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Esboço sobre cosmologia,doença,cura e cuidados nos
Enawene-Nawe
O sistema médico da assessoria ao Projeto de Medicina Tradicional Indígena, é
centrado no corpo, considerando-o no âmbito total, que concebe o circuito
saúde-doença-tratamento com termos unicamente biológicos. Esta é guiada
por princípios da ciência que contrasta com aquelas cujo o foco é direcionado
para as forças imateriais. O primeiro considera os agentes promotores da
doença, o organismo biológico, que precisam ser expulsos do corpo do
hospedeiro, e este ultima medicado devidamente. Já o segundo, os agentes
etiológicos são manifestações espirituais, sendo que as substâncias
introduzidas no corpo foram feitas pelas ações de criaturas espirituais.
A tradição indígena chama atenção para uma continuidade entre corpo e alma,
substância e imaterialidade. A doença é concebida não apenas como uma
disfunção orgânica e biológica, mas como um distúrbio proveniente de forças
de natureza social, física e cósmica.
A cosmologia focalizada busca dar atenção as noções
e práticas envolvidas no complexo saúde-doença-tratamento-morte, tal como
as de Enawene-Nawe. Define e articula pessoas de conhecimento que
aproximam mais a “diplomatas do cosmos” que aos profissionais de um
“sistema indígena de saúde” à forma do SUS. A doença é tida como
interligação a diversos fatores como biológicos, de natureza social, física e
cósmica. A defesa de que o universo é constituído por várias camadas, vem de
Enawene-Nawe. Na parte da Terra vivem os humanos, animais e vegetais, que
são considerados uma imitação dos habitantes da camada superior, o eno, que
é o mais importante de todo o cosmos. No subterrâneo, um amplo e misterioso
espaço que é dominado pelos espíritos chamados iakayreti, perseguidores dos
humanos, que são causadores da doença e da morte das pessoas. Da parte
celestial, os enore-nawe, são bondosos e sua fisionomia exterior é muito
admiravél. Chegam perto do que consideramos obesos, com corpos
perfumados, bem definidos e fortes. Abarcam toda a circunferência da
abobada celeste, esta aldeia é organizada em conjuntos habitacionais, onde
cada um pertence a um círculo, a um grupo de deuses de um mesmo clã,
enawene. Os deuses enore são considerados como parentes ancestrais dos
Enawene. Em contraste há os iakayreti que são deformados, muito altos e sem
articulação nas juntas, nos braços e pernas; não possuem olhos, com cabelos
longos, não sorriem nem choram e são preguiçosos. Moram em ilhas e morros,
vivendo isolados e sem se socializar.
Os Enawene jamais conseguem se livrar dos iakayreti, que são os
responsáveis pelos desastres da natureza. Os iakayreti são seres malignos a
quem os Enawene têm a obrigação de saciar, oferecendo alimento em
abundância e um extenso calendário de cerimônias rituais. Em troca, recebem
como recompensa a tranquilidade, a saúde e a vida. A garantia de comida é a
fonte que satisfaz os iakayreti como requisito da sobrevivência dos Enawene-
Nawe, ela é uma obrigação para com eles, trazer satisfação por manter
afastado aquilo que é social e individualmente indesejável.
Os dakoti são prenúncio de doença e morte, seja da própria pessoa que o vê
ou de algum parente desta. Ficam vagando durante a noite pela floresta e
arredores da aldeia, vivem nas aldeias abandonadas, pelo fato de estarem
associados à sombra dos mortos, enterrados no interior das casas.
Para os Enawene a pessoa é uma trindade em potência. A morte de um
indivíduo dá origem a três subjetividades cósmicas, um enore, um iakayreti e
um dakoti. O corpo, deixa exercer normalmente com a morte, não significa
mais corpo-potência, mas simplesmente esquecida e inerte. Com o
falecimento, o que se tem são almas-corpo nos devires enore-iakayreti-dakoti.
