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Química Virtual, Agosto de 2010
A série ‘Acidentes Explicados pela Ciência’ tem
por objetivo mostrar os maiores e mais incríveis
acidentes causados pelo homem mostrando es-
sencialmente o que aconteceu sob o ponto de
vista científico. As reações químicas aqui descri-
tas não devem, em hipótese alguma, ser reprodu-
zidas devido ao seu alto grau de periculosidade.
Césio 137: a tragédia radioativa do Brasil
Saiba os detalhes do mais
emblemático acidente
radiativo do Brasil que
aconteceu na cidade
de Goiânia em 1987.
EMILIANO CHEMELLO
chemelloe@yahoo.com.br
Dois amigos, Wagner e
Roberto, entram em um prédio
abandonado de uma clínica
médica. Encontraram lá um
equipamento e o retiraram de
lá na possibilidade deste ser
vendido como sucata, devido ao
fato de ser pesado e provavel-
mente ser feito de chumbo, um
metal valioso. Os dois amigos
não sabiam, entretanto, que o
aparelho em questão era utili-
zado em tratamentos de radio-
terapia possuía césio 137, ele-
mento radioativo, o qual era o
motivo da presença protetora
do chumbo.
Após muito trabalho, os
dois conseguiram abrir a cáp-
sula de chumbo e, dentro dela,
encontraram um pó branco.
Sem saber o que era, após cin-
co dias em poder da cápsula,
Wagner e Roberto começaram a
sentir sintomas estranhos, co-
mo enjôo e diarréia, fraqueza,
mas não associaram isto de
início à cápsula roubada e mui-
to menos ao pó branco dentro
dela, o qual se parecia com sal
de cozinha. Decidiram vender a
cápsula para Devair, dono de
um ferro velho da cidade. En-
tão, os empregados de Devair
conseguem desmontar comple-
tamente a peça de chumbo e
guardaram-na uma prateleira.
Já a noite, Devair é atraído por
uma luz intensa azulada que
provinha da peça. Não passou
por sua cabeça, entretanto, que
aquele brilho era o prenúncio do
maior acidente radioativo em
área urbana que o mundo iria
presenciar. Ainda hoje, na cida-
de de Goiânia, capital do estão
de Goiás, o medo, preconceito e
doenças associadas a contami-
nação afligem os moradores da
cidade.
O mundo, um ano antes,
ficou perplexo com o acidente
na usina nuclear da cidade
ucraniana de Chernobyl, mas
no Brasil este acidente era uma
realidade muito distante. Po-
rém, um ano depois, o acidente
de Goiânia provaria o contrário.
O pó encontrado dentro
da cápsula de chumbo era o
cloreto de césio (papo de cientista:
um sal de fórmula CsCl), sendo
que o Césio desta composto é um
tipo de átomo radioativo do ele-
mento. A propriedade de bilhar
no escuro (papo de cientista: lu-
minescência) do misterioso pó
chamou a atenção de Devair, que
o levou para casa e mostrou a
sua família, parentes e amigos.
Estes, por sua vez, ao tocarem no
pó, involuntariamente espalha-
ram césio radioativo, um vilão
invisível e silencioso, mas extre-
mamente perigoso. Devido a alta
solubilidade do cloreto de césio
em água e seu brilho azul inten-
so, o composto radioativo disse-
minou-se rapidamente nas re-
dondezas da casa de Devair. Com
Figura 2 – Imagem das sepulturas com concreto que guardam os caixões feitos de
chumbo das quatro vítimas fatais do acidente com o Césio 137.
Figura 1 – O
elemento Césio é
um metal alcali-
no do sexto
período da tabe-
la periódica.
2
o tempo, porém, as pessoas
começaram a adoecer (a filha
de Devair ficou seriamente de-
bilitada). Desconfiada, a esposa
de Devair levou tal cápsula à
vigilância sanitária da cidade.
