representar, em tudo o que faz ou fala. Assim, sai-se bem em tudo o que faz.
Assemelha-se a Leonardo, de Memórias de um sargento de milícias, e a Macunaíma: os três heróis sem nenhum
caráter.
Essas são as aventuras de um herói picaresco, Eulálio Salãthiel (Lalino), que abandona a mulher após seis meses de
casado e vai conquistar o mundo. Antes de viajar, consegue extorquir algum dinheiro de um espanhol interessado nela e
que dela iria tomar conta. Sua esposa, Maria Rita, abandonada por ele, passa a morar com o espanhol Ramiro.
Ao vender Ritinha, o protagonista abre mão do que lhe é mais caro, mas que ele ainda não é, naquele momento,
capaz de perceber.
Desiludido com o Rio de Janeiro retorna à sua terra e urde um plano para recuperar a mulher - Maria Rita - e o
prestígio junto ao povo do lugar. Com paciência e astúcia, vence todos os obstáculos, recupera a mulher, expulsa os
espanhóis do lugarejo e reconquista o prestígio junto ao coronel para cuja vitória nas eleições contribui.
Após ter passado por tudo o que passou, o Lalino do final não é mais a mesma pessoa, que se engana no que decide
fazer e apressa-se a reparar o erro, nem tampouco se utiliza de todos os seus atributos de astúcia e malandragem para
recuperar o que havia perdido, mas sim, aprende a dar importância às coisas que realmente devem ter importância
atribuída.
Ele agora tem plena consciência de que deve cuidar de seu tesouro mais precioso, pois, do contrário, corre o risco
de entregá-lo, mais uma vez, de mãos beijadas, a quem o estiver cobiçando.
Através de ironia claramente perceptível, o autor mostra lendas populares da região dos Campos Gerais de Minas,
assim como ditados que louvam a esperteza e a paciência.
Sarapalha (Sagarana) - Guimarães Rosa
Conto narrado em 3ª pessoa, sendo, pois, onisciente, não participa da história.
O autor não faz nenhum mistério sobre o lugar da conversa dos dois primos que
padeciam de alta febre por terem sido atacados pela malária: “é ali, na beira do Pará”.
O lugar é o povoado de Pará de Vilelas, na estrada que liga a Rodovia Fernão Dias a
Cláudio, (MG 260) único povoado do município de Itaguara, que margeia o citado
rio.
O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha. O
contraponto de tempos verbais, passado e presente - o passado relacionado à
impotência e à saudade da esposa de um dos protagonista, o presente ao momento da
doença vivido pelos dois primos - contribui para reforçar a atmosfera de dor e
isolamento, de claustrofobia, em que se encontram os personagens deste conto.
A ação de Sarapalha se desenvolve sobre um monte de ruínas causadas pela
maleita: Ela veio de longe (...) matando muita gente.
E o resultado da calamidade foi a morte e tristeza dos moradores: os primeiros
para o cemitério, os outros por aí afora, por este mundão de Deus.
Numa fazenda em ruínas, “perto do vau da Sarapalha”, Primo Ribeiro, ora em
diálogo, ora em monólogo, vai reconstituindo, alquebrado e decrépito pela maleita, a sua história ao Primo Argemiro,
uma das poucas pessoas que lhe restaram. Trágica e triste história a do Primo Ribeiro: Luisa, a sua mulher, fugira com
outro, deixando-o só com sua maleita: - P‟ra que é que há-de haver mulher no mundo, meu Deus?... - pondera Primo
Argemiro.
Mas ao saber que o Primo Argemiro pretendia-lhe a mulher também, Primo Ribeiro enxota-o da sua presença, e
Argemiro dos Anjos sai por aí, perambulando por entre maleitas e belezas, buscando um lugar para cair e morrer:
- Mas, meu Deus, como isto é bonito! Que lugar bonito p‟ra gente deitar no chão e se acabar.
Sarapalha é de linha trágica, o que contrasta com o conto A volta do marido pródigo. Mostra não só um mundo em
ruínas, ainda fumegando os efeitos da Malária, como a infidelidade feminina com o conceito de honra do sertanejo. São
dois mundos em ruínas: a população vitimada pela maleita e o primo Ribeiro sucumbido pela mulher infiel: “a maleita era
uma mulher de muita lindeza”.
Em Sarapalha o narrador assume a perspectiva de um dos personagens, como se estivesse também doente, cúmplice
da angústia do lugar e da situação. A linguagem do conto "treme" com os personagens. É uma abordagem profunda da
psicologia dos vencidos pela desolação.
O cenário é a Fazenda do Primo Ribeiro, meio abandonada porque a febre o impossibilitava de trabalhar.
Personagens
Primo Ribeiro - Na região, vem conseguindo sobreviver à malária. Tem febre e frio todos os dias, o baço sempre
inchado, mas vai vivendo. No início da doença, foi abandonado pela esposa, Luísa; ela fugiu com outro homem, um
boiadeiro.
