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SOBE e desce
Não só pela fachada se reconhece o trabalho de um grande
arquiteto. Há tempos, as escadas, detalhes essenciais das cons-
truções, ganham atenção de nomes consagrados da arquitetura
nacional e internacional. É o caso do brasileiro Rino Levi (1901-
1965) e do italiano Donato Bramante (1444-1514), que investiam
na criação de escadas grandiosas e originais, que, além de sua
funcionalidade básica, ganharam status de esculturas.
Entre as obras de Levi, destaca-se a escada helicoidal proje-
tada para uma residência familiar entre 1949 e 1950 e que atual-
mente faz parte do Parque da Cidade, na cidade paulista de São
José dos Campos. Do renascentista Bramante, chama a atenção
a suntuosa escadaria pertencente ao Museu do Vaticano. Com
degraus largos, a escada construída em 1512 era utilizada até por
cavalos.“Em obras arquitetônicas que têm um apelo monumen-
tal, é exigido que se tenha um desenho de escada no mesmo
sentido”, diz Wagner Amodeo, professor de Arquitetura do
Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, que também des-
taca a escada em forma de hélice projetada por Oscar Niemeyer
para o Memorial da América Latina e a criada por Lina Bo Bardi
(1914-1992) para a Casa de Vidro, onde hoje funciona o Instituto
Lina Bo e P.M. Bardi, na capital paulista.
fotoPETERCUYPERS/DIVULGAÇÃO
Mundo afora, projetos de escadas ousados e criativos conferem
personalidade a ambientes e construções
TEXTO Renata Caetano
ACIMA, ESCADA PROJETADA PELO ESCRITÓRIO FGMF. ABAIXO, A SUNTUOSA
ESCADARIA DO ARQUITETO BRAMANTE PARA O MUSEU DO VATICANO. NA PÁGINA
AO LADO, DEGRAUS DE VIDRO DO ESCRITÓRIO HOLANDÊS NAT ARCHITECTEN
fotoDIVULGAÇÃO
2. “O Brasil, em geral, acompanhou os movimentos artísticos
e culturais internacionais, porém, foi na época do modernismo
brasileiro [na primeira metade do século 20] que criamos uma
expressão própria”, explica Amodeo. De acordo com Nadia
Cohen, arquiteta e também professora do Centro Universitário
Belas Artes de São Paulo, “no movimento modernista, a plastici-
dade do concreto, aliada à criatividade e ao arrojo dos arquitetos,
permitiu desenhos notáveis”.
A identidade própria dos projetos de escadas foi o que
levou a arquiteta e fotógrafa Patricia Cardoso a lançar o livro de
fotografias Arquitetura Pelas Escadas (Editora Estação Liber-
dade), que aborda a trajetória da arquitetura da cidade de São
Paulo por meio desses elementos estruturais. “Como arquiteta,
sempre reparei nos desenhos das escadas, pois elas sintetizam a
linguagem arquitetônica de uma obra”, explica Patricia. “Já como
fotógrafa, acho que os grafismos oferecem muitas possibilidades
de ângulos e composições”, completa ela, que captou mais de 50
imagens de escadas projetadas em diversos períodos e formas.
Entre as escadas registrados para o livro, a mais antiga é a do
Museu do Ipiranga, desenhada em 1883 pelo arquiteto italiano
Tommaso Gaudenzio Bezzi (1844-1915).
