1. Tanto mar
Chico Buarque
Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
Versão só editada em Portugal, em 1975
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto do jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta a primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim
Versão de 1978
Esta canção foi feita em 1975 e saudava a Revolução, mas a censura brasileira não
permitiu que o autor a tocasse ao vivo e obrigou-o a modificá-la.
Vamos comparar as duas versões:
2. A Rapariga do País de Abril
Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.
E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.
Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.
E eu procurava-te nas pontes da tristeza
cantava adivinhando-te cantava
quando o País de Abril se vestia de ti
e eu perguntava atónito quem eras.
Por ti cheguei ao longe aqui tão perto
e vi um chão puro: algarves de ternura.
Qaundo vieste tudo ficou certo
e achei achando-te o País de Abril.
Manuel Alegre
3. Abril de Sim Abril de Não
Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.
Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.
Manuel Alegre
4. FERNANDO TORDO
MÚSICA: FERNANDO TORDO
LETRA: JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS
TOURADA
Festival da Canção de 1973
Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano.
Só nos podem causar dano esperas.
Entram guizos, chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas, chifres e derrotes
e alguns poetas.
Entram bravos, cravos e dixotes
porque tudo o mais são tretas.
Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam bravos e olés dos nabos
que não pagam nada.
E só ficam os peões de brega
cuja profissão não pega.
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazemos da tristeza graça.
Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e cronistas
entram galifões de crista.
Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo.
Entra aquela música maluca
do passodoblismo.
Entra a aficcionada e a caduca
mais o snobismo... E cismo!
Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar, muita gente
que dá lucro aos milhões.
E diz o inteligente
que acabaram
as canções
Podes ouvir em
http://fes73.no.sapo.pt/
Esta canção, aparentemente uma
visão humorística à tourada, é uma
crítica à situação política.
Por exemplo, quando se refere à
“praça da primavera” alude-se à
chamada Primavera Marcelista
5. Quis saber quem sou
o que faço aqui
quem me abandonou
de quem me esqueci
perguntei por mim
quis saber de nós
mas o mar
não me traz
tua voz.
Em silêncio, amor
em tristeza e fim
eu te sinto, em flor
eu te sofro, em mim
eu te lembro, assim
partir é morrer
como amar
é ganhar
e perder.
Tu viste em flor
eu te desfolhei
tu te deste em amor
eu nada te dei
em teu corpo, amor
eu adormeci
morri nele
e ao morrer
renasci.
E depois do amor
e depois de nós
o dizer adeus
o ficarmos sós
teu lugar a mais
tua ausência em mim
tua paz
que perdi
minha dor
que aprendi.
De novo vieste em flor
te desfolhei...
E depois do amor
e depois de nós
o adeus
o ficarmos sós.
PAULO DE CARVALHO
MÚSICA: JOSÉ CALVÁRIO
LETRA: JOSÉ NIZA
Esta canção não teria grande importância no
contexto do 25 de Abril não fosse o facto de
ter sido uma das senhas escolhidas para dar
sinal aos militares envolvidos nas operações
de que podiam avançar.
E DEPOIS DO ADEUS
Festival da Canção de 1974
Podes ouvir em
http://fes74.no.sapo.pt/
6. Da esquerda para a direita: José Barata Moura, Vitorino, José Jorge Letria, Fausto,
Manuel Freire, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira.
7. Esta canção tornou-se famosa ao ser escolhida como senha para a
revolução. Houve duas senhas: a primeira, às 23h, foi a música "E
depois do adeus", de Paulo de Carvalho; Grândola, a segunda,
passou no programa "Limite" da Rádio Renascença às 0.20h do dia
25.
Foi o sinal para o arranque das tropas e a confirmação de que a
revolução ganhava terreno.
Incluída no álbum "Cantigas do Maio", editado em
Dezembro de 1971, com os arranjos e direcção musical
de José Mário Branco e gravado em França.