4. Primo Argemiro - Como Tio Ribeiro, vai sobrevivendo à malária. Os dois moram isolados, numa região em que a
febre já expulsou toda a gente. Apesar de ter terras em outra região, prefere ficar ao lado de Primo Ribeiro, tal a amizade
que os une.
Prima Luísa - Mulher de Ribeiro. Morena, olhos pretos, cabelos pretos... muito bonita. De riso alegrinho, mas de
olhar duro. Fugiu com um boiadeiro.
Ceição - Preta velha.
Jiló - Cachorro.
O duelo (Sagarana) - Guimarães Rosa
Tipo de linguagem:
A linguagem especial de Guimarães Rosa aparece sob diferentes matizes em
sua obra. Não é uma linguagem difícil ou rebuscada, mas sim recriações, invenções e
resgates que levam o leitor a constantes redescobertas. Guimarães rosa era um
“artesão” da língua, trabalhava as palavras como ninguém, a fim de transmitir
profundamente a mensagem que desejava. Do aspecto gramatical propriamente dito –
a criação de vocábulos, o emprego de arcadismos e figuras de linguagem – podemos
extrair vários exemplos em “Duelo”:
Criação de vocábulos – Recurso empregado para realçar ainda mais o
linguajar sertanejo. Exemplos: “Turíbio Todo, meiamente ansioso, quis
começar com explicações(...)”; “(...) sua mão, por descuido, atoinha, atoinha
alisava o cabo da lapiana (...)”; “(...)no Mosquito era tudo gente miúda,
amarelenta ou amaleitada, (...)”; “O caguinxo também ficara quieto,
mesmando, vendo, (...)”.
Abreviação – Pode-se registrar o uso de estranjas em lugar de estrangeiro:
“(..) o senhor é mesmo o seu Turíbio Todo (...) que está chegando lá das
estranjas?...”; assinala-se, também, o largo uso da síncope, típica da
linguagem popular: pr’a em lugar de para: “ – Não vê que a minha mãe
sempre falava pr’a eu não levantar a mão pr’a irmão meu mais velho...”; „tá em lugar de está: “ – Bom, ‘tá
bom... Ah Deus que me livre.”.
Composição – junção de dois ou mais vocábulos, seja com perda da individualidade fônica (aglutinação) seja
sem a referida perda (justaposição); é também empregado largamente na linguagem sertaneja. O exemplo a seguir
ilustra a ocorrência dos dois casos em uma mesma palavra: “(..) É p’r’a-mór-de-que nem que a minha mãe teve
vinte e um filhos, (...)”; p’r’a em lugar de para, mór em vez de modo (aglutinação); o emprego do hífen indica a
justaposição.
Arcaísmo – O arcaísmo em Sagarana é um reflexo da linguagem popular, visto que a língua do interior, afastada
do contato com a civilização, é menos sujeita a mudanças, conservando muitos vocábulos do português arcaico.
Exemplos: “(...) – mulheres (...) vindas da cacimba; meninos ventrudos, brincando de tanger pedradas nos bichos
(...) e capiaus (...) arrastando alpercatas (...) faz que ajoelha mas não ajoelha, ou ainda na andadura anserina, (...);
Figuras de linguagem – Fazem parte do estilo marcante de Guimarães Rosa: estão em todo o texto e são
inúmeras. Para ilustrar, alguns exemplos: “(...) nasceu morto de nascença.” (pleonasmo); “E deu com um rio (...)
vivo, correndo por entre os matos, (personificação) como um bicho. “ (comparação); “...Turíbio Todo havia
pulado fora da roda, (pleonasmo) e não mais brincou ” (metáfora).
Musicalidade – É o caráter poético que Guimarães Rosa emprega em sua prosa. “(...) pega à unha, joão-da-
cunha” (rima); “(...) no mosquito era tudo gente miúda, amarelenta ou amaleitada, esmolambada, escabreada,
(...)” (aliteração e assonância); “(...) E o Timpim abriu o bué.” (onomatopéia).
Tipo de personagem:
As personagens de Duelo estão intimamente ligadas à paisagem do interior mineiro, à vida nas fazendas – como em
todos os contos de Sagarana.
Como afirma Augusto de Campos, “Seus personagens são admiravelmente delineados e caracterizados não apenas
externamente, mas com uma rara penetração da psicologia do homem rústico. Suas descrições atestam um conhecimento
minucioso de gentes, plantas e bichos em contato com o ambiente sertanejo”.
Durante a narrativa de Duelo, Guimarães procura caracterizar bem suas personagens, dando mostras de que é um
profundo conhecedor da alma humana.
É curioso também o modo como nomeia as personagens, apelidando ou distorcendo nomes próprios: Turíbio Todo,
Vinte-e-Um, Silivana, Chico Barqueiro, dentre outros nomes, compõem um recurso literário para, através do exagero,
destacar as características específicas, a personalidade própria de cada um (assim como, talvez, o próprio hábito de
apelidar, presente até hoje nas sociedades interioranas).