criatividade e uso de materiais
Em São Paulo, um dos projetos do escritório FGMF para
residência traz uma escada com degraus de madeira e estrutura de
aço. “A escolha do metal foi fundamental para conseguirmos ele-
mentos estruturais mais graciosos”, afirma Lourenço Gimenes. Pa-
raele,alémdofatortécniconaconcepçãodeescadas,éfundamen-
tal levar em conta a estética. “É importante considerar o peso
visual que a escada terá no ambiente e a escolha dos materiais ade-
quados”, completa. “Para essa casa, queríamos um elemento que
ficasse leve e não prejudicasse a iluminação da janela”, afirma o
NESTA PÁGINA, ESCADA PROJETADA PELO ESCRITÓRIO AMC ARQUITETURA: AUSÊNCIA DE CORRIMÃO NA
LATERAL EXTERNA PARA PRIVILEGIAR A ESTÉTICA. NA PÁGINA AO LADO, ESCADA DE MADEIRA COM ESTRUTURA
DE AÇO – O METAL POSSIBILITOU AOS ARQUITETOS CRIAR ELEMENTOS ESTRUTURAIS MAIS DELICADOS
PLANETA DESIGN01
“É importante considerar o peso visual que a escada terá no ambiente”, diz Lourenço Gimenes
fotosDIVULGAÇÃO
fotosLORENÇODEFIORI/DIVULGAÇÃO
3. Com três formatos principais (reta, espiral e helicoidal), as
escadas nem sempre podem ser projetadas seguindo o gosto do
cliente. O arquiteto Mario Celso Bernardes explica: “Muitos
preferem as escadas retas, mas são os arquitetos que contribuem
para dar forma e modelo de acordo com o projeto como um
todo”. Para Antonio Ferreira Junior, “a escolha do formato tam-
bém se dá por uma questão de otimização do espaço”. O arqui-
teto Lourenço Gimenes, do escritório FGMF, faz coro com a
dupla:“É função do arquiteto destacar a escada ou deixá-la
quase imperceptível.”
Com inúmeras possibilidades, fato é que as escadas são
ótimos elementos na hora de conferir personalidade aos espa-
ços. “As escadas evidenciam detalhes que geralmente passam
despercebidos e que revelam muito do que pensou cada arquite-
to e a época em que cada uma foi construída”, finaliza a arquite-
ta e fotógrafa Patricia Cardoso.
PLANETA DESIGN01
arquiteto, que optou por dar à escada proporções generosas e dei-
xar vãos entre os degraus para favorecer a iluminação.
Ousada, a escada sem corrimão projetada pela dupla de
arquitetos Mario Celso Bernardes e Antonio Ferreira Junior, do
escritório paulista AMC Arquitetura, imprime sofisticação à resi-
dência. “Em muitos projetos coloca-se o corrimão para que ele
exerça sua função, mas aqui, por uma questão de estética, opta-
mos por não utilizá-lo na lateral externa”, diz Bernardes, que tam-
bém privilegiou o uso do aço.
Já o escritório holandês Nat Architecten optou pelo vidro na
concepção dos degraus da escada de um loft na cidade de Eind-
hoven.Comaspisadastransparenteseaausênciadecorrimão,aes-
cada,queligaaáreadalareiraaoterceiroandardaresidência,pare-
ce estar flutuando no ambiente. “Nós acreditamos que a arquitetu-
ra atual não se baseia apenas em formas e funções estáticas”, diz o
arquiteto Metin van Zijl.
fotosDIVULGAÇÃO
d
Com inúmeras possibilidades, as escadas conferem personalidade aos ambientes
Outro projeto internacional que evidencia a originalidade é
o da escada de uma residência situada em Libliana, capital da
Eslovênia. Desenvolvida em 2004 pelo escritório Dekleva Gre-
goric, o elemento ganhou degraus que brincam com o tamanho da
pisada, criando um jogo visual. “Além de conectar os dormitó-
rios, que estão no piso superior, com os outros cômodos da casa,
a escada funciona como um divisor de ambientes, pois de um la-
do está a sala e, do outro, a cozinha”, diz Tina Gregoric, uma das
autoras do projeto, que se inspirou em escadas desenhadas pelo
arquiteto esloveno Joze Plecnik (1872-1957).
A fabricante italiana de escadas Siller Treppen, que atua no
mercado há mais de 50 anos e tem filiais em diversos países, é es-
pecializada em modelos diferenciados. Entre eles, a Pentagon, de
formato circular e com base de madeira, e a Azzolini, com de-
graus de madeira e sem o uso de espelhos (face vertical dos de-
graus), são as que mais se destacam.
ACIMA, INUSITADA ESCADA DE RESIDÊNCIA NA ESLOVÊNIA. ABAIXO, OS PROJETOS
PENTAGON (À ESQUERDA) E AZZOLINI, DESENVOLVIDAS PELA FABRICANTE SILLER
TREPPEN. NA PÁGINA AO LADO, DETALHE DE ESCADA PROJETADA PARA UM LOFT
fotosPETERCUYPERS/DIVULGAÇÃO
fotoMATEVZPATERNOSTER/DIVULGAÇÃO