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PAX ROMANA
                 E A EIRENE
                 DO CRISTO*


                 Israel Serique**




               Resumo: a pax romana foi um período de tempo e um conceito
        ideológico que o Império Romano massificou com vistas a justificar
        muitas de suas práticas violentas, discriminatórias e injustas no esta-
        belecimento e fortalecimento da estrutura imperial. No contrafluxo
        desta ação de Roma, Jesus, o chamado Cristo, oferece aos seus seguidores
        uma paz que o mundo romano não poderia dar. O presente artigo
        tem como finalidade apresentar os conceitos díspares presentes nesta
        paz do Cristo em contraposição à pax romana.

                 Palavras-chave: Pax Romana. Eirene. Paz.


A PAX ROMANA

As Origens Remotas do Império Romano


F    alar sobre o grande Império Romano é relembrar como a história hu-
     mana nos apresenta exemplos que nos mostram até que ponto um
povo simples pode ir em seus ideais de conquistas e expansão territorial.
Sua origem aponta para os três povos dos quais este grande império resul-
tou, ou seja, italiotas, etruscos1 e dos gregos, que habitaram na península
itálica. Nesta região, estes povos, a princípio, desenvolveram atividades
econômicas voltadas para o cuidado de rebanhos e agricultura.
        De sua estrutura política, sabe-se que a monarquia era a forma
pela qual esta região era governada, tendo como estrutura orgânica uma

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.   119
sociedade formada pela classe dos patrícios e plebeus. A primeira classe,
composta pelas famílias detentoras das posses das terras, e, a segunda, de
pequenos proprietários, comerciantes, artesãos e outras atividades.
        Em um segundo momento de sua história, que podemos aqui cha-
mar de período republicano, Roma viu o Senado alcançar grande influência
e poder político. Neste período, o Senado, composto por pessoas oriundas
da classe dos patrícios, exercia os cargos relacionados à administração das
causas e coisas públicas (entre elas as finanças) e da política externa.2
        Sua expansão territorial deu-se, em linha gerais, primeiramente,
com a dominação da península itálica. Já no século III a.C., através da
liderança do general Aníbal, os romanos vieram a dominar os cartaginen-
ses e alcançar importante posição no mundo antigo, visto que esta vitória
possibilitou sua hegemonia sobre o Mar Mediterrâneo e regiões vizinhas.
        Tendo dominado Cartago, o império Romano seguiu o seu pla-
no de expansão conquistando respectivamente a Grécia, o Egito, a Síria,
a Palestina etc. Esta caminhada expansionista impôs, sobre o mais novo
Império, grandes desafios administrativos nas causas públicas internas e
externas; além do que, também, fomentou um grande fluxo de comércio
entre as cidades romanas e entre o Oriente e o Ocidente.
        Neste período histórico, no qual o Império Romano esteve na hege-
monia, um elemento de fundamental importância para a manutenção do
seu poderio foi a tão conhecida “pax3 romana”.
        Esta expressão é designada para indicar o período compreendido,
relativamente, entre o reinado de Augusto César, no ano de 29 a. C. –
quando este decretou o fim do ambiente de guerra civil – e estendeu-se até
o ano de 180 com a morte do imperador Marco Aurélio.
        Entretanto, a pax romana deve ser considerada muito mais do que
um mero período histórico. Existem nesta expressão, primeiramente, ações
políticas e militares que procuraram garantir uma relativa estabilidade nes-
te tão extenso Império; e, em segundo lugar, há um forte teor ideológico
que procurava mascarar o sistema de perseguição, exploração, morte e as-
simetrias existentes no Império.
        Entender esta assertiva requer do pesquisador uma análise do con-
texto histórico no qual o Império Romano se construiu. Em primeiro
lugar, é preciso que se lembre que o Império Romano se estendeu por
uma vasta região, que historicamente tinha uma tradição de guerras en-
tre povos vizinhos e dominação de outros grandes impérios.4 Aliás, sua
própria ascendência no quadro político daquela região se deu através de
muitas guerras.

120            FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
Outra questão é que os povos conquistados possuíam línguas, va-
lores e culturas muito diferentes. Estes elementos, somados ao fato de es-
tarem sob julgo de outro povo, tornava o Império Romano um caldeirão
fervendo de possibilidades mil de tensões, revoltas e sublevações. Tal con-
texto histórico beligerante, tornava premente ações que deveriam ir além
da romanização destes povos. Era preciso estabelecer meios conducentes à
tranqüilidade, segurança, ordem e paz por todo o território imperial.
       O estratagema romano para este fim deu-se por várias vias. A pri-
meira que podemos citar é que, na medida em que os exércitos avançavam,
havia a transmissão dos elementos culturais ligados à língua, valores, re-
ligião etc., de Roma. Em segundo lugar, a estrutura econômica, social e
política, advindas com a presença das legiões,5 que se fixavam em determi-
nadas cidades e davam o ar do modo de ser e viver romano, fomentavam o
desenvolvimento da economia local e outros valores que contribuíam para
que houvesse uma relativa aceitação da soberania romana ou, pelo menos,
os benefícios de seu governo.
       Por fim, a presença física do exército impunha, às regiões sobre
seus auspícios, o clima de segurança, estabilidade e paz, diante das sempre
eminentes possibilidades de revoltas ou invasões dos povos fronteiriços ao
Império.
       Sob este clima de paz, o Império Romano estabeleceu sua hegemo-
nia política, administrativa, fiscal e judicial, fixando-se sobre aquele exten-
so território conquistado6. De fato, não há que se duvidar que as legiões
e as outras estruturas do exército romano muito contribuíram para criar
uma conjuntura favorável ao desenvolvimento material das regiões con-
quistadas, a difusão da civilização romana e o clima de estabilidade e paz.

A Pax Romana

       Como já foi exposto acima, a pax foi um dos meios que o Império
Romano lançou mão para assegurar sua hegemonia e justificar sua posição
de mando no tempo antigo. Entretanto, como esta paz foi construída?
A que preço ela foi estabelecida? Quais os personagens históricos que,
de fato, usufruíram de todas as suas benesses? E quais os estrados da so-
ciedade que ficaram à margem deste sistema ou foram completamente
excluídos deste?
       As respostas para estas indagações se constroem na análise dos fatos
históricos concernentes a este período do império romano, e tomando-se
como elementos de análise – dentro daquilo que é passível de averiguação

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.   121
– todas as vozes dos sujeitos históricos envolvidos, visto que, em todos os
fatos sociais, as vozes sempre são dissonantes, pois sempre existem discre-
pâncias nas narrativas, em paralelo, dos vencedores e dos vencidos. Como
afirma Wengst (1991, p. 19):

      O olhar “a partir de cima” sobre o brilho de Roma não faz perceber toda a
      realidade. Ele apresenta contexto de sentido contradito pelas vítimas. Seria
      importante inverter a perspectiva numa percepção “a partir de baixo”, para
      que a realidade experimentada como sofrimento não seja entregue ao es-
      quecimento através de glorificação e para que os vencedores da história não
      triunfem novamente sobre suas vítimas da descrição da História.

       Sendo assim, portanto, como era a pax oferecida por Roma e a que
custo ela foi estabelecida?
       Sob a perspectiva dos interesses imperiais, a pax era a forma admi-
nistrativa pela qual Roma viabilizava a sua unidade territorial e política.
O fim primeiro dela era o bem estar dos dominantes e a manutenção de
toda a estrutura de poder implementada pelos romanos. Neste sentido, a
pax era dos romanos e para estes. Segundo Wengst (1991, p. 19),

      A Pax Romana está, de acordo com isto, indissoluvelmente ligada ao Im-
      pério Romano, ao poder de comando a partir de Roma. Com isto torna-se
      claro, já a partir dos conceitos, que é uma paz determinada “de cima”,
      estabelecida pelo centro do poder.

       E, tomando-se isto como fato, o uso da espada, da violência e de
tantas outras atrocidades contra gênero humano, foram facilmente justifi-
cadas sob a sentença que a paz estava sendo construída. Aliás, certamente
não foi por acaso que, na primeira vez que a Pax Romana foi mencionada,
a pessoa do imperador foi colocada como sendo o chefe do exército e que o
altar da paz de Augusto foi um altar para holocausto, no Campo de Marte7
(WENGST, 1991, p. 21).
       Estes dois contundentes símbolos imperiais (a pessoa do imperador
e a religião) reforçavam que a estabilidade no Império era o bem maior
que se poderia almejar. Por isso, tanto o poder político (representante dos
deuses na terra) como o poder religioso (o próprio deus Marte) estavam
unidos nesta mesma “guerra” por estabelecer a paz.
       Tal assertiva equivalia dizer que, se o próprio deus Marte estava en-
volvido nesta empreitada, então, os que se opunham a ele deveriam sofrer

122            FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
as conseqüências de suas ações por meio dos seus braços históricos que
eram as legiões romanas. Uma boa ilustração sobre o que foi isto, nós a
encontramos na citação que Reimer faz de Tácito:

        [...] mais perigosos do que todos são os romanos [...] Esses ladrões do
        mundo, depois de não mais existir nenhum país para ser devastado por
        eles, revolvem até o próprio mar [...] Saquear, matar, roubar – isto é o que
        os romanos falsamente chamam de domínio, e ali onde, através de guerra,
        criam um deserto, isto eles chamam de paz [...] As casas são transformadas
        em ruínas, os jovens são recrutados para a construção de estradas. Mulhe-
        res, quando conseguem escapar das mãos dos inimigos, são violentadas
        por aqueles que se dizem amigos e hóspedes. Bens e propriedades trans-
        formam-se em impostos; a colheita anual dos campos torna-se tributo em
        forma de cereais; sob espancamentos e insultos, nossos corpos e mãos são
        massacrados na construção de estradas através de florestas e pântanos [...]
        (TÁCITO apud REIMER, 2006, p. 74-5).

