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Vara dos Crimes Contra a Administração Pública e a Ordem Tributária da
Capital

Processo nº 0000971-61.2005.8.17.0001

                     SENTENÇA


                     Vistos, etc.

                       O Ministério Público Estadual, imbuído de suas funções
institucionais, ofereceu denúncia contra MANOEL CANTO DA SILVA FILHO,
ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO, JOSIVAL BEZERRA DE MELO, TATIANA
MATOS BARROS, ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA, MARCUS VINÍCIUS
COSTA, ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO DOS
SANTOS e GEANE AUGUSTA MENDES, devidamente qualificados nos autos,
sendo o primeiro incurso nas penas do art. 317, § 1o, parte final, do CPB; o
segundo, terceiro e a quarta denunciada incursos nas penas do art. 317, caput, c/c
art. 29 do CPB; e os demais denunciados incursos nas penas do art. 333,
parágrafo único, parte final, do CPB.

                     Narra a denúncia que, em novembro de 2004, enquanto
desempenhava as funções de Delegado de Polícia Civil do Estado de
Pernambuco e em razão de estar presidindo o Inquérito Policial nº 87/04, o réu
MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, então titular da 1a DPC (Delegacia de Santo
Amaro), teria solicitado diretamente, e com o auxílio de sua namorada, a ré
TATIANA MATOS BARROS, aos advogados paulistas e também réus ADRIANA
GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA, que pagassem a quantia
de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em troca de benefícios para atenuar a
situação dos réus ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO e
GEANE AUGUSTA MENDES, então por ele investigados.

                  Segundo a exordial acusatória, os réus ADRIANA GIGLIOLI
DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA teriam concordado com a entrega
da vantagem indevida e prometido que o pagamento seria efetuado com recursos
provenientes da venda de bens imóveis pertencentes a seus clientes, ALCYR,
DANIELA e GEANE, adquiridos com os produtos dos crimes por eles perpetrados.

                    Ocorre que, antes do pagamento da propina ser efetuado, a
supracitada negociação criminosa teria sido descoberta pela Polícia Civil de
Sergipe, através de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, as quais
teriam motivado o afastamento do denunciado MANOEL CANTO DA SILVA
FILHO da presidência do IP nº 087/04.

                     Prossegue narrando a acusação que o referido IP nº 087/04
foi instaurado a fim de investigar o furto ocorrido em um apartamento do Edifício
Costa Azevedo, nesta cidade, tendo o delegado MANOEL CANTO DA SILVA
FILHO não apenas identificado os autores do crime – quais sejam, os réus
ALCYR, DANIELA e GEANE – como também descoberto que os mesmos teriam
cometido diversos delitos semelhantes em outras capitais do país.

                   Segundo a denúncia, o réu MANOEL CANTO DA SILVA
FILHO, acompanhado de quatro agentes de polícia – dentre os quais o
denunciado ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO – teria seguido, em outubro de
2004, em missão oficial para São Paulo/SP, com vistas a efetuar a prisão dos réus
ALCYR, DANIELA e GEANE, que lá se encontravam.

                    Ocorre que, uma vez tendo obtido êxito na captura daquelas
três pessoas, o denunciado MANOEL CANTO e sua equipe de policias teriam
iniciado uma série de procedimentos suspeitos, pondo em questão o verdadeiro
objetivo da missão por eles desempenhada.

                     Diz a denúncia que, ao ser preso, o réu ALCYR teria oferecido
ao réu MANOEL CANTO e equipe a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil
reais) para ser liberado. Ao invés de tomar as providências cabíveis, porém, o réu
MANOEL CANTO teria preferido omitir-se, tendo seguido com o detento para um
hotel, onde todos teriam pernoitado.

                   No dia seguinte à prisão, ao invés de conduzir os detentos a
uma Delegacia de Polícia, onde aguardariam o embarque para Recife/PE, o réu
MANOEL CANTO teria permitido que ALCYR, DANIELA e GEANE
permanecessem por longo tempo no escritório dos réus ADRIANA e MARCUS
VINÍCUS, não obstante o fato de que dois Delegados de Polícia de Sergipe
haviam sido deslocados para São Paulo a fim de inquirirem os presos, o que teria
sido impedido.

                    Já na capital pernambucana, o réu MANOEL CANTO teria
permitido que as rés DANIELA e GEANE permanecessem custodiadas na sala do
Comissário de Polícia da 1a DPC, e o réu ALCYR na Delegacia de Homicídios,
muito embora os respectivos mandados de prisão indicassem a Colônia Penal
Feminina do Recife e o COTEL como locais de recolhimento.

                    Também segundo a denúncia, durante a permanência dos
réus DANIELA, GEANE e ALCYR no Recife, por cerca de uma semana, o réu
MANOEL CANTO e sua namorada TATIANA MATOS BARROS, teriam
participado de dois jantares com os réus ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS, para
tratar de assuntos de interesse de DANIELA, GEANE e ALCYR.
Tais encontros teriam sido precedidos de diversos contatos
telefônicos travados entre o réu MANOEL CANTO com ADRIANA e MARCUS
VINÍCIUS, inclusive com a participação da ré TATIANA – embora esta fosse
estranha aos quadros da Polícia Civil – nos quais era combinada a forma de
pagamento da propina, inicialmente fixada em R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais) e depois reduzida para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), fato constatado
através das interceptações telefônicas realizadas pela Polícia de Sergipe. Em tais
contatos telefônicos, seria possível identificar o uso de alguns códigos, dentre os
quais a expressão “certidão”, que equivaleria a “dinheiro”, mais precisamente à
quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

                      Segundo a denúncia, o benefício que seria concedido pelo réu
MANOEL CANTO para os réus ALCYR, DANIELA e GEANE, em troca do
recebimento de vantagem indevida, seria a omissão, nos autos do inquérito
policial por ele presidido, de informações relativas a outros furtos praticados pelo
grupo em diversas capitais. Também seriam reunidos outros inquéritos
instaurados e que estavam sendo conduzidos pelo GOE – Grupo de Operações
Especiais.

                    No tocante ao réu JOSIVAL BEZERRA DE MELO, então
Comissário de Polícia, diz a denúncia que ele também estava envolvido no
esquema criminoso supranarrado, tendo fornecido o número de sua conta
bancária para o réu MANOEL CANTO, mesmo sem ser seu subordinado, o qual
teria sido repassado para o réu ALCYR e deste para seus advogados ADRIANA e
MARCUS VINÍCIUS.

                      Segundo a denúncia, consta das declarações prestadas pelo
réu MANOEL CANTO, nas quais alega que tudo não passara de uma “estratégia
de investigação”, que o policial JOSIVAL fora inteirado da situação, o que
significaria dizer que quando do fornecimento do número de sua conta bancária ao
réu MANOEL CANTO, o réu JOSIVAL sabia para qual fim ela seria utilizada.

                    No tocante à participação do réu ÍTALO JOSÉ DE SÁ
CARVALHO, diz a denúncia que o mesmo teria revelado grande preocupação com
a situação dos presos ALCYR, DANIELA e GEANE, tendo inclusive acompanhado
os três, juntamente com o réu MANOEL CANTO, para Aracajú/SE, quando surgiu
a necessidade de que fossem deslocados para aquela capital afim de
responderem a outro inquérito policial instaurado para investigar a ocorrência de
crime lá praticado.

                   Outrossim, aduz a denúncia que, segundo informações do
Delegado de Polícia de Sergipe Thiago Leandro Barbosa de Oliveira, o seu colega
José Fernando Andrade de Melo, quando se preparava para interrogar os réus
ALCYR, DANIELA e GEANE, teria sido abordado pelo réu ÍTALO JOSÉ DE SÁ
CARVALHO nos seguintes termos: “nós já ganhamos o nosso, fale para o seu
amigo ficar calmo e ganhar o de vocês”, o que sugeriria que ÍTALO não somente
tinha conhecimento do esquema, como dele estava se beneficiando.
Finalmente, registra ainda a denúncia que não há provas de
que a vantagem indevida prometida pelos réus ALCYR, DANIELA e GEANE, por
intermédio dos réus ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS, foi efetivamente entregue.
Tal circunstância, porém, não impediria a consumação dos crimes versados nos
autos, visto que a corrupção ativa se consuma com a simples oferta da vantagem
indevida, ao passo que a corrupção passiva se ultima com a mera aceitação da
promessa.

                  Denúncia recebida em 16 de junho de 2005 (fl. 1807).

                   Interrogatório do denunciado MANOEL CANTO às fls.
1912/923; de ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO às fls. 1939/1944; de ALCYR
ALBINO DIAS JÚNIOR às fls. 1946/1952; de JOSIVAL BEZERRA DE MELO às
fls. 1969/1972; de TATIANA MATOS BARROS às fls. 2030/2036; de GEANE
AUGUSTA MENDES às fls. 2354/2356; de DANIELA FLEITAS BRANCO DOS
SANTOS às fls. 2453/2454, de ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA às fls.
2482/2488; de MARCUS VINÍCIUS COSTA às fls. 2489/2494.

                    Reinterrogatório do réu MANOEL CANTO às fls. 4417/4421 e
reinterrogatório da ré ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA remetido por meio de
mídia de áudio e vídeo acostada à fl. 4567.

                 Defesas prévias de MANOEL CANTO DA SILVA FILHO às fls.
1963/1964; de ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR às fls. 1965; de ÍTALO JOSÉ DE
SÁ CARVALHO às fls. 1966/1967; de JOSIVAL BEZERRA DE MELO às fls.
1979/1991; de TATIANA MATOS BARROS às fls. 2043/2044; de ADRIANA
GIGLIOLI DE OLIVEIRA às fls. 2497/2498; de MARCUS VINÍCUS COSTA às fls.
2500/2501, de DANIEL FLEITAS BRANCO às fls. 2538/2539; de GEANE
AUGUSTA MENDES às fls. 2541/2542.

                  Durante a instrução criminal foram inquiridas as seguintes
testemunhas arroladas pela Denúncia: ANTÔNIO FERNANDO DE PAULA
ROCHA (fls. 2581/2587); VALDIR MACEDO DA SILVA (fls. 2659/2662); WALTER
HERBERT MAFRA DOS SANTOS (fls. 2663/2664); LUIZ ANTÔNIO DE
MEDEIROS (2665/2668); ANTÔNIO AUGUSTO CORREIA SOARES (2671/2675);
CLÁUDIO SANTANA DE MELO (fls. 2676/2678); THIAGO LEANDRO BARBOSA
DE OLIVEIRA (fls. 3758/3762); LUIS ANGEL DOS SANTOS (fls. 3191/3191v) e
FERNANDO JOSÉ ANDRADE DE MELO (fls. 3770/3771).

               Também foram inquiridas as seguintes testemunhas arroladas
pela Defesa: PAULO FERNANDO DE ALBUQUERQUE (fls. 2930/2931);
NEWSON MOTTA DA COSTA JÚNIOR (fls. 2932); MARCOS BRUNO SALES (fls,
2933); CARLOS HENRIQUE RAMOS DE ARAÚJO (fls. 2934); ANÍBAL ALVES
MOURA (fls. 3992/3994); ERWIN LUCIANO FRIEDHIEM (fls. 3990/3993);
GERALDO MAGALHÃES BARBOSA DE ALBUQUERQUE (fls. 4178/4179);
PAULO ALBERES (fls. 4175/4176); DEIVY DEMENSTEIN (fls. 4177); KILMA
MARIA PONTES FERRAZ (fls. 3989); CARLOS JOSÉ DE ALBUQUERQUE (fls.
3949/3950); JUCIANO MARQUES CARDOSO (fls. 3946/2948); ANTÔNIO PAULO
CAMPELO (fls. 4339/4340); CARLOS BARRETO DE FREITAS (fls. 4338);
FERNANDO BALBINO DA SILVA (fls. 3587/3592); FRANCISCO I.G. LÁZARO (fls.
3593/3609); ANTÔNIA IZILDINHA LIMA SANTORO (fls. 3610/3612); ROBERTO
CESARETTO (fls. 3613/3616); BRUNO ARAÚJO DA COSTA (fls. 3038/3039);
MARCELO MARTINS RODRIGUES (fls. 3852/3853); VITÓRIA RÉGIA QUEIROZ
NUNES PAES (fls. 3408); ANTÔNIO VERAS (fls. 3239); PAULO CÉSAR TELES
MARQUES (FLS. 3001); PAULO ANTÔNIO MULLER (fls. 3524/3539); MÁRIO
DOS SANTOS CARVALHO (fls. 3540/3546); MAURÍCIO OLIVEIRA SANTOS (fls.
3558/3583); JOÃO DYONÍSIO TAVEIRA (fls. 3547/3553); RENATO GUEDES DE
OLIVEIRA (fls. 3554/3557); FRANCISCO CARLOS MOHEDAS JÚNIOR (fls.
3584/3586); LUIZ ROBERTO FERREIRA BRUTO DA COSTA (fls. 4380/4382);

                    Na fase do art. 402 do CPP, apenas a Defesa dos réus
MANOEL CANTO DA SILVA FILHO e TATIANA MATOS BARROS requereu
realização de diligências, as quais foram indeferidas mediante despacho de fls.
4407/4409.

                    Dada vista dos autos para apresentação de alegações finais, o
Ministério Público as ofertou às fls. 4810/4831, pugnando pela condenação dos
réus, nos termos da denúncia.

                   Já as alegações finais da denunciada GEANE AUGUSTA
MENDES constam às fls. 4844/4845, as de JOSIVAL BEZERRA DE MELO às fls.
4846/4860, as de ADRIANA GIGLIOLI OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA
às fls. 4866/4922, as de DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS às fls.
4923/4929, as de TATIANA MATOS BARROS às fls. 4930/4953, as de MANOEL
CANTO DA SILVA FILHO às fls. 4954/5093, as de ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR
às fls. 5113/5120, e as de ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO às fls. 5124/5162,
todas pugnando pela absolvição dos denunciados.

                     Conclusos vieram-me os autos.

                     É o relatório. Passo a decidir.




                     Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público
Estadual contra MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, ÍTALO JOSÉ DE SÁ
CARVALHO, JOSIVAL BEZERRA DE MELO, TATIANA MATOS BARROS,
ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA, MARCUS VINÍCIUS COSTA, ALCYR
ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS e GEANE
AUGUSTA MENDES, devidamente qualificados nos autos, sendo o primeiro
incurso nas penas do art. 317, § 1o, parte final, do CPB; o segundo, terceiro e a
quarta denunciada incursos nas penas do art. 317, caput, c/c art. 29 do CPB; e os
demais denunciados incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, parte final,
do CPB.

                  Aduz a denúncia que o acusado MANOEL CANTO DA SILVA
FILHO, então Delegado de Polícia, auxiliado por TATIANA DE MATOS BARROS,
sua namorada à época, negociou, por intermédio dos advogados ADRIANA
GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA, o recebimento de
vantagem indevida por parte dos réus GEANE AUGUSTA MENDES, ALCYR
ALBINO DIAS JÚNIOR e DANIELA FLEITAS BRANCO, sob a condição de que
concederia vantagens para amenizar a situação destes últimos perante a Polícia.

                    Segundo a denúncia, os réus GEANE AUGUSTA MENDES,
ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR e DANIELA FLEITAS BRANCO respondiam ao IP
nº 087/04, instaurado para apurar o cometimento de furto ocorrido em um edifício
de luxo na cidade do Recife/PE, sendo o denunciado MANOEL CANTO DA SILVA
FILHO o delegado responsável pela condução do referido inquérito.

                     Através da negociação do pagamento de vantagem indevida –
fato que teria sido constatado através de interceptações telefônicas empreendidas
pela Polícia Civil de Sergipe – GEANE, ALCYR e DANIELA pretendiam ver
omitidas, no inquérito policial presidido pelo réu MANOEL CANTO, informações
relativas a outros furtos praticados pelo grupo em diversas capitais. Também
seriam reunidos outros inquéritos instaurados e que estavam sendo conduzidos
pelo GOE – Grupo de Operações Especiais.

                    Segundo a denúncia, os réus ÍTALO JOSÉ DE SÁ
CARVALHO e JOSIVAL BEZERRA DA SILVA, respectivamente, agente e
comissário de polícia à época dos fatos versados nos autos, teriam contribuído
para o deslinde do esquema delituoso narrado, sendo dele também beneficiários.

                   Embora não haja provas de que a suposta propina negociada
tenha sido paga, a denúncia aduz que os crimes de corrupção ativa e passiva
imputados aos denunciados efetivamente se consumaram, uma vez que tais
delitos se perfazem com o simples oferecimento e aceitação da vantagem ou
promessa de vantagem indevida, respectivamente.

                   Concedida vista dos autos às partes para oferecimento de
alegações finais, as Defesas dos denunciados, antes de enfrentar o mérito,
suscitaram diversas questões preliminares, a cuja análise se procede em seguida.

Preliminar de nulidade do processo por suposta violação do art. 514 do CPP

             Segundo alegado pela Defesa do réu JOSIVAL BEZERRA DE
MELO, bem como pela Defesa do réu MANOEL CANTO e a de outros
denunciados, o presente processo seria eivado de nulidade desde o início, ante o
fato deste Juízo não ter determinado a notificação dos acusados que, à época,
eram funcionários públicos, para responder a denúncia por escrito antes de se
pronunciar sobre seu recebimento, conforme o disposto no art. 514 do CPP
relativamente aos crimes funcionais afiançáveis.

             Vale registrar que a questão acerca da aplicabilidade do dispositivo
plasmado no art. 514 do CPP em hipóteses na qual a denúncia se encontra
instruída por inquérito policial – como é o caso dos presentes autos – já foi
amplamente discutida em sede jurisprudencial, merecendo, inclusive, a edição de
uma Súmula por parte do Superior Tribunal de Justiça, a qual segue abaixo
reproduzida:

             SÚMULA 330/STJ: É desnecessária a resposta preliminar de que trata o
             artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito
             policial.

               No caso em comento, para fundamentar sua alegação, aduziu a
Defesa que, embora a súmula nº 330 do STJ dispense a observância da regra
inserta no art. 514 do CPP quando a denúncia estiver fundada em inquérito
policial, o entendimento atual do STF seria no sentido de a referida notificação em
crimes de responsabilidade de funcionários públicos é imprescindível mesmo na
citada hipótese. Segundo este raciocínio, portanto, o presente processo deveria
ser declarado nulo ab initio.

             O pleito da Defesa, todavia, não merece ser acolhido na hipótese.

             Primeiramente é de se colocar que, no que tange ao denunciado
MANOEL CANTO, embora o mesmo ainda ocupasse o cargo de Delegado de
Polícia quando do recebimento da denúncia em análise, foi posteriormente
exonerado de tal posição, encontrando-se atualmente desligado dos quadros
funcionais da Administração Pública.

              Sendo assim, imperioso é reconhecer, em relação ao referido réu,
que de nada serviria a declaração de nulidade do processo em tela, retroagindo-se
ao seu início, no presente momento, vez que o denunciado MANOEL CANTO não
se encontra mais contemplado pela possibilidade de oferecimento de justificação
prévia ao recebimento da denúncia, nos termos do art. 514 do CPP.

            A ratio da norma inserta no dispositivo acima aludido não é outra
senão proteger a Administração Pública, evitando o desencadeamento de ações
penais temerárias contra seus servidores, o que poderia comprometer o bom
desempenho de suas atividades.

             Ocorre que o denunciado MANOEL CANTO já não desempenha
mais nenhuma função pública, de forma que a aplicação do art. 514 CPP seria
totalmente desprovida de fundamento no seu caso.
No tocante aos demais denunciados que permanecem ostentando a
condição de servidores públicos, também não se justifica a declaração de nulidade
do processo para oferecer-lhes a oportunidade de apresentar resposta prévia.

              A inobservância do indigitado art. 514 do CPP é capaz de ensejar
tão-somente nulidade de caráter relativo, significando que é imprescindível à parte
que a alega demonstrar o prejuízo decorrente da não aplicação da norma no caso
concreto. Assim entende a jurisprudência das cortes superiores, consoante se
verifica através dos arestos abaixo transcritos:

             HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL.
             CONDENAÇÃO PELO CRIME DE CONCUSSÃO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO
             PRÉVIA (ART. 514 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL).
             NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO.
             ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NÃO APRECIADA PELAS INSTÂNCIAS
             ANTECEDENTES. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A ausência da notificação
             prévia de que trata o art. 514 do Código de Processo Penal constitui vício que gera
             nulidade relativa e deve ser argüida oportunamente, sob pena de preclusão.
             Precedentes. 2. O princípio do pas de nullité sans grief exige a demonstração
             de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, independentemente da
             sanção prevista para o ato, pois não se declara nulidade processual por mera
             presunção. Precedentes. 3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal
             assentou o entendimento de que o art. 514 do Código de Processo Penal tem por
             objetivo "dar ao réu-funcionário a possibilidade de evitar a instauração de processo
             temerário, com base em acusação que já a defesa prévia ao recebimento da
             denúncia poderia, de logo, demonstrar de todo infundada. Obviamente, após a
             sentença condenatória, não se há de cogitar de conseqüência de perda dessa
             oportunidade de todo superada com a afirmação, no mérito, da procedência da
             denúncia" (HC 72.198, DJ 26.5.1995). 4. Se a alegação de excesso de prazo não
             foi apreciada pelas instâncias antecedentes não cabe ao Supremo Tribunal dela
             conhecer, sob pena de supressão de instância. 5. Habeas corpus parcialmente
             conhecido e na parte conhecida denegado.
             (HC 97033/SP. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Primeira Turma.
             Ministro Relator: Min. Carmen Lúcia. Data do Julgamento: 12/05/2009.)

             PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. CRIME PRATICADO
             POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO. ART. 514 DO CPP. NULIDADE RELATIVA.
             ORDEM DENEGADA.
             1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a inobservância
             do procedimento previsto no art. 514 do CPP gera, tão-somente, nulidade
             relativa, a qual deve ser arguida no momento oportuno, acompanhada da
             comprovação de efetivo prejuízo à defesa. Ademais, estando a denúncia
             devidamente instruída com inquérito policial, torna-se dispensável a audiência
             preliminar do acusado.
             2. Ordem denegada.
             (Grifou-se)
             (HC 144425/PE. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Quinta Turma. Min
             Relator: Arnaldo Esteves Lima. DJ 01/02/2010.)

            No presente processo, porém, nenhum dos denunciados logrou
evidenciar de que forma sua Defesa teria sido prejudicada pela falta de
oportunidade de oferecer justificação prévia
Outrossim, a controvérsia acerca dos efeitos da inobservância da
regra inserta no art. 514 nas ações penais por crimes de responsabilidade de
funcionários públicos que sejam instruídas por inquérito policial não comporta
resposta única e absoluta no entendimento atual do Pretório Excelso, como quer
fazer parecer a Defesa, mas admite temperamentos de acordo com as
circunstâncias que envolvem o caso concreto.

             A Corte Suprema entende que a finalidade da justificação prévia
prevista no art. 514 do CPP é permitir que o acusado questione a viabilidade da
ação penal que se pretende instaurar, tendo a possibilidade de demonstrar, por
exemplo, a fragilidade dos indícios que fundamentam a denúncia.

              Em outras palavras, o que se pretenderia com a observância do art.
514 do CPP é que o funcionário público denunciado por crime funcional afiançável
fosse poupado do constrangimento desnecessário de ser submetido a um
processo penal fadado ao insucesso, tendo em vista o paradoxo a que aludia
Carnelutti: para se punir é preciso processar, mas processar já é, em si mesmo,
uma pena.

            Desta feita, de acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal, perde razão de ser a observância da norma processual em questão
quando a ação penal já se instaurou e se desenvolveu até a fase final – inclusive
sob o crivo do contraditório em todas as demais etapas – restando o réu
condenado, pois se houve elementos suficientes para a condenação, claro está
que a ação era plenamente viável

              Assim se depreende da leitura de recentíssimo julgado de relatoria
do Ministro Cezar Peluso, cujo voto transcrevemos a seguir:

            “       Cuida-se, aqui, de saber se ausência de intimação para o oferecimento da
            defesa preliminar, nos termos do art. 514 do Código de Processo Penal, impõe a
            anulação do processo-crime ab initio.
                    O Plenário teve a oportunidade de debater o tema no julgamento do HC nº
            85.779 (Rel. p/AC Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ 29/06/2007). Na ocasião, aderi ao
            posicionamento da maioria, consignando que a defesa preliminar, no rito especial
            destinado ao julgamento dos funcionários públicos, se destina a evitar a ritualidade
            penosa da pendência do processo penal. Em outras palavras, é mister evitar,
            previamente a viabilidade da ação penal.
                    Mas tenho que o argumento de inviabilidade da ação perde a relevância
            diante da superveniência da sentença condenatória, a exemplo do que já ocorre
            com pedidos de trancamento de ação penal por falta de justa causa, tidos pela
            Corte como prejudicados quando sobrevém condenação (HC 88.292, Rel Min.
            EROS GRAU, DJ 04/08/2006; HC nº 91.175, Rel. Min. CÉZAR PELUSO, DJ
            07/11/2008).
                    Ora, se a finalidade da defesa preliminar é a de permitir que o denunciado
            apresente argumentos capazes de induzir à conclusão da inviabilidade da ação
            penal, a ulterior edição de decisão condenatória, fundada no exame da prova
            produzida com todas as garantias do contraditório, faz presumido o atendimento
            daquele requisito inicial.
Daí que anular todo o processo, para que a defesa tenha oportunidade de
             oferecer razões que não foram capazes de evitar a decisão condenatória, não tem
             sentido algum. A sentença condenatória denota não só a viabilidade da ação, mas
             sobre tudo, como é obvio, a própria procedência desta, e deve, assim, ser
             impugnada por seus fundamentos.”
             (HC nº 89.517/RJ. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Segunda Turma.
             Ministro Relator: Cezar Peluso. Julgamento: 15/12/2009.)

             Certamente, neste momento, não cabe ainda um exame de mérito
em torno do caso sub judice, uma vez que ainda não se saiu do terreno das
questões preliminares.

             Todavia, o que se deve adiantar é que, no curso da instrução criminal
do presente processo, foram verificados elementos de prova contundentes ligando
os réus aos crimes que lhes foram imputados, sendo certo que os indícios
apresentados por ocasião do oferecimento da denúncia eram suficientes para sua
admissão.

               Deste modo, razão nenhuma assiste à Defesa na sua pretensão de
inutilizar tudo o que foi feito durante cinco anos de instrução criminal para que se
volte à fase de análise da viabilidade da ação, visto que tal requisito inicial
encontra-se evidentemente preenchido.

              Finalmente, é de se considerar que parcela respeitável da doutrina
pátria (v.g. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal
Comentado: arts. 394 a 811 e legislação complementar – 13ª ed. rev. e at. – São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 216) entende que as modificações introduzidas no Código
de Processo Penal pela Lei 11.719/2008 tiveram o condão de revogar tacitamente
o disposto nos arts. 514 a 518 do mesmo diploma, que previam especificidades
para o processamento das ações penais relativas a crimes de responsabilidade
praticados por funcionários públicos.

             É que, com o advento da referida legislação, as novas regras que
prevêem os casos de rejeição da denúncia ou queixa (art. 395, CPP), a reposta à
acusação caso a denúncia ou queixa não seja rejeitada liminarmente (396 e 396-
A, CPP), e as hipóteses de absolvição sumária (art. 397, CPP), seriam aplicáveis
a todos os procedimentos criminais de primeiro grau, independente de se tratar de
procedimento comum ou especial, como determina o art. 394, § 4o do CPP.

             Seguindo tal raciocínio, a regra processual cuja aplicação a Defesa
reclama – qual seja, o art. 514 do CPP – bem como os arts. 515 a 518, que
também fazem alusão à notificação para oferecimento de justificação prévia ao
recebimento denúncia em crimes funcionais praticados por funcionários públicos,
teriam perdido a razão de ser, devendo ser aplicado o novo rito.

            Também é neste sentido a lição de Marcelo Matias Pereira,
consoante se verifica a partir do trecho abaixo transcrito, extraído de artigo onde o
jurista comenta as inovações introduzidas com a Reforma do Código de Processo
Penal:

               “(...) O parágrafo quarto [art. 394, § 4o, CPP: As disposições dos arts. 395 a 398
              deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda
              que não regulados neste Código] traz uma regra importante ao estabelecer como
              obrigatórias as disposições concernentes à rejeição da denúncia ou da queixa
              (artigo 395), à apresentação de defesa preliminar (artigo 396) e ao julgamento
              antecipado do processo penal, com a decisão de absolvição sumária (artigo 397) a
              todos os procedimentos de primeiro grau, ainda que não regulados pelo Código de
              Processo Penal.

              Assim sendo, entendemos que, independente do procedimento ser comum ou especial,
              devem ser observadas as disposições apontadas, ressalvado o Júri, por força do
              disposto no §3º.

              Desta forma, na lei de drogas não haverá mais notificação para apresentação de
              defesa preliminar, na forma do artigo 55 da Lei 11.343/06, o mesmo ocorrendo com o
              processo por crimes cometidos por funcionários públicos, não havendo mais que se
              falar em defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia, na forma do artigo
              514 do Código de Processo Penal, em que pese tal dispositivo não tenha sido
              revogado expressa ou tacitamente, mas sim em citação para apresentação de defesa
              preliminar na forma do artigo 396, uma vez recebida a denúncia, superada a hipótese
              de sua rejeição na forma do artigo 395. (...)”1

              (Grifou-se).

             A este respeito, vale observar ainda que, na Exposição de Motivos
da Reforma do Código de Processo Penal operada em 2009 ficou registrado o
seguinte com relação ao “Anteprojeto sobre Procedimentos, Suspensão do
Processo e Efeitos da Sentença Penal Condenatória”, especificamente no ponto
da “Alteração nos procedimentos”:

              “(...) Disposição expressa constante do anteprojeto faz com que normas atinentes
              à defesa anterior ao recebimento da denúncia sejam aplicáveis ao todos os
              procedimentos penais, ainda que não previstos no Código de Processo Penal.
              Assim, proporciona-se uma uniformidade de procedimentos, com a inclusão da
              inovação acima referida a todo o processo penal.”

             Ora, como se vê, a intenção inicial estabelecida no Anteprojeto acima
aludido era a de estabelecer defesa prévia antes do recebimento da denúncia para
todos os procedimentos penais, o que acabou não sendo aprovado. No entanto,
isto não apaga o fato de que a intenção do legislador, que permeou a elaboração
da Reforma desde o início, foi a de conferir uniformidade aos procedimentos
penais.

            Sendo assim, é coerente a interpretação de que o novo
procedimento disposto nos arts. 395 a 398 do CPP tem pretensões de
1
  MATIAS PEREIRA, Marcelo. Comentários à Reforma do Código de Processo Penal –
Procedimentos.http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/curso_oab_concurso_artigo_1308_Come
ntarios_a_Reforma_do_Codigo_de_Processo_Penal_. Acesso em: 26/03/2010.
universalidade, devendo ser observado em todas as ações penais de primeiro
grau, revogando os preceitos divergentes que antes incidiam sobre casos
específicos, à exemplo dos processos por crimes praticados por funcionários
públicos.

              Por todos os motivos acima elencados, incabível e inútil seria a
declaração de nulidade do processo no presente momento, pelo que rejeito a
preliminar suscitada.

Preliminar de ilicitude da prova ante o suposto “falseamento” do pedido de
interceptação telefônica pelas autoridades policiais requerentes.

             A Defesa dos réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS
VINICIUS COSTA, bem como a Defesa de outros denunciados, alegou que o
presente processo deve ser declarado nulo ab initio em razão de se encontrar
fundado em degravações produzidas a partir de interceptações telefônicas
realizadas pela Polícia Civil de Sergipe, as quais não teriam sido devidamente
autorizadas.

              Segundo a Defesa, o Juízo da 9a Vara Criminal de Aracaju autorizou
a quebra do sigilo telefônico dos celulares pertencentes aos denunciados
ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA – de números
(011) 9615.8192 e (011) 9655.0108 – bem como do telefone fixo instalado no
escritório de advocacia onde ambos trabalhavam – de número (011) 6909.2382.
No entanto, tal autorização só teria ocorrido porque, ao fundamentar o pedido de
quebra de sigilo telefônico dos celulares pertencentes a ADRIANA GIGLIOLI DE
OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA, a autoridade da Polícia Civil de Sergipe
teria aduzido que tais celulares seriam de uso da suposta quadrilha integrada
pelos réus ALCYR, GEANE e DANIELA.

              Em outros termos, a autoridade policial que fez a representação da
interceptação telefônica teria induzido em erro a autoridade judicial que a
autorizou, posto que, segundo a Defesa, “tinha pleno conhecimento que as linhas
telefônicas em questão pertenciam e/ou eram de uso dos co-réus [ADRIANA
GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA], e que estes não eram
comparsas dos réus acusados de furto, mas seus advogados regularmente
constituídos”.

            Tais alegações, todavia, não merecem acolhida.

             Diferentemente do que quer fazer parecer a Defesa, as autoridades
da Polícia Civil de Sergipe não ludibriaram o Juízo da 9a Vara Criminal da
Comarca de Aracaju/SE para obter deferimento da representação de
interceptação telefônica que ensejou o registro das comunicações cujo conteúdo
encontra-se degravado nos autos do presente processo.
Basta ler a íntegra da representação de interceptação telefônica de
fls. 4202/4203, subscrita pelo Delegado Thiago Leandro Barbosa de Oliveira, para
constatar que, em momento algum, a referida autoridade aduziu que os telefones
móveis objeto do pedido – isto é, os de números (011) 9615.8192 e (011)
9655.0108 – pertenciam às pessoas de ALCYR, GEANE e DANIELA, tão-somente
afirmando que tais aparelhos estavam sendo usados por membros da quadrilha de
furto de jóias então investigada para se comunicarem.

              Ora, se o aludido delegado apurou que os celulares acima citados
estavam servindo à comunicação das pessoas por ele investigadas para o
cometimento de crimes, independentemente de estes celulares pertencerem ou
não a terceiros, o pedido de interceptação telefônica já era plenamente justificável.

             Outrossim, no que tange ao telefone fixo de número (011) 6909.2382
– o qual, segundo a Defesa, encontrava-se instalado no escritório de advocacia
onde trabalhavam ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS – este só foi interceptado em
virtude da nova representação de fls. 4204/4205, subscrita pela Delegada Maria
Pureza Machado Soares, cujo conteúdo é o seguinte:

             “Tendo em vista o monitoramento autorizado por este Douto Juízo de números
             utilizados por comparsas da quadrilha especializada em furto de jóias que vem
             atuando em nosso Estado, fora captado áudio de conversas mantidas entre estes
             alvos, imprescindível, não só à elucidação do crime, como também à identificação
             dos membros da corja.

             Tanto é verdade que, através desta interceptação telefônica, foi possível identificar
             mais dois possíveis membros da quadrilha, a TATIANA, a qual utiliza-se do
             terminal móvel (011) 9272-9266, e a ADRIANA, que se utiliza do número (011)
             6909-2382. (...)”

             (Grifou-se)

              Da leitura do trecho acima transcrito, fica bem claro que a autoridade
policial não induziu a autoridade judicial, pois especificou que o telefone fixo de
número (011) 690.2382 estava relacionado à pessoa que até então só se conhecia
por “ADRIANA”, tendo requerido sua interceptação por ter apurado que a referida
ADRIANA poderia estar envolvida nas atividades da suposta quadrilha de furto de
jóias investigada, o que, de fato, ocorria.

             Com estas considerações, reputo infundada a preliminar suscitada,
pelo que deixo de acolhê-la.

Preliminar de suposta violação ao art. 7o, II, do Estatuto da Advocacia

             A Defesa dos réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS
VINICIUS COSTA arguiu que as interceptações telefônicas que amparam a
denúncia no presente processo constituiriam provas ilícitas também por
desrespeitarem o Estatuto da Advocacia, que garante a inviolabilidade das
comunicações mantidas entre os advogados e seus clientes.
Todavia, é clarividente que não cabe invocar a proteção do art. 7o, II,
do Estatuto da Advocacia no caso concreto em análise, visto que a inviolabilidade
acima aludida, naturalmente, cede lugar ao interesse maior do Estado em
investigar e punir crimes.

               Como é cediço, o conjunto de prerrogativas existentes em defesa do
sigilo profissional é válido apenas dentro dos limites traçados pela lei, não
podendo servir de escudo para o cometimento de ilicitudes, pois o ordenamento
jurídico é um todo que deve ser interpretado harmoniosamente.

              Sendo assim, a proteção da comunicação dos advogados com seus
constituintes existe apenas no âmbito do exercício das atividades normais da
advocacia, relativas ao gerenciamento dos interesses jurídicos dos constituintes.
Falece, no entanto, tal prerrogativa, quando há indícios de atuação que extrapola
tais limites, mormente em havendo suspeita de envolvimento do advogado em
atividades criminosas praticadas em cumplicidade com seus clientes.

            Não é diferente o entendimento dos tribunais pátrios, como se
depreende do aresto abaixo transcrito:
              RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO
              TELEFÔNICO.ADVOGADO. QUEBRA.
             I - Decisão judicial fundamentada, com apoio na Lei nº 9.296/96, determinando a
             interceptação telefônica, não afronta a Constituição Federal.
             II - A proteção à inviolabilidade das comunicações telefônicas do advogado
             não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando presentes
             circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior,
             especificamente, a fundada suspeita da prática da infração penal.
             Recurso desprovido.
             (RMS 10857/SP. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador: 5a Turma. Ministro
             Relator: Félix Fischer. Data do Julgamento: 16/03/ 2000. DJ 02/05/2000, p. 12).

             (Grifou-se).

             Por estes motivos, rejeito a preliminar suscitada.

Preliminar de prova ilícita ante a suposta edição das conversas captadas
através de interceptação telefônica

             Também segundo a Defesa dos réus ADRIANA GIGLIOLI DE
OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA, a prova consistente nas degravações
de conversas captadas através das interceptações telefônicas que subsidiam a
denúncia no processo em tela seria ilícita, uma vez que seu conteúdo teria sido
editado pela Polícia Civil de Sergipe, excluindo outras comunicações mantidas
entre os denunciados e que seriam de interesse da Defesa.

             Da mesma forma, não assiste razão à Defesa neste ponto.
Do Laudo Pericial Audiográfico de fls. 41/64 e 408/487 consta a
transcrição de doze conversas telefônicas gravadas em um CD de áudio remetido
pela Polícia Civil de Sergipe, como resultado das interceptações telefônicas
realizadas em torno de um grupo investigado por suposto cometimento de furto de
jóias, do qual participavam alguns dos denunciados que figuram no presente
processo.

             Certamente, no curso de tais interceptações, é possível que a Polícia
Civil de Sergipe tenha captado outras conversas que, por não terem relação de
pertinência com o caso ora analisado, não foram selecionadas para serem
transcritas.

              Tal fato não inquina de qualquer ilegalidade a prova produzida,
ilegalidade que só haveria caso o conteúdo das conversas selecionadas fosse
editado, isto é, adulterado através da inserção ou supressão de dados. Não é
esta, porém, a alegação da Defesa.

             A Defesa não assevera ser inverídico o conteúdo das conversas
transcritas nos autos, apenas aduz que não constam dos autos outras
conversações de seu interesse, mas não especifica que conversações seriam
estas, nem comprova que as mesmas existiram.

             Por estes motivos, rejeito também esta preliminar levantada.

Preliminar de nulidade de ilicitude da prova oriunda de interceptações
telefônicas por suposta afronta ao art. 1o da Lei 9.296/96

                 A Defesa da ré DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS,
bem como a Defesa de outros denunciados, alegou que as interceptações
telefônicas que originaram o Laudo Pericial Audiográfico de fls. 41/64 e 407/487
constituem prova ilícita, por não terem sido autorizadas pelo Juízo da causa
principal – no caso, este Juízo dos Crimes Contra a Administração Pública e a
Ordem Tributária – mas sim pelo Juízo da 9a Vara Criminal da Comarca de
Aracaju/SE, o que malferiria o preceito plasmado no art. 1o da Lei 9.296/96,
segundo o qual:

             Art. 1o, Lei 9.296/96: “A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer
             natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal,
             observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação
             principal, sob segredo de justiça”. (Grifou-se).

                 Não procede, porém, tal alegação da Defesa.

                   As referidas interceptações telefônicas, as quais deram origem
ao Laudo Pericial Audiográfico que serve de prova ao presente processo, foram
autorizadas pelo Juízo da 9a Vara Criminal de Aracaju/SE, durante o inquérito
policial que originaria a ação penal tombada sob o nº 2004.21200473.
Tal inquérito foi instaurado para investigar um grupo suspeito de
realizar furtos de jóias na capital sergipana.

                 As interceptações telefônicas requisitadas pelas autoridades da
Polícia Civil de Sergipe foram, portanto, devidamente autorizadas pelo juízo da
então causa principal, isto é, pelo juízo de uma das Varas Criminais por
distribuição de Aracaju/SE, atendendo assim a determinação constante no art. 1 o
da Lei 9.296/96.

                   Ocorre que, através das indigitadas interceptações, foram
captadas conversas telefônicas que indicavam a ocorrência em tese de outro
delito, qual seja, crime de corrupção passiva por parte do Delegado de Polícia Civil
de Pernambuco, o ora denunciado MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, que
também conduzia inquérito policial na capital pernambucana, instaurado para
apurar furto supostamente praticado pelo mesmo grupo investigado pela polícia
sergipana.

                Uma vez que o suposto novo delito identificado fugia aos limites
da competência da Justiça Estadual de Sergipe, a Polícia Civil de Sergipe remeteu
o CD-ROM contendo as conversas telefônicas comprometedoras à Polícia Civil de
Pernambuco, a qual instaurou o competente inquérito policial, que deu origem à
presente ação penal.

                 Vê-se assim que as interceptações telefônicas de que aqui se
cuida não são eivadas de qualquer ilegalidade, pois foram autorizadas pelo juiz da
causa principal à época, no caso, a ação penal tombada sob o nº 2004.21200473,
fundada em denúncia de ocorrência de furto de jóias em Aracaju/SE.

                 Ocorre que as mesmas interceptações telefônicas serviram à
captação de indícios de outro suposto delito, inicialmente desconhecido pelas
autoridades policiais sergipanas, e de competência deste Juízo dos Crimes Contra
a Administração Pública e a Ordem Tributária.

                 Sendo assim, perfeitamente lícita era a remissão das conversas
gravadas à Polícia Civil de Pernambuco, à título de notitia criminis.

                  Impossível é exigir que este Juízo tivesse autorizado as
interceptações telefônicas de que ora se fala, pois os indícios dos crimes versados
no presente feito só surgiram após a realização das referidas interceptações.

                Nem por isso as mesmas podem ser reputadas ilícitas, pois
foram devidamente autorizadas, como se explicou alhures, ainda que para
apuração de crime diverso.

                 Sobre o tema, vale lembrar que a jurisprudência e doutrina
pátrias são uníssonas em afirmar que a interpretação do art. 1o da Lei 9296/96,
invocado pela Defesa, não deve ser feita com rigorismo excessivo, visto que
quando as interceptações telefônicas são realizadas no curso de um inquérito
policial, a incerteza sobre a natureza e a extensão da conduta criminosa
investigada podem inviabilizar que se aponte perante qual(is) Juízo(s) será(ão)
proposta(s) a(s) eventual(is) futura(s) ação(ões) penal(is), justamente como
ocorreu no caso em comento.

              Sobre o assunto, convém transcrever o seguinte acórdão lavrado
pelo Pretório Excelso:


            EMENTA: (...) IV. Interceptação telefônica: exigência de autorização do "juiz
            competente da ação principal" (L. 9296/96, art. 1º): inteligência. 1. Se se cuida de
            obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal,
            não suscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da L. 9296/96: só ao juiz da
            ação penal condenatória - e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida
            cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir
            medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a
            mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com
            temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto de
            partida à determinação da competência para a ordem judicial de
            interceptação - não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia,
            eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dos
            procedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da prova
            resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz
            Federal - aparentemente competente, à vista do objeto das investigações
            policiais em curso, ao tempo da decisão - que, posteriormente, se haja
            declarado incompetente, à vista do andamento delas.
            (HC 81260, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado
            em 14/11/2001, DJ 19-04-2002 PP-00048 EMENT VOL-02065-03 PP-00570)
            (Grifou-se).

            Também não é outro o entendimento do STJ a respeito da matéria:
            CRIMINAL.      HC.    ROUBO      QUALIFICADO.       HOMICÍDIO.       QUADRILHA.
            INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELO JUÍZO ESTADUAL.
            DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO FEDERAL. NÃO-
            INVALIDAÇÃO DA PROVA COLHIDA. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE
            DA     CUSTÓDIA       DEMONSTRADA.         PRESENÇA          DOS     REQUISITOS
            AUTORIZADORES. PERICULOSIDADE DO AGENTE. RAZÕES DO DECRETO
            RATIFICADAS PELO JUÍZO COMPETENTE. EXCESSO DE PRAZO. FEITO
            COMPLEXO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRAZO PARA A CONCLUSÃO
            DA INSTRUÇÃO QUE NÃO É ABSOLUTO. TRÂMITE REGULAR. DEMORA
            JUSTIFICADA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALHAS NÃO-VISLUMBRADAS.
            PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA.
            AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE E DA
            DIVISIBILIDADE DO PROCESSO. ALEGAÇÕES                  DE CERCEAMENTO DE
            DEFESA. OMISSÃO DO ACÓRDÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
            I . Não procede o argumento de ilegalidade da interceptação telefônica, se
            evidenciado que, durante as investigações pela Polícia Civil, quando se procedia à
            diligência de forma regular e em observância aos preceitos legais, foram obtidas
            provas suficientes para embasar a acusação contra o paciente, sendo certo que a
            posterior declinação de competência do Juízo Estadual para o Juízo Federal
            não tem o condão de, por si só, invalidar a prova até então colhida.
(...)
             XVI. Ordem denegada.
             (STJ, HC 27119/RS, 5ª TURMA, REL. MIN. GILSON DIPP, DJ 25.08.2003)
             (Grifou-se).

                 Por estes motivos, rejeito a preliminar suscitada.

Preliminar de ilicitude da prova oriunda das interceptações telefônicas em
virtude da suposta inobservância dos requisitos que autorizariam sua
utilização no presente processo

                 A Defesa do denunciado MANOEL CANTO arguiu que as
interceptações telefônicas que originaram o Laudo Pericial Audiográfico de fls.
41/64 e 407/487 constituem prova ilícita por diversos motivos, quais sejam:

             a) Suposta afronta ao princípio da legalidade, visto que não teriam
                sido observados os requisitos contidos na Lei regulamentadora
                das interceptações telefônicas (Lei 9.296/96), pois a
                representação da autoridade policial teria induzido o Juízo em
                erro, indicando como destinatários da interceptação os supostos
                integrantes da quadrilha de furto de jóias, quando, na verdade, as
                linhas telefônicas interceptadas pertenciam aos seus advogados;
             b) Violação ao Estatuto da Advocacia em razão da suposta quebra
                da inviolabilidade das comunicações entre os advogados e seus
                clientes;
             c) Nulidade da decretação de interceptação telefônica por
                incompetência do Juízo (afronta ao art. 1º da Lei 9.296/96)
             d) Ilicitude da prova em razão do processo que originou as
                interceptações telefônicas não sediar sentença transitada em
                julgado;
             e) Ilicitude da prova consistente nas interceptações telefônicas em
                razão de terem sido produzidas em processo em no qual o
                denunciado MANOEL CANTO não figurava como parte, não
                tendo podido exercer seu direito ao contraditório.

             Com relação aos argumentos elencados nas letras “a” a “c”, foram os
mesmos já rebatidos anteriormente, de forma que a preliminar de ilicitude da prova
resultante das interceptações telefônicas já se encontra rejeitada sob estes
aspectos.

               Desta forma, cumpre analisar tão-somente os argumentos referidos
nas letras “d” e “e”.

                     No tocante à alegação de ilicitude da prova em razão das
interceptações telefônicas terem sido originadas supostamente em processo que
não comportava sentença transitada em julgado quando do “empréstimo” da prova
para o presente caso, não assiste razão à Defesa, como se demonstrará a seguir.
Inicialmente, convém descrever como se processaram as investigações
que colheram indícios sobre o crime de que tratam os presentes autos.

              No ano de 2004, a Polícia Civil do Estado de Sergipe iniciou
investigações para apurar a atuação de uma quadrilha a que estava sendo
atribuída a responsabilidade por furtos de jóias em condomínios de luxo. Foram
instaurados vários inquéritos para apurar os referidos crimes, sendo um deles o IP
nº 069/2004, tombado sob o nº 200420990469, presidido pelo Delegado Thiago
Leandro B. de Oliveira, conjuntamente com Delegada Maria Pureza Machado
Soares.

              No curso do referido inquérito foram solicitadas e deferidas
interceptações telefônicas para apurar a atuação dos membros da citada
quadrilha, sendo que, por meio delas, foram também captadas conversas que
sugeriam a prática de crime de corrupção passiva por parte do Delegado da
Polícia Civil de Pernambuco, MANOEL CANTO, em associação com outras
pessoas, bem como crime de corrupção passiva por parte de supostos membros
da quadrilha investigada e seus advogados.

            Em outras palavras, durante as investigações do crime de furto,
houve uma descoberta fortuita da suposta prática de outros delitos cuja ocorrência
não era cogitada inicialmente - quais sejam – os crimes de corrupção ativa e
passiva acima aludidos.

             Tal descoberta fez com que as peças de informação (incluindo o CD
que continha as degravações das conversas interceptadas) fossem remetidas à
Corregedoria Geral de Defesa Social de Pernambuco, mediante ofício de fl. 1584,
dando ensejo a instauração de Inquérito Policial junto à Delegacia de Polícia Civil
de Pernambuco, e, posteriormente, da ação penal de que aqui se cuida.

             Vê-se assim que a presente ação penal é totalmente independente
daquela que, tendo como base o IP nº 069/2004, acima aludido, foi instaurada
perante a 9ª Vara da Comarca de Aracaju, sob o nº 2004.21200473.

              A ação penal que tramita em Aracaju/SE gira em torno de suposto
crime de furto de jóias, sendo que, durante as investigações que subsidiaram o
oferecimento da denúncia, foram descobertos, ao acaso, indícios que apontavam
para a prática dos supostos crimes contra a Administração Pública de que aqui se
cuida, os quais foram submetidos às autoridades policiais competentes do Estado
de Pernambuco, dando ensejo à instauração de novo inquérito policial e, em
seguida, da presente ação penal.

            Sendo assim, nenhuma razão assiste à Defesa ao alegar que seria
necessário esperar o trânsito em julgado da ação penal proposta em Aracaju/SE
para que a prova resultante das interceptações telefônicas de que aqui se fala
pudesse ser usada no bojo da presente ação penal.
Tendo sido encontrados indícios de crime de competência da Justiça
Estadual de Pernambuco, os mesmos não só podiam como deviam ser a esta
remetidas de imediato, como de fato ocorreu no fato em comento.

             Por estes motivos, também rejeito, neste ponto, a preliminar
suscitada.
             Da mesma maneira, também não inquina de qualquer nulidade a
prova resultante das interceptações telefônicas aqui mencionadas o fato do réu
MANOEL CANTO não figurar como parte na ação penal proposta na Comarca de
Aracajú/SE.

             Ora, o réu em questão em momento algum foi acusado de integrar o
grupo a que foram atribuídos os furtos de jóias ocorridos na capital sergipana, de
forma que jamais poderia figurar no polo passivo da ação penal iniciada na 9ª
Vara Criminal da Comarca de Aracajú.

            Ao denunciado MANOEL CANTO somente foi atribuído o
cometimento de crime de corrupção passiva, supostamente praticado na capital
pernambucana, razão porque seu caso foi posto a exame deste Juízo através da
denúncia que deu origem a presente ação penal.

               Sendo assim, o contraditório em torno do valor probante das
degravações de conversas captadas mediante interceptações telefônicas de que
aqui se cuida não poderia ter lugar em outro processo senão o presente, inclusive
porque na ação penal proposta na 9ª Vara Criminal de Aracaju – que investiga
caso de furto e não de crime contra a Administração Pública – os diálogos
mantidos entre o réu MANOEL CANTO e os advogados dos réus GEANE, ALCYR
e DANIELA acerca do suposto ajuste de pagamento de propina sequer é objeto de
análise perante aquele Juízo.

                        Deste modo, também rejeito, sob este último aspecto, a
preliminar suscitada.


Preliminar de inépcia da denúncia por suposta inobservância do art. 41 do
CPP

              A Defesa do denunciado MANOEL CANTO também arguiu que a
denúncia que subsidia o presente processo seria inepta por não descrever
pormenorizadamente a conduta delituosa imputada aos denunciados.

                 Segundo a argumentação defensiva, a denúncia em comento
não faz menção às datas e horários em que ocorreram as conversações gravadas
durante as interceptações telefônicas realizadas pela Polícia de Sergipe, e que
posteriormente foram transcritas no Laudo Pericial acostado às fls. 41/64 e
407/487.
Tal omissão teria impedido a Defesa de demonstrar que, ao
mesmo tempo em que tais conversações estavam sendo mantidas, o que
realmente estaria se passando era o desenvolvimento de uma estratégia
investigativa por parte do réu MANOEL CANTO, da qual fazia parte a simulação
de cobrança de propina.

                 Tal argumentação é notoriamente inconsistente e desprovida de
fundamento.

                 A denúncia descreve o suposto fato criminoso de forma
suficientemente detalhada, não deixando em aberto qualquer lacuna que obste o
exercício do contraditório e ampla defesa.

                 O agir de cada denunciado foi descrito pormenorizadamente,
especialmente no tocante ao réu MANOEL CANTO, que, segundo o Ministério
Público, nos últimos meses do ano de 2004, teria adotado procedimentos
suspeitos, explicitados na denúncia, durante a condução do Inquérito Policial
instaurado a partir de um furto ocorrido no Edf. Costa Azevedo, na capital
pernambucana.

                A menção às datas e horários exatos em que se travaram as
conversas telefônicas de que se cuida no caso em tela não se afigura, de forma
alguma, imprescindível, uma vez que a narrativa da denúncia permite inferir
claramente que tais diálogos ocorreram durante o período em que as atividades
do suposto grupo criminoso integrado pelos denunciados GEANE, DANIELA e
ALCYR estavam sendo investigados pelo então Delegado MANOEL CANTO.

                Não se vislumbra como a ausência de tal informação – as
aludidas datas e horários – poderia impedir a Defesa de explicitar como teria se
desenrolado a suposta estratégia investigativa que o réu MANOEL CANTO alega
que estaria empreendendo durante o período em que acompanhava o caso
envolvendo os denunciados GEANE, DANIELA e ALCYR.

                 Assim, também não há que se acolher a preliminar suscitada.

Preliminar de suposta violação do princípio da ampla defesa e do
contraditório

                  A Defesa do réu MANOEL CANTO arguiu finalmente que este
Juízo teria desrespeitado os princípios da ampla defesa e do contraditório ao
indeferir as diligências probatórias que requereu em audiência ao final da
instrução, na fase do art. 402 (antigo art. 499) do CPP, conforme consta da ata de
fls. 4380/4382 e do despacho de fls. 4407/4409.
Segundo a Defesa, mencionada postura teria trancado a
possibilidade de o réu demonstrar sua inocência, o que configuraria cerceamento
de defesa e violação do contraditório.

                  Sendo assim, a Defesa requereu que este Juízo reconsiderasse
o pedido de diligências, o qual foi novamente indeferido mediante despacho de fls.
4529, sob os mesmos fundamentos da decisão denegatória anterior.

                Uma vez que nada de novo apresentou a Defesa, os
fundamentos que motivaram o indeferimento das diligências requeridas subsistem,
razão porque nos limitamos a transcrevê-los neste momento:

                     “Ao final da assentada de fls. 4380/4382, já tendo sido concluída toda a
             instrução, foi dada oportunidade às partes para se manifestar nos termos do artigo
             402 do C.P.P.

                      Na ocasião, apenas a Defesa dos réus Manoel Canto da Silva Filho e
             Tatiana Matos Barros requereu, a título de diligências, que fossem inquiridas como
             testemunhas referidas as pessoas de José Augusto Branco (domicílio profissional
             na Rua Aderbal Chaves, Edf. Wecon, 04, Boa Viagem, nesta cidade), Enéas
             Dantas de Carvalho Cantareli Júnior (endereço profissional na Praça do Derby,
             Quartel do Derby – Comando Geral da PMPE), Edson Remígio de Santi (endereço
             profissional no Departamento de Investigações Criminais – DEIC – da Secretaria
             de Segurança Pública do Estado de São Paulo) e Ângela Verônica Albuquerque
             Cardoso ( Rua Leão Diniz de Souza, nº 2030, aptº 1203, Candeias, Jaboatão dos
             Guararapes/PE), bem como a expedição de ofício à 2ª Vara Criminal da Comarca
             de Aracajú/SE solicitando fotocópia integral do feito de nº 2004.209.00494 e por fim
             a realização de audiência especialmente designada para fins de audição do
             conteúdo das gravações eletromagnéticas das interceptações telefônicas
             judicialmente autorizadas.

                      Inicialmente, cumpre registrar que ouvir testemunhas referidas (art. 209 do
             C.P.P.), como pretende a Defesa de MANOEL CANTO e de TATIANA MATOS
             BARROS é uma faculdade do Magistrado, que deve avaliar a conveniência de
             tal oitiva para a formação do seu convencimento sobre a verdade dos fatos.

                      É ainda de se afirmar que, conquanto a Defesa tenha requerido tais
             diligências, ela não trouxe elementos concretos hábeis a justificar a relevância
             dos seus depoimentos nesta fase processual.

                     Tudo que a Defesa disse a respeito dessas testemunhas foi apenas e tão-
             somente que o Sr. José Augusto Branco teria sido mencionado por mais de uma
             vez na instrução e no inquérito, e que as pessoas de Enéas Dantas de Carvalho
             Cantareli Júnior, Edson Remígio de Santi e Ângela Verônica Albuquerque Cardoso
             teriam sido citadas em depoimentos prestados perante este Juízo.

                     Cumpre registrar desde logo que a fase processual para requerimento
             de diligências a que se refere o artigo 402 do C.P.P. (antigo 499 do C.P.P.) não
             se destina à indicação ampla de provas, mas tão somente à realização de
             diligências cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou
             de fatos apurados no curso da instrução.

                    Com relação ao pedido de oitiva do Advogado José Augusto Branco na
             condição de testemunha referida, a própria Defesa alega em seu pleito ter sido a
mesma mencionada por mais de uma vez na instrução e no próprio inquérito
policial.

         Compulsando os autos observa-se houve referência ao Advogado José
Augusto Branco nas declarações prestadas pelos acusados Adriana Giglioli de
Oliveira, às fls. 94/97, Marcus Vinícius Costa, às fls. 98/100, Daniela Fleitas Branco
dos Santos, às fls. 125/126, Geane Augusta Mendes, às fls. 127/128, Alcyr Albino
Dias Júnior, às fls. 129/132, Manoel Canto da Silva às fls. 180/189 e Tatiana Matos
Barros às fls.366/368 perante a Autoridade Policial, inclusive na presença do ilustre
Defensor Bráulio Lacerda.

        Apesar disso e mesmo tendo arrolado nada menos que 08 (oito)
testemunhas (número máximo permitido) tanto para o réu Manoel Canto da Silva
Filho, quanto para a denunciada Tatiana Matos Barros quando de suas Alegações
Prévias de fls. 1963/1964 e 2043/2044 – todas ouvidas durante a instrução
criminal, diga-se de passagem, afora a de nome Sílvio Neves Batista, indicada no
rol apresentado pela ré Tatiana, uma vez que a Defesa pugnou por sua desistência
– não cuidou a ilustrada Defesa de incluir naquele rol o nome do Sr. José Augusto
Branco, cujo testemunho agora e somente agora alega ser importante.

        O mesmo acontece quanto à pretensão da Defesa no sentido de que seja
designada audiência para fins de inquirir Enéas Dantas de Carvalho Cantarelli
Júnior, Edson Remígio de Santi e Ângela Verônica Albuquerque Cardoso, senão
vejamos:

       No tocante ao Sr. Enéas Dantas de Carvalho Cantareli, a Defesa afirma
que ele teria sido referido quando da oitiva da testemunha Mário dos Santos
Carvalho, às fls. 3540/3546.

        Neste particular, cuido ter havido equívoco do ilustre Defensor dos réus.

       É que uma mera leitura do referido depoimento demonstra que essa
testemunha simplesmente não fez qualquer referência ao nome do Sr. Enéas
Dantas de Carvalho Cantareli.

       Quanto ao Sr. Edson Remígio de Santi, se trata do Delegado Adjunto da 2ª
Delegacia do Patrimônio de São Paulo/SP, o qual teria sido procurado naquela
cidade pelo acusado Manoel Canto a fim de que disponibilizasse uma cela da
mencionada delegacia visando o encarceramento do réu Alcyr, fato alegado pelo
acusado Manoel Canto nas vezes em que foi ouvido, tanto na fase inquisitiva,
quanto na judicial, pelo que a suposta necessidade de sua oitiva não teria surgido
no curso da instrução.

          Já a Sra. Ângela Verônica Albuquerque Cardoso, apesar de seu nome não
constar em qualquer depoimento constante dos autos, informa a Defesa no seu
pleito, tratar-se da esposa da testemunha Juciano Marques Cardoso, mencionada
em seu depoimento como pessoa que já teria auxiliado o réu Manoel Canto em
uma investigação anterior sobre o desaparecimento de uma criança.

        No caso, tal depoimento em nada iria contribuir para o esclarecimento dos
fatos que são objeto deste processo.

       Como se observa dos autos, as pessoas que somente agora a Defesa quer
que sejam ouvidas já eram conhecidas dos réus de época anterior ao início da
presente ação penal e mesmo assim, não tratou a Defesa de incluir seus nomes no
rol de testemunhas constante das Alegações Prévias de fls. 1963/1964 e
            2043/2044.

                     O que não se pode admitir é que a Defesa, sob a forma de diligências,
            venha agora requerer a ouvida de testemunhas que, a tempo e a hora não foram
            arroladas, sobretudo quando se sabe que esta fase procedimental não se destina à
            indicação ampla de provas, como acima já dito, mas tão-somente à realização de
            diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de
            fatos apurados na instrução, o que definitivamente não é a hipótese destes autos.

                   Também não merece abrigo o requerimento de que se requisite ao
            Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Aracajú/SE a remessa de
            fotocópia integral do processo nº 2004.209.00494.

                   É que igualmente não se trata de diligência cuja necessidade tenha
            surgido no curso da instrução.

                    Além disso, tal diligência não exige a prestação jurisdicional deste
            juízo, uma vez que o processo cuja fotocópia pede a Defesa não tramita em
            segredo de Justiça, cabendo à própria Defesa, caso entenda que tais
            documentos são importantes, providenciar às suas expensas, o traslado das
            peças que entender necessárias para, em seguida, providenciar a sua juntada
            aos autos do presente processo.

                   Melhor sorte não assiste ao pleito defensivo no sentido de ser
            designada audiência especialmente para audição do conteúdo das gravações
            eletromagnéticas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas e
            cujo conteúdo já foi degravado e que já se encontra nos autos.

                   É importante registrar que os CD's referidos pela Defesa estão no
            Cartório desta Vara à disposição das partes desde antes de iniciada a ação
            penal.

                    Ora, se a Defesa tem alguma dúvida quanto à fidelidade da
            degravação, deve ouvir esse CD's, se é que já não o fez ao longo de todo o
            tramitar deste processo, apontando em seguida onde é que se encontra o
            equívoco.

                     Se os CD's estão à disposição das partes, como já se disse, desde antes
            de iniciada a presente ação penal, não faz o menor sentido a designação de uma
            audiência com o único propósito de se verificar o seu conteúdo.

                    Em razão de todo o exposto, não havendo base legal para o deferimento
            das diligências requeridas pela Defesa e tendo as mesmas caráter meramente
            protelatório, indefiro-as.”

            (Fls. 4409/4409. Grifou-se).


               Assim, em face dos argumentos acima esposados vê-se que o caso
não configura cerceamento de defesa ou violação do contraditório, razão porque
rejeito esta última preliminar suscitada pela Defesa.
Do Mérito

             Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público Estadual
contra MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO,
JOSIVAL BEZERRA DE MELO, TATIANA MATOS BARROS, ADRIANA
GIGLIOLI DE OLIVEIRA, MARCUS VINÍCIUS COSTA, ALCYR ALBINO DIAS
JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS e GEANE AUGUSTA
MENDES, devidamente qualificados nos autos, sendo o primeiro incurso nas
penas do art. 317, § 1o, parte final, do CPB; o segundo, terceiro e a quarta
denunciada incursos nas penas do art. 317, caput, c/c art. 29 do CPB; e os demais
denunciados incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, parte final, do CPB.

                 Segundo a denúncia, o denunciado MANOEL CANTO, na
condição de Delegado de Polícia Civil à frente de inquérito policial instaurado para
apurar caso de furto de jóias atribuído aos denunciados ALCYR ALBINO DIAS
JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO e GEANE AUGUSTA MENDES – auxiliado
pela sua então namorada TATIANA DE MATOS BARROS – teria ajustado o
recebimento de vantagem pecuniária indevida para amenizar a situação dos
mesmos, o que teria sido negociado por intermédio dos causídicos contratados
pelos então indiciados, quais sejam, os ora denunciados ADRIANA GIGLIOLI DE
OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA.

                 Narra ainda a peça de exórdio que o denunciado ÍTALO JOSÉ
DE SÁ CARVALHO, agente de polícia à época, que atuou junto ao réu MANOEL
CANTO durante as investigações empreendidas para apurar o caso do furto de
jóias, teria tomado parte do esquema criminoso, o que teria sido revelado pelo
excesso de zelo demonstrado pelo mesmo com relação à situação dos réus
ALCYR, DANIELA e GEANE durante o período em que permaneceram
custodiados em Pernambuco, pelo como pelo fato de ter supostamente abordado
a pessoa de José Fernando Andrade de Melo, Delegado da Polícia Civil de
Sergipe, que também investigava caso de furto de jóias atribuído à mesma
quadrilha investigada pela Polícia Civil de Pernambuco, nos seguintes termos:
“nós já ganhamos o nosso, fale para o seu amigo ficar calmo e ganhar o de
vocês”, o que sugeriria que ÍTALO não somente tinha conhecimento do esquema,
como dele estava se beneficiando.

                  Finalmente, no tocante ao réu JOSIVAL BEZERRA DE MELO,
agente da Polícia Civil de Pernambuco que, todavia, não participava da equipe
responsável pela apuração do caso do furto de jóias, diz a denúncia que este teria
cedido o número de sua conta corrente ao réu MANOEL CANTO, sabendo que
esta seria utilizada para que os advogados ADRIANA GIGLIOLI e MARCUS
VINÍCIUS efetuassem a transferência da vantagem indevida acertada com o
referido Delegado.

                 Analisando o conjunto probatório carreado aos autos, verifica-se
a total procedência da denúncia, como se demonstrará adiante.
a) Da materialidade delitiva

               Os crimes de corrupção ativa e passiva atribuídos aos
denunciados nesta ação penal são de natureza formal, se consumando com a
mera aceitação e o mero oferecimento, respectivamente, de vantagem ou
promessa de vantagem indevida a funcionário público em razão de sua função.

                Sendo assim, os elementos probatórios existentes nos autos não
deixam dúvida acerca da ocorrência dos mencionados delitos.

                 As gravações de conversas telefônicas obtidas pela Polícia Civil
de Sergipe e transcritas no Laudo Pericial Audiográfico de fls. 41/64 e fls. 408/486
evidenciam que, durante o período em que o denunciado MANOEL CANTO, então
Delegado da Polícia Civil de Pernambuco, presidia o Inquérito Policial nº 087/04,
instaurado para investigar um caso de furto de jóias ocorrido em apartamento de
luxo no Recife – atribuído aos denunciados ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR,
DANIELA FLEITAS BRANCO e GEANE AUGUSTA MENDES – estavam
ocorrendo negociações entre estes e o referido ex-delegado, intermediadas pelos
advogados dos mesmos, os réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS
VINÍCIUS COSTA, e contando ainda com a ajuda dos policias ÍTALO JOSÉ DE
SÁ CARVALHO e JOSIVAL BEZERRA DE MELO, para que a situação dos
indiciados perante a Polícia fosse amenizada mediante o pagamento de vantagem
pecuniária indevida.

                Segundo a versão apresentada pela Defesa do réu MANOEL
CANTO, a tentativa de obtenção de propina empreendida pelo ex-delegado seria
apenas uma farsa, utilizada como estratégia investigativa para alcançar outros
membros integrantes da suposta quadrilha de furto de jóias, descobrir contas
fantasmas e recuperar parte do numerário equivalente ao valor das jóias furtadas.

                 Tal tese defensiva, porém, como se demonstrará adiante, revela-
se de todo inverossímel, embora não haja como negar que, diante da robustez dos
elementos de prova a incriminar os denunciados, talvez não restasse alternativa
melhor ao réu MANOEL CANTO e seu defensor senão alegar que o esquema
criminoso ora analisado não passou de uma “estratégia investigativa”.

                 As interceptações telefônicas constantes dos autos se constituem
em provas irrefutáveis contra os réus, fato que explica o recurso a teses de defesa
mirabolantes, bem como o excesso de questões preliminares suscitadas pelos
causídicos dos réus, sobretudos aquelas que visam a qualquer custo – e
desarrazoadamente, diga-se de passagem – expungir dos autos o teor das
degravações que incriminam a todos, a não mais poder.

                 Sabendo, como sabe a Defesa, de tudo isso, não se pode
olvidar, porém, que, ao tentar desesperadamente afastar a prova dos autos, os
defensores não fizeram mais do que exercer seu papel.
Ademais, não deixa de ser curioso que o ilustre Defensor do réu
MANOEL CANTO, ao transcrever depoimentos diversos em suas extensas
alegações finais, optou por selecionar aqueles que foram prestados perante a
Corregedoria de Polícia por colegas de trabalho do denunciado, e não por aqueles
prestados em Juízo no curso da instrução criminal, sob o crivo do contraditório.

                É de se observar que tais declarações contém juízos de valor e
apreciações pessoais sobre os fatos narrados na denúncia, o que ofende
sobremaneira o disposto no art. 213 do CPP.

             Todavia, não obstante tão grandes esforços empreendidos pela
Defesa, as diversas preliminares suscitadas revelaram-se improcedentes, sendo
todas rebatidas anteriormente, ao passo que os argumentos defensivos no mérito
também não se poderão ser acolhidos, em face do vigor da prova que pesa contra
os denunciados, como se passará a analisar a seguir.

                 Primeiramente é de se registrar que, ao ser ouvido perante este
Juízo, o réu ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR afirmou categoricamente que o réu
MANOEL CANTO exigiu o pagamento da importância de R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais) – reduzida, após negociações, para o valor de R$
350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais) – para, em troca, favorecer o réu
ALCYR no inquérito policial que ele, MANOEL CANTO, estava presidindo, além de
avocar outros inquéritos policiais pendentes no GOE. É o que se verifica no
seguinte trecho do interrogatório prestado por ALCYR às fls. 1939/1944:


             “QUE já no dia 6 de novembro, quando os delegados de Sergipe já tinha retornado
            para Aracaju, houve a abordagem do delegado Manoel Canto , o qual disse para o
            interrogando: ‘que era melhor o interrogando entrar em acordo com ele
            Manoel Canto, porque ele (Manoel Canto) poderia facilitar alguma coisa no
            inquérito presidido por ele Manoel Canto’ (...) QUE mesmo depois de o
            interrogando ter recusado o pedido de suborno feito pelo delegado Manoel Canto,
            ele, nos dias que se seguiram, continuou a abordar o interrogando, visando
            receber a quantia de R$ 500.000,00; QUE por conta disso , e em face da pressão
            que estava recebendo o interrogando, inclusive tendo o delegado Manoel Canto
            afirmado para o interrogando que iria fabricar provas contra Geane e Daniela para
            incriminá-los, resolveu o interrogando relatar o fato a sua advogada Adriana por
            telefone; (....)QUE depois de receber muita pressão para pagar o valor exigido por
            Manoel Canto, o interrogando resolveu então , quando conversava com sua
            advogada Adriana, montar uma estratégia de fingir aceitar a proposta de Manoel
            Canto, para ganhar tempo a fim de que seus advogados entrassem com uma
            medida judicial para soltar o interrogando; (...) QUE embora tivesse passado pela
            cabeça do interrogando que aquilo poderia ser uma estratégia do delegado , o
            interrogando na verdade, acreditava que o pedido de extorsão era real, porque
            estava prolongando muito com o inquérito policial; (...) Que o interrogando
            somente disse na delegacia de policia quando ouvido às fls. 129/132 que
            havia percebido que o pedido de propina do Delegado Manoel Canto teria
            sido uma estratégia policial porque atendeu a uma orientação do seu então
advogado Dr. José Augusto Branco mas que na verdade o interrogando
             acreditava que era um pedido de suborno real como aliás disse ao longo
             desta audiência; Que, o advogado José Augusto Branco foi destituído pelo
             interrogando porque ele José Augusto Branco era amigo pessoal do
             Delegado Manoel Canto; Que o interrogando não sabe informar se foi por conta
             desta amizade que o advogado José Augusto Branco mantem com o Delegado
             Manoel Canto que o referido advogado tenha orientando o interrogando a dizer o
             que disse quando ouvido no inquérito policial (...) Que, no decorrer da prisão do
             interrogando o delegado Manoel Canto pediu inicialmente a importância de
             R$ 500.000,00, mas depois de alguns dias ele baixou o pedido para R$
             350.000,00”.

                 (Grifou-se).

             Também ouvido pela autoridade policial durante o inquérito policial
que precedeu a presente ação penal, o réu ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR
prestou as seguintes declarações, ratificadas em Juízo:
             “QUE, apresentado o trecho da gravação do CD ROM, o declarante reconhece
             como sendo sua, da Dra. ADRIANA e da sua noiva DANIELA as vozes
             apresentadas pela gravação (...) informa o declarante que praticamente todos os
             dias em que esteve preso ele era chamado a conversar com o Delegado MANOEL
             CANTO, que tentava convencê-lo de que tinha que tinha bastante provas contra
             ele declarante, embora quanto às duas pessoas, DANIELA e GEANE, as mesmas
             fossem inocente, lhe pedia a importância de R$ 500.000,0 (quinhentos mil
             reais) para não incriminá-lo ainda mais; QUE o declarante, apesar de não
             possuir esse dinheiro em cash, precisava vender alguns bens, tais como imóveis,
             carros, etc; QUE o Delegado MANOEL CANTO pedia esse dinheiro para não
             incriminá-lo; (...) QUE, quando o Delegado MANOEL CANTO exigiu os R$
             500.000,00 (quinhentos mil reais), ele propunha também avocar a presidência
             de todos os inquéritos que se encontravam pendentes no GOE do Recife,
             entretanto ficou sabendo através de seus advogados ADRIANA e MARCUS
             VINÍCIUS, que o mesmo não teria essa capacidade”.


                  Outrossim, através da leitura das gravações de conversas
telefônicas interceptadas pela Polícia Civil de Sergipe, fica claro que realmente
existia um acerto de pagamento de propina pelos réus ALCYR, GEANE e
DANIELA em favor do então Delegado MANOEL CANTO, ficando as negociações
em torno do esquema criminoso principalmente a cargo dos advogados dos três
primeiros, os quais eram, na época, ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e
MARCUS VINÍCIUS, ora também denunciados.

                Assim se percebe, por exemplo, através da leitura do seguinte
trecho de diálogo mantido entre os réus ALCYR e ADRIANA, constante às fls.
439/440 do Laudo Pericial Audiográfico, em que o primeiro solicita providências da
segunda no sentido de tranqüilizar MANOEL CANTO a respeito do pagamento do
dinheiro acordado entre eles, uma vez que o ex-Delegado vinha cobrando a
importância com insistência:

             “Alcyr – Certo. Porque eu queria, se você pudesse, ligasse pro Canto e falasse
             que a gente ta correndo atrás, o pessoal ta correndo atrás, porque esse
dinheiro todo vai praí, pelo menos, sabe? Para ele sentir tranqüilidade,
            porque toda hora ele ta perguntando: vem ou não vem. Não sei o quê. Eu
            acho que ele deu a palavra dele, lá pra cima e pessoal, sabe como é que é,
            né?
            Adriana – Ahan!
            Alcyr – Fica pressionando assim né. Cadê o dinheiro? Cadê o dinheiro?
            Adriana – É.
            Alcyr – Entendeu? Acho que nem é por causa dele, assim, é tudo por causa dos
            outros.
            Adriana – É. Eu acho isso mesmo. Vamos pensar direito.
            Alcyr – Tá?
            Adriana – Tá. Eu vou ligar pra ele...
            Alcyr – Hã.
            Adriana – Eu vou falar que no próximo dia dezenove eu tô indo.
            Alcyr – Isso.
            Adriana – Tá? Porque daí é certeza né?
            Alcyr – É certeza. Aí é certeza.”

            (Grifou-se).

                 Já no trecho de diálogo abaixo transcrito, o réu MANOEL CANTO
conversa com a advogada ADRIANA para saber quando ela vem para Recife para
que eles concretizem a negociação criminosa (“consiga logo o vôo, que a gente
faz o interessante”). Vale salientar também que ambos revelam preocupação
sobre a possibilidade de seus telefones estarem grampeados, como se nota a
seguir:

            “Adriana – Oi.
            Manoel Canto – Manoel. Tudo bom?
            Adriana – Tudo bem Manoel?
            Manoel Canto – Ó! Qualquer coisa a gente conversa só ao vivo visse?
            Adriana – É eu sei.
            Manoel Canto – To meio cismado nessas coisa aí.
            Adriana – Não, fica sosse... no meu não tem nada. A não ser que você tenha
            mandado.
            Manoel Canto – É. Não. Pode (ininteligível) Por aqui eu não duvido muito não,
            sabe?
            Adriana – Ah! Tá.
            Manoel Canto – É. Alguma novidade? Quando é que eu te vejo?
            Adriana – Ta conseguindo (ininteligível)
            Manoel Canto – Te vejo amanhã?
            Adriana – Não. Eu não sei se vai dar amanhã. Eu pretendo mas,
            Manoel Canto – Vem venha, consiga logo o vôo, que a gente faz o interessante.”

            (Grifou-se).
            (fls. 411/412)



                Já às fls. 443/445, a ré ADRIANA relata a MANOEL CANTO que,
até aquele momento, só havia conseguido obter uma “certidão” – código utilizado
na negociação criminosa para aludir à quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) –
embora soubesse que deveria entregar cinco delas a MANOEL CANTO. Este, por
sua vez, revela insatisfação e impaciência, insistindo para que ADRIANA lhe
remeta de imediato a quantia já levantada, ao que ela replica pedindo o “e-mail” da
denunciada TATIANA MATOS BARROS – então noiva do ex-Delegado MANOEL
CANTO – sendo “e-mail” o código utilizado para referir-se à conta corrente da
mesma. Assim se verifica a seguir:

             “Manoel Canto – Alô!
             Adriana – Bom dia, doutor.
             Manoel Canto – Bom dia amiga. Tudo bem?
             Adriana – Tudo bem. Como é que ta o sol aí?
             Manoel Canto – Ah! Tá bom. Tá vindo curtir o sol?
             Adriana – Hã?
             Manoel Canto – Tá vindo curti-lo?
             Adriana – Não vou.
             Manoel Canto – Vai não?
             Adriana – Não. Eu tenho, eu tenho só uma certidão daquelas né?
             Manoel Canto – Certo.
             Adriana – (ininteligível) vai me chegar aqui lá pro final do dia, e aí eu tô
             concretizando uma negociação na quinta-feira...
             Manoel Canto – Caralho! (sic)
             Adriana – É.
             Manoel Canto – É mesmo?
             Adriana – É na quinta-feira porque é, essas certidões demora muito né?
             Manoel Canto – Pronto. Entendi.
             Adriana – E aí na quinta-feira, eu, eu pego isso e na sexta de manhã tô indo.
             Manoel Canto – É mesmo é?
             Adriana – É. É isso que deu pra fazer.
             Manoel Canto – Foi mesmo? Caralho (sic) né?
             Adriana – É, eu sei.
             Manoel Canto – Tinha uma amiga que, que, quie ia ajudar, não ia?
             Adriana – Oi?
             Manoel Canto – (ininteligível).
             Adriana – Mas, mas, ela só me conseguiu uma.
             Manoel Canto – Foi mesmo?
             Adriana – Uma. Mas, tenho que levar são cinco né?
             Manoel Canto – (ininteligível).
             Adriana – Então. Ela me conseguiu só uma. Aí eu consigo mais duas na quinta,
             que daí eu vou.
             (...)
             Manoel Canto – Oh! Adri.
             Adriana – Oi.
             Manoel Canto – Manda a certidão por Sedex, pro, pra eu mandar aqui pro setor,
             pro setor providenciar as coisas. Eu acho que é melhor.
             Adriana – Essa certidão?
             Manoel Canto – É, ta entendendo?
             Adriana – Tá. Essa uma que eu consegui, você quer que eu mande por Sedex?
             Manoel Canto – É, é pra finalizar que, que, que você vai mandar o quanto antes o
             resto, as outras certidões, tal.
             Adriana – Certo. Você não quer me mandar os dados direitinho por e-mail?
             Manoel Canto – Não. Mas assim vai ficar complicado.
             Adriana – Não. O outro.
             Manoel Canto – É. Vamos ver. Depois a gente liga tá bom?
             Adriana – Oi?
             Manoel Canto – A gente liga depois.
             Adriana – Então. Pede pra Tatiana me mandar um e-mail.
             Manoel Canto – Tá, eu vou ver, tá bom?
Adriana – Tá jóia!
            Manoel Canto – Tá OK, brigado.”

            (Grifou-se).

                Por sua vez, a ré TATIANA, no diálogo seguinte, informa à
ADRIANA que não poderia ceder o número de sua conta para que a última
depositasse nela a quantia objeto do crime ora analisado – sob a vaga desculpa
de que “teria uma série de coisas pendentes” – possivelmente por receio de ver
seu nome mais envolvido na transação criminosa. Diante disto, ADRIANA afirma
que uma negociação, qual seja, a venda de um bem, está em vias de ser ultimada,
de forma que ela, ADRIANA, iria para Recife em breve levar o dinheiro assim
levantado. Senão vejamos:

             “Tatiana – Oi Adriana. É Tatiana. Olhe.
            Adriana – Oi Tatiana.
            Tatiana – Olhe é, na minha conta vai ficar complicado, porque tenho uma série
            de coisas assim, pendentes aí talvez fosse melhor um portador, de hoje para
            amanhã.
            Adriana – Não tem volta.
            Tatiana – Não tem vôo não é?
            Adriana – Não. Nem hoje, nem amanhã. Não é brincadeira não. Tá tudo esgotado.
            Tatiana – Nossa. Aí é, é complicado. Aí tá complicado.
            (...)
            Adriana – É, eu também é, ele falou no Sedex né. Então, (barulho de alguém
            tossindo) é, eu imaginei isso.
            Tatiana – O Sedex?
            Adriana – Não sei se eu entendi errado.
            Tatiana – O Sedex?
            Adriana – É. Quando ele falou Sedex, eu imaginei que fosse conta, mas, não
            sei se eu entendi errado, porque, remeter assim, também por Sedex é, além
            de tudo é perigoso né?
            Tatiana – Não. É perigosíssimo. Exatamente né? E (ininteligível) nem desconfia.
            Adriana – É.
            Tatiana – Então vamo ver como a gente resolve né Adriana?
            Adriana – Uhum!
            Tatiana – Tá jóia?
            Adriana – (ininteligível) que é assim ó. Sexta-feira, é certeza que eu chego aí...
            Tatiana – Sexta-feira você vem pra cá?
            Adriana – É. Sexta-feira, que acontece o seguinte: na quinta fecha uma
            negociação aqui, da venda de, de uma coisa...
            Tatiana – Certo.
            Adriana – Certo?
            Tatiana – Hum!
            Adriana – E daí, eu pego essas certidões aí da venda, e levo praí na sexta-
            feira, porque daí eu vou, eu... você entendeu?
            Tatiana – Certo. Aí você vem pra cá.
            Adriana – Eu vou aí. Sexta-feira que vem, dia dezenove, eu tô até reservando já
            minha passagem, porque dia dezoito tá marcado o negócio. Tá? É um, pra um
            imóvel que tá sendo vendido, então eu, dia dezenove, eu, eu tô aí.
            Tatiana – OK.
            (fls. 446/447. Grifou-se)
A partir desta travada entre ADRIANA e TATIANA, é importante
chamar atenção para dois pontos que revelam o quão digna de suspeita era a
postura adotada por MANOEL CANTO na suposta “estratégia investigativa” que
estaria empreendendo, auxiliado por TATIANA.

                   Primeiramente, há que se questionar por que o ex-delegado
MANOEL CANTO teria mudado sua suposta “estratégia” inicial, passando a
solicitar que a propina a ele prometida fosse remetida por “SEDEX” e não mais por
um portador. Ora, se ninguém viria trazer o dinheiro, como o réu MANOEL CANTO
esperava efetuar a captura de outros membros da quadrilha de furto de jóias por
ele investigada?
                   Segundo a Defesa, quando o réu MANOEL CANTO percebeu
que a advogada ADRIANA estava protelando muito a ida de um portador a Recife
para fazer a entrega do dinheiro prometido, teria ele resolvido solicitar que a
remessa fosse feita por transferência bancária, pois que assim, ainda que não
efetuasse a captura de ninguém, pelo menos recuperaria o numerário equivalente
ao valor das jóias furtadas.

                 Ocorre que, se o dinheiro solicitado a ALCYR , DANIELA e
GEANE por intermédio dos advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS seria para
recuperar o produto do crime de furto aos primeiros atribuído, por que o réu
MANOEL CANTO teria estipulado arbitrariamente o valor de R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais)? Que critérios teria ele usado para fazer esta estipulação, e
mais, que critérios teriam pautado a redução do montante inicial para R$
350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais)?

                 Vê-se claramente que a conduta do réu MANOEL CANTO não
era a de quem pretendia apreender membros de uma quadrilha criminosa, nem
recuperar produtos de delito algum, mas tão somente de valer-se do cargo que
ocupava para conseguir extrair de criminosos uma vantagem pecuniária indevida
para proveito próprio e de seus colaboradores.

                 Em segundo lugar, no tocante à conversa acima transcrita
mantida entre as rés TATIANA e ADRIANA, vale notar que a última, ao procurar
esclarecer se o dinheiro deveria mesmo ser remetido via correio (SEDEX) ou se
aquilo se tratava de mais um código, indaga “Sedex, além de tudo, é perigoso,
né?”, ao que TATIANA replica “Não. É perigosíssimo”. Ora, tal preocupação de
TATIANA não é coerente com a postura de alguém que estaria contribuindo para
uma farsa, para uma estratégia investigativa. Na verdade, tratava-se de um receio
genuíno de quem estava desenvolvendo uma atividade ilícita e temia ser
descoberto.

                 Cumpre registrar também que os contatos telefônicos acima
reproduzidos foram precedidos de dois jantares mantidos entre o casal MANOEL
CANTO e TATIANA MATOS BARROS e os advogados ADRIANA GILIOLI DE
OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA, ocorridos no final-de-semana logo após
a captura dos réus ALCYR, GEANE e DANIELA pelo ex-delegado MANOEL
CANTO, o que ensejou a vinda dos referidos causídicos ao Recife para tratar dos
interesses dos seus constituintes.

                  A ocorrência de tais encontros foi admitida pelos denunciados,
embora a Defesa de MANOEL CANTO, assim como ele próprio quando de seu
interrogatório, tenham afirmado que tudo fazia parte da suposta estratégia
investigativa que estava sendo empreendida pelo mesmo para desbaratar a
quadrilha de furto de jóias da qual fariam parte os réus ALCYR, GEANE e
DANIELA.

                 Já segundo os advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS,
quando interrogados, afirmaram que eles tomaram conhecimento, por meio do réu
ALCYR, acerca da solicitação de propina efetuada por MANOEL CANTO, mas que
não concordaram com seu pagamento, até porque “jamais nós íamos compactuar
com aquele tipo de atitude”, no dizer de MARCUS VINÍCIUS (fl. 2492). Segundo
sua Defesa, todavia, os advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCUS resolveram
instruir ALCYR a fingir aceitar a proposta criminosa de MANOEL CANTO “para
que o Inquérito Policial fosse concluído e assim seus clientes passassem para a
custódia do Judiciário” (fl. 4888).

             Tais versões defensivas, todavia, não convencem em vista da prova
dos autos.
             Primeiramente, se o ex-Delegado MANOEL CANTO estava
realmente fingindo cobrar vantagem indevida dos presos no IP por ele conduzido,
com a finalidade de incriminar seus eventuais colaboradores, não faria sentido a
utilização da linguagem cifrada acima reproduzida, sendo de se esperar, pelo
contrário, que ele mantivesse conversas em termos claros e diretos, para provar
que os investigados estavam agindo articulados a ALCYR, GEANE e DANIELA,
incorrendo em conduta ilícita ao concordarem com o pagamento de propina para
minorar as conseqüências impostas a eles.

              Outrossim, no curso do IP nº 87/04, conduzido pelo ora réu MANOEL
CANTO, este não teve qualquer dificuldade em obter todas as interceptações
telefônicas que reputou necessárias para investigar a quadrilha à qual foi atribuído
o furto de jóias ocorrido em condomínio de luxo no Recife. Por que motivo, então,
não teria o mesmo requisitado a interceptação dos telefones dos advogados com
que estava mantendo a negociação criminosa supostamente “simulada”? É de
muito se estranhar tal atitude, pois além de essencial para incriminar os
investigados, tais interceptações serviriam naturalmente para resguardar o próprio
MANOEL CANTO de eventuais acusações de corrupção.

              Neste ponto, vale ressaltar ainda que, em momento algum, o ex-
Delegado MANOEL CANTO reportou para seus superiores hierárquicos a ousada
“estratégia” que estaria empreendendo, isto é, nunca os deixou a par de que
estaria simulando acerto de propina com os presos ALCYR, GEANE e DANIELA e
seus advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCUS. Assim testemunhou o Delegado
VALDIR MACEDO DA SILVA, Diretor Geral de Operações de Polícia Judiciária à
época dos fatos aqui versados, quando ouvido durante a instrução da presente
ação penal:

             “Que, como já disse, o Delegado Manoel Canto, quando retornou de São Paulo,
             disse para o depoente que estava desenvolvendo estratégia no sentido de prender
             o principal chefe da quadrilha; Que o Delegado Manoel Canto jamais informou
             para o depoente em que consistiria esta estratégia; Que o Delegado Manoel
             Canto jamais disse para o depoente que como estratégia estava solicitando
             aos Advogados dos envolvidos algum depósito em dinheiro para fins de
             ressarcir vítimas (...) Que o Delegado Manoel Canto jamais informou para o
             depoente que tivesse saído para jantar com os Advogados dos presos; Que o
             depoente desconhece como estratégia policial a circunstância de o Delegado
             que presido o inquérito solicite dinheiro a Advogados dos réus para fins de
             apreender esse numerário”.

             (Fls. 2659/2662. Grifou-se).


             Diante disto, não convence também o argumento da Defesa segundo
o qual o Delegado, ao presidir um inquérito policial, não tem obrigação de detalhar
para seus superiores os procedimentos que está pondo em prática. A questão, no
caso em análise, não é meramente de haver ou não tal dever, mas sim o fato de
que a comunicação aos superiores seria a cautela mais elementar a ser tomada
pelo ora réu MANOEL CANTO caso ele fosse mesmo inocente, pois evitaria que
sua pretensa “estratégia investigativa”, como ele próprio intitula, fosse interpretada
como uma conduta criminosa.

             Outrossim, o conjunto probatório dos autos revela também que havia
real interesse dos presos ALCYR, GEANE e DANIELA e seus advogados
ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS em promover o pagamento de quantia indevida a
MANOEL CANTO para que este suavizasse a situação dos três primeiros, não se
tratando de mera encenação para “ganhar tempo” ou qualquer outro propósito.

             Se assim não fosse, os referidos réus não estariam diligenciando
para levantar a quantia solicitada através da venda de imóveis e outros bens de
valor, como evidenciam as conversas interceptadas. Senão vejamos:

             “Marcus Vinícius – Seguinte. Acabei de falar com o Luís e com o Júnior, tá?
             Adriana – Hã.
             Marcus Vinícius – É, o Luís conseguiu um comprador pro ap por 2,3.
             Adriana – Hã.
             Marcus Vinícius – Livre, sem nada, entendeu?
             Adriana – Hã.
             Marcus Vinícius – É tira os móveis e tudo o mais, não paga comissão, não
             pagando nenhuma despesa. 2,3 livres, tá?
             Adriana – Hã.
             Marcus Vinícius – O dinheiro seria para quinta-feira.
             Adriana – Da semana que vem?
             Marcus Vinícius – É. Semana que vem. Mais ou menos ele calcula que ele pega
             esse dinheiro na mão tá?
             Adriana – Tá.
Processo criminal contra delegado e advogados
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  • 1. Vara dos Crimes Contra a Administração Pública e a Ordem Tributária da Capital Processo nº 0000971-61.2005.8.17.0001 SENTENÇA Vistos, etc. O Ministério Público Estadual, imbuído de suas funções institucionais, ofereceu denúncia contra MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO, JOSIVAL BEZERRA DE MELO, TATIANA MATOS BARROS, ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA, MARCUS VINÍCIUS COSTA, ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS e GEANE AUGUSTA MENDES, devidamente qualificados nos autos, sendo o primeiro incurso nas penas do art. 317, § 1o, parte final, do CPB; o segundo, terceiro e a quarta denunciada incursos nas penas do art. 317, caput, c/c art. 29 do CPB; e os demais denunciados incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, parte final, do CPB. Narra a denúncia que, em novembro de 2004, enquanto desempenhava as funções de Delegado de Polícia Civil do Estado de Pernambuco e em razão de estar presidindo o Inquérito Policial nº 87/04, o réu MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, então titular da 1a DPC (Delegacia de Santo Amaro), teria solicitado diretamente, e com o auxílio de sua namorada, a ré TATIANA MATOS BARROS, aos advogados paulistas e também réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA, que pagassem a quantia de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em troca de benefícios para atenuar a situação dos réus ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO e GEANE AUGUSTA MENDES, então por ele investigados. Segundo a exordial acusatória, os réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA teriam concordado com a entrega da vantagem indevida e prometido que o pagamento seria efetuado com recursos provenientes da venda de bens imóveis pertencentes a seus clientes, ALCYR, DANIELA e GEANE, adquiridos com os produtos dos crimes por eles perpetrados. Ocorre que, antes do pagamento da propina ser efetuado, a supracitada negociação criminosa teria sido descoberta pela Polícia Civil de Sergipe, através de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, as quais
  • 2. teriam motivado o afastamento do denunciado MANOEL CANTO DA SILVA FILHO da presidência do IP nº 087/04. Prossegue narrando a acusação que o referido IP nº 087/04 foi instaurado a fim de investigar o furto ocorrido em um apartamento do Edifício Costa Azevedo, nesta cidade, tendo o delegado MANOEL CANTO DA SILVA FILHO não apenas identificado os autores do crime – quais sejam, os réus ALCYR, DANIELA e GEANE – como também descoberto que os mesmos teriam cometido diversos delitos semelhantes em outras capitais do país. Segundo a denúncia, o réu MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, acompanhado de quatro agentes de polícia – dentre os quais o denunciado ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO – teria seguido, em outubro de 2004, em missão oficial para São Paulo/SP, com vistas a efetuar a prisão dos réus ALCYR, DANIELA e GEANE, que lá se encontravam. Ocorre que, uma vez tendo obtido êxito na captura daquelas três pessoas, o denunciado MANOEL CANTO e sua equipe de policias teriam iniciado uma série de procedimentos suspeitos, pondo em questão o verdadeiro objetivo da missão por eles desempenhada. Diz a denúncia que, ao ser preso, o réu ALCYR teria oferecido ao réu MANOEL CANTO e equipe a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para ser liberado. Ao invés de tomar as providências cabíveis, porém, o réu MANOEL CANTO teria