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra d’uma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
GRÂNDOLA, VILA MORENA
Zeca Afonso
8. Ei-los que partem
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos
ei-los que partem
velhos e novos
Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados
Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se fez em pão
virão um dia
ou não
Ei-los Que Partem
Manuel Freire
Livre (não há machado que corte)
(Não há machado que corte
a raíz ao pensamento) [bis]
(não há morte para o vento
não há morte) [bis]
Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida
sem razão seria a vida
sem razão
Nada apaga a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre
Poema: Carlos de Oliveira
9. Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam
como estas árvores que gritam
em bebedeiras de azul
eles não sabem que sonho
é vinho, é espuma, é fermento
bichinho alacre e sedento
de focinho pontiagudo
que fuça através de tudo
em perpétuo movimento
Manuel Freire
Poema: António Gedeão
Eles não sabem que o sonho
é tela é cor é pincel
base, fuste, capitel
que é retorta de alquimista
mapa do mundo distante
Rosa dos Ventos Infante
caravela quinhentista
que é cabo da Boa-Esperança
Ouro, canela, marfim
florete de espadachim
bastidor, passo de dança
Columbina e Arlequim
passarola voadora
pára-raios, locomotiva
barco de proa festiva
alto-forno, geradora
cisão do átomo, radar
ultra-som, televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar
Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida
que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança
Pedra Filosofal
10. Adriano Correia de Oliveira
Cantar de Emigração
(este Parte, Aquele Parte)
Este parte, aquele parte
e todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
que possam cortar teu pão
Tens em troca
órfãos e órfãs
tens campos de solidão
tens mães que não têm filhos
filhos que não têm pai
Coração
que tens e sofre
longas ausências mortais
viúvas de vivos mortos
que ninguém consolará
Poema: Rosália de Castro
Menina dos Olhos tristes
Menina dos olhos tristes
o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
Vamos senhor pensativo
olhe o cachimbo a apagar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
Senhora de olhos cansados
porque a fatiga o tear
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
Anda bem triste um amigo
uma carta o fez chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
A lua que é viajante
é que nos pode informar
o soldadinho já volta
está mesmo quase a chegar
Vem numa caixa de pinho
do outro lado do mar
desta vez o soldadinho
nunca mais se faz ao mar
11. Morte que Mataste Lira
Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Mata-me a mim, que sou teu!
Morte que mataste lira
Mata-me a mim que sou teu
Mata-me com os mesmos ferros
Com que a lira morreu
A lira por ser ingrata
Tiranicamente morreu
A morte a mim não me mata
Firme e constante sou eu
Veio um pastor lá da serra
À minha porta bateu
Veio me dar por notícia
Que a minha lira morreu
Adriano Correia de Oliveira
Erguem-se Muros
Erguem-se muros em volta
do corpo quando nos damos
amor semeia a revolta
que nesse instante calamos
Semeia a revolta e o dia
cobrir-se-á de navios (bis)
há que fazer-nos ao mar
antes que sequem os rios
Secos os rios a noite
tem os caminhos fechados (bis)
Há que fazer-nos ao mar
ou ficaremos cercados
Amor semeia a revolta
antes que sequem os rios...
Poema de
António Ferreira Guedes
12. Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Poema de Sofia de Melo Breyner Andressen
Adriano Correia de Oliveira
13. José Carlos Ary dos Santos
poeta e declamador
Autor de mais de 600 letras para canções.
Poeta castrado não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
14. Cavalo à solta
Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.
Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.
Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.
Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.
Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.
Ary dos Santos
Interpretado por Fernando Tordo
no Festival RTP 1971
15. Ary dos Santos
Auto-Retrato
Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.
Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.
Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.
Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
Cantiga de Amigo
Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
--- o meu amigo está longe
e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!
--- o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade é bastante!
16. José Barata Moura
Professor de Filosofia na Faculdade
de Letras de Lisboa, foi Reitor da
Universidade.
É o autor de várias canções infantis
que ficaram célebres em várias
gerações, como “Joana come a papa”,
“Olha a bola Manel” e o “Fungágá da
Bicharada”.
Também fez canto de intervenção
política, em 1970, no programa
televisivo Zip Zip, e foi autor de
canções revolucionárias.
Come a papa,
Joana come a papa
Come a papa,
Joana come a papa,
Joana come a papa
Um, dois, três,
uma colher de cada vez
Quatro, cinco, seis,
era uma história de reis
E uma colher de papa
Come a papa,...
Sete, oito, nove,
ainda nada se resolve
Dez, onze, doze,
á espera que a mosca pouse
E uma colher de papa
Come a papa,...