        Aqui, portanto, não apenas legitimam-se as ações brutais mas, tam-
bém, fomenta-se um quadro de completa indiferença para com os sofri-
mentos daqueles que eram alvejados pelos soldados romanos, visto que
esses, merecidamente, estariam recebendo o castigo por tentarem colocar
em perigo a paz imperial.
        Sendo assim, portanto, embora desejada e louvada por aqueles que
estavam no poder, a pax oferecida, dominava, afligia e matava uma parte
considerável da população do Império, ou seja, os escravos, as mulheres,
os estrangeiros etc. Nesse sentido, então, é de suma importância que se
analise a pax romana sob a perspectiva daqueles que serviram de estrados
para os pés desta conjuntura política, econômica, cultural e bélica, uma
vez que, por detrás da gloriosa civilização romana e suas conquistas, existiu
uma multidão de vítimas do sistema imperial que não podem ser ignoradas
e silenciadas (WENGST, 1991, p. 19).
        E das muitas guerras que se avolumavam não poucas pessoas eram
feitas escravas. A escravidão em Roma seguia seu curso de coisa normal a
ser aceita. Nas palavras de Wengst:

        O sistema de escravatura e a escravatura como sistema, escravatura elevada
        à potência como acontecimento natural – este cinismo dos dominadores
        torna claro que a liberdade da paz romana é, em primeira linha, liberdade
        romana [...] A liberdade romana e a paz baseada no poder das armas são,

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.     123
na realidade, dois lados da mesma medalha. A partir de Roma, do centro,
      podia-se falar sobre ‘paz e liberdade’ de modo diferente do que na provín-
      cia [...] (WENGST, 1991, p. 40).

        Sendo assim, após os dados supracitados, pode-se concluir que, pri-
meiramente, a pax romana visava tão somente os interesses egoístas do
Império Romano. Sua generosidade estava escancarada aos poderosos de
Roma, mas relativamente aberta aos estrangeiros na medida em que o im-
pério pudesse obter algum lucro nesta relação.
        Em segundo lugar, os pobres, os escravos, as crianças, a mulheres
etc., não eram contemplados como prioridade na pax romana. Crianças
eram vendidas como escravas, mulheres eram violentadas, os pobres ainda
mais eram explorados. O sistema injusto de Roma não oferecia às pesso-
as dos estrados mais baixos da sociedade possibilidades de crescimento.
Havia, sim, um esquema de achatamento e exploração social das camadas
mais pobres do Império.
        Em terceiro lugar, as relações de gênero na pax alargavam as assime-
trias e fomentavam um clima de desvalorização e exploração da mulher.
Como já foi exposto acima, em tempos de pax romana, muitas mulheres
foram violadas, humilhadas e mortas. Não se encontrava nestas a digni-
dade de um ser humano no mesmo pé de igualdade com homem. A pax,
além de ser para os romanos, era também para os homens.
        Por fim, os poderosos de Roma utilizavam a pax como meio ideo-
lógico para legitimar as atrocidades que eram praticadas. Todas as ações
se tornavam legítimas em nome da boa ordem e funcionalidade do Im-
pério. Neste esquema de poder, portanto, aqueles que procuravam de-
nunciar as injustiças tinham a voz silenciada e, geralmente, a via para
isto era a morte.

A EIRENE DO CRISTO

Roma na Palestina

        O tempo do ministério público de Jesus coincide exatamente com
este período histórico no qual Roma tem sobre seu domínio a Palestina.
Segundo Daniel-Rops (1991, p. 44,45) a presença dos romanos em solo
judaico deu-se em tempos de grande crise política entre os filhos de Ale-
xandra, Hircano II e Aristóbolo, que fomentavam um clima de guerra
civil, para a qual se tornava premente um árbitro.

124            FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
Em 65 a.C., Pompeu, apoiando Hircano, entrou em Jerusalém para
tratar com Aristóbolo. Assim os romanos se fixaram Palestina como paci-
ficadores para, por fim, no ano 70 d.C., destruírem Jerusalém e o templo
através de Tito (TOGNINI, 1980).
        Durante este período, as relações com os judeus nem sempre foram
favoráveis. O sistema de impostos e altas taxas, somado ao fato de se estar
sob o domínio de gentios8, a violência com a qual o exército romano es-
tabelecia a paz na Palestina e as mais diversas expropriações que levavam à
penúria e exploração sociais, criavam um sentimento de completa ojeriza e
revolta por parte de muitos judeus. De fato, a paz do mundo romano não
era oferecida e nem estava à disposição de todas as pessoas. Os dominados
estavam alheios aos benefícios e glórias desta paz.
        Uma descrição deste quadro, que tem seu início com Pompeu, é
apresentado por Stegemann e Stegemann (2004, p. 134) nos seguintes
termos:

        Na metade do século 1 a.C., Pompeu a seu legado Gabínio modificaram
        essa situação de forma radical, isto é, eles restabeleceram as condições vi-
        gentes no período de supremacia helenista. Com a separação da região
        costeira e das cidades transjordânicas do território do Estado judaico,
        muitos pequenos agricultores judaicos perderam a base da sua existência
        e foram expulsos para o que restou do Estado. Ademais, a perda das éreas
        mais intensamente urbanizadas levou a uma limitação do comércio, o que
        acarretou uma pressão adicional sobre a agricultura. Provavelmente apenas
        Jope continuou a ser uma cidade portuária com uma população judaica
        numerosa. Mas, sobretudo, a obrigação tributária da Judéia teve conse-
        quência consideráveis para a população. Herodes, o Grande, assumiu, de
        certa forma, a sucessão dos regentes helenistas; por um lado, recolheu altos
        tributos e, por outro lado, confiscou enormes áreas de terra na esteira da
        eliminação do estrato superior tradicional. Quer ele tenha explorado essas
        áreas como domínios reais ou legado aos seus favorecidos, em todo caso o
        solo era, cada vez mais, cultivado para arrendatários, diaristas e escravos.
        Neste processo, uma parte considerável da terra acabou na mão de não-
        judeus, ao passo que aumentava o número de arrendatários judaicos, o que
        naturalmente fez crescer o potencial de conflito social.

       Nesta conjuntura de exploração, era inevitável uma insatisfação que
viesse a aglutinar pessoas em torno de um ideal de libertação e partilha
igualitária, e de uma paz fora dos guetos do poder imperial. Os zelotes9,

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.     125
assim, foram aqueles que encarnaram esta utopia judaica. Esta seita e par-
tido político judaico agregava em torno de si uma ala radical de judeus que
declaravam que tão somente YHWH teria o direito de reinar sobre Israel
e, portanto, opunham-se ferozmente à dominação romana (TOGNINI,
1980, p. 141).
       No tempo em que os romanos introduziram o culto ao imperador
na Judéia, houve uma revolta entre os judeus, mas que veio a ser abafada
pelo exército romano. Contudo, os zelotes permaneceram em oposição
contínua à Roma afirmando que somente um descendente legítimo da casa
de Davi teria o direito de governo sobre o povo judeu.
       Além desta questão religiosa, os zelotes também se mostravam ra-
dicalmente contrários ao pagamento dos tributos10 impostos pelo Império
Romano, visto que isto era considerado, por eles, uma afronta ao verda-
deiro rei de Israel, YHWH. De fato, nenhum rei pagão tinha o direito
de exigir para si aquilo que simbolizava a gratidão de Israel para o com a
providência de seu Deus.
       No Novo Testamento há registro que um dos apóstolos é denomi-
nado de “Simão, o chamado zelote” (Lc 6,15). Entretanto, tal designação
pode ter sido escrita não necessariamente para designar a anterior posição
política do referido apóstolo, mas sim sua postura ligada ao seu tempera-
mento forte.
       Seja como for, o certo é que o grupo dos zelotes, enquanto pessoas
contrárias ao poder de mando de Roma sobre os judeus e articuladas para
empreender ações de guerrilha e morte contra os soldados romanos, é mui-
to bem documentado. Nas palavras de Daniel-Rops (1991, p. 56):

      Pouco antes do nascimento de Cristo, um partido extremista emergia
      do grupo fariseu: eram os chamados zelotes, termo claramente derivado
      de zelo, ou antes de zelos, no grego original. Do ponto de vista reli-
      gioso, eles não diferiam em nada dos fariseus; a despeito do que afirma
      Josefo, que eles se afastaram para formar uma “quarta tendência”, mas
      constituíam o que pode ser chamado de ala militante do farisaísmo: “não
      reconheciam senhor algum senão Deus, e estavam dispostos a sofrer os
      mais penosos tormentos em lugar de aceitar a autoridade humana” [...]
      Não mais podendo incitar abertamente grande número para um motim,
      eles se voltaram para o terrorismo [...] instigaram as paixões do povo
      judeu e provocaram aqueles levantes e revoltas que se repetiam como
      tanta frequência e mostraram tão inúteis até terminarem na catástrofe
      do ano 70.

126            FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
Esta oposição frontal ao império romano não evidenciava o descon-
tentamento de uma pequena parte da população judaica. Ao contrário dos
herodianos,11 que davam relativo apoio ao governo imperial, a maioria da
população judaica vivia em grandes dificuldades e sentia na pele as duras
consequências da dominação romana.
        Muitas famílias que haviam perdido suas terras passaram a um sis-
tema de pobreza, dívidas e escravidão compulsória. Outras, pelo acúmulo
e elevados tributos, passaram a sobreviver com muitos poucos recursos.
        Segundo Reimer, o sistema da “pax romana” dominou sobre tudo
e sobre todas as pessoas dos povos conquistados. E foi neste mundo de
subjugação e dominação que os cristianismos originários obtiveram as pri-
meiras experiências de fé narradas no Novo Testamento (REIMER, 2006,
p. 73).
        Sendo assim, a vida para os judeus e cristãos do primeiro século foi
marcada por grandes necessidades, e os escritos neotestamentários deixam
às claras essa esmagadora realidade. Nos evangelhos, não são poucos os
personagens que saem do anonimato das estreitas e escuras ruas de Jericó,
Jerusalém etc., e que são postos à plena luz do dia a fim que de seus dramas,
dores e meios de exploração sejam evidenciados e denunciados.
        Os cegos (Jo 9;1-12), os leprosos (Lc 5;12-16), as crianças (Mt
9;23-26), as mulheres (Mt 15;21-28), os paralíticos (Jo 5;1-18), os es-
cravos (Mt 8;5-13), têm suas histórias contadas em letras garrafais. Pelos
escritos neotestamentários é possível visualizá-los pelas penas daqueles que
compartilhavam as mesmas dores, perseguições e sofrimentos.
        O Cristo, narrado pelos escritores do Novo Testamento, é posto
como aquele que queda-se para dar a devida atenção às pessoas que seriam
apenas mais uma na multidão e que, muito provavelmente, continuariam
no anonimato pelo sistema do mundo.
        Sendo assim, a antítese ao sistema descomunal e esmagador do
mundo – cuja paz era oferecida aos vencedores e amigos do império – era
o Cristo apresentado nos Evangelhos. Sua história é contada em paralelo
com os dramas mais diversos e a pax romana tem seu submundo revelado
na medida em que as histórias de vidas são contadas com todas as suas
cores.
        Lázaro é apresentado como sendo um mendigo, coberto de chagas,
que jazia à porta da casa de um certo rico, que deseja alimentar-se das mi-
galhas que caíam da mesa deste homem abastado, e que tinha suas feridas
lambidas por cães (Lc 16;20-21); as multidões são descritas como indo a
Cristo devido o milagre da multiplicação dos pães; o templo é apresentado

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.   127
como mais um lugar onde ocorria a exploração financeira – a exemplo
daquela que era realizada pelo Império Romano – e onde os pobres eram
impossibilitados de cultuar a YHWH (Lc 2;13-16).
        Todas estas histórias, e outras aqui não nomeadas, apresentam Cris-
to com uma nova proposta de paz. Sua personalidade austera – para de-
nunciar os abusos do poder dos doutores da lei (Lc 11;45-52), as hipocrisia
dos fariseus (Lc 11;37-44) e as astúcias maquiavélicas das autoridades ro-
manas – coloca-o como um personagem histórico que está diametralmente
oposto à história imperial; e denuncia que a eirene do Cristo não é a pax
romana. Ambas são substancialmente diferentes e existencialmente con-
trárias.

A Eirene do Cristo

      Enquanto o termo pax seja latino, eirene é um vocábulo grego. Beck
e Brown (apud COEMEN; BROWN, 2000, v. 2, p. 1592), sobre este
vocábulo, escrevem que,

      Em Platão e Epicteto, eirene também pode denotar “conduta pacífica”, em-
      bora a índole pacífica para com os outros geralmente se expresse por philia
      (amor, amizade) ou homonoia (“unidade”, “concórdia”); e uma disposição
      mental pacífica seja galene (calma) [...] Os compostos eirenopoieo “fazer a
      paz” (a partir da LXX) em diante e eirenopoios, “pacificador”, quando se
      chamam no Gr. Profano, podem muito infrequentemente ter sentido de
      “pacificação política” pela força das armas (e.g. pelo imperador romano)
      (cf. Lat. Pacare, “pacificar”, “subjugar”).

       Com base nestas informações torna-se claro que o termo eirene deve
ser visto sob a perspectiva de uma tradição greco-judaica. Pela tradição
grega, tal palavra compunha aquele mundo de vocábulos, fluentemente
usados por seus escritores e poetas, que descreviam a situação contrária à
guerra, ou o estado decorrente da extinção de guerra.
       Ligado ao judaísmo, é digno de nota que o vocábulo eirene – antes
mesmo do escritor do Evangelho segundo João ter feito uso dele – já havia
sido usado pelos tradutores da Septuaginta12 para traduzir quase que inva-
riavelmente a palavra shalom, do hebraico.
       Entretanto, a dualidade do vocábulo paz – nas ações administra-
tivas e bélicas do Império Romano – mostra-se evidente na medida em
que as palavras cognatas à eirene (eirenopoieo e eirenopoios) tanto falam de

128            FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
uma “conduta pacífica” como também daquela “paz” que era mediada pela
força bruta.
        Sua presença nos escritos neotestamentários chega à somatória de
91 vezes, sendo que destas, 24 citações estão nos evangelhos, e, dentre
estas, uma se destaca visto que apresenta Jesus como sendo o doador da
paz (eirene): “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a
dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.” (Jo 14;27)
        Estas palavras postas nos lábios de Jesus pelo escritor do Evangelho
de João foi algo significativo para aquela geração de cristãos que estava fami-
liarizada com a idéia de uma paz que era oferecida pelo Império Romano.
        Entretanto, a eirene do mestre Galileu, no texto supracitado, foi
posta em oposição com a paz do “mundo”.13 Ele oferece uma outra paz,
e, por esta nova dádiva os corações de seus discípulos poderiam deixar de
viver atemorizados. Diante disto, uma pergunta se levanta: que paz é esta
que Jesus oferece através do escritor do Evangelho de João e qual a sua
relação com os seus primeiros leitores?
        Primeiramente era uma paz que era oferecida generosamente aos
estrangeiros, contrapondo-se à pax romana que efetivamente beneficiava,
predominantemente, os cidadãos romanos. E os exemplos disto nós os
encontramos nas narrativas dos evangelhos, nas quais Jesus é posto em
diálogos com a mulher samaritana (Jo 4;1-42), com a mulher sirofenícia
(Mc 7;24-30), indo à Galiléia dos gentios anunciar o reino de Deus (Lc
4;14-15) etc.
        Essa largueza da paz, oferecida por Cristo, não somente contrapu-
nha-se à pax romana exclusivista, mas também destoava daquela postura,
muito freqüente entre os fariseus, na qual estes se mostravam avessos a
todo e qualquer tipo de relação ou proximidade com pessoas de outras
etnias.
        Em segundo lugar, as pessoas dos estrados mais baixos da sociedade
poderiam usufruir desta paz. Ela não estava agrilhoada às relações de poder
de mando, de posses financeiras ou então de status social. Na verdade, o
Novo Testamento registra certos indivíduos abastados indo a Jesus, entre-
tanto, a grande massa que ía ao seu encontro e que recebia um convite para
desfrutar de sua paz eram pessoas simples, humildes, escravos, doentes,
mulheres etc.
        Exemplos desta relação graciosa com as pessoas, não visibilizadas
e desvalorizadas pela sociedade, nós os encontramos na história de láza-
ro (o mendigo que era lambido por cães), dos dez leprosos (que viviam
em penúria e excluídos da sociedade por serem considerados impuros),

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.   129
das crianças, as quais foram, a princípio, impedidas de se aproximarem de
Cristo etc.
        Tais registros no Novo Testamento apontam enfaticamente para a
tese, que para a igreja cristã primitiva a paz do Cristo era a paz que alcan-
çava a todas as classes sociais, mas, especialmente, os expropriados dos bens
e posições sociais, pela violência e ganância do poder imperial.
        Em terceiro lugar, era uma paz que quebrava as relações díspares de
gênero. O sistema pater famílias,14 no qual o Império Romano tinha seu
sustentáculo, na macro estrutura política e no micro universo do lar roma-
no,15 fazia clara distinção entre os gêneros. Os homens detinham todo o
poder de mando e posses, e até mesmo as mulheres romanas não poderiam
ser proprietárias ou herdeiras.
        No contrafluxo dos valores romanos, o Cristo da literatura neotes-
tamentária é apresentado em relações de diálogo e proximidade com mu-
lheres, a tal ponto que, até mesmo uma de suas interlocutoras questiona tal
postura (Jo 5;9). Em sua célebre conversa com a mulher samaritana, Jesus
lhe oferece, em uma linguagem diferente, a sua paz.
        Outro exemplo é a mulher pega em adultério (Jo 8;1-11). Nesta
perícope o Cristo é apresentado como defensor de uma “mulher” e ainda
mais “adúltera”. Seus acusadores, todos do sexo masculino, são postos em
grande constrangimento na medida em que o Cristo questiona qual deles
não teria nenhum pecado, e afirma a dignidade da mulher em si mesma.
        Aqueles homens queriam fazer prevalecer o direito deles por ape-
drejar tal mulher; entretanto, rejeitavam inconscientemente a idéia que
eles estavam, de fato, no mesmo pé de igualdade com aquela “adúltera”.
A pergunta de Jesus nivela homens e mulheres e convoca a todos ao arre-
pendimento. Aqui, neste texto, homens e mulheres sãos posto lado a lado.
        Por fim, era uma paz que denunciava a falsa paz do mundo. Jesus
disse “não vo-la dou como a dá o mundo”. Nestas palavras há o ensino
claro que o mundo romano oferecia uma paz, entretanto ela era “romana”
e comprometida não com as pessoas mas sim com a estrutura imperial.
“Não como a dá o mundo” quer dizer, portanto, sem as suas assimetrias,
explorações, mortes, diferenças, injustiças etc.
        De fato, a eirene do Cristo tinha uma proposta diferente da pax
romana. Seus princípios de generosidade aos estrangeiros, a valorização
das pessoas dos estrados mais baixos da sociedade, a quebra das relações
díspares de gênero, e a voz de denúncia aos sistemas injustos, comprovam
que a eirene do Cristo, para os cristãos primitivos, era substancialmente
diferente da pax oferecida pelo Império Romano.

130            FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
CONCLUSÃO

        Após análise dos elementos presentes da pax romana e na eirene do
Cristo, pode-se concluir que elas foram realidades históricas que – embora
co-existirem no mesmo espaço de tempo – detinham modos diferentes de
ver o ser humano e suas relações.
       De um lado, os sujeitos sociais eram vistos como coisas a serem
usadas ao bel prazer das forças imperiais para se alcançar a pax; e, do outro
lado, eles eram contemplados como local existencial onde a eirene poderia
habitar.
       Na primeira realidade histórica, a pax era um alvo a ser alcançado
para o bem do império e de uma classe seleta de pessoas; na segunda, a
eirene visava o indivíduo e suas necessidades particulares em comunidade.
       Sendo assim, a paz oferecida pelo Cristo torna-se pertinente aos
nossos dias, na medida em que afirma que as estruturas sociais só são está-
veis e permanentes, pela via da valorização do outro e através de relações
mediadas pela busca do bem comum e pelo interesse de minimizar as assi-
metrias sociais e todo e qualquer sistema de exploração e dominação.

THE PAX ROMANA AND THE CHRIST OF EIRENE

Abstract: the Pax Romana was a period of time and an ideological concept
that the Roman Empire massified in order to justify many of their violent prac-
tices, discriminatory and unfair in the establishment and strengthening of the
imperial structure. In this counterflowing action of Rome, Jesus, called Christ,
offers to his followers a peace that the Roman world could not give. The present
article aims to introduce the concepts present in this diverse Peace of Christ in
position against the Pax Romana

Keywords: Pax Romana. Eirene. Peace.

Notas
 1 Segundo Funari (2003, p. 49) foi a chegada dos etruscos no norte da península
   itálica que muito contribui para formação do povo romano. Deste povo, em
   seu nascedouro, Roma assimilou suas instituições e formas de governo.
 2 Segundo Champlin (2001, V. 6, p.152), originalmente o senado era formado
   por 100 membros. Contudo, tal estrutura política chegou a alcançar o
   montante de 300. E, em um determinado período, a plebe chegou a participar
   do Senado.


FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.   131
3 Termo latino que significa “paz”.
 4 Ora, a própria palestina viu-se sob o domínio dos assírios, babilônicos, medo-
   persas e gregos. Além do que, as cidades-estado gregas entrevam em guerras
   entre si.
 5 As legiões eram um agrupamento do exército romano composto de 6000
   soldados, 120 cavaleiros, mais as esquadras e as tropas especiais (BORN, 1971,
   p. 878).
 6 Wengst (1991, p. 63) afirma que a urbanização da população nas províncias
   bárbaras foi uma ação consciente dos imperadores romanos com vistas à
   pacificação do império.
 7 O deus Marte era considerado, na religião romana, o deus da guerra
   (CHAMPLIN, 2001, V. 4, p. 144). Sua postura diante da guerra destoava da
   de sua irmã Minerva que defendia a necessidade da justiça e da diplomacia nas
   guerras. A referência ao Campo de Marte mostra a estreita relação paradoxal
   existente entre a paz e a guerra no modo romano de administrar o império.
 8 Designação judaica para aqueles que não eram judeus.
 9 O nome zelote vem do grego zelos (“zelo”, “ardor”). Tal vocábulo indicava
   aquelas pessoas que estavam muito comprometidas com Deus e suas causas.
10 Outras três questões relacionadas aos impostos podem ser aqui mencionadas:
   a) O sistema de arrecadação por meio dos “publicanos”, os quais eram
   considerados como traidores da nação e gente dada ao enriquecimento ilícito
   devido a cobrança de recursos a mais do que era estabelecido; b) O envio, de
   tudo que era arredado, para fiscus, ou seja, o tesouro imperial; c) a dupla carga
   tributária imposto sobre os judeus que, além dos impostos imperiais, tinham
   que contribuir com o templo e sacerdotes (DANIEL-ROPS, 1991, p. 54,55)
11 No Novo Testamento (Lc 22;15-21) os herodianos aparecem pondo Jesus
   à prova quanto se se deveria ou não pagar tributo a César. Pelo contexto da
   referência citada, pode-se concluir que os herodianos, por alguns motivos,
   aprovavam o pagamento dos tributos imperiais. Segundo J.W. Meiklejohn,
   os herodianos parecem formar um partido judaico que favorecia a dinastia
   herodiana (DOUGLAS, 1990, p. 712). Sobre os herodianos ver também
   Tognini (1980, p. 140) e Davis (1996, p. 627).
12 A Septuaginta, também denominada de LXX, foi a tradução do Antigo
   Testamento para a língua grega, realizada em Alexandria por diversos tradutores
   para os judeus da diáspora. Sua datação de início está por volta do ano 250
   a.C. e o término no ano 150 a.C. (BORN, 1971, p. 1428)
13 Neste texto, o vocábulo “mundo”, do grego kosmos, provavelmente pode
   indicar a estrutura do império romano com sua injusta e excludente pax
   romana.
14 Nesse sistema o homem tinha plenos poderes de governo, posse e administração


132              FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
de todos os bens e pessoas de um dado lar romano. Ver também Batista (2003).
15 Reimer (2006, p. 74) afirma que o patriarcado foi um sistema vigente em
   todas as sociedades do Mar Mediterrâneo; e que ele tanto norteava a estruturas
   familiares como também aquelas ligadas à vida política e social.

Referências

BATISTA, Jôer Corrêa. A relação homem e mulher na igreja cristã em Corinto: uma
abordagem de gênero. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifí-
cia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2003.
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
BORN. A. Van Den et al. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Petrópolis:
Vozes, 1971.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia teologia e filosofia. São Paulo: Hagnos, 2001.
COENEN, Lothar; BROWN, Colin (orgs.). Dicionário internacional de teologia
do novo testamento. Tradução de Gordon Chown. 2. ed. São Paulo: Vida Nova,
2000. V.II.
DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova,
1991.
DAVIS. John D. Dicionário da bíblia. Tradução de J. R. Carvalho Braga. Rio de
Janeiro: CANDEIA; JUERP, 1996.
DICIONÁRIO DA BÍBLIA. 21 ed. Rio de Janeiro: Candeia; JUERP, 2000.
DOUGLAS, J. D. (Org.). O Novo dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1990.
FUNARI, Pedro Paulo. In. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.)
História da cidadania.. São Paulo: Contexto. 2003, p. 49-79.
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W., Léxico do N.T. Grego/Portu-
guês. São Paulo: Vida Nova, 1993.
LÉXICO DO N.T. GREGO/PORTUGUÊS. São Paulo: Vida Nova, 1993.
LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo Testamento. Tradução de Hans Jorg
Witter. São Paulo: Paulinas, 2000.
NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR. Barueiri- São Paulo: Sociedade Bíbli-
ca do Brasil, 2004.
REIMER, Ivone Richter (Org.). Economia no mundo bíblico: Enfoques sociais,
históricos e teológicos. São Leopoldo: CEBI/Sinodal, 2006.
STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História social do pro-
tocristianismo. Tradução de Nélio Schneider. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo:
Paulus, 2004.


FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.      133
TOGNINI, Enéas. O período interbíblico. São Paulo: Louvores do Coração Ltda,
1980.
WENGST, Klaus. Pax romana: pretensão e realidade: experiências e percepções da
paz em Jesus e no cristianismo primitivo. Tradução de António M. da Torre. São
Paulo: Edições Paulinas, 1991.

* Recebido em: 11.11.2010.
  Aprovado em: 15.12.2010.

** Mestrando em Ciências da Religião na PUC-GO. Licenciado em peda-
   gogia (UVA-CE), complementação pedagógica em história (UVA-CE).
   Bacharel em teologia (FACETEN-RO).




134             FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.

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A pax romana e a eirene do Cristo

  • 1. PAX ROMANA E A EIRENE DO CRISTO* Israel Serique** Resumo: a pax romana foi um período de tempo e um conceito ideológico que o Império Romano massificou com vistas a justificar muitas de suas práticas violentas, discriminatórias e injustas no esta- belecimento e fortalecimento da estrutura imperial. No contrafluxo desta ação de Roma, Jesus, o chamado Cristo, oferece aos seus seguidores uma paz que o mundo romano não poderia dar. O presente artigo tem como finalidade apresentar os conceitos díspares presentes nesta paz do Cristo em contraposição à pax romana. Palavras-chave: Pax Romana. Eirene. Paz. A PAX ROMANA As Origens Remotas do Império Romano F alar sobre o grande Império Romano é relembrar como a história hu- mana nos apresenta exemplos que nos mostram até que ponto um povo simples pode ir em seus ideais de conquistas e expansão territorial. Sua origem aponta para os três povos dos quais este grande império resul- tou, ou seja, italiotas, etruscos1 e dos gregos, que habitaram na península itálica. Nesta região, estes povos, a princípio, desenvolveram atividades econômicas voltadas para o cuidado de rebanhos e agricultura. De sua estrutura política, sabe-se que a monarquia era a forma pela qual esta região era governada, tendo como estrutura orgânica uma FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 119
  • 2. sociedade formada pela classe dos patrícios e plebeus. A primeira classe, composta pelas famílias detentoras das posses das terras, e, a segunda, de pequenos proprietários, comerciantes, artesãos e outras atividades. Em um segundo momento de sua história, que podemos aqui cha- mar de período republicano, Roma viu o Senado alcançar grande influência e poder político. Neste período, o Senado, composto por pessoas oriundas da classe dos patrícios, exercia os cargos relacionados à administração das causas e coisas públicas (entre elas as finanças) e da política externa.2 Sua expansão territorial deu-se, em linha gerais, primeiramente, com a dominação da península itálica. Já no século III a.C., através da liderança do general Aníbal, os romanos vieram a dominar os cartaginen- ses e alcançar importante posição no mundo antigo, visto que esta vitória possibilitou sua hegemonia sobre o Mar Mediterrâneo e regiões vizinhas. Tendo dominado Cartago, o império Romano seguiu o seu pla- no de expansão conquistando respectivamente a Grécia, o Egito, a Síria, a Palestina etc. Esta caminhada expansionista impôs, sobre o mais novo Império, grandes desafios administrativos nas causas públicas internas e externas; além do que, também, fomentou um grande fluxo de comércio entre as cidades romanas e entre o Oriente e o Ocidente. Neste período histórico, no qual o Império Romano esteve na hege- monia, um elemento de fundamental importância para a manutenção do seu poderio foi a tão conhecida “pax3 romana”. Esta expressão é designada para indicar o período compreendido, relativamente, entre o reinado de Augusto César, no ano de 29 a. C. – quando este decretou o fim do ambiente de guerra civil – e estendeu-se até o ano de 180 com a morte do imperador Marco Aurélio. Entretanto, a pax romana deve ser considerada muito mais do que um mero período histórico. Existem nesta expressão, primeiramente, ações políticas e militares que procuraram garantir uma relativa estabilidade nes- te tão extenso Império; e, em segundo lugar, há um forte teor ideológico que procurava mascarar o sistema de perseguição, exploração, morte e as- simetrias existentes no Império. Entender esta assertiva requer do pesquisador uma análise do con- texto histórico no qual o Império Romano se construiu. Em primeiro lugar, é preciso que se lembre que o Império Romano se estendeu por uma vasta região, que historicamente tinha uma tradição de guerras en- tre povos vizinhos e dominação de outros grandes impérios.4 Aliás, sua própria ascendência no quadro político daquela região se deu através de muitas guerras. 120 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
  • 3. Outra questão é que os povos conquistados possuíam línguas, va- lores e culturas muito diferentes. Estes elementos, somados ao fato de es- tarem sob julgo de outro povo, tornava o Império Romano um caldeirão fervendo de possibilidades mil de tensões, revoltas e sublevações. Tal con- texto histórico beligerante, tornava premente ações que deveriam ir além da romanização destes povos. Era preciso estabelecer meios conducentes à tranqüilidade, segurança, ordem e paz por todo o território imperial. O estratagema romano para este fim deu-se por várias vias. A pri- meira que podemos citar é que, na medida em que os exércitos avançavam, havia a transmissão dos elementos culturais ligados à língua, valores, re- ligião etc., de Roma. Em segundo lugar, a estrutura econômica, social e política, advindas com a presença das legiões,5 que se fixavam em determi- nadas cidades e davam o ar do modo de ser e viver romano, fomentavam o desenvolvimento da economia local e outros valores que contribuíam para que houvesse uma relativa aceitação da soberania romana ou, pelo menos, os benefícios de seu governo. Por fim, a presença física do exército impunha, às regiões sobre seus auspícios, o clima de segurança, estabilidade e paz, diante das sempre eminentes possibilidades de revoltas ou invasões dos povos fronteiriços ao Império. Sob este clima de paz, o Império Romano estabeleceu sua hegemo- nia política, administrativa, fiscal e judicial, fixando-se sobre aquele exten- so território conquistado6. De fato, não há que se duvidar que as legiões e as outras estruturas do exército romano muito contribuíram para criar uma conjuntura favorável ao desenvolvimento material das regiões con- quistadas, a difusão da civilização romana e o clima de estabilidade e paz. A Pax Romana Como já foi exposto acima, a pax foi um dos meios que o Império Romano lançou mão para assegurar sua hegemonia e justificar sua posição de mando no tempo antigo. Entretanto, como esta paz foi construída? A que preço ela foi estabelecida? Quais os personagens históricos que, de fato, usufruíram de todas as suas benesses? E quais os estrados da so- ciedade que ficaram à margem deste sistema ou foram completamente excluídos deste? As respostas para estas indagações se constroem na análise dos fatos históricos concernentes a este período do império romano, e tomando-se como elementos de análise – dentro daquilo que é passível de averiguação FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 121
  • 4. – todas as vozes dos sujeitos históricos envolvidos, visto que, em todos os fatos sociais, as vozes sempre são dissonantes, pois sempre existem discre- pâncias nas narrativas, em paralelo, dos vencedores e dos vencidos. Como afirma Wengst (1991, p. 19): O olhar “a partir de cima” sobre o brilho de Roma não faz perceber toda a realidade. Ele apresenta contexto de sentido contradito pelas vítimas. Seria importante inverter a perspectiva numa percepção “a partir de baixo”, para que a realidade experimentada como sofrimento não seja entregue ao es- quecimento através de glorificação e para que os vencedores da história não triunfem novamente sobre suas vítimas da descrição da História. Sendo assim, portanto, como era a pax oferecida por Roma e a que custo ela foi estabelecida? Sob a perspectiva dos interesses imperiais, a pax era a forma admi- nistrativa pela qual Roma viabilizava a sua unidade territorial e política. O fim primeiro dela era o bem estar dos dominantes e a manutenção de toda a estrutura de poder implementada pelos romanos. Neste sentido, a pax era dos romanos e para estes. Segundo Wengst (1991, p. 19), A Pax Romana está, de acordo com isto, indissoluvelmente ligada ao Im- pério Romano, ao poder de comando a partir de Roma. Com isto torna-se claro, já a partir dos conceitos, que é uma paz determinada “de cima”, estabelecida pelo centro do poder. E, tomando-se isto como fato, o uso da espada, da violência e de tantas outras atrocidades contra gênero humano, foram facilmente justifi- cadas sob a sentença que a paz estava sendo construída. Aliás, certamente não foi por acaso que, na primeira vez que a Pax Romana foi mencionada, a pessoa do imperador foi colocada como sendo o chefe do exército e que o altar da paz de Augusto foi um altar para holocausto, no Campo de Marte7 (WENGST, 1991, p. 21). Estes dois contundentes símbolos imperiais (a pessoa do imperador e a religião) reforçavam que a estabilidade no Império era o bem maior que se poderia almejar. Por isso, tanto o poder político (representante dos deuses na terra) como o poder religioso (o próprio deus Marte) estavam unidos nesta mesma “guerra” por estabelecer a paz. Tal assertiva equivalia dizer que, se o próprio deus Marte estava en- volvido nesta empreitada, então, os que se opunham a ele deveriam sofrer 122 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