5. Com relação ao ambiente rural em que as personagens estão inseridas, procura-se também caracterizá-lo, e
delimitá-lo, na trama, ao oeste de Minas Gerais. A fauna, a flora, os lugarejos por onde passam Turíbio Todo e Cassiano
Gomes, a topografia, tudo é retratado da maneira mais verossímil possível, para que o leitor realmente perceba o espaço
físico no qual se desenvolve o conto.
Narrativa:
O narrador em Duelo é onisciente, ou seja, sabe o que passa pela cabeça das personagens. Porém, com alguns
diferenciais, como o toque de humor que G. Rosa dá à narrativa, o estabelecimento de diálogos com o leitor, a mesclagem
entre o que se narra e a fala de algumas das personagens, opiniões pessoais do narrador em determinadas situações, dentre
outros recursos.
O humor está presente em toda obra, em tom, muitas das vezes, satírico.
O maior exemplo é a personagem Silivana, esposa adúltera de Turíbio Todo; primeiramente, o narrador a descreve
como tendo “grandes olhos bonitos, de cabra tonta”; no decorrer do conto, o narrador volta a repetir essa mesma sentença,
causando uma impressão humorística na estória: “(...) Turíbio Todo (...) estava com saudades da mulher, Dona Silivana –
aquela mesma que tinha belos olhos grandes, de cabra tonta (...)”; “Mas (Turíbio) tinha de fazer ainda um dia a cavalo e
estava com pressa, porque Silivana tinha os olhos bonitos, sempre grandes olhos, de cabra tonta.”. Há outras intervenções
engraçadas do narrador ao longo do conto, como por exemplo: “Era um cavalinho ou égua (...) com um camarada meio-
quilo de gente em cima.”; “ – Você conhece o Turíbio todo, o seleiro, aquele meio papudo?... Pois é um... (aqui, supostas
condições de bastardia e desairosas referências à genitora)”.
Em alguns trechos, o narrador dialoga com o leitor, característica esta que faz da obra mais interessante ainda: “Um
lugar, em suma, onde a gente não tinha vontade de parar, só de medo de ter de ficar para sempre vivendo ali”. Em outros
trechos, há uma confusão entre fala da personagem e do narrador: “– Não Vê!
Quem fica no claro é enxergado mais primeiro, e leva o tiro que quem está no escuro é quem dá!”; “(...) mas, ali – e
não sabendo bem nadar, – então, não, não, vezes nenhumas!”.
O aspecto subjetivo do narrador aparece em forma de opiniões pessoais sobre determinadas situações: “Melhorou
(Cassiano Gomes). E rangia os dentes ao pensar em Turíbio Todo. Mas, graças a Deus, tinha dinheiro.”; “Assim, pois: de
qualquer maneira, nesta história, pelo menos no começo – e o começo é tudo – Turíbio Todo estava com a razão.”;
“Depois, voltou em casa (Cassiano Gomes), fechou muito bem as janelas e portas – felizmente era solteiro – e saiu, (...)”.
· Organização temporal:
A trama se desenrola de maneira linear durante todo o conto. Há ausência de flash-backs das personagens, visto que
elas não se remetem ao passado para tentar buscar explicações de conflitos no momento atual. Com relação à duração da
trama, não é possível afirmar quanto tempo ela dura exatamente; porém, o narrador diz em determinada parte do conto o
seguinte: “E continuou o longo duelo, e com isso já durava cinco ou seis meses e meio a correria, monótona e sem
desfecho.” Ou seja, um tempo impreciso demais para virmos a afirmar que o conto teve esta ou aquela duração (deve ser
levado em consideração, também, que a estória ainda continua depois daquela colocação do narrador).
Com relação à época em que se passa o conto, pode-se inferir que é bem condizente com a época em que foi escrito
por Guimarães Rosa: a década de 30, mais precisamente em 1937. Foi uma tentativa do autor em retratar uma sociedade
que começava a ser esquecida, devido à acelerada urbanização a que vinham se submetendo os grandes centros na época.
Significado do conto:
Antes de falar sobre o conto Duelo, deve-se primeiro analisar uma característica marcante nas obras de Guimarães
Rosa, que é o encontro do regional com o universal, do particular em contraste com o geral. Isso é fundamental para se
possam ser feitas inferências acerca de qualquer de suas obras.
Devido a sua grande visão cosmopolita – por ser diplomata –, e sua grande cultura geral – inclusive falava vários
idiomas fluentemente – e por haver nascido no interior de Minas Gerais (e conhecido muitas regiões do Brasil), pôde
construir uma obra – Sagarana e as posteriores – bastante fiel à realidade, envolvente e, além disso, poética. Guimarães
Rosa nunca foi um autor estritamente regionalista. Seu vocabulário é universal. A leitura de Sagarana mostra a
coexistência das expressões sertanejas, de termos eruditos, de expressões técnicas e científicas. E, principalmente, de
palavras e modalidades de locução que ele mesmo inventava. Por esse motivo, sua obra, como um todo, é tão especial.
Analisando o conto Duelo, podemos começar pelo título: que duelo foi esse, já que não houve o confronto físico
entre Turíbio Todo e Cassiano Gomes?