O corpo assume outros corpos. para fazer valer suas almas, sempre dele
dependentes. Quando alguém adoece, a primeira medida tomada é o
oferecimento de comida aos iakayreti. E, se este momento coincide com a
escassez de alimento, na residência ou mesmo na aldeia, então a gira em
torno da providência de comida seja por mobilização no âmbito do grupo social
a que pertence o doente. O alimento é levado, pelo xamã ou alguém da família
do doente, até o centro do pátio ou colocado no interior das casas.
Com a implantação definitiva do Distrito Sanitário Especial Indígena, e a
conseqüente integração dos Enawene ao programa, os baraytarexi foram
institucionalmente incorporados a ele na condição de Agentes Indígenas de
Saúde. Reduzidos a apenas dois, eles passaram a cumprir uma série de
atividades e compromissos impostos, submetidos à hierarquia do sistema e
devendo atuar como um dos seus na aldeia, em companhia ou na ausência de
outros profissionais, auxiliares de saúde e enfermeiros. Assim também os
novos agentes indígenas passaram a ser pagos pelos seus serviços na aldeia.
Os Enawene-Nawe nunca ocultaram seu interesse e fascínio pela medicina
biomédica, especialmente pela sua capacidade de produção de medicamentos,
em quantidade e diversidade, e pela rapidez de resposta do seu tratamento.
É importante ressaltar que nesse contexto, a atuação esperada dos agentes do
sistema oficial não dependerá apenas de sua capacidade técnica, mas da
própria etnologia.
O contexto alto xinguanode incorporação de projetos e
ações em saúde
Tratou de questionar se esse projeto ia de acordo com as próprias
reivindicações e demandas indígenas no sentido da valorização, respeito e
preservação das suas “tradições culturais”; ou de uma adequação dessas
demandas aos projetos de atenção à saúde enunciada em outras esferas de
deliberação para a formulação de um programa específico de atenção à saúde
para os povos indígenas.
Primeiramente, deve ser observado que é recorrente o uso dos serviços de
saúde e das práticas das medicinas indígenas no próprio campo da terapêutica
dessa população. Processo este que não se dá sem contradições e conflitos de
diversas naturezas, quer no campo da intervenção clínica propriamente dita,
quer no campo da formulação, implementação e gestão das ações em saúde.
Não é uma possível solução para estes conflitos e contradições, através da
integração dos diversos especialistas da medicina indígena aos serviços
assistenciais em saúde. Trata-se também, em segundo lugar, de ponderar
sobre os eventuais reflexos desse processo nas próprias formas político-
simbólicas às quais os sistemas terapêuticos indígenas estão relacionados e
mutuamente se referem. Apesar de esta ser uma discussão ainda incipiente no
Alto Xingu, gostaria de trazer alguns dados sobre a forma como este processo
vem ocorrendo nesta região para poder subsidiar a discussão que aqui está
sendo realizada.
Os resultados desse processo têm sido objeto de críticas, dados as
contradições
e os impasses surgidos da institucionalização e operacionalização desses
projetos
nos diversos planos governamentais da sua implementação frente às
demandas
específicas de algumas comunidades indígenas. Mesmo que essas mudanças
tenham propiciado a participação da comunidade, por meio das suas
lideranças, na gestão dos recursos para a saúde que estão agora alocados em
uma associação indígena local, a coordenação e o controle das ações em
saúde são feitos por uma enfermeira e por uma equipe de profissionais de
saúde contratadas para este fim. Sob esse aspecto, não só o sistema
terapêutico indígena não está integrado aos serviços de saúde, como também
não é considerado na organização e nos procedimentos das ações em saúde,
que obedece protocolarmente os encaminhamentos dados pela Funasa.
O princípio do respeito à diversidade sócio-cultural dos povos indígenas
significa, na prática, relegar os sistemas cognitivos e lógico-simbólicos desses
povos a uma esfera difusa de “crenças, hábitos e costumes”, em especial
frente à unificação e padronização das ações em saúde prevista pelo modelo
vigente.
Há a necessidade de presidir a relação médico-paciente e a valorização dos
aspectos da cultura e da medicina tradicional, tem uma orientação
eminentemente técnica que, por vezes, ignora completamente o próprio modo
de vida indígena. O princípio da diferença não está alocado na forma de
prestação dos serviços, até por razões de ordem política, mas na lógica do
pensamento indígena e da sua terapêutica que é efetivamente onde se
processa a articulação entre diferentes práticas profiláticas.

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Cosmologia Enawene e saúde

  • 1. Esboço sobre cosmologia,doença,cura e cuidados nos Enawene-Nawe O sistema médico da assessoria ao Projeto de Medicina Tradicional Indígena, é centrado no corpo, considerando-o no âmbito total, que concebe o circuito saúde-doença-tratamento com termos unicamente biológicos. Esta é guiada por princípios da ciência que contrasta com aquelas cujo o foco é direcionado para as forças imateriais. O primeiro considera os agentes promotores da doença, o organismo biológico, que precisam ser expulsos do corpo do hospedeiro, e este ultima medicado devidamente. Já o segundo, os agentes etiológicos são manifestações espirituais, sendo que as substâncias introduzidas no corpo foram feitas pelas ações de criaturas espirituais. A tradição indígena chama atenção para uma continuidade entre corpo e alma, substância e imaterialidade. A doença é concebida não apenas como uma disfunção orgânica e biológica, mas como um distúrbio proveniente de forças de natureza social, física e cósmica. A cosmologia focalizada busca dar atenção as noções e práticas envolvidas no complexo saúde-doença-tratamento-morte, tal como as de Enawene-Nawe. Define e articula pessoas de conhecimento que aproximam mais a “diplomatas do cosmos” que aos profissionais de um “sistema indígena de saúde” à forma do SUS. A doença é tida como interligação a diversos fatores como biológicos, de natureza social, física e cósmica. A defesa de que o universo é constituído por várias camadas, vem de Enawene-Nawe. Na parte da Terra vivem os humanos, animais e vegetais, que são considerados uma imitação dos habitantes da camada superior, o eno, que é o mais importante de todo o cosmos. No subterrâneo, um amplo e misterioso espaço que é dominado pelos espíritos chamados iakayreti, perseguidores dos humanos, que são causadores da doença e da morte das pessoas. Da parte celestial, os enore-nawe, são bondosos e sua fisionomia exterior é muito admiravél. Chegam perto do que consideramos obesos, com corpos perfumados, bem definidos e fortes. Abarcam toda a circunferência da abobada celeste, esta aldeia é organizada em conjuntos habitacionais, onde cada um pertence a um círculo, a um grupo de deuses de um mesmo clã, enawene. Os deuses enore são considerados como parentes ancestrais dos Enawene. Em contraste há os iakayreti que são deformados, muito altos e sem articulação nas juntas, nos braços e pernas; não possuem olhos, com cabelos longos, não sorriem nem choram e são preguiçosos. Moram em ilhas e morros, vivendo isolados e sem se socializar. Os Enawene jamais conseguem se livrar dos iakayreti, que são os responsáveis pelos desastres da natureza. Os iakayreti são seres malignos a quem os Enawene têm a obrigação de saciar, oferecendo alimento em abundância e um extenso calendário de cerimônias rituais. Em troca, recebem como recompensa a tranquilidade, a saúde e a vida. A garantia de comida é a fonte que satisfaz os iakayreti como requisito da sobrevivência dos Enawene- Nawe, ela é uma obrigação para com eles, trazer satisfação por manter afastado aquilo que é social e individualmente indesejável.
  • 2. Os dakoti são prenúncio de doença e morte, seja da própria pessoa que o vê ou de algum parente desta. Ficam vagando durante a noite pela floresta e arredores da aldeia, vivem nas aldeias abandonadas, pelo fato de estarem associados à sombra dos mortos, enterrados no interior das casas. Para os Enawene a pessoa é uma trindade em potência. A morte de um indivíduo dá origem a três subjetividades cósmicas, um enore, um iakayreti e um dakoti. O corpo, deixa exercer normalmente com a morte, não significa mais corpo-potência, mas simplesmente esquecida e inerte. Com o falecimento, o que se tem são almas-corpo nos devires enore-iakayreti-dakoti. O corpo assume outros corpos. para fazer valer suas almas, sempre dele dependentes. Quando alguém adoece, a primeira medida tomada é o oferecimento de comida aos iakayreti. E, se este momento coincide com a escassez de alimento, na residência ou mesmo na aldeia, então a gira em torno da providência de comida seja por mobilização no âmbito do grupo social a que pertence o doente. O alimento é levado, pelo xamã ou alguém da família do doente, até o centro do pátio ou colocado no interior das casas. Com a implantação definitiva do Distrito Sanitário Especial Indígena, e a conseqüente integração dos Enawene ao programa, os baraytarexi foram institucionalmente incorporados a ele na condição de Agentes Indígenas de Saúde. Reduzidos a apenas dois, eles passaram a cumprir uma série de atividades e compromissos impostos, submetidos à hierarquia do sistema e devendo atuar como um dos seus na aldeia, em companhia ou na ausência de outros profissionais, auxiliares de saúde e enfermeiros. Assim também os novos agentes indígenas passaram a ser pagos pelos seus serviços na aldeia. Os Enawene-Nawe nunca ocultaram seu interesse e fascínio pela medicina biomédica, especialmente pela sua capacidade de produção de medicamentos, em quantidade e diversidade, e pela rapidez de resposta do seu tratamento. É importante ressaltar que nesse contexto, a atuação esperada dos agentes do sistema oficial não dependerá apenas de sua capacidade técnica, mas da própria etnologia. O contexto alto xinguanode incorporação de projetos e ações em saúde Tratou de questionar se esse projeto ia de acordo com as próprias reivindicações e demandas indígenas no sentido da valorização, respeito e preservação das suas “tradições culturais”; ou de uma adequação dessas demandas aos projetos de atenção à saúde enunciada em outras esferas de deliberação para a formulação de um programa específico de atenção à saúde para os povos indígenas. Primeiramente, deve ser observado que é recorrente o uso dos serviços de saúde e das práticas das medicinas indígenas no próprio campo da terapêutica dessa população. Processo este que não se dá sem contradições e conflitos de diversas naturezas, quer no campo da intervenção clínica propriamente dita, quer no campo da formulação, implementação e gestão das ações em saúde. Não é uma possível solução para estes conflitos e contradições, através da integração dos diversos especialistas da medicina indígena aos serviços assistenciais em saúde. Trata-se também, em segundo lugar, de ponderar
  • 3. sobre os eventuais reflexos desse processo nas próprias formas político- simbólicas às quais os sistemas terapêuticos indígenas estão relacionados e mutuamente se referem. Apesar de esta ser uma discussão ainda incipiente no Alto Xingu, gostaria de trazer alguns dados sobre a forma como este processo vem ocorrendo nesta região para poder subsidiar a discussão que aqui está sendo realizada. Os resultados desse processo têm sido objeto de críticas, dados as contradições e os impasses surgidos da institucionalização e operacionalização desses projetos nos diversos planos governamentais da sua implementação frente às demandas específicas de algumas comunidades indígenas. Mesmo que essas mudanças tenham propiciado a participação da comunidade, por meio das suas lideranças, na gestão dos recursos para a saúde que estão agora alocados em uma associação indígena local, a coordenação e o controle das ações em saúde são feitos por uma enfermeira e por uma equipe de profissionais de saúde contratadas para este fim. Sob esse aspecto, não só o sistema terapêutico indígena não está integrado aos serviços de saúde, como também não é considerado na organização e nos procedimentos das ações em saúde, que obedece protocolarmente os encaminhamentos dados pela Funasa. O princípio do respeito à diversidade sócio-cultural dos povos indígenas significa, na prática, relegar os sistemas cognitivos e lógico-simbólicos desses povos a uma esfera difusa de “crenças, hábitos e costumes”, em especial frente à unificação e padronização das ações em saúde prevista pelo modelo vigente. Há a necessidade de presidir a relação médico-paciente e a valorização dos aspectos da cultura e da medicina tradicional, tem uma orientação eminentemente técnica que, por vezes, ignora completamente o próprio modo de vida indígena. O princípio da diferença não está alocado na forma de prestação dos serviços, até por razões de ordem política, mas na lógica do pensamento indígena e da sua terapêutica que é efetivamente onde se processa a articulação entre diferentes práticas profiláticas.