  • 5. as conseqüências de suas ações por meio dos seus braços históricos que eram as legiões romanas. Uma boa ilustração sobre o que foi isto, nós a encontramos na citação que Reimer faz de Tácito: [...] mais perigosos do que todos são os romanos [...] Esses ladrões do mundo, depois de não mais existir nenhum país para ser devastado por eles, revolvem até o próprio mar [...] Saquear, matar, roubar – isto é o que os romanos falsamente chamam de domínio, e ali onde, através de guerra, criam um deserto, isto eles chamam de paz [...] As casas são transformadas em ruínas, os jovens são recrutados para a construção de estradas. Mulhe- res, quando conseguem escapar das mãos dos inimigos, são violentadas por aqueles que se dizem amigos e hóspedes. Bens e propriedades trans- formam-se em impostos; a colheita anual dos campos torna-se tributo em forma de cereais; sob espancamentos e insultos, nossos corpos e mãos são massacrados na construção de estradas através de florestas e pântanos [...] (TÁCITO apud REIMER, 2006, p. 74-5). Aqui, portanto, não apenas legitimam-se as ações brutais mas, tam- bém, fomenta-se um quadro de completa indiferença para com os sofri- mentos daqueles que eram alvejados pelos soldados romanos, visto que esses, merecidamente, estariam recebendo o castigo por tentarem colocar em perigo a paz imperial. Sendo assim, portanto, embora desejada e louvada por aqueles que estavam no poder, a pax oferecida, dominava, afligia e matava uma parte considerável da população do Império, ou seja, os escravos, as mulheres, os estrangeiros etc. Nesse sentido, então, é de suma importância que se analise a pax romana sob a perspectiva daqueles que serviram de estrados para os pés desta conjuntura política, econômica, cultural e bélica, uma vez que, por detrás da gloriosa civilização romana e suas conquistas, existiu uma multidão de vítimas do sistema imperial que não podem ser ignoradas e silenciadas (WENGST, 1991, p. 19). E das muitas guerras que se avolumavam não poucas pessoas eram feitas escravas. A escravidão em Roma seguia seu curso de coisa normal a ser aceita. Nas palavras de Wengst: O sistema de escravatura e a escravatura como sistema, escravatura elevada à potência como acontecimento natural – este cinismo dos dominadores torna claro que a liberdade da paz romana é, em primeira linha, liberdade romana [...] A liberdade romana e a paz baseada no poder das armas são, FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 123
  • 6. na realidade, dois lados da mesma medalha. A partir de Roma, do centro, podia-se falar sobre ‘paz e liberdade’ de modo diferente do que na provín- cia [...] (WENGST, 1991, p. 40). Sendo assim, após os dados supracitados, pode-se concluir que, pri- meiramente, a pax romana visava tão somente os interesses egoístas do Império Romano. Sua generosidade estava escancarada aos poderosos de Roma, mas relativamente aberta aos estrangeiros na medida em que o im- pério pudesse obter algum lucro nesta relação. Em segundo lugar, os pobres, os escravos, as crianças, a mulheres etc., não eram contemplados como prioridade na pax romana. Crianças eram vendidas como escravas, mulheres eram violentadas, os pobres ainda mais eram explorados. O sistema injusto de Roma não oferecia às pesso- as dos estrados mais baixos da sociedade possibilidades de crescimento. Havia, sim, um esquema de achatamento e exploração social das camadas mais pobres do Império. Em terceiro lugar, as relações de gênero na pax alargavam as assime- trias e fomentavam um clima de desvalorização e exploração da mulher. Como já foi exposto acima, em tempos de pax romana, muitas mulheres foram violadas, humilhadas e mortas. Não se encontrava nestas a digni- dade de um ser humano no mesmo pé de igualdade com homem. A pax, além de ser para os romanos, era também para os homens. Por fim, os poderosos de Roma utilizavam a pax como meio ideo- lógico para legitimar as atrocidades que eram praticadas. Todas as ações se tornavam legítimas em nome da boa ordem e funcionalidade do Im- pério. Neste esquema de poder, portanto, aqueles que procuravam de- nunciar as injustiças tinham a voz silenciada e, geralmente, a via para isto era a morte. A EIRENE DO CRISTO Roma na Palestina O tempo do ministério público de Jesus coincide exatamente com este período histórico no qual Roma tem sobre seu domínio a Palestina. Segundo Daniel-Rops (1991, p. 44,45) a presença dos romanos em solo judaico deu-se em tempos de grande crise política entre os filhos de Ale- xandra, Hircano II e Aristóbolo, que fomentavam um clima de guerra civil, para a qual se tornava premente um árbitro. 124 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
  • 7. Em 65 a.C., Pompeu, apoiando Hircano, entrou em Jerusalém para tratar com Aristóbolo. Assim os romanos se fixaram Palestina como paci- ficadores para, por fim, no ano 70 d.C., destruírem Jerusalém e o templo através de Tito (TOGNINI, 1980). Durante este período, as relações com os judeus nem sempre foram favoráveis. O sistema de impostos e altas taxas, somado ao fato de se estar sob o domínio de gentios8, a violência com a qual o exército romano es- tabelecia a paz na Palestina e as mais diversas expropriações que levavam à penúria e exploração sociais, criavam um sentimento de completa ojeriza e revolta por parte de muitos judeus. De fato, a paz do mundo romano não era oferecida e nem estava à disposição de todas as pessoas. Os dominados estavam alheios aos benefícios e glórias desta paz. Uma descrição deste quadro, que tem seu início com Pompeu, é apresentado por Stegemann e Stegemann (2004, p. 134) nos seguintes termos: Na metade do século 1 a.C., Pompeu a seu legado Gabínio modificaram essa situação de forma radical, isto é, eles restabeleceram as condições vi- gentes no período de supremacia helenista. Com a separação da região costeira e das cidades transjordânicas do território do Estado judaico, muitos pequenos agricultores judaicos perderam a base da sua existência e foram expulsos para o que restou do Estado. Ademais, a perda das éreas mais intensamente urbanizadas levou a uma limitação do comércio, o que acarretou uma pressão adicional sobre a agricultura. Provavelmente apenas Jope continuou a ser uma cidade portuária com uma população judaica numerosa. Mas, sobretudo, a obrigação tributária da Judéia teve conse- quência consideráveis para a população. Herodes, o Grande, assumiu, de certa forma, a sucessão dos regentes helenistas; por um lado, recolheu altos tributos e, por outro lado, confiscou enormes áreas de terra na esteira da eliminação do estrato superior tradicional. Quer ele tenha explorado essas áreas como domínios reais ou legado aos seus favorecidos, em todo caso o solo era, cada vez mais, cultivado para arrendatários, diaristas e escravos. Neste processo, uma parte considerável da terra acabou na mão de não- judeus, ao passo que aumentava o número de arrendatários judaicos, o que naturalmente fez crescer o potencial de conflito social. Nesta conjuntura de exploração, era inevitável uma insatisfação que viesse a aglutinar pessoas em torno de um ideal de libertação e partilha igualitária, e de uma paz fora dos guetos do poder imperial. Os zelotes9, FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 125
  • 8. assim, foram aqueles que encarnaram esta utopia judaica. Esta seita e par- tido político judaico agregava em torno de si uma ala radical de judeus que declaravam que tão somente YHWH teria o direito de reinar sobre Israel e, portanto, opunham-se ferozmente à dominação romana (TOGNINI, 1980, p. 141). No tempo em que os romanos introduziram o culto ao imperador na Judéia, houve uma revolta entre os judeus, mas que veio a ser abafada pelo exército romano. Contudo, os zelotes permaneceram em oposição contínua à Roma afirmando que somente um descendente legítimo da casa de Davi teria o direito de governo sobre o povo judeu. Além desta questão religiosa, os zelotes também se mostravam ra- dicalmente contrários ao pagamento dos tributos10 impostos pelo Império Romano, visto que isto era considerado, por eles, uma afronta ao verda- deiro rei de Israel, YHWH. De fato, nenhum rei pagão tinha o direito de exigir para si aquilo que simbolizava a gratidão de Israel para o com a providência de seu Deus. No Novo Testamento há registro que um dos apóstolos é denomi- nado de “Simão, o chamado zelote” (Lc 6,15). Entretanto, tal designação pode ter sido escrita não necessariamente para designar a anterior posição política do referido apóstolo, mas sim sua postura ligada ao seu tempera- mento forte. Seja como for, o certo é que o grupo dos zelotes, enquanto pessoas contrárias ao poder de mando de Roma sobre os judeus e articuladas para empreender ações de guerrilha e morte contra os soldados romanos, é mui- to bem documentado. Nas palavras de Daniel-Rops (1991, p. 56): Pouco antes do nascimento de Cristo, um partido extremista emergia do grupo fariseu: eram os chamados zelotes, termo claramente derivado de zelo, ou antes de zelos, no grego original. Do ponto de vista reli- gioso, eles não diferiam em nada dos fariseus; a despeito do que afirma Josefo, que eles se afastaram para formar uma “quarta tendência”, mas constituíam o que pode ser chamado de ala militante do farisaísmo: “não reconheciam senhor algum senão Deus, e estavam dispostos a sofrer os mais penosos tormentos em lugar de aceitar a autoridade humana” [...] Não mais podendo incitar abertamente grande número para um motim, eles se voltaram para o terrorismo [...] instigaram as paixões do povo judeu e provocaram aqueles levantes e revoltas que se repetiam como tanta frequência e mostraram tão inúteis até terminarem na catástrofe do ano 70. 126 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
  • 9. Esta oposição frontal ao império romano não evidenciava o descon- tentamento de uma pequena parte da população judaica. Ao contrário dos herodianos,11 que davam relativo apoio ao governo imperial, a maioria da população judaica vivia em grandes dificuldades e sentia na pele as duras consequências da dominação romana. Muitas famílias que haviam perdido suas terras passaram a um sis- tema de pobreza, dívidas e escravidão compulsória. Outras, pelo acúmulo e elevados tributos, passaram a sobreviver com muitos poucos recursos. Segundo Reimer, o sistema da “pax romana” dominou sobre tudo e sobre todas as pessoas dos povos conquistados. E foi neste mundo de subjugação e dominação que os cristianismos originários obtiveram as pri- meiras experiências de fé narradas no Novo Testamento (REIMER, 2006, p. 73). Sendo assim, a vida para os judeus e cristãos do primeiro século foi marcada por grandes necessidades, e os escritos neotestamentários deixam às claras essa esmagadora realidade. Nos evangelhos, não são poucos os personagens que saem do anonimato das estreitas e escuras ruas de Jericó, Jerusalém etc., e que são postos à plena luz do dia a fim que de seus dramas, dores e meios de exploração sejam evidenciados e denunciados. Os cegos (Jo 9;1-12), os leprosos (Lc 5;12-16), as crianças (Mt 9;23-26), as mulheres (Mt 15;21-28), os paralíticos (Jo 5;1-18), os es- cravos (Mt 8;5-13), têm suas histórias contadas em letras garrafais. Pelos escritos neotestamentários é possível visualizá-los pelas penas daqueles que compartilhavam as mesmas dores, perseguições e sofrimentos. O Cristo, narrado pelos escritores do Novo Testamento, é posto como aquele que queda-se para dar a devida atenção às pessoas que seriam apenas mais uma na multidão e que, muito provavelmente, continuariam no anonimato pelo sistema do mundo. Sendo assim, a antítese ao sistema descomunal e esmagador do mundo – cuja paz era oferecida aos vencedores e amigos do império – era o Cristo apresentado nos Evangelhos. Sua história é contada em paralelo com os dramas mais diversos e a pax romana tem seu submundo revelado na medida em que as histórias de vidas são contadas com todas as suas cores. Lázaro é apresentado como sendo um mendigo, coberto de chagas, que jazia à porta da casa de um certo rico, que deseja alimentar-se das mi- galhas que caíam da mesa deste homem abastado, e que tinha suas feridas lambidas por cães (Lc 16;20-21); as multidões são descritas como indo a Cristo devido o milagre da multiplicação dos pães; o templo é apresentado FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 127
  • 10. como mais um lugar onde ocorria a exploração financeira – a exemplo daquela que era realizada pelo Império Romano – e onde os pobres eram impossibilitados de cultuar a YHWH (Lc 2;13-16). Todas estas histórias, e outras aqui não nomeadas, apresentam Cris- to com uma nova proposta de paz. Sua personalidade austera – para de- nunciar os abusos do poder dos doutores da lei (Lc 11;45-52), as hipocrisia dos fariseus (Lc 11;37-44) e as astúcias maquiavélicas das autoridades ro- manas – coloca-o como um personagem histórico que está diametralmente oposto à história imperial; e denuncia que a eirene do Cristo não é a pax romana. Ambas são substancialmente diferentes e existencialmente con- trárias. A Eirene do Cristo Enquanto o termo pax seja latino, eirene é um vocábulo grego. Beck e Brown (apud COEMEN; BROWN, 2000, v. 2, p. 1592), sobre este vocábulo, escrevem que, Em Platão e Epicteto, eirene também pode denotar “conduta pacífica”, em- bora a índole pacífica para com os outros geralmente se expresse por philia (amor, amizade) ou homonoia (“unidade”, “concórdia”); e uma disposição mental pacífica seja galene (calma) [...] Os compostos eirenopoieo “fazer a paz” (a partir da LXX) em diante e eirenopoios, “pacificador”, quando se chamam no Gr. Profano, podem muito infrequentemente ter sentido de “pacificação política” pela força das armas (e.g. pelo imperador romano) (cf. Lat. Pacare, “pacificar”, “subjugar”). Com base nestas informações torna-se claro que o termo eirene deve ser visto sob a perspectiva de uma tradição greco-judaica. Pela tradição grega, tal palavra compunha aquele mundo de vocábulos, fluentemente usados por seus escritores e poetas, que descreviam a situação contrária à guerra, ou o estado decorrente da extinção de guerra. Ligado ao judaísmo, é digno de nota que o vocábulo eirene – antes mesmo do escritor do Evangelho segundo João ter feito uso dele – já havia sido usado pelos tradutores da Septuaginta12 para traduzir quase que inva- riavelmente a palavra shalom, do hebraico. Entretanto, a dualidade do vocábulo paz – nas ações administra- tivas e bélicas do Império Romano – mostra-se evidente na medida em que as palavras cognatas à eirene (eirenopoieo e eirenopoios) tanto falam de 128 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
  • 11. uma “conduta pacífica” como também daquela “paz” que era mediada pela força bruta. Sua presença nos escritos neotestamentários chega à somatória de 91 vezes, sendo que destas, 24 citações estão nos evangelhos, e, dentre estas, uma se destaca visto que apresenta Jesus como sendo o doador da paz (eirene): “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.” (Jo 14;27) Estas palavras postas nos lábios de Jesus pelo escritor do Evangelho de João foi algo significativo para aquela geração de cristãos que estava fami- liarizada com a idéia de uma paz que era oferecida pelo Império Romano. Entretanto, a eirene do mestre Galileu, no texto supracitado, foi posta em oposição com a paz do “mundo”.13 Ele oferece uma outra paz, e, por esta nova dádiva os corações de seus discípulos poderiam deixar de viver atemorizados. Diante disto, uma pergunta se levanta: que paz é esta que Jesus oferece através do escritor do Evangelho de João e qual a sua relação com os seus primeiros leitores? Primeiramente era uma paz que era oferecida generosamente aos estrangeiros, contrapondo-se à pax romana que efetivamente beneficiava, predominantemente, os cidadãos romanos. E os exemplos disto nós os encontramos nas narrativas dos evangelhos, nas quais Jesus é posto em diálogos com a mulher samaritana (Jo 4;1-42), com a mulher sirofenícia (Mc 7;24-30), indo à Galiléia dos gentios anunciar o reino de Deus (Lc 4;14-15) etc. Essa largueza da paz, oferecida por Cristo, não somente contrapu- nha-se à pax romana exclusivista, mas também destoava daquela postura, muito freqüente entre os fariseus, na qual estes se mostravam avessos a todo e qualquer tipo de relação ou proximidade com pessoas de outras etnias. Em segundo lugar, as pessoas dos estrados mais baixos da sociedade poderiam usufruir desta paz. Ela não estava agrilhoada às relações de poder de mando, de posses financeiras ou então de status social. Na verdade, o Novo Testamento registra certos indivíduos abastados indo a Jesus, entre- tanto, a grande massa que ía ao seu encontro e que recebia um convite para desfrutar de sua paz eram pessoas simples, humildes, escravos, doentes, mulheres etc. Exemplos desta relação graciosa com as pessoas, não visibilizadas e desvalorizadas pela sociedade, nós os encontramos na história de láza- ro (o mendigo que era lambido por cães), dos dez leprosos (que viviam em penúria e excluídos da sociedade por serem considerados impuros), FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 129
  • 12. das crianças, as quais foram, a princípio, impedidas de se aproximarem de Cristo etc. Tais registros no Novo Testamento apontam enfaticamente para a tese, que para a igreja cristã primitiva a paz do Cristo era a paz que alcan- çava a todas as classes sociais, mas, especialmente, os expropriados dos bens e posições sociais, pela violência e ganância do poder imperial. Em terceiro lugar, era uma paz que quebrava as relações díspares de gênero. O sistema pater famílias,14 no qual o Império Romano tinha seu sustentáculo, na macro estrutura política e no micro universo do lar roma- no,15 fazia clara distinção entre os gêneros. Os homens detinham todo o poder de mando e posses, e até mesmo as mulheres romanas não poderiam ser proprietárias ou herdeiras. No contrafluxo dos valores romanos, o Cristo da literatura neotes- tamentária é apresentado em relações de diálogo e proximidade com mu- lheres, a tal ponto que, até mesmo uma de suas interlocutoras questiona tal postura (Jo 5;9). Em sua célebre conversa com a mulher samaritana, Jesus lhe oferece, em uma linguagem diferente, a sua paz. Outro exemplo é a mulher pega em adultério (Jo 8;1-11). Nesta perícope o Cristo é apresentado como defensor de uma “mulher” e ainda mais “adúltera”. Seus acusadores, todos do sexo masculino, são postos em grande constrangimento na medida em que o Cristo questiona qual deles não teria nenhum pecado, e afirma a dignidade da mulher em si mesma. Aqueles homens queriam fazer prevalecer o direito deles por ape- drejar tal mulher; entretanto, rejeitavam inconscientemente a idéia que eles estavam, de fato, no mesmo pé de igualdade com aquela “adúltera”. A pergunta de Jesus nivela homens e mulheres e convoca a todos ao arre- pendimento. Aqui, neste texto, homens e mulheres sãos posto lado a lado. Por fim, era uma paz que denunciava a falsa paz do mundo. Jesus disse “não vo-la dou como a dá o mundo”. Nestas palavras há o ensino claro que o mundo romano oferecia uma paz, entretanto ela era “romana” e comprometida não com as pessoas mas sim com a estrutura imperial. “Não como a dá o mundo” quer dizer, portanto, sem as suas assimetrias, explorações, mortes, diferenças, injustiças etc. De fato, a eirene do Cristo tinha uma proposta diferente da pax romana. Seus princípios de generosidade aos estrangeiros, a valorização das pessoas dos estrados mais baixos da sociedade, a quebra das relações díspares de gênero, e a voz de denúncia aos sistemas injustos, comprovam que a eirene do Cristo, para os cristãos primitivos, era substancialmente diferente da pax oferecida pelo Império Romano. 130 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
  • 13. CONCLUSÃO Após análise dos elementos presentes da pax romana e na eirene do Cristo, pode-se concluir que elas foram realidades históricas que – embora co-existirem no mesmo espaço de tempo – detinham modos diferentes de ver o ser humano e suas relações. De um lado, os sujeitos sociais eram vistos como coisas a serem usadas ao bel prazer das forças imperiais para se alcançar a pax; e, do outro lado, eles eram contemplados como local existencial onde a eirene poderia habitar. Na primeira realidade histórica, a pax era um alvo a ser alcançado para o bem do império e de uma classe seleta de pessoas; na segunda, a eirene visava o indivíduo e suas necessidades particulares em comunidade. Sendo assim, a paz oferecida pelo Cristo torna-se pertinente aos nossos dias, na medida em que afirma que as estruturas sociais só são está- veis e permanentes, pela via da valorização do outro e através de relações mediadas pela busca do bem comum e pelo interesse de minimizar as assi- metrias sociais e todo e qualquer sistema de exploração e dominação. THE PAX ROMANA AND THE CHRIST OF EIRENE Abstract: the Pax Romana was a period of time and an ideological concept that the Roman Empire massified in order to justify many of their violent prac- tices, discriminatory and unfair in the establishment and strengthening of the imperial structure. In this counterflowing action of Rome, Jesus, called Christ, offers to his followers a peace that the Roman world could not give. The present article aims to introduce the concepts present in this diverse Peace of Christ in position against the Pax Romana Keywords: Pax Romana. Eirene. Peace. Notas 1 Segundo Funari (2003, p. 49) foi a chegada dos etruscos no norte da península itálica que muito contribui para formação do povo romano. Deste povo, em seu nascedouro, Roma assimilou suas instituições e formas de governo. 2 Segundo Champlin (2001, V. 6, p.152), originalmente o senado era formado por 100 membros. Contudo, tal estrutura política chegou a alcançar o montante de 300. E, em um determinado período, a plebe chegou a participar do Senado. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 131
  • 14. 3 Termo latino que significa “paz”. 4 Ora, a própria palestina viu-se sob o domínio dos assírios, babilônicos, medo- persas e gregos. Além do que, as cidades-estado gregas entrevam em guerras entre si. 5 As legiões eram um agrupamento do exército romano composto de 6000 soldados, 120 cavaleiros, mais as esquadras e as tropas especiais (BORN, 1971, p. 878). 6 Wengst (1991, p. 63) afirma que a urbanização da população nas províncias bárbaras foi uma ação consciente dos imperadores romanos com vistas à pacificação do império. 7 O deus Marte era considerado, na religião romana, o deus da guerra (CHAMPLIN, 2001, V. 4, p. 144). Sua postura diante da guerra destoava da de sua irmã Minerva que defendia a necessidade da justiça e da diplomacia nas guerras. A referência ao Campo de Marte mostra a estreita relação paradoxal existente entre a paz e a guerra no modo romano de administrar o império. 8 Designação judaica para aqueles que não eram judeus. 9 O nome zelote vem do grego zelos (“zelo”, “ardor”). Tal vocábulo indicava aquelas pessoas que estavam muito comprometidas com Deus e suas causas. 10 Outras três questões relacionadas aos impostos podem ser aqui mencionadas: a) O sistema de arrecadação por meio dos “publicanos”, os quais eram considerados como traidores da nação e gente dada ao enriquecimento ilícito devido a cobrança de recursos a mais do que era estabelecido; b) O envio, de tudo que era arredado, para fiscus, ou seja, o tesouro imperial; c) a dupla carga tributária imposto sobre os judeus que, além dos impostos imperiais, tinham que contribuir com o templo e sacerdotes (DANIEL-ROPS, 1991, p. 54,55) 11 No Novo Testamento (Lc 22;15-21) os herodianos aparecem pondo Jesus à prova quanto se se deveria ou não pagar tributo a César. Pelo contexto da referência citada, pode-se concluir que os herodianos, por alguns motivos, aprovavam o pagamento dos tributos imperiais. Segundo J.W. Meiklejohn, os herodianos parecem formar um partido judaico que favorecia a dinastia herodiana (DOUGLAS, 1990, p. 712). Sobre os herodianos ver também Tognini (1980, p. 140) e Davis (1996, p. 627). 12 A Septuaginta, também denominada de LXX, foi a tradução do Antigo Testamento para a língua grega, realizada em Alexandria por diversos tradutores para os judeus da diáspora. Sua datação de início está por volta do ano 250 a.C. e o término no ano 150 a.C. (BORN, 1971, p. 1428) 13 Neste texto, o vocábulo “mundo”, do grego kosmos, provavelmente pode indicar a estrutura do império romano com sua injusta e excludente pax romana. 14 Nesse sistema o homem tinha plenos poderes de governo, posse e administração 132 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.
  • 15. de todos os bens e pessoas de um dado lar romano. Ver também Batista (2003). 15 Reimer (2006, p. 74) afirma que o patriarcado foi um sistema vigente em todas as sociedades do Mar Mediterrâneo; e que ele tanto norteava a estruturas familiares como também aquelas ligadas à vida política e social. Referências BATISTA, Jôer Corrêa. A relação homem e mulher na igreja cristã em Corinto: uma abordagem de gênero. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifí- cia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2003. BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. BORN. A. Van Den et al. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1971. CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia teologia e filosofia. São Paulo: Hagnos, 2001. COENEN, Lothar; BROWN, Colin (orgs.). Dicionário internacional de teologia do novo testamento. Tradução de Gordon Chown. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. V.II. DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1991. DAVIS. John D. Dicionário da bíblia. Tradução de J. R. Carvalho Braga. Rio de Janeiro: CANDEIA; JUERP, 1996. DICIONÁRIO DA BÍBLIA. 21 ed. Rio de Janeiro: Candeia; JUERP, 2000. DOUGLAS, J. D. (Org.). O Novo dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1990. FUNARI, Pedro Paulo. In. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.) História da cidadania.. São Paulo: Contexto. 2003, p. 49-79. GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W., Léxico do N.T. Grego/Portu- guês. São Paulo: Vida Nova, 1993. LÉXICO DO N.T. GREGO/PORTUGUÊS. São Paulo: Vida Nova, 1993. LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo Testamento. Tradução de Hans Jorg Witter. São Paulo: Paulinas, 2000. NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR. Barueiri- São Paulo: Sociedade Bíbli- ca do Brasil, 2004. REIMER, Ivone Richter (Org.). Economia no mundo bíblico: Enfoques sociais, históricos e teológicos. São Leopoldo: CEBI/Sinodal, 2006. STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História social do pro- tocristianismo. Tradução de Nélio Schneider. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011. 133
  • 16. TOGNINI, Enéas. O período interbíblico. São Paulo: Louvores do Coração Ltda, 1980. WENGST, Klaus. Pax romana: pretensão e realidade: experiências e percepções da paz em Jesus e no cristianismo primitivo. Tradução de António M. da Torre. São Paulo: Edições Paulinas, 1991. * Recebido em: 11.11.2010. Aprovado em: 15.12.2010. ** Mestrando em Ciências da Religião na PUC-GO. Licenciado em peda- gogia (UVA-CE), complementação pedagógica em história (UVA-CE). Bacharel em teologia (FACETEN-RO). 134 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 21, n. 1/3, p. 119-134, jan./mar. 2011.