Será que se pode interpretar a palavra duelo literalmente dentro da história? Não, não se pode. Pode-se observar,
então o duelo entre o forte o fraco, por exemplo: quando Turíbio chegou em casa e viu a mulher em adultério com
Cassiano,
Turíbio pensou antes de enfrentá-lo: Cassiano Gomes havia servido ao Exército, sabia manejar muito bem as armas
e, por isso, poderia dar um fim à vida do marido traído ali mesmo. Percebendo que Cassiano era mais forte, Turíbio
decidiu matá-lo em outra ocasião, covardemente com um tiro pelas costas: porém, não obteve êxito, matando o irmão de
Cassiano. Turíbio foge e assim começa a perseguição...
Durante toda a caçada, Cassiano e Turíbio não se cruzam uma só vez.
Cassiano para em um vilarejo chamado Mosquito devido a problemas de seu debilitado coração e conhece Timpim,
um garoto franzino, frágil mesmo, a quem Cassiano decide apadrinhar – ele e seus três filhos. Nesse ínterim, Turíbio
6. decide ir à São Paulo ganhar a vida. Cassiano vem a falecer, mas faz Timpim prometer que vai matar Turíbio Todo. Pois
ocorre que, quando Turíbio volta de São Paulo, encontra com um “camarada meio quilo de gente” no caminho e começam
a cavalgar junto. E esse camarada magrelo era Timpim, que matou Turíbio Todo com um tiro de garrucha no rosto... mais
uma vez, essa oposição aparece, já que o “fraco” (Timpim) acaba matando o “forte” (Turíbio).
Analisando do regional para o universal, vale a pena tentar entrever o que esta obra traz de crítica, não à sociedade
na qual se desenvolvem as histórias nela relatadas, e que foi ultrapassada pela modernidade, mas sim à própria
modernidade, ao que ultrapassou e relegou a um tempo pretérito um determinado tipo de sociedade rural da primeira
metade do século XX em nosso país, além de haver feito perder-se de vista o tempo mítico evocado por essas histórias.
No aspecto espacial, o mundo revelado por Guimarães Rosa em sua obra é singular em sua pluralidade. Por isso, é
finito, tem limites e fronteiras. Seu limite equivale a um não-mundo. A demarcação de fronteiras no conto Duelo é
bastante explícita: Turíbio Todo é obrigado a parar em sua fuga, pois chegara até a “boca do sertão”, até onde seria
possível avançar. Recuando diante do sertão inóspito, segue a rota contrária, e chega a São Paulo, à sociedade industrial -
“o São Paulo”, como é dito nesse conto, referindo-se a tudo o que está além (ou aquém, sob nossa perspectiva) de
Guaxupé. Hoje, desapareceram essas fronteiras entre mundos diferentes: cidade e campo são trechos do mesmo contínuo,
da mesma extensão uniforme e cada vez mais monótona. Principalmente, desapareceram fronteiras culturais, pois todos
assistem à mesma programação de TV ou de rádio, partilhando a mesma falsa unidade, comungando da mesma linguagem
unidimensional.
Diante do que foi analisado, percebe-se que o conto Duelo, apesar de haver sido escrito há quase 70 anos, ainda
consegue retratar muito da realidade em que está inserido nosso país, imenso em seu tamanho e tão cheio de contradições.
Minha Gente (Sagarana) - Guimarães Rosa
O conto serve de pretexto para a documentação dos costumes e dos infortúnios
da vida da roça. Estrutura-se como uma espécie de paródia, meio sentimental e meio
irônica, das estórias de amor com final feliz.
O narrador-personagem, um moço, está de visita na fazenda do tio, empenhado
em ganhar as eleições locais. O moço se apaixona por Maria Irma, sua prima, e lhe faz
uma declaração, à qual ela não corresponde. Um dia, ela recebe a visita de Ramiro,
noivo de outra moça, segundo ela diz, e o moço fica com ciúmes. Para atrair o amor de
Maria Irma, ele finge namorar uma moça da fazenda vizinha. Porém, o plano falha -
tendo como efeito secundário, não calculado, a vitória do tio nas eleições - e o moço
deixa a fazenda. Na visita seguinte, Maria Irma apresenta-lhe Armanda. É amor à
primeira vista; ele se casa com a moça, e Maria Irma, por sua vez, se casa com Ramiro
Gouveia, "dos Gouveias de Brejaúba, no Todo-Fim-É-Bom".
Como numa novela, há várias intrigas, episódios e personagens secundários.
Numa dessas intrigas, Bento Porfírio comete adultério com a de-Lourdes, casada com
Alexandre, o Xandrão Cabaça, que acaba matando o rival. Há, de permeio, o episódio
da eleição e da vitória de Emílio do Nascimento, tio do narrador-personagem, pelo
partido João-de-Barro, e que serve de pretexto para a retratação das astúcias e intrigas
da política interiorana de Minas. Outras personagens se entrecruzam: Santana, o inspetor de ensino e jogador de xadrez;
José Malvino, guia e mateiro, conhecedor da natureza e dos costumes do sertão; o Moleque Nicanor, menino da fazenda e
que, com oito anos, já sabe pegar, em campo aberto, qualquer montaria, sem cabresto nem milho, só com a esperteza de
sua cor e tamanho. Surgem outras personagens como: Bilica, Agripino e tio Ludovico. A
ação se passa no Saco-do-Sumidouro, entre fazendas e pesqueiros: o Pau-Preto, o Touno-
Tombo, até as Três Barras.
Nesse conto, o narrador-personagem, que não se identifica nominalmente, impregna
sua narrativa de forte dose de lirismo. Observe também os processos de (re)invenção de
palavras: por aglutinação (milmalditas) e por justaposição (até-as-pedras-se-encontram).
Repare, também nas siglas C3BR (cavalo três bispos de rei), P4D (peão quatro de
dama), (P)4BD (peão quatro bispo de dama) e P3CD (peão três cavalos da dama). Elas
designam, de modo cifrado, os movimentos das peças ou sua posição no tabuleiro de xadrez.
São Marcos (Sagarana) - Guimarães Rosa
José (Izé), o narrador, médico novo, récem-chegado no Calango-Frito, embora supersticioso, não acredita em
feitiçaria e vive caçoando de um curandeiro e feiticeiro local - o João Mangolô, cuja cafua vive repleta de clientes de suas
rezas, seus despachos, mandingas e simpatias. Muitos outros no Calango-Frito estavam envolvidos com todo o tipo de
bruxarias; Nhá Tolentina, já muito rica e considerada por seus despachos; Dona Cesária, que atuava em calungas de cera;
e até o menino Deolindinho obteve feitiço contra os coques do professor.
7. Certo domingo, o narrador (Izé), a caminho de suas visitas ao mato das Três Águas, passa rente à cafua de João
Mangolô e, como sempre, zomba do curandeiro e o insulta sem motivo.
Em outra ocasião, a caminho-do-mato, onde se entretinha na contemplação da natureza, de seus mínimos
movimentos, dos bichos, árvores e flores, encontrou-se com Aurísio Manquitola e se entreteve com os casos dos terríveis
efeitos e poderes da oração mágica de São Marcos, que o narrador também conhecia. A longa prosa com Aurísio
envolveu também outros circunstantes: o Gestal da Gaita, o Compadre Silvério, o Tião Tranjão, o Cypriano, o Felipe
Turco, entre outros, cada qual narrando os seus casos de feitiçaria.
José embrenha-se de novo no mato, absorto na contemplação da
natureza, recordando o desafio poético travado com "Quem-Será", que
se fazia em meio à natureza, pois os autores, sem se defrontarem,
inscreviam os seus versos nos colmos (gomos) de belíssimos bambus.
Embora curioso, deixou para a volta a surpresa dos últimos versos
de seu anônimo adversário, para envolver-se cada vez mais com a poesia
da natureza, dos lagos, das flores, das árvores, dos pássaros, das aranhas,
das formigas e das taturanas.
De repente, sem explicação, fica cego. Fica desesperado. Mas
como conhecia a fundo os ruídos, cheiros e as mínimas vibrações do
mato, dos ventos e dos animais, consegue se orientar. Irritado com a
demora da luz, profere, com raiva, a reza de São Marcos. Tomado de
fúria, avança numa só e precisa direção: a casa de João Mangolô. Vai guiado pelos ruídos e cheiros que, pouco a pouco,
começam a se tornar familiares. Assim, chega, de súbito, na cafua do João Mangolô, e começa a esganá-lo, furioso. Nisso,
volta a enxergar. O negro velho havia amarrado, por brincadeira vingativa, uma tira nos olhos de um retrato do narrador,
irreverente e zombador, que não acreditava em feitiçaria, ainda que fosse supersticioso.
Há, no conto, três fábulas: a do feiticeiro e das feitiçarias, a do passeio e da natureza e a dos poemas. O principal
ponto de convergência se manifesta na função criativa da palavra. Nas três fábulas, a palavra é valorizada não pela função
referencial, de indicar seres existentes fora dela, mas enquanto forma de criação de novas realidades e de conhecimento,
que se efetua principalmente graças ao plano da expressão.
Tanto no poema quanto na feitiçaria é quase irrisório conhecer o significado das palavras e enunciados. Este
permanece como algo mais intuído que compreendido. A reza de São Marcos não interessa enquanto significado, sentido
- "é melhor esquecer as palavras" - mas como rito, magia, iniciação transcendentalista.
Em todas as fábulas processa-se, assim, uma volta às origens: através da reintegração total dos sentidos, da
aproximação com a natureza, da crença na força da palavra.
Conta-se, portanto, a história da revelação de um destino que se revela por um conhecimento estético superior do
universo, manifesto na imersão sensual/sensorial mágica da natureza. A cegueira de Izé é o pretexto para que o autor faça
aflorar outros sentidos, outras potencialidades do ser, que são, a seu modo, a "hora e vez" do narrador, a sua "travessia" no
mundo do mistério e do encantamento.
Corpo Fechado (Sagarana) - Guimarães Rosa
“Corpo Fechado”, conto que compõe “Sagarana”, de João Guimarães Rosa, autor
nativo do Brasil, publicado em 1946, aborda uma extraordinária história ficcional que
evidencia a diversidade da cultura e das crenças brasileiras. O conto retrata a peculiaridade
com a qual o autor costuma narrar suas “sagas”, evidenciando o aspecto da linguagem
rural e é iniciado por uma epígrafe de um trecho de cantiga de roda bastante conhecido,
nos fazendo refletir primordialmente acerca dos aspectos culturais que serão mostrados
posteriormente no decorrer da narrativa de Rosa. Em análise, diríamos que se trata de uma
técnica de apresentação, no intuito de chamar a atenção do leitor para o ponto crucial do
conto: o valor da multiplicidade da cultura brasileira. Mostrando assim o gosto popular
pelas quadrinhas, as quais fazem parte da vida sertaneja.
O autor utiliza uma linguagem simples, de fácil entendimento dando a ideia do
direcionamento ao público alvo e, principalmente estabelecendo critérios que evidenciam
sobre quem se fala na história. Nela podemos encontrar neologismos de composição e
abreviação, como em “nalgum lugar” (p.273), e palavras formadas por derivações, além de
construções constituídas por metáforas. Tal narrativa é realizada pelo narrador em primeira
pessoa, tratando-se do próprio personagem que participa da história como médico, cuja
simpatia pelo personagem principal M. Fulô era evidente, podendo-se perceber, através da
maneira pela qual o autor conduziu os fatos que compõem a trama. Aspectos como estes tornam a leitura mais acessível à
população com menor grau de instrução, por ter uma linguagem menos rebuscada.
A natureza com que Guimarães Rosa descreve as características físicas dos personagens principais propicia ao
leitor uma visão nítida das cenas da história, possibilitando assim, uma maior compreensão da realidade de vida que
pretende mostrar. Dentro da trama, temos o médico; o Manuel Fulô e a sua jumenta Beija-Fulô; a Das Dor, que era a
8. noiva de M. Fulô; o Targino, conhecido como o valentão do vilarejo, e por fim, o Antônio das Pedras – Águas, que
exercia o papel de curandeiro e feiticeiro. Ainda na narrativa, fala-se sobre várias pessoas: o Desidério, Dêjo, Miligido
(caracterizado como homem bom e justo), Adejalma, Pércio, Targino, Roque, Gervásio, Laurindo, Camilo Matias, João
Brandão, Quintiliano, Quininha e o Manuel Baptista, entre outros. Isso ocorre devido aos recursos utilizados no conto, ou
seja, trata-se de um diálogo onde há uma espécie de interrogatório entre o narrador personagem e o personagem principal.
Segundo Proença Filho (1986, p.32), “É preciso considerar ainda que só há literatura onde existe um povo e,
consequentemente, o desenvolvimento de uma cultura.” De fato, essa afirmativa procede em relação, principalmente, a
Corpo Fechado, uma vez que o conto baseia-se fundamentalmente nos aspectos culturais de um povo. Sua identidade é
marcada por suas ações, crenças e costumes, não esquecendo também da época retratada. Em o Corpo Fechado há
elementos que revelam sua associação ao moderno, ao novo, desde a linguagem até a sua estrutura, porém, tais fatores
não despertaram estranheza aos letrados da época, uma vez que, já estavam acostumados com esse tipo de produção
introduzida na sociedade através dos modernistas.
O conto nos mostra a realidade do misticismo brasileiro, ao enfatizar a concretização de um ato pela fé. Este fato é
bastante frequente em nossa sociedade, mesmo nos dias atuais. Os atos cristãos e as propagações da fé, como promessas e
oferendas ocupam relativamente o espaço religioso dos brasileiros. Isso devido à ação de que buscamos uma força
superior para a solução dos nossos problemas. Conforme DaMatta (2001. p. 112) “[...] a religião é um modo de ordenar o
mundo, facultando nossa compreensão para coisas muito complexas, como a ideia de tempo, a ideia de eterno e a ideia de
perda e desaparecimento, esses mistérios perenes da existência humana.” No conto de Guimarães Rosa, notamos aspectos
de uma cultura correlacionada com a identidade cultural de um povo humilde, com traços interioranos do homem do
campo, do rural, que vive seus preceitos sem o intuito de prejudicar o próximo, mas quando sente-se ameaçado esquece-
se dos apegos físicos e busca sua auto realização não medindo as consequências, como foi o caso de M. Fulô, que
recorreu ao feiticeiro ofertando a sua estimada jumenta em troca de serviços protetores para derrotar o inimigo que o
ameaçava.
“Uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em
sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções.” (PROENÇA FILHO, 1986, p. 33). Conforme o próprio
Domício analisa, as ações de uma sociedade em geral, refletem sua religião e suas crenças, trazendo à mostra seus mitos e
heróis, numa história cômica e ao mesmo tempo pitoresca.
A trama se dá em espaços de um arraial de Laginha, no interior de Minas gerais, trazendo a impressão de ruralidade
e caracteriza-se pelo tempo histórico ou cronológico, uma vez que os fatos são lineares, transcorrendo numa sequência de
“antes” e “depois”.
Guimarães Rosa, a partir de „Sagarana‟, nos mostra muito bem, um enredo cujo conteúdo expressa valores
culturais, crendices e religiosidade do povo por meio da retratação dos feitiços e bruxarias, retratando também, detalhes
específicos da vivência dos povos ciganos.
Conversa de bois (Sagarana) - Guimarães Rosa
Conversa de Bois é um conto, no qual toda uma problemática da relação Homem -
Natureza - Animal está presente.
As reflexões sobre o poder e a fraqueza centralizam-se em Conversa de Bois,
conto narrado em terceira pessoa, narrado por Manuel Timborna, que é entrevistado pelo
autor, que pede para recriar a história:
- Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentado ponto e
pouco...
- Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que não seja”.
E então Manuel Timborna começa a contar sobre um tempo em que os animais
conversavam entre si e imagina se isto até hoje acontece, se transformam em heróis,
questionando o saber dos homens com o seu suposto não saber. Os bois criticam o modo
de vida dos homens.
"Conversa de bois" procura interpretar a psiquê bovina. É uma história trágica e
pode ser aproximada de "O burrinho pedrês" pela relevância que dá ao animal.
Outra temática no conto é o da oposição entre o Bem e o Mal, aonde os maus têm
sempre fim trágico.
A história se passa através de flashbacks, aonde o boi Brilhante conta a história de Rodapião e Tiãozinho relembra
momentos em que o pai ainda estava vivo.
O cenário do conto é uma estrada do interior de Minas Gerais.
Neste conto, os bois e os homens cruzam-se como num contraste que se prolonga até o fim. Guimarães Rosa
apresenta alternadamente os diálogos dos homens e os “diálogos” dos bois, revelando-se aqui uma espécie de “filosofia
bovina”, uma síntese do que “pensam” sobre a vida e sobre os homens. Neste conto, os bois são verdadeiros personagens,
9. possuidores de capacidades intelectuais quase iguais às dos homens. Assim como em todos os contos de Sagarana, os
animais são humanizados.
O homem, no conto, tem seus problemas, suas revoltas contra ele próprio, em oposição ao boi, que carrega o jugo
de e na sua vida e que, à noitinha, resmunga, discutindo sua vida, filosofando sobre o círculo nascimento-crescimento-
morte.
Em Conversa de bois, o boi não é apenas ícone da natureza, ele torna-se personagem ativo. E passa nesse
momento, a formar com o menino Tiãozinho um só personagem, metade humano metade animal. A parte homem do ser
antropomórfico e hibrido, o menino “humano”, não possui o dom da palavra. A palavra surge na consciência dos bois. Ao
menino, cabe apenas o desejo de vingança e a vergonha imposta pela atitude pecaminosa da mãe.
A hora e vez de Augusto Matraga (Sagarana) - Guimarães Rosa
A Hora e Vez de Augusto Matraga faz parte de Sagarana que é uma coletânea de novelas e
novelas, nove no total. Todos os textos apresentam a tendência de Guimarães Rosa à pesquisa
permanente da linguagem regional, mantendo-se ligados ao instrumentalismo. Todos os novelas
se passam , como pode ser comprovado pelo cenário, no interior de Minas, existindo farta
nomeação de lugares e regiões. Essa verossimilhança serve de primeiro elemento catalisador das
narrativas. Mas há outras formas de agruparmos as narrativas.
Estilo
Sagarana, na qual se encontra a novela A hora e vez de Augusto Matraga, não apenas está
inserida nas perspectivas instrumentalistas (linguagem como instrumento constante de
pesquisas), bem como é uma das obras iniciadoras da terceira fase. A hora e vez de Augusto
Matraga aponta para a tendência criada por Guimarães Rosa do regionalismo universalizante,
uma vez que sua leitura do mundo regional faz-se a partir da projeção para um prisma universal.
Tempo e espaço
O tempo da narrativa está mais voltado ao psicológico, ou seja, indeterminado. O espaço é Minas Gerais, mais
especificamente o Norte de Minas, destacando-se nomes de vilarejos (Rala-Coco, Murici, Pindaíbas, Tombador) e lugares
do sertão (rios, serras, etc.).
Foco narrativo
A novela é narrada em terceira pessoa. O narrador é onisciente, penetrando nos pensamentos de Augusto Matraga como
se fosse sua consciência.
O novela mostra a linguagem regional aliando ao mais puro poético para criar efeitos inusitados e da mas sublime
perfeição. O casamento entre o regional e o erudito parece surpreender o leitor, maravilhado e chocado diante do
sortilégio verbal que, ora prende, ora espanta, criando dificuldades de entendimentos para muitos.