Treze, catorze e meia,
a coisa não está tão feia
Dezesseis, dezassete,
mais um pingo no babete
E uma colher de papa
Come a papa,...
O Manel tinha uma bola,
que rolava pelo chão
na calçada ela rebola,
deu-lhe uma dentada um cão
[refrão]
Olha a bola Manel,
olha a bola Manel
foi-se embora, fugiu
olha a bola Manel,
olha a bola Manel
nunca mais ninguem a viu
O Manel tinha uma bola,
mas por falta de atenção
lá deixou ele ir a bola
entre os dentes de um cão
O Manel tinha uma bola
mas agora não tem não
e a gente a ver se o consola
vai cantar esta canção
canções infantis
17. José Barata Moura canções de intervenção
Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha
A senhora de não sei quem
Que é de todos e de mais alguém
Passa a tarde descansada
Mastigando a torrada
Com muita pena do pobre,
Coitada
Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha
Neste mundo de instituição
Cataloga-se até o coração
Paga botas e merenda
Rouba muito mas dá prenda
E ao peito terá
Uma comenda
Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha
O pobre no seu penar
Habitua-se a rastejar
E no campo ou na cidade
Faz da sua infelicidade
Algo para os desportistas
Da caridade
Não vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e a falsa intençãozinha
Não vamos brincar à caridadezinha
18. Ermelinda Duarte :
Somos livres
(uma gaivota voava voava)
Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.
Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.
Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.
Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo qualquer.
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.
Uma criança dizia, dizia
"quando for grande
não vou combater".
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.
Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás.
Esta canção foi muitíssimo popular nos
anos que se seguiram ao 25 de Abril.
19. Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela
Os olhos requerem olhos
e os corações corações
e os meus requerem os teus
em todas as ocasiões
Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela
Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela.
Vitorino
Cantiga de Uma Greve de Verão
Seara madura de Junho
Campos eternos sem fim
Abro o peito fecho o punho
Quando te inclinas para mim
Minha vila não está quieta
No tamanho do horizonte
Desconfia e fica alerta
Do sorriso de boi manso
Do morgado arrogante
Quando o trigo amadurece
Chega-me a força cá dentro
Como a da espiga pró grão
Troco foice por espingarda
Porque má paga é que não
Alentejanos prá frente
O sol está do nosso lado
Caçadeira atrás da porta
Queremos um Verão quente
Para a herdade do morgado.
20.
21. Eu Vim de Longe
Quando o avião aqui chegou
Quando o mês de maio começou
Eu olhei para ti
Então entendi
Foi um sonho mau que já passou
Foi um mau bocado que acabou
Tinha esta viola numa mão
Uma flor vermelha na outra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a fronteira me abraçou
Foi esta bagagem que encontrou
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei pra aqui chegar
Eu vou pra longe
Pra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar
E então olhei à minha volta
Vi tanta esperança andar à solta
Que não hesitei
E os hinos cantei
Foram feitos do meu coração
Feitos de alegria e de paixão
Quando a nossa festa se estragou
E o mês de Novembro se vingou
Eu olhei pra ti
E então entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou
Tinha esta viola numa mão
Coisas começadas noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a espingarda se virou
Foi pra esta força que apontou
E então olhei à minha volta
Vi tanta mentira andar à solta
Que me perguntei
Se os hinos que cantei
Eram só promessas e ilusões
Que nunca passaram de canções
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei pra aqui chegar
Eu vou pra longe
P´ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar
Quando eu finalmente eu quis saber
Se ainda vale a pena tanto crer
Eu olhei para ti
Então eu entendi
É um lindo sonho para viver
Quando toda a gente assim quiser
Tenho esta viola numa mão
Tenho a minha vida noutra mão
Tenho um grande amor
Marcado pela dor
E sempre que Abril aqui passar
Dou-lhe este farnel para o ajudar
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei pra aqui chegar
Eu vou p´ra longe
P´ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar
E agora eu olho à minha volta
Vejo tanta raiva andar a solta
Que já não hesito
Os hinos que repito
São a parte que eu posso prever
Do que a minha gente vai fazer
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei prá aqui chegar
Eu vou pra longe
P´ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar
José Mário Branco
22. Capotes Brancos, Capotes Negros
Capote preto, capote branco
Quem dá o flanco
Nunca se defende bem
Capote branco, capote preto
O Xico-esperto
Usa a cor que lhe convém
Em tempos que já lá vão
Vinham uns homens de mão
A soldo da reacção
Armar brigas e banzé
Junto ao Palácio de Sebastião José
Mas o Pombal, sabido
Estava prevenido
E tinha preparado
O seu esquadrão privado
E não pisavam o risco
No Bairro Alto os brigões de S Francisco
Enquanto o povo assistia
Às contradições que havia
No seio da fidalguia
Vinha a bófia endireitar
O Bairro Alto que ela andava a entortar
Os reaccionários, de um lado
Capote preto, cruzado
Do outro lado, os brancos
Que os punham logo a fancos
E não sei porque razão
Quem se lixava era sempre o mexilhão
23. Não me digas que não me compreendes
quando os dias se tornam azedos
não me digas que nunca sentiste
uma força a crescer-te nos dedos
e uma raiva a nascer-te nos dentes
Não me digas que não me compreendes
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
QUE FORÇA É ESSA
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
construir as cidades pr´ós outros
carregar pedras, desperdiçar
muita força p´ra pouco dinheiro
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Muita força p´ra pouco dinheiro
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Liberdade
Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão
habitação
saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
24. Brigada Victor Jara
(Coimbra)
Grupo de
Acção
Cultural
A cantiga é uma arma
eu não sabia
tudo depende da bala
e da pontaria
Tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
e eu não sabia
Há quem cante por interesse
há quem cante por cantar
e há quem faça profissão
de combater a cantar
e há quem cante de pantufas
p'ra não perder o lugar
O faduncho choradinho
de tavernas e salões
semeia só desalento
misticismo e ilusões
canto mole em letra dura
nunca fez revoluções
(...)
Senhora do Almortão
Senhora, senhora do Almortão
Senhora do Almortão
Ó minha linda raiana
Virai costas a Castela
Não queirais ser castelhana
Senhora, Senhora do Almortão
Senhora do Almortão
A vossa capela cheira
Cheira a cravos cheira a rosas
Cheira a flôr de laranjeira
Senhora, senhora do Almortão
senhora do Almortão
Eu p'ró ano não prometo
Que me morreu o amor
Ando vestida de preto
25. A morte
Saiu à rua
Num dia assim
Naquele
Lugar sem nome
Pra qualquer fim
Uma
Gota rubra
sobre a calçada
Cai
E um rio
De sangue
Dum
Peito aberto
Sai
O vento
Que dá nas canas
Do canavial
E a foice
Duma ceifeira
De Portugal
E o som
Da bigorna
Como
Um clarim do céu
Vão dizendo
em toda a parte
O pintor morreu
Teu sangue,
Pintor, reclama
Outra morte
Igual
Só olho
Por olho e
Dente por dente
Vale
À lei assassina
À morte
Que te matou
Teu corpo
Pertence à terra
Que te abraçou
Aqui
Te afirmamos
Dente por dente
Assim
Que um dia
Rirá melhor
Quem rirá
Por fim
Na curva
Da estrada
Há covas
Feitas no chão
E em todas
Florirão rosas
Duma nação
A biografia de José Afonso:
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/poemasemana/05/03.html
Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
ƒÉ meu amigo também
Em terras
Em todas as fronteiras
Seja benvindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também
Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também
26. No céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asas
Pela noite calada
Vem em bandos
Com pés veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
A toda a parte
Chegam os vampiros
Poisam nos prédios
Poisam nas calçadas
Trazem no ventre
Despojos antigos
Mas nada os prende
Às vidas acabadas
São os mordomos
Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
No chão do medo
Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas dum credo
E não se esgota
O sangue da manada
se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
Vamos cantar as janeiras
Vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas solteiras
Vamos cantar orvalhadas
Vamos cantar orvalhadas
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas casadas
Vira o vento e muda a sorte
Vira o vento e muda a sorte
Por aqueles olivais perdidos
Foi-se embora o vento norte
Muita neve cai na serra
Muita neve cai na serra
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra
Quem tem a candeia acesa
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza
Já nos cansa esta lonjura
Já nos cansa esta lonjura
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem anda à noite à ventura