O médico que a recebe, descon-
fiado de uma possível atividade
radioativa da peça, chamou o
físico Valter Mendes que trouxe
consigo um medidor de radioa-
tividade (papo de cientista: con-
tador Geiger). Após a indicação
de elevado índice de radioativi-
dade na cápsula, o físico aler-
tou as autoridades, as quais
articularam-se imediatamente
em uma operação para avaliar
a magnitude da contaminação.
As vítimas foram enca-
minhadas ao estádio olímpico
de Goiânia. Uma cena, sem
dúvida, de pânico. Funcioná-
rios com roupas de proteção
avaliavam com aparelhos se as
pessoas estavam contaminadas
com material radioativo. Mais
de cento e doze mil pessoas
passaram por esta análise. Nos
dias seguintes, as áreas relaci-
onadas com a moradia de De-
vair são isoladas, objetos foram
confiscados e animais sacrifi-
cados. A medida com que o
tempo passava, mais vitimas
sentiam sintomas mais inten-
sos e eram internadas em hos-
pitais.
Nas semanas e meses
seguintes, instaurou-se no
Brasil um ambiente de pânico,
medo, preconceito e desinfor-
mação. Goianos não consegui-
ram desembarcar em outros
estados. Produtos da cidade
não eram vendidos em outros
estados: tudo por causa do
medo de estarem contamina-
dos. Até os enterros das víti-
mas, as quais tiveram seus
caixões blindados e cobertos
com concreto, sofreram retalia-
ção dos moradores das locali-
dades próximas (veja Figura 2).
O material radioativo recolhido
ficou por dez anos em contai-
neres armazenados num local
provisório e, após, as treze to-
neladas de lixo radiativo (em
geral pertences da vítimas) fo-
ram guardados em ambientes
subterrâneos rodeados de gros-
sas paredes de concreto.
É difícil mensurar o nú-
mero de vitimas, pois as mes-
mas geralmente desenvolvem
problemas de saúde após algum
tempo. Logo depois da contami-
nação, quatro pessoas morre-
ram. Entretanto, vinte anos
depois, 59 pessoas morreram
por complicações decorrentes da
exposição ao material radioati-
vo. Estima-se que mais de seis-
centas pessoas foram contami-
nadas.
Mas afinal, o que é o Cé-
sio 137 e por que ele é tão peri-
goso? Bom, o Césio 137 (dora-
vante 137Cs) é um tipo de átomo
do elemento Césio (papo de cien-
tista: isótopo) que possui com-
portamento radioativo. Seu nú-
cleo não é estável e, para atingir
esta estabilidade, emite radia-
ção (veja Figura 3). Após emitir
radiação por um tempo deter-
minado, todo o césio transfor-
ma-se no elemento bário (núme-
ro atômico 56). Para se ter uma
idéia do tempo que isto demora
para acontecer, temos um parâ-
metro chamado meia vida, que
indica quanto tempo demora um
determinado elemento radioativo
para ter sua atividade radioativa
diminuída pela metade. No caso
do 137Cs este tempo é de aproxi-
madamente trinta anos.
Na transição entre Césio e
Bário, ocorre emissão de radiação
do tipo  (beta), enquanto que na
transição da etapa da passagem
do Bário instável  bário estável,
ocorre emissão de radiação do
tipo  (gama). No caso de Goiânia,
o césio estava na forma de sal
cloreto de césio (CsCl(s)), fato que
potencializou a contaminação em
massa, pois trata-se de um sal
altamente solúvel em água.
A radiação  (que pode ser
contida por uma placa metálica
fina ou madeira) tem um poder
de penetração bem menos inten-
so que a radiação  (que só pode
ser barrada por grossas paredes
de concreto ou chumbo, conforme
Figura 3 – Síntese do conceito de radioatividade de dos três tipos de radiação.
Figura 4 – Ilustração do poder de penetração das
radiações alfa (), beta () e gama ().
3
ilustra a Figura 4). Como a
radiação  tem alto poder de
penetração, esta é potencial-
mente mais perigosa que as
demais radiações.
Quando utilizados ade-
quadamente, os elementos ra-
dioativos são muito úteis. O
137Cs juntamente com o 60Co
são muito utilizados na medi-
cina, principalmente como fon-
te moderada de raios gamas,
radiação utilizada para a inati-
vação do câncer em seres hu-
manos e na esterilização em
escala industrial. Porém, este
uso é controlado e aplicado
somente nas regiões de interes-
se. A radiação , devido ao seu
alto poder de penetração, inte-
rage com os componentes de
nosso corpo, produzindo exci-
tação e ionização das suas mo-
léculas. Seria como se, neste
texto, a radiação conseguisse
arrancar algumas letra e pala-
vras. Dependendo da quanti-
dade e de quais letras ou pala-
vras são retiradas, o sentido do
texto seria afetado. O mesmo
ocorre com nosso corpo: o tem-
po de exposição e a região afe-
tada determinaram a gravidade
do caso.
Nossas células carre-
gam consigo o DNA, o qual tem
o código genético da pessoa. Se
este código é afetado pela radi-
ação, a pessoa pode até não
desenvolver nenhuma patolo-
gia, mas os filhos desta podem
ter problemas físicos de má
formação devido à mutações
geradas pela radiação.
Para saber mais:
Greenpeace
http://www.greenpeace.org.br/
nuclear/cesio/flash_cesio.html
 Apostila do CNEN sobre ra-
dioatividade
http://www.cnen.gov.br/ensin
o/apostilas/radio.pdf
 O que é Césio 137 (artigo da
revista científica Química Nova)
http://quimicanova.sbq.org.br
/qn/qnol/1988/vol11n2/v11_
n2_%20%281%29.pdf
 Música: radio activity da
banda Kraftwerk.
Tradução:
http://letras.terra.com.br/kraf
twerk/21755/traducao.html
O Emiliano
Chemello é li-
cenciado em
química pela
Universidade de
Caxias do Sul e
Mestre em Ciên-
cia e Engenharia
de Materiais pela
mesma institui-
ção. Leciona em escolas de ensino
médio e pré-vestibular na Serra Gaú-
cha.
Visite o site:
www.quimica.net/emiliano
Este material pode ser reproduzido por
completo ou parcialmente, desde que
seja citada a fonte.

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2010agosto cesio137

  • 1. 1 Química Virtual, Agosto de 2010 A série ‘Acidentes Explicados pela Ciência’ tem por objetivo mostrar os maiores e mais incríveis acidentes causados pelo homem mostrando es- sencialmente o que aconteceu sob o ponto de vista científico. As reações químicas aqui descri- tas não devem, em hipótese alguma, ser reprodu- zidas devido ao seu alto grau de periculosidade. Césio 137: a tragédia radioativa do Brasil Saiba os detalhes do mais emblemático acidente radiativo do Brasil que aconteceu na cidade de Goiânia em 1987. EMILIANO CHEMELLO chemelloe@yahoo.com.br Dois amigos, Wagner e Roberto, entram em um prédio abandonado de uma clínica médica. Encontraram lá um equipamento e o retiraram de lá na possibilidade deste ser vendido como sucata, devido ao fato de ser pesado e provavel- mente ser feito de chumbo, um metal valioso. Os dois amigos não sabiam, entretanto, que o aparelho em questão era utili- zado em tratamentos de radio- terapia possuía césio 137, ele- mento radioativo, o qual era o motivo da presença protetora do chumbo. Após muito trabalho, os dois conseguiram abrir a cáp- sula de chumbo e, dentro dela, encontraram um pó branco. Sem saber o que era, após cin- co dias em poder da cápsula, Wagner e Roberto começaram a sentir sintomas estranhos, co- mo enjôo e diarréia, fraqueza, mas não associaram isto de início à cápsula roubada e mui- to menos ao pó branco dentro dela, o qual se parecia com sal de cozinha. Decidiram vender a cápsula para Devair, dono de um ferro velho da cidade. En- tão, os empregados de Devair conseguem desmontar comple- tamente a peça de chumbo e guardaram-na uma prateleira. Já a