Problemática e principais temas
A novela A Hora e Vez de Augusto Matraga ocupa um lugar de destaque dentro
da antologia de Sagarana, uma vez que representa o fechamento em círculo da temática
iniciada em O Burrinho Pedrês de que um único momento pode valer por toda uma
existência. Sabemos que a força mística de Guimarães Rosa é também manifestada na
presente obra, já que, simbolicamente, o protagonista da ação é alçado à condição de
um Cristo. Nhô Augusto deixa o sítio montado num burrinho. Este é considerado até
mesmo na obra como um elemento sagrado (“... porque mãe Quitéria lhe recordou ser o
jumento um animalzínho assim meio sagrado, muito misturado às passagens da vida de
Jesus”), já que na Bíblia Cristo entrou em Jerusalém montado num desses animais. A
caminhada do protagonista simboliza o homem em busca de seu destino. E qual seria o
destino a ser cumprido?
Claro que a salvação de Matraga só poderia surgir a partir da justiça divina com a
negação de seu próprio ser físico em favor da justiça entre os homens.
Ao salvar inocentes da sanha vingativa de Joãozinho Bem-Bem, Nhô Augusto
encontra também a sua redenção final, obtida com seu trabalho, sua reza e a fé de que
teria sua hora e vez.
Matraga dá a vida, como Cristo, pelos seus semelhantes (“Foi Deus quem mandou esse homem no jumento, por
mór de salvar as famílias da gente!...”
A força temática desse conto de que um momento pode valer por toda uma vida, encontra em Nhô Augusto o
momento de êxtase dentro da obra de Guimarães Rosa. A persistência e fé do protagonista, verdadeiro herói mítico
moderno, faz com que a purificação de sua alma seja completa e sua santificação plena.
10. A trajetória heróica de Augusto Matraga que desce do espaço dos poderosos para o dos oprimidos e
marginalizados, recorda-nos o fato de que realmente parece não haver mais espaço para as grandes epopéias clássicas,
para os heróis míticos do passado, pois o homem moderno traz em si não apenas o herói, mas também o covarde, não só o
bem, mas também o mal, está, como o protagonista comprova, mais próximo do homem barroco com suas dualidades e
ambigüidades do que do clássico. As verdadeiras epopéias modernas, como podemos considerar A hora e vez de Augusto
Matraga, são protagonizadas por homens comuns que se entregam à derrota ou lutam arduamente através de seus corpos e
de suas almas à espera de que surja a sua hora e vez.
Personagens
Augusto Esteves Matraga - é o protagonista da obra. Muda de nome de acordo com
as passagens significativas de sua vida, o que nos permite enxergar nele uma projeção dos
heróis míticos. Matraga transforma-se num homem bom e abnegado, trabalhador e rezador,
depois de ter sido mau, mulherengo e violento. Seu comportamento desregrado levou-o a
perder a fortuna, a mulher e a filha, tendo quase perdido a vida. Depois de uma surra
aplicada pelos capangas do Major Consilva, Matraga sentiu-se renascer como outro
homem. Foi obrigado a esconder-se dos inimigos num sítio com um casal de pretos velhos
que o salvou. Terminou sua trajetória matando o famoso chefe de jagunços Joãozinho
Bem-Bem para salvar uma família inocente, e morrendo.
Joãozinho Bem-Bem - Famoso chefe de jagunços. Homem temido e destemido no
sertão. Faz justiça com as próprias mãos ou armas, defendendo seus aliados e eliminando
seus inimigos. Pressente em Nhô Augusto uma força oculta que os aproxima.
Quim Recadeiro - Era empregado de Nhô Augusto, tendo a função, como o próprio
nome indica, de levar recados. Entretanto, quando o patrão é morto, vai em busca de justiça e acaba sendo assassinado
pelos capangas do Major Consilva.
Dona Dionóra: Era mulher de Nhô Augusto. Acabou não aguentando mais as judiações do marido e seu descaso e
fugiu com Ovídio.
Mitinha: é filha de Nhô Augusto. Percebe, ainda menina, que o pai não gosta dela e da mãe. Acaba se tomando
prostituta.
Major Consilva - Era inimigo de Nhô Augusto, tendo também sido inimigo do avô
do protagonista. Homem mau e rico, tem todo o poder depois da suposta morte de Nhô
Augusto.
Tião da Thereza - Conterrâneo de Nhô Augusto. encontra-o no povoado do
Tombador e coloca-o a par dos acontecimentos posteriores à sua suposta morte.
Outros personagens: Angélica. Sariema, mãe Quitéria, preto velho, Juruminho,
Teófilo Sussuarana, etc.
Enredo
A hora e vez de Augusto Matraga recria uma verdadeira saga do homem na
travessia por este mundo. Matraga é, de um modo mais amplo, o homem no sentido
universal. Sua trajetória recria a passagem evolutiva em busca do aprendizado do viver e
da ascensão espiritual em plenitude. Seu objetivo será ter sua hora e vez de entrar no céu,
"mesmo que seja a porrete". É uma história de redenção e espiritualidade, uma história
de conversão. Ao longo do seu enredo o protagonista, Augusto Matraga, passa do mal ao
bem, da perdição à salvação.