1. DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS NO PROCESSO DE
OUTORGA DE DIREITOS
MINERÁRIOS
GUILHERME CORRÊA DA FONSECA LIMA
Sumário
1. Introdução. 2. Teoria dos direitos e garantias fundamentais. 3.
Processo de outorga de direitos minerários. 4. Conclusão. 5.
Bibliografia
1 INTRODUÇÃO
O exercício da atividade econômica de mineração implica a
submissão do minerador a um prévio e complexo processo administrativo de
outorga perante a Administração Pública Federal. Os bens minerais,
pertencentes à União por força de disposição constitucional (art. 20, IX), só
podem ser pesquisados, extraídos e comercializados com autorização do
Poder Público, neste caso representado pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM e pelo Ministério de Minas e Energia, que detém a
competência para outorgar a particulares o direito de aproveitamento de
substâncias minerais com fins comerciais.
Em todos os regimes de aproveitamento de substâncias minerais
instituídos pelo artigo 2º do Código de Mineração (Decreto Lei nº 227, de
28/02/1967) ocorre a obrigação legal de se formular ao DNPM um pedido ou
requerimento do direito de exploração.
Com efeito, a extração propriamente dita de um bem mineral só se
inicia após o cumprimento de fases ou etapas que se desenvolvem no mundo
material e no mundo jurídico. Dessa forma, para que no campo da ciência
geológica os profissionais possam proceder ao levantamento de dados
técnicos que servem para avaliar com precisão a ocorrência do mineral
desejado, é necessária a Autorização de Pesquisa, ato administrativo que abre
a primeira de todas as fases prévias à lavra e é obtido no âmbito de um
processo inaugurado com um requerimento perante o DNPM. É no bojo de tal
processo que serão apresentadas todas as informações obtidas na pesquisa
mineral e ocorrerá a dialética entre o Poder Público e o minerador, no que
tange ao direito de extração dos recursos minerais almejados por este último,
bem como aos dados técnicos sobre tais recursos.
2. - - 2
Sendo assim, o presente ensaio visa analisar questões de grande
relevância no âmbito do processo de outorga dos direitos referentes à atividade
de lavra de bens minerais, notadamente a sua relação com os direitos e
garantias fundamentais contidos na Constituição de 1988. Sem a menor
pretensão de esgotamento da matéria, estas breves linhas querem apenas
demonstrar a importância do respeito à ordem constitucional e aos princípios
do Estado Democrático de Direito no âmbito do processo administrativo de
outorga de direitos minerários.
Será, portanto, analisada de início a teoria dos direitos e garantias
fundamentais e, em seguida, a sua relação com a tutela constitucional na seara
processual, especialmente na esfera administrativa. Após essa análise, será
estudado o processo de outorga de direitos minerários e a sua importância
como um dos inúmeros instrumentos de concretização de preceitos
constitucionais no sentido de garantir uma ordem econômica equilibrada e
justa.
2 TEORIA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Os direitos e garantias fundamentais são aqueles que visam à
proteção do homem contra o poder exercido pelo Estado. O poder que emana
do povo e é exercido pelos seus representantes por delegação não é absoluto.
Ao contrário, sofre muitas limitações, dentre elas, as referentes aos direitos e
garantias individuais e coletivas que, na atual visão da democracia, estão
indissoluvelmente ligados à noção de limitação do poder.
Na doutrina pátria o Professor José Afonso da Silva define assim os
direitos e garantias fundamentais: “são aquelas prerrogativas e instituições que
o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e
igual de todas as pessoas”1
.
Já Loaciar Gschwendtner, em excelente artigo sobre a matéria
disserta:
“Voltemos a Canotilho, para quem "as expressões ‘direitos do
homem’ e ‘direitos fundamentais’ são frequentemente utilizadas
como sinônimas. Segundo a sua origem e significado
poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do
homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os
tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos
fundamentais são os direitos do homem, jurídico-
institucionalmente garantidos e limitados espaço-
temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria
natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e
universal; os direitos fundamentais seriam os direitos
objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta"2
1 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed Malheiros, São Paulo, 15ª Ed., 1998
2 GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2075>. Acesso em: 10 jul. 2008.
3. - - 3
É necessário destacar que embora os direitos e garantias
fundamentais tenham sido concebidos originariamente em função das
liberdades da pessoa humana, não resta dúvida de que a pessoa jurídica
também é por eles tutelada. Com efeito, no art. 5º da Carta Federal de 1988
estão reconhecidos e consubstanciados os princípios da isonomia, da
legalidade, do direito de resposta, do direito de propriedade, do sigilo da
correspondência e das comunicações em geral, da garantia ao direito
adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada, do contraditório e da ampla
defesa, dentre outros. Todos esses são direitos fundamentais e, naturalmente,
são titulados também pelas pessoas jurídicas. Faz-se necessário destacar isso
porque perante o DNPM os administrados podem se apresentar tanto como
pessoas físicas quanto jurídicas.