noite, Devair é atraído por uma luz intensa azulada que provinha da peça. Não passou por sua cabeça, entretanto, que aquele brilho era o prenúncio do maior acidente radioativo em área urbana que o mundo iria presenciar. Ainda hoje, na cida- de de Goiânia, capital do estão de Goiás, o medo, preconceito e doenças associadas a contami- nação afligem os moradores da cidade. O mundo, um ano antes, ficou perplexo com o acidente na usina nuclear da cidade ucraniana de Chernobyl, mas no Brasil este acidente era uma realidade muito distante. Po- rém, um ano depois, o acidente de Goiânia provaria o contrário. O pó encontrado dentro da cápsula de chumbo era o cloreto de césio (papo de cientista: um sal de fórmula CsCl), sendo que o Césio desta composto é um tipo de átomo radioativo do ele- mento. A propriedade de bilhar no escuro (papo de cientista: lu- minescência) do misterioso pó chamou a atenção de Devair, que o levou para casa e mostrou a sua família, parentes e amigos. Estes, por sua vez, ao tocarem no pó, involuntariamente espalha- ram césio radioativo, um vilão invisível e silencioso, mas extre- mamente perigoso. Devido a alta solubilidade do cloreto de césio em água e seu brilho azul inten- so, o composto radioativo disse- minou-se rapidamente nas re- dondezas da casa de Devair. Com Figura 2 – Imagem das sepulturas com concreto que guardam os caixões feitos de chumbo das quatro vítimas fatais do acidente com o Césio 137. Figura 1 – O elemento Césio é um metal alcali- no do sexto período da tabe- la periódica.
  • 2. 2 o tempo, porém, as pessoas começaram a adoecer (a filha de Devair ficou seriamente de- bilitada). Desconfiada, a esposa de Devair levou tal cápsula à vigilância sanitária da cidade. O médico que a recebe, descon- fiado de uma possível atividade radioativa da peça, chamou o físico Valter Mendes que trouxe consigo um medidor de radioa- tividade (papo de cientista: con- tador Geiger). Após a indicação de elevado índice de radioativi- dade na cápsula, o físico aler- tou as autoridades, as quais articularam-se imediatamente em uma operação para avaliar a magnitude da contaminação. As vítimas foram enca- minhadas ao estádio olímpico de Goiânia. Uma cena, sem dúvida, de pânico. Funcioná- rios com roupas de proteção avaliavam com aparelhos se as pessoas estavam contaminadas com material radioativo. Mais de cento e doze mil pessoas passaram por esta análise. Nos dias seguintes, as áreas relaci- onadas com a moradia de De- vair são isoladas, objetos foram confiscados e animais sacrifi- cados. A medida com que o tempo passava, mais vitimas sentiam sintomas mais inten- sos e eram internadas em hos- pitais. Nas semanas e meses seguintes, instaurou-se no Brasil um ambiente de pânico, medo, preconceito e desinfor- mação. Goianos não consegui- ram desembarcar em outros estados. Produtos da cidade não eram vendidos em outros estados: tudo por causa do medo de estarem contamina- dos. Até os enterros das víti- mas, as quais tiveram seus caixões blindados e cobertos com concreto, sofreram retalia- ção dos moradores das locali- dades próximas (veja Figura 2). O material radioativo recolhido ficou por dez anos em contai- neres armazenados num local provisório e, após, as treze to- neladas de lixo radiativo (em geral pertences da vítimas) fo- ram guardados em ambientes subterrâneos rodeados de gros- sas paredes de concreto. É difícil mensurar o nú- mero de vitimas, pois as mes- mas geralmente desenvolvem problemas de saúde após algum tempo. Logo depois da contami- nação, quatro pessoas morre- ram. Entretanto, vinte anos depois, 59 pessoas morreram por complicações decorrentes da