1. DECADÊNCIA, PRESCRIÇÃO E A CONTAGEM DOS PRAZOS
Recentemente, a FCC apresentou questão na prova1 de direito
tributário no concurso para admissão ao cargo de Auditor Fiscal
Municipal de São Paulo que considerou correta a seguinte afirmação
de que os prazos, tanto decadencial quanto prescricional, devem ser
contados com a observância do disposto no art. 210 do CTN:
Art. 210. Os prazos fixados nesta Lei ou legislação
tributária serão contínuos, excluindo-se na sua
contagem o dia de início e incluindo-se o de
vencimento.
Parágrafo único. Os prazos só se iniciam ou vencem em
dia de expediente normal na repartição em que corra o
processo ou deva ser praticado o ato.
Indaga-se: a verificação dos prazos de decadência e de prescrição
deve observar o disposto no art. 210 do CTN? Se a resposta for
afirmativa, como se devem verificar tais prazos?
A polêmica está posta.
Sobre a contagem de prazo e sobre a diversidade dos termos “correr”
e “contar”, Dinarmarco leciona que:
“A fluência do prazo começa quando ele próprio tem início. Acaba,
quando chega ao termo final. Mas, como a caminhada de todo prazo
forense é dimensionada e contada segundo certas unidades de tempo
(ano, dia, etc.), poder-se-ia ter a falsa impressão de que fluência e
contagem fossem vocábulos de igual significado; e, o que é pior, o
Código chega insinuar que fluência e contagem tivessem início no
mesmo momento. Na realidade, a contagem do prazo só tem início
quando se completa a primeira unidade de sua duração e não no
termo a quo. Se sou intimado hoje e hoje o prazo começa a correr
(início do prazo ou de sua fluência), só amanhã é que, se for dia útil,
o prazo começará a ser contado. Hoje é o marco zero da caminhada;
amanhã, o marco um. E assim por diante, até que chegue o dies ad
quem.”2
Em síntese, da lição supra temos que:
Marco zero é o início do prazo;
Marco um é o início da contagem.
A literalidade do art. 173 do CTN diz:
1
Questão 62 da prova 1.
2
(Dinamarco, 2009), com grifo nosso.
2. Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o
crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos,
contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que
o lançamento poderia ter sido efetuado;
Segundo de Santi, “A decadência do direito do Fisco corresponde à
perda da competência administrativa do Fisco para efetuar o ato de
lançamento tributário.”3
Assim, a perda do direito de lançar por inércia do Fisco somente pode
ocorrer a partir do momento em que o lançamento se torna possível,
ou seja, após a ocorrência do fato gerador.
Parafraseando Toquinho4, o direito de lançar mal nasce (com a
ocorrência do fato gerador) já começa a morrer (pelos efeitos da
decadência).
Tomando o texto do art. 173 do CTN e a lição de Dinamarco, temos
que a data da ocorrência do fato gerador é o data do início da
contagem, seu marco zero e o “..primeiro dia do exercício
seguinte...” é o primeiro dia de contagem, ou seja, o marco um.
Se o prazo de contagem iniciou-se no dia 1º de janeiro de um
determinado, é lógico concluir que tal contagem iniciou-se às 00:00
horas desse dia primeiro e, por consequência, quando chegar-se às
24:00 horas desse dia 1º., um dia haverá se passado. Continuando
na contagem, quando chegar-se às 24:00 horas do dia 31 de
dezembro do mesmo ano, um ano haverá se passado. E assim por
diante, até que se chegue ao 5º. ano.
Quando você for contar o prazo decadencial, não tenha vergonha e
use os dedos. Assim você não corre o risco de errar. Cuidado para
que sua contagem não avance por sobre os primeiros segundos do
sexto ano já que o prazo é de 5 anos.
Veja o seguinte exemplo: seja um tributo sujeito a lançamento de
ofício, cujo fato gerador tenha ocorrido em 20.12.2007. Qual o termo
final do prazo decadencial?
3
(de Santi, 2000)
4
“Tem dias que eu fico pensando na vida
E sinceramente não vejo saída.
Como é, por exemplo, que dá pra entender:
A gente mal nasce, começa a morrer. ...”
“Sei lá... a vida tem sempre razão - Toquinho
3. É simples: o termo inicial da contagem é 01.01.2008 (regra geral,
CTN, 173, I) e o primeiro ano é o ano de 2008, o segundo é o ano de
2009, o terceiro ano é o ano de 2010, o quarto ano é o ano de 2011
e o quinto e último ano é o ano de 2012. Conclusão: o termo final da
contagem do prazo decadencial é o dia 31.12.2012 e, por
consequência, os efeitos da decadência (a extinção do crédito
tributário) ocorrem no dia seguinte, ou seja, o dia 01.01.2013.
No entanto, a se admitir que a aplicação do art. 210 do CTN tem por
objetivo fazer com que o marco zero (da lição de Dinamarco) seja o
primeiro dia do exercício seguinte, no exemplo acima, teríamos que o
primeiro dia, 01.01.2008 é feriado nacional. Assim, o termo inicial da
contagem seria o dia 02.01.2008 e, por consequência, o termo final
seria o dia 01.01.2012, pois no dia 02.01.2008 já teríamos os
primeiros segundos do sexto ano.
Em síntese:
Termo inicial: 01.01.2008;
Termo final: 01.01.2013.
Vejamos que a diferença é de um dia. É verdade que um dia em 5
anos é muito pouco e com base nessa constatação, Luciano Amaro
assim leciona:
“O exame sistemático da matéria no Código Tributário Nacional
mostra que o legislador não se ateve a formulações matemáticas
precisas ao regrar os institutos da decadência e da prescrição,
levando em conta a exiguidade dos prazos para pagamento,
impugnações e recursos (geralmente não superiores a 30 dias),
quando comparados com a latitude dos prazos decadenciais e
prescricionais (5 anos).”5
Para que a decadência não produza seus efeitos é necessário que o
sujeito passivo seja notificado do lançamento antes de seu termo
final. Considerando que a notificação do sujeito passivo não ocorre
“...na repartição...”, não vejo como justificar a aplicação do parágrafo
único do art. 210 do CTN.
No entanto, num raciocínio extremamente “fiscalista”, poder-se-ia
admitir a aplicação literal do art. 210 do CTN, incluindo seu parágrafo
e nessa hipótese as datas6 seriam, por exemplo:
Fato Gerador: 20.12.2007
5
(Amaro, 2006)
6
Aplicando-se o disposto no art. 132 § 3º do Código Civil
4. Termo inicial: 01.01.2008 que, por ser feriado, é deslocado
para 02.01.2008 e, se for sábado, o faz deslocar para
04.01.2008
Termo final: 01.01.2013 que, por ser feriado, é deslocado
para 02.01.2013 e, se for sábado, o faz deslocar para
04.01.2013
A doutrina se divide:
Pelo sentido da aplicação do CTN, 210:
“ Nesta lei ou na legislação tributária. Tanto os prazos previstos
no CTN (e.g., os de decadência e de prescrição do art. 173 e 174),
como os prazos estabelecidos pela legislação tributária, expressão
conforme o art. 96 do CTN, abrange inclusive os atos normativos
infralegais.”7
Pelo sentido da não aplicação do CTN, 210:
“As regras sobre a contagem de prazos estão contidas, no Código
Tributário, como disposições finais e transitórias, mas só servem para
a contagem em dias sucessivos, contínuos ou corridos (tantos dias).8
Ao comentar a aplicação do art. 173 do CTN, Volkweiss9 assim
leciona: “Essa é a regra geral, básica, pela qual o prazo decadencial
tem seu início (dies a quo) num 1º de janeiro e, seu término (dies ad
quem), num 31 de dezembro.”
Não foram encontrados julgados que digam, de forma expressa, da
aplicação (ou não) do art. 210 do CTN na contagem dos prazos de
prescrição ou decadência.
A questão em comento tem o seguinte texto e o gabarito aponta para
a assertiva da letra E:
62. Os tributos federais, bem como os estaduais e os municipais, estão sujeitos às regras de decadência, referidas no art. 173 do CTN.
Tratando-se de tributos cujo lançamento seja feito por homologação, estes, especificamente, se sujeitarão, também, à regra de
homologação tácita, por decurso de prazo, prevista no § 4 sdo art. 150 desse mesmo código.
Tanto os prazos de decadência como o de homologação tácita do lançamento, pelo decurso de prazo, são de cinco anos e estão previstos,
respectivamente, no caput do art 173 do CTN e no § 4S do art. 150 do referido código.
Consequentemente, a contagem desses prazos quinquenais deve ser feita de modo
(A) continuo, incluindo-se na sua contagem o dia de início e excluindo-se o de vencimento, sendo que eles só se iniciam ou vencem em
dia de expediente normal na repartição à qual o contribuinte está vinculado, em razão do seu domicílio.
(B) contínuo, excluindo-se na sua contagem o dia de início e incluindo-se o de vencimento, sendo que eles só se iniciam ou vencem em
dia de expediente normal na repartição à qual o contribuinte está vinculado, em razão do seu domicílio.
(C) contínuo ou descontínuo, conforme determinar a lei ordinária, incluindo-se na sua contagem o dia de início e excluindo-se o de
vencimento, sendo que eles so se iniciam ou vencem em dia de expediente normal na repartição à qual o contribuinte está vinculado, em
razão do seu domicilio.
(D) contínuo ou descontínuo, conforme determinar a lei ordinária, excluindo-se na sua contagem o dia de inicio e incluindo-se o de
vencimento, sendo que eles só se iniciam ou vencem em dia de expediente normal na repartição em que corra o processo ou deva ser
praticado o ato.
(E) contínuo, excluindo-se na sua contagem o dia de início e incluindo-se o de vencimento, sendo que eles só se iniciam ou vencem em
dia de expediente normal na repartição em que corra o processo ou deva ser praticado o ato.
7
(Paulsen, 2011)
8
(Volkweiss, 2002)
9
(Volkweiss, 2002)
5. A resposta não seria alterada em virtude do aqui exposto posto que o
Examinador buscava o conhecimento da literalidade da lei. No
entanto, se a questão trouxesse datas específicas, a solução poderia
representar um problema.
Como essa questão traz um grau de ineditismo, em se tratando de
concursos públicos para acesso a cargos ligados aos interesses do
Fisco ( auditor fiscal e procurador) e em provas subjetivas, sugiro
dizer da possibilidade contagem do prazo das duas formas.
Todo o raciocínio aqui exposto aplica-se à contagem do prazo
prescricional.
Em síntese, a meu aviso, a solução não está em negar a aplicação do
art. 210 do CTN e sim em reconhecer a diferença entre fluência e
contagem nos termos da lição de Dinarmarco.
Dalmiro Camanducaia
Curitiba, 3 de abril de 2012
Bibliografia
de Santi, E. (2000). decadência e Prescrição no Direito Tributário. São Paulo: Max Limonadi.
Dinamarco, C. (2009). Instituições de Direito Prcessual Civil vol II. São Paulo: Malheiros.
Fanucchi, F. (1982). A decadência e a prescrição em direito tributário. São Paulo: Resenha Tributária.
Paulsen, L. (2011). Direito Tributário - Constituição e Código Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado.
Volkweiss, R. J. (2002). Direito Tributário Nacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado.