O documento discute como cristãos podem estar no mundo sem serem do mundo, comparando diferentes abordagens a esta tensão. A abordagem ideal é ser como a pomba, que ajuda o mundo sem adotar seus padrões, mantendo uma mensagem distinta mas gentil. Jesus exemplificou isto ao estar no mundo mas não ser contaminado por ele.
1. NO Mundo, Mas não DO Mundo
No Mundo, Mas não Do Mundo
Pr. Davi Merkh
Como est rangeiro no Brasil, sinto muito que serei sempre um "peixe fora
da água". Não t enho um “RG” mas um “RNE”—Regist ro Nacional de
Est rangeiro”. Esse meu "visto permanente" me ident ifica como
“est ranho” em t odos os sent idos: além de ser uma cor esquisit a (laranja),
sempre me ident ifica como alguém permanentemente carimbado
como "diferente". Não importa quanto eu me esforço, nunca ficarei
completamente contextualizado. Não gosto quando pessoas olham
para minha roupa-camisa xadrez com bermuda amarela e meia
branca-e logo dizem "eis aí, mais um gringo". Odeio quando pessoas
perguntam logo depois de conversarmos alguns minut inhos: "Você não
é daqui, né?"
Ninguém gosta de ser diferente. Há forte pressão para se conformar .
..mas ao mesmo tempo, uma tensão por saber que nunca será igual
aos out ros. No meu caso, estou no Brasil sem ser totalmente do
Brasil. Como crentes em Cristo Jesus, sofremos uma out ra tensão: a de
sermos conformados com a imagem de Jesus (Rm 8.29) e não
conformados com o mundo (Rm 12.1,2), mas ao mesmo tempo, ser tudo
para todos para ganhar alguns (1 Co 9.22).
Jesus caracterizou bem essa tensão quando disse que estamos "no
mundo, mas não do mundo." Como podemos estar no mundo sem
permit ir que o mundo esteja em nós? Uma pequena fábula ilust ra o
desafio de sermos equilibrados, em nossa convivência com o mundo.
Era uma vez, uma família de Urubus vivia na fenda de uma rocha
numa montanha. Um dia foi descoberto que a família passava mal,
pois pegara uma doença comendo carne podre. Quando o Gavião
soube disso, ficou muito crít ico. "É problema deles" ele falou. "Vivem
comendo animais mortos o tempo todo. Merecem t udo que recebem.
Eles nunca aprendem."
O Gavião, indignado pelo est ilo de vida podre dos Urubus, em vez de
ajudá-los, iniciou uma campanha cont ra eles. Enquanto os Urubus se
tornaram cada vez mais fracos, o Gavião advert iu aos out ros pássaros a
não se aproximarem da casa deles. Passava baixo-assinados para
expulsá-los da vizinhança. Quando os Urubus estavam mal mesmo, o
Gavião contava piadas a custo deles. A Águia lidou com o problema
dos Urubus de forma totalmente diferente. Nunca um fã deles, a Águia
simplesmente os ignorava. Const ruiu seu ninho muito mais alto do que o
deles (e muito acima dos out ros pássaros também) e os olhou com nariz
(ou bico) empinado. Ficou isolada dos out ros pássaros e dos seus
problemas, formando sua própria comunidade exclusivista, com suas
próprias regrinhas e regulamentos. O Papagaio foi diferente--o oposto
da Águia. Sempre fascinado pelo Urubu, ele admirava sua
independência e liberdade. Mesmo sabendo o risco de viver como um
Urubu, ele não se importava muito com isso. Por que ele também não
2. podia comer o que ele queria, quando ele queria, mesmo se fosse
comida est ragada? E assim ele fez. O papagaio se tornou como um
Urubu. Ele voou como Urubu, comeu como Urubu. Infelizmente,
também pegou doença como o Urubu. Certamente não ajudou em
nada os Urubus, fora o fato de que a miséria gosta de
companhia.
Esta fábula ilust ra como alguns respondem de formas diferentes ao
desafio de estar "no mundo, mas não ser do mundo". A maioria de nós
adota uma de três atitudes no nosso envolvimento com o mundo.
Vamos considerar estas respostas, e depois propor uma maneira bíblica
de lidar com a sociedade em que vivemos.
O Crente Gavião: Ataca o Mundo
O gavião é um pássaro bonito, porém agressivo e orgulhoso, que vive a
custo dos out ros. Parece majestoso, mas não é tão sofist icado que não
pode comer animais mortos. O cristão "gavião" tem como lema de sua
vida Judas 3b: "batalhar diligentemente pela fé uma vez por todas
ent regue aos santos". Ele nunca se esquece do fato de que estamos
numa guerra-uma luta de unhas e dentes cont ra o paganismo,
secularismo, humanismo, modernismo, liberalismo e comodismo.
Infelizmente, o crente gavião gasta tanta energia combatendo
inimigos ou tentando "concertar o mundo" at ravés de suas crít icas, que
não at rai muitos para sua causa. Adota métodos como: marchas,
envolvimento polít ico, greves, protestos e boicotes para demonst rar sua
força, para que pessoas o respeitem. Força humana, mesmo em nome
de Jesus, não efetua muitas mudanças eternas. Nos dias de Jesus, os
zelotes adotaram a mesma filosofia ao lidar com o odiado jugo
romano. Muitos seguidores de Jesus queriam que ele quebrasse aquele
jugo como Messias-Libertador. Mas não foi o caminho escolhido pelo
Mest re "manso e humilde de coração". Na história, as cruzadas e a
Inquisição são exemplos de tentat ivas sinceras, mas enganadas de
"gaviões" se relacionarem com o mundo. Há elementos de verdade
nesta posição do gavião.
Estamos numa guerra espiritual (Ef 6.12)-só que não é cont ra carne e
sangue, fato que muitos gaviões esquecem em suas denúncias. Os
profetas do Velho Testamento eram muito capazes de condenar
pecado em sua sociedade, mas também sabiam minist rar graça e
compaixão, diferente dos gaviões modernos que bombardeiam clínicas
de aborto em nome de Jesus. O reino de Jesus não é deste mundo, e
não será tomado por força, nem poder, mas por meios espirituais (Zc
4.6). Jesus ensinava os discípulos a serem pescadores de homens; o
gavião prefere jogar uma bomba no lago e colher os peixes mortos que
sobem. Jesus nos chama para odiar o pecado, mas amar ao pecador.
Nossa luta é cont ra "potestades e principados", não cont ra homens. A
ênfase do nosso ministério tem que ser espiritual. Os meios do nosso
ministério têm que ser espirituais. Jesus e Paulo nunca passaram baixo-assinados
ou marcharam cont ra Roma. Não que estes métodos nunca
3. têm seu lugar, mas não deve constar a totalidade do nosso
envolvimento com o mundo. O problema com o crente gavião é que
ele ataca o mundo, sem perceber que o mundo está nele.
O Crente Águia: Isola-se do Mundo
De todos os pássaros, talvez a águia seja o mais nobre, o mais
majestoso. Mas a águia também simboliza orgulho, arrogância,
inacessibilidade. O texto-base do crente águia é 2 Co 6.17 "ret irai-vos do
meio deles, separai-vos". Ele resolve a tensão ent re "estar no mundo,
sem ser do mundo" por isolar-se do mundo. "Talvez", pense ele, "se eu
ignorar o mundo ele desapareçerá." O cristão águia é separat ista de
tudo e de todos, e tem orgulho de ser assim conhecido. Ele se acha
puro, santo, por não se contaminar com o mundo e seus problemas. O
crente águia geralmente não reconhece que se tornou irrelevante
para o mundo, pois gosta de pensar que, por ser tão diferente, está
sendo sal e luz. De fato, fica tão distante, que não tem nenhum
impacto naqueles ao seu redor! Nos tempos de Jesus, os essênios,
grupo separat ista, criou sua própria comunidade no deserto, longe do
mundo real. Ao longo da história, muitos out ros grupos tentaram
escapar da poluição do mundo sendo monges ou eremitas. Mas muitos
descobriram que é impossível escapar do mundo, pelo fato do mundo
estar dent ro deles. "Aonde tu fores, tu te levas cont igo." De todos os
crentes "águias", os fariseus eram os piores. Eles enganavam-se com suas
t radições e leis, que evitavam contato com a sociedade e os
problemas das pessoas, pensando que assim se sant ificariam. Mas
Jesus reservou para eles suas condenações mais quentes (Mt 23).
Um grupo chamado os "Amish" nos Estados Unidos exemplifica o
ext remo desta est ratégia separat ista. Os Amish formam suas próprias
comunidades, mantendo os padrões de vida de séculos passados. Não
usam luz elét rica, não dirigem carros, não costuram botões em suas
roupas, que por sinal são todas pretas e roxas. Sua rigidez e seu
legalismo os colocam "acima" daqueles ao seu redor, ou assim pensam
eles. Mas são poucos que, at raídos pelo seu est ilo de vida se tornam
Amish. Pelo cont rário, muitos jovens Amish deixam a cultura de seus
pais.
Há aspectos posit ivos do cristão águia. Deus nos chamou para sermos
santos, como ele é santo (Mt 5.48). "Sant idade" significa separação da
impureza. De fato, somos sal e luz (Mt 5.13-16), chamados para não
sermos contaminados pelo mundo (Fp 2.15,16; Tg 1.27). Mas isso não
significa que precisamos nos ret irar do mundo. Não foi isso que Jesus e
Paulo t inham em mente. 1 Co 5.9,10 deixa isso claro: Já em carta vos
escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro-me com isto não
propriamente aos impuros deste mundo, ou aos arvarentos, ou
roubadores, ou idólat ras; pois, neste caso teríeis de sair do mundo." Não
é possível separar-se do mundo e assim tornar-se santo. Alguém tem
que ver as nossas boas obras, para poder glorificar a Deus (Mt 5.13-16).
Há perigo nas comunidades e sub-culturas evangélicas, "clubes" nas
4. igrejas que prat icamente excluem descrentes. O crente águia não
reflete o que Jesus quis dizer quando nos chamou para estar "no
mundo, mas não ser do mundo." O problema com o crente águia é que
ele não está no mundo, mas o mundo cont inua nele.
O Crente Papagaio: Imita o Mundo O papagaio é o "Maria-vai-com-os-out
ros" do reino animal. Este conformista adota os padrões do mundo,
imaginando que assim vai ganhar seus colegas para Cristo. Sua lema é
"Ser tudo para com todos para ganhar alguns" (1 Co 9.22). O papagaio
sacrifica a verdade e a sant idade em nome do amor. "Por que ser
diferente?" ele pensa. "Se for aceito por eles, terei uma uma audiência
para o evangelho." Os saduceus e Herodianos nos tempos de Jesus
eram assim. Assimilaram-se aos padrões romanos e assim ganharam
poder polít ico. Mas t inham pouca influência espiritual. Tornaram-se sal
sem sabor.
O problema com o crente papagaio em relação ao mundo é que ele
não tem muito para oferecer. Para ter valor, sal tem que ter um sabor
especial, senão não presta para nada. Se não há nenhuma diferença
ent re o crente e o mundo, como at rair o mundo para Jesus? (cf. 1 Pd
3.15, Rm 12.1,2, 1 Jo 2.15-17) Infelizmente, muitos jovens estão se
tornando papagaios, procurando aceitação no mundo. Seu est ilo de
vida, não os diferencia dos seus amigos não-crentes. Seu falar é igual,
sua música é a mesma, seus padrões de namoro são
idént icos. Igualmente preocupante são os movimentos evangélicos que
adotam os padrões do mundo para "ganhar alguns". Suas técnicas de
"market ing", sua mensagem diluída, sua ét ica em nada difere do
mundo. Por que seus colegas devem dar ouvidos? O problema com o
crente papagaio é que ele está no mundo, e o mundo está nele. Existe
um out ro t ipo de cristão, que melhor exemplifica o equilíbrio ent re "estar
no mundo" sem que o mundo esteja nele.
O Crente Pomba: No Mundo, mas não Do Mundo O fim da nossa fábula
ilust ra como ser um crente no mundo, sem permit ir que o mundo esteja
em você:
A Pomba foi o único pássaro que realmente ajudou a família Urubu.
Sem condenar ou atacá-los, e sem comer carne podre como eles
comiam, a Pomba assumiu o compromisso de visitá-los e levar carne
fresca para eles. Pouco a pouco os Urubus se sent iram melhor.
Percebendo algo diferente na Pomba, logo aprenderam o segredo da
sua saúde. Aprenderam a sua higiêne, seus hábitos de vida. Depois de
algumas semanas, os Urubus estavam se comportando como Pombas.
E os Urubus e as Pombas viveram felizes para
sempre.
A pomba é um pássaro calmo, gent il, bondoso, t ranqüilo. Sempre está
no meio dos out ros pássaros, mas nunca causa tumultos como as out ras
aves. A pomba sabe como estar no mundo (ent re os out ros pássaros)
sem ser contaminado pelo mundo (adotar seus padrões de vida). Foi
isso que Jesus t inha em mente em Jo 17.13-20. Neste texto ele t raça t rês
verdades sobre o envolvimento do cristão "pomba" com o mundo:
5. 1) Não somos DO mundo (14,16)
2) Estamos NO mundo (15)
3) Somos enviados PARA o Mundo (18)
A história de Daniel no Velho Testamento ilust ra estes princípios na vida
de um crente "pomba". Com 17 anos Daniel foi exilado para Babilônia,
longe de seus familiares, de sua terra, de sua língua e cultura. Em áreas
não-morais, Daniel ent rou na nova cultura para valer. Aceitou uma
mudança de nome, foi para suas escolas, desenvolveu uma carreira no
serviço civil. Em áreas morais, porém, no tocante à lei de seu Deus, ele
colocou seus pés no chão e recusou comer e beber o que foi proibido,
mesmo que custasse sua carreira, e talvez sua vida. Ele e seus amigos
não se isolaram da cultura, pondo suas cabeças na areia, mas se
envolveram até o ponto de comprometer seus ideais. Foi assim na vida
de Jesus. Em áreas não-morais, ele se ident ificava com pecadores
(comia com eles, ia para suas festas de casamento, pescava com
eles.) Mas ele t raçou uma linha em áreas morais-e não foi influenciado
pelos padrões de vida daqueles ao seu redor. Fazia parte de sua
cultura, sem ser contaminado por ela. Confesso que não é fácil achar
este equilíbrio! A luta é constante, e a tentação de cair para um lado
ou out ro exist irá sempre.
O segredo é também a moral da fábula: O cristão precisa achar
equilibro para estar no mundo, sem permitir que o mundo esteja
nele.*Não sejamos crentes gaviões, atacando e crit icando o mundo ao
redor, esperando que as pessoas se comportem como cristãos, quando
não têm a capacitação do Espírito de Deus. *Não sejamos cristãos
águias, distantes, isolados, aquém dos problemas e do dia-a-dia do
"povão". Senão, nunca vamos alcança-los.*Não sejamos papagaios,
em nada diferentes do mundo, e por isso, em nada at raentes para
ele. Vivamos, sim, como est rangeiros na terra. Não será fácil, pois
ninguém gosta de ser diferente. Mas a recompensa está "fora deste
mundo".