exposição ao material radioati- vo. Estima-se que mais de seis- centas pessoas foram contami- nadas. Mas afinal, o que é o Cé- sio 137 e por que ele é tão peri- goso? Bom, o Césio 137 (dora- vante 137Cs) é um tipo de átomo do elemento Césio (papo de cien- tista: isótopo) que possui com- portamento radioativo. Seu nú- cleo não é estável e, para atingir esta estabilidade, emite radia- ção (veja Figura 3). Após emitir radiação por um tempo deter- minado, todo o césio transfor- ma-se no elemento bário (núme- ro atômico 56). Para se ter uma idéia do tempo que isto demora para acontecer, temos um parâ- metro chamado meia vida, que indica quanto tempo demora um determinado elemento radioativo para ter sua atividade radioativa diminuída pela metade. No caso do 137Cs este tempo é de aproxi- madamente trinta anos. Na transição entre Césio e Bário, ocorre emissão de radiação do tipo  (beta), enquanto que na transição da etapa da passagem do Bário instável  bário estável, ocorre emissão de radiação do tipo  (gama). No caso de Goiânia, o césio estava na forma de sal cloreto de césio (CsCl(s)), fato que potencializou a contaminação em massa, pois trata-se de um sal altamente solúvel em água. A radiação  (que pode ser contida por uma placa metálica fina ou madeira) tem um poder de penetração bem menos inten- so que a radiação  (que só pode ser barrada por grossas paredes de concreto ou chumbo, conforme Figura 3 – Síntese do conceito de radioatividade de dos três tipos de radiação. Figura 4 – Ilustração do poder de penetração das radiações alfa (), beta () e gama ().
  • 3. 3 ilustra a Figura 4). Como a radiação  tem alto poder de penetração, esta é potencial- mente mais perigosa que as demais radiações. Quando utilizados ade- quadamente, os elementos ra- dioativos são muito úteis. O 137Cs juntamente com o 60Co são muito utilizados na medi- cina, principalmente como fon- te moderada de raios gamas, radiação utilizada para a inati- vação do câncer em seres hu- manos e na esterilização em escala industrial. Porém, este uso é controlado e aplicado somente nas regiões de interes- se. A radiação , devido ao seu alto poder de penetração, inte- rage com os componentes de nosso corpo, produzindo exci- tação e ionização das suas mo- léculas. Seria como se, neste texto, a radiação conseguisse arrancar algumas letra e pala- vras. Dependendo da quanti- dade e de quais letras ou pala- vras são retiradas, o sentido do texto seria afetado. O mesmo ocorre com nosso corpo: o tem- po de exposição e a região afe- tada determinaram a gravidade do caso. Nossas células carre- gam consigo o DNA, o qual tem o código genético da pessoa. Se este código é afetado pela radi- ação, a pessoa pode até não desenvolver nenhuma patolo- gia, mas os filhos desta podem ter problemas físicos de má formação devido à mutações geradas pela radiação. Para saber mais: Greenpeace http://www.greenpeace.org.br/ nuclear/cesio/flash_cesio.html  Apostila do CNEN sobre ra- dioatividade http://www.cnen.gov.br/ensin o/apostilas/radio.pdf  O que é Césio 137 (artigo da revista científica Química Nova) http://quimicanova.sbq.org.br /qn/qnol/1988/vol11n2/v11_ n2_%20%281%29.pdf  Música: radio activity da banda Kraftwerk. Tradução: http://letras.terra.com.br/kraf twerk/21755/traducao.html O Emiliano Chemello é li- cenciado em química pela Universidade de Caxias do Sul e Mestre em Ciên- cia e Engenharia de Materiais pela mesma institui- ção. Leciona em escolas de ensino médio e pré-vestibular na Serra Gaú- cha. Visite o site: www.quimica.net/emiliano Este material pode ser reproduzido por completo ou parcialmente, desde que seja citada a fonte.