É importante frisar que os direitos fundamentais possuem duas
dimensões, uma subjetiva, que se refere às vantagens jurídicas de seus
titulares, e outra objetiva, que se refere a valores básicos consagrados na
ordem jurídica. Contudo, não basta uma simples definição ou conceituação
para se ter um entendimento consistente acerca do que eles representam. É
necessário compreender que os direitos fundamentais estão hoje consagrados
nas constituições democráticas do mundo ocidental após sofrerem uma
evolução ao longo dos séculos. Isso decorreu do movimento constitucionalista
que se afirmou notadamente após a Revolução Francesa em 1789, da qual
surgiu a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”. É sabido que este
foi um movimento fundamental para a derrocada do absolutismo na Europa,
desencadeando conseqüências que influenciaram o Constitucionalismo
naquele continente e nas Américas.
Assim sendo, fica clara a importância da preservação de garantias e
direitos fundamentais para consolidação de uma ordem política pautada em um
documento constitucional democrático. Ainda segundo a lição de Loacir
Gschwendtner:
“Os Direitos Fundamentais estão inseridos dentro daquilo que o
Constitucionalismo denomina de princípios constitucionais
fundamentais, que são os princípios que guardam os valores
fundamentais da Ordem Jurídica.
Sem eles a Constituição nada mais seria do que um aglomerado
de normas que somente teriam em comum o fato de estarem
inseridas num mesmo texto legal; de modo que, onde não existir
Constituição não haverá direitos fundamentais.
Hoje o reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais
do homem encontram-se na base das Constituições modernas
democráticas”.3
Ou seja, os direitos fundamentais representam os tijolos básicos que
compõe o alicerce das normas constitucionais.
3 GSCHWENDTNER, Loacir. Op. Cit.
4. - - 4
Contudo, não basta que eles estejam inseridos no texto da
Constituição; é preciso que lhes seja dada a devida proteção, garantindo-se a
sua efetivação na prática. Para isso, é importante saber que a Carta Magna é
uma unidade, ou seja, um conteúdo normativo sistemático uno, e as suas
normas devem ser interpretadas segundo o contexto como um todo.
Em se tratando de norma contida na Constituição Federal, é
importante reconhecer que é necessária uma técnica específica de
interpretação, à qual se dá o nome de hermenêutica constitucional. Isso
porque, sendo a Carta Magna uma unidade, conforme dito acima, o modo de
interpretação de suas normas influencia sobremaneira os resultados da
atividade do intérprete. Sobre o assunto, manifesta-se muito bem o
constitucionalista André Ramos Tavares: “Considera-se a Constituição como
um sistema e, nessa medida, um conjunto coeso de normas” 4
.
A República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito
estruturado a partir de cinco fundamentos básicos que “indicam a forma correta
de interpretar toda a aplicação do direito positivo brasileiro em vigor”5
. São
eles: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.6
Sendo assim, o sistema constitucional pátrio deve ser sempre
interpretado segundo esses fundamentos, erigidos à condição de principais
valores da Carta de 1988. Soma-se a isto o fato de que o Estado Democrático
de Direito foi criado pelo homem no sentido de atender aos seus anseios de
construção e intervenção no seu próprio mundo, garantindo-lhe a participação
política frente ao Estado, pois este está “subordinado à legalidade
constitucional, ou seja, o conceito de Estado enquanto forma de ordenamento
político passa a estar submetido ao império da lei, da norma jurídica”7
.
Celso Antonio Pacheco Fiorillo destaca ainda que o princípio
democrático exige o seu desenvolvimento em outros campos, como o
econômico, o cultural, social e, especialmente, no campo dos litígios. É a partir
deste ponto, que se encontram as garantias na seara do processo.
Segundo o jovem processualista baiano, Fredie Didier Jr.,
“A teoria dos direitos fundamentais é considerada por muitos
constitucionalistas a principal contribuição do constitucionalismo
do pós Segunda Guerra Mundial. A processualística, desde
muito cedo, apercebeu-se da importância de estudar-se o
processo à luz da Constituição”8
.
Ensina esse mesmo jurista que os estudiosos do ramo da ciência
jurídica dedicado ao processo, passaram a encarar os institutos processuais
não apenas à luz da Constituição, mas sim à luz das normas constitucionais
que prescrevem os direitos e garantias fundamentais.
4 Ibidem, pág. 79
5 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do Processo Ambiental. Editora Saraiva. 2004. p. 1
6 Constituição Federal. Art. 1º, incisos I a V
7 FIORILLO. Op. Cit.
8 DIDIER JR., Fredie. Direito Processual Civil.
5. - - 5
No caso específico do Brasil, a CF de 1988 é uma Carta inovadora
nesse aspecto, pois traz em seu bojo diversas normas de natureza processual
dentro do elenco dos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais se
encontra aquele que é o postulado básico do processo, ou seja, “o devido
processo legal”, afirmado de forma expressa no direito pátrio pela Constituição
vigente.
Com efeito, a Carta Magna determina:
Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
[...]
LIV _ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal.
A expressão “devido processo legal” é uma tradução literal da
expressão inglesa due process of law e a primeira manifestação deste
fundamento ocorreu na cultura anglo-saxônica, em 1215, na Carta assinada
pelo Rei João Sem Terra, cuja denominação em Latim é Magna Carta
Libertatum. Por meio daquele documento a Coroa cedeu às pressões dos
nobres feudais, que marcharam sobre Londres negando lealdade ao rei. Dessa
forma garantiram, em um documento jurídico, que nenhum homem livre fosse
privado de sua liberdade ou propriedade, senão em conformidade com a “a lei
da terra” (the law of land). Foi a primeira reação da nobreza contra os
julgamentos arbitrários que visavam satisfazer apenas os interesses do
monarca.
As garantias de um julgamento segundo as normas de um processo,
ou seja, de forma igualitária, ordenada e a salvo de arbitrariedades se firmou
no Direto Penal, no Direito Civil e se irradiou para o Direito Administrativo,
regendo os atos de governo, ou atos administrativos. Assim, fica assegurado,
que estes sejam proferidos de forma harmônica com todos os mandamentos
constitucionais.
Como o objeto do presente estudo é o processo no âmbito do DNPM
e do Ministério de Minas e Energia (este, em regra, como segunda instância
administrativa), é de suma importância destacar que todos os postulados
jurídicos ora demonstrados – embora encontrados no escólio daqueles que se
dedicam notadamente ao Processo Civil – têm total aplicação na seara da
outorga de direitos minerários, pois como bem assevera Fredie Didier Jr. em
relação ao princípio do devido processo legal: “Aplica-se o princípio
genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade.
Inclusive na formação de leis. Processo é palavra gênero que engloba:
legislativo, judicial, administrativo e negocial”. Portanto, deve-se lembrar que a
função jurisdicional do Estado é, também, administrativa. A jurisdição é
6. - - 6
“manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir
imperativamente e impor decisões”9
.
Para Calmon de Passos:
“Processo significa o modo pelo qual o direito regula a sua
própria criação. Processo legislativo, que edita normas de
caráter geral. Processos de criação de normas particulares: a)
negocial: criação das normas pelos próprios sujeitos
interessados; b) administrativo e jurisdicional, que são formas
autoritativas de edição de normas particulares, com a
diferença, segundo Chiovenda, que, no segundo, há a atuação
substitutiva”10
.
Embora somente a decisão prolatada na esfera judicial seja a que se
afigura como definitiva e inquestionável, na esfera administrativa – onde se
desenrola a de outorga de direitos minerários – ocorre um verdadeiro processo
decisório, sujeito às regras gerais do Direito Processual e às garantias
fundamentais asseguradas às pessoas físicas e jurídicas pela Constituição.
3. PROCESSO DE OUTORGA DE DIREITOS MINERÁRIOS
Em princípio pode-se questionar qual seria a relação entre direitos e
garantias fundamentais e o processo administrativo de concessão do direito de
exploração de substâncias minerais. No tocante a este tipo de processo, deve-
se observar de início que é através dele que o Poder Público concede a
particulares os direitos para realizar um interesse primordial da União, qual
seja: a atividade de mineração.
Portanto, o processo de outorga de direitos minerários deve ser
entendido como um instrumento de efetivação dos princípios e preceitos
constitucionais de garantia de uma ordem econômica justa e equilibrada no
âmbito de uma sociedade igualitária e democrática.
Justamente porque a atividade mineira é de extrema importância para
a indústria de base e para a realização de objetivos primordiais de
desenvolvimento econômico, garantindo a geração de riqueza, emprego e
divisas, é que o curso dos procedimentos no DNPM deve ser levado a efeito de
forma a não mitigar qualquer possibilidade concreta de implementação de
empreendimento mineral. Alfredo Ruy Barbosa, citado por Willian Freire, diz
com propriedade que “a legislação mineral é um instrumento básico para a
fixação da política de desenvolvimento econômico de um país”11
.
Dessa forma, mais do que em outros setores, todas as decisões
proferidas no seio dos processos de outorga de direitos minerários carecem de
observância e aplicação dos princípios essenciais da atividade administrativa
do Estado. Cabe destacar que o art. 37 da Constituição determina que “A
9 Idem ibdem.
10 Idem ibdem
11 FREIRE, Willian. Comentários ao Código de Mineração, Editora Aide, 1996, p. 20.
7. - - 7
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, mas este
último não figurava no caput do artigo até ser acrescentado pela EC nº 19, em
1998. Nota-se aí a preocupação do legislador constituinte com a eficiência do
serviço público, a ponto de explicitar este princípio no Texto Magno.
Como já dito, os direitos fundamentais servem de garantia contra os
arbítrios e abusos do Estado, protegendo as pessoas (físicas e jurídicas) para
que estas não sofram restrições e limitações ilegítimas.12
Nessa seara sabe-se
que o minerador, não raras vezes, é alvo de decisões desarrazoadas por parte
do agente público que exerce a função administrativa no âmbito do DNPM.
Sabe-se que, com alguma freqüência, ocorre um desvio de finalidade do
serviço público prestado que, neste caso específico, é o de fomentar uma
atividade de extrema importância para a nação.
Nota-se que em diversos momentos o objetivo de fomento da mineração fica
mitigado, postergando-se a transformação do recurso mineral em riqueza –
quando não inviabilizando-a – porque o agente público, que é investido do
dever, não maneja bem o seu poder. Como ensina o imbatível administrativista
Celso Antonio Bandeira de Mello, o poder do Estado é meramente
instrumental, tendo como finalidade garantir que a função administrativa seja
exercida a bem do interesse público. Ou seja, que o dever de atendimento do
interesse comum seja cumprido.13
Justamente por isso concordamos com a posição daquele jurista ao
afirmar que existe um “caráter de assujeitamento do poder a uma finalidade
instituída no interesse de todos”. Dessa forma, “as prerrogativas da
Administração não devem ser vistas ou denominadas como ‘poderes’ ou como
‘poderes-deveres’. Antes se qualificam e melhor se designam como ‘deveres-
poderes’”. Assim afirma, portanto, que existe um caráter finalístico para tais
prerrogativas, devendo o poder ser sempre submisso ao dever.
Com efeito, ao exercer a sua função, o agente público e técnico da
área mineral que atua no processo de outorga dentro do DNPM deve ter em
mente a sua missão eminentemente desenvolvimentista, mirando a
consecução de objetivos importantes no sentido de realizar a mineração. Não é
à toa que a Lei 8.876, de 02 de maio de 1994, que autorizou o Poder Executivo
a instituir como autarquia o Departamento Nacional de Produção Mineral –
DNPM, diz em seu art. 3º (caput) que:
“A Autarquia DNPM terá como finalidade promover o
planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento
dos recursos minerais, e superintender as pesquisas
geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como
assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de
mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõe
o Código de Mineração (...)”.
12 PAUL, Ana Carolina Lobo Gluck. Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8770
13 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 15ª edição, Malheiros Editores. P 62
8. - - 8
É de se notar que a lei aponta como primordiais o planejamento e o
fomento da exploração dos recursos minerais. Para realização deste fim, a
predita lei atribui competências à autarquia, em especial (art. 3º):
I - promover a outorga, ou propô-la à autoridade competente,
quando for o caso, dos títulos minerários relativos à exploração
e ao aproveitamento dos recursos minerais, e expedir os
demais atos referentes à execução da legislação minerária;
II - coordenar, sistematizar e integrar os dados geológicos dos
depósitos minerais, promovendo a elaboração de textos, cartas
e mapas geológicos para divulgação;
III - acompanhar, analisar e divulgar o desempenho da
economia mineral brasileira e internacional, mantendo serviços
de estatística da produção e do comércio de bens minerais;
IV - formular e propor diretrizes para a orientação da política
mineral;
V - fomentar a produção mineral e estimular o uso racional e
eficiente dos recursos minerais;
VI - fiscalizar a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e a
comercialização dos bens minerais, podendo realizar vistorias,
autuar infratores e impor as sanções cabíveis, na conformidade
do disposto na legislação minerária;
VII - baixar normas, em caráter suplementar, e exercer
fiscalização sobre o controle ambiental, a higiene e a segurança
das atividades de mineração, atuando em articulação com os
demais órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene,
segurança e saúde ocupacional dos trabalhadores;
VIII - Implantar e gerenciar bancos de dados para subsidiar as
ações de política mineral necessárias ao planejamento
governamental;
IX - baixar normas e exercer fiscalização sobre a arrecadação
da compensação financeira pela exploração de recursos
minerais, de que trata o § 1°do Art. 20 da Constituição Federal;
X - fomentar a pequena empresa de mineração;
XI - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da
garimpagem em forma individual ou associativa.
Sem prejuízo das atribuições de controle e fiscalização, nota-se que o
legislador atribuiu ao DNPM funções de fomento que superam quaisquer
outras. Por este motivo é que, acima de tudo, deve o agente público pensar na
realização da atividade minerária.
Não se trata, jamais, de agir com negligência ou imprudência,
relevando eventuais falhas técnicas para se conceder um direito de exploração
ilegítimo, mas sim, atuar com eficiência para atingir metas reais e não apenas
processuais. Do contrário, o agente público estaria se afastando do seu dever-
poder, pois seu objetivo primordial é a atividade mineira e não o processo em
9. - - 9
si. Este é mero instrumento para se outorgar os títulos autorizativos em favor
do minerador. Portanto, o agente público deve realizar uma verdadeira
ponderação de interesses quando estiver exercendo sua função, a fim de tomar
a decisão que seja menos gravosa, tanto para o administrado, quanto para o
Poder Público.
Deve-se lembrar que a palavra processo vem do latim procedere, que
significa a ação de andar para frente. Ou seja, o processo é uma marcha
avante, logo não pode estagnar indevidamente. Justamente por este motivo, a
Constituição de 1988 foi alterada pela Emenda Constitucional n°45/2004, que
incluiu no bojo do art. 5º o inciso LXXVIII, garantindo que “a todos, no âmbito
judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, criando, portanto, um
direito fundamental a um processo sem dilações indevidas14
. Dessa forma, o
processo de outorga de direitos minerários também está sob influência deste
comando constitucional.
O operador do direito, especialmente aquele que milita na seara do
Direito Minerário, deve estar atento, pois o que não pode ocorrer – jamais – é
uma limitação dos direitos e garantias fundamentais do minerador no âmbito da
outorga de direitos, sob o pretexto de atendimento ao Princípio da Supremacia
do Interesse Público Sobre o Privado.
Em interessante artigo, Paulo Ricardo Schier afirma que
“(...) a assunção prática da supremacia do interesse público
sobre o privado como cláusula geral de restrição de direitos
fundamentais tem possibilitado a emergência de uma política
autoritária de realização constitucional, onde os direitos,
liberdades e garantias fundamentais devem, sempre e sempre,
ceder aos reclames do Estado que, qual Midas, transforma em
interesse público tudo aquilo que toca. (...) O que se questiona,
logo, não é o conteúdo mas, sim, a forma: a entronização do
interesse público num pretenso patamar hierárquico superior
àquele ocupado pelos direitos e liberdades individuais.”15
Não obstante as recentes transformações que vêm ocorrendo, com a
utilização da tecnologia da informação, para imprimir maior celeridade ao
procedimento – o que é digno de aplausos – deve-se fixar o olhar nos atos
produzidos pelo elemento humano, pois estes nunca deixarão de existir, por
maior que seja a informatização. Especialmente, nota-se que a utilização de
meios de informática se dá no início do processo, contudo, à medida que este
avança surge maior necessidade de atos decisórios, o que não se pode
delegar à máquina. Sempre será a pessoa humana, dotada de razão, que irá
proferir seu juízo de valor, devendo fazê-lo dentro da observância da
legalidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, acima de outros
requisitos.
14 DIDIER JR., Fredie. Op. Cit.
15 SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais . Jus
Navigandi, Teresina, ano 8, n. 138, 21 nov. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4531>. Acesso em: 12 jul. 2008.
10. - - 10
Tome-se, por exemplo, a análise de um Relatório Final de Pesquisa
positivo, apresentado tempestivamente pelo titular de uma autorização de
pesquisa. Suponhamos que o técnico do DNPM, após efetuar a vistoria in loco
e analisar o relatório, convenceu-se de que os trabalhos realizados não foram
suficientes, opinando pela não aprovação do RFP, colocando-se a área em
disponibilidade. Embora exista a competência discricionária do agente público
e a lei não o obrigue a determinar a apresentação de dados complementares
através do cumprimento de exigências, entendemos que, neste caso, a não
aprovação RFP e a colocação da área em disponibilidade ferem a
razoabilidade. Se existir uma possibilidade, por menor que seja, de
aproveitamento da pesquisa mineral efetuada pelo pretendente, as exigências
devem ser colocadas em pauta, concedendo-se ao minerador a oportunidade
de sanear o trabalho realizado. Embora possa parecer que há um
protecionismo ou privilégio do interesse privado em detrimento do interesse
público, essa idéia é falsa.
Sendo o objetivo primordial do DNPM fomentar a atividade de
mineração, o agente público responsável pela análise dos dados da pesquisa
deve ter em mente que o procedimento de disponibilidade de área pode
acarretar maior custo para o Poder Público e, pior, o retardo na implantação de
um empreendimento mineiro. Logicamente, se a área possui grande potencial
econômico (e isso deve ser observado pelo técnico do DNPM), pode ocorrer
uma disputa acirrada pela prioridade para o seu aproveitamento. Dessa forma,
a disputa técnica e jurídica pode extrapolar do âmbito administrativo para o
judicial, retardando indefinidamente o aproveitamento do recurso mineral na
prática.
Dessa forma, o caráter decisório do ato praticado pelo DNPM é de
extrema importância para o futuro da atividade econômica, pois pode definir de
forma mais simplificada a demanda (se houver a possibilidade) ou aplicar um
maior rigor, que se caracterize como desarrazoado.
Este é um mero exemplo, dentre diversas situações que ocorrem no
curso do processo administrativo de outorga de direitos minerários, que serve
como ilustração da importância de atos decisórios coerentes do ponto de vista
técnico e jurídico. Portanto, faz-se importante frisar mais uma vez que a
conduta pautada na proporcionalidade, na razoabilidade e na eficiência torna-
se uma garantia da realização do interesse público.
4. CONCLUSÃO
Os direitos e garantias fundamentais são uma conquista da sociedade
humana, hoje inseridos nos documentos constitucionais democráticos, servindo
de obstáculo aos excessos cometidos pelo Poder Público, que possui função
administrativa e deve pautar seus atos na estrita legalidade, agindo com
razoabilidade, proporcionalidade e eficiência.
Eles estão assegurados pela Constituição da República Federativa do
Brasil nos processos judicial, administrativo, legislativo e até negocial. São os
chamados direitos e garantias fundamentais processuais.
11. - - 11
O processo administrativo de outorga de direitos minerários é um dos
diversos instrumentos de efetivação dos princípios e preceitos constitucionais
para a construção de uma ordem econômica justa e equilibrada no âmbito de
uma sociedade igualitária e democrática, haja vista a importância do setor de
mineração para o desenvolvimento do país.
O DNPM é o órgão da administração indireta que tem como objetivo
primordial o fomento da atividade mineral.
No exercício da função administrativa, o agente público é investido de
dever e tem o poder como mero instrumento para consecução da sua missão a
bem do interesse público. Deve, portanto, no âmbito do processo de outorga de
direitos minerários, agir de forma racional e coerente, atendendo aos princípios
da razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, sem perder de vista que
dentre os seus objetivos está, principalmente, o fomento da atividade mineral.
5. BIBLIOGRAFIA
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. Sap Paulo:
Malheiros, 1998
GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina,
ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2075>. Acesso em 10 jul. 2008.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São
Paulo: Saraiva. 2004, p. 1.
DIDIER JR., Fredie. Direito processual civil.
FREIRE, Willian. Comentários ao código de mineração. Rio de Janeiro: Aide,
1996, p.20.
PAUL, Ana Carolina Lobo Gluck. Texto extraído do Jus Navigandi:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8770>. Acesso em: 12 jul. 2008.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed.
São Paulo: Malheiros, p. 62.
SCHIER, Paulo Ri cardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público
sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais. Jus Navigandi,
eresina. Ano 8, n. 138, 21 nov. 2003. Disponível em
<http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4531>. Acesso em: 12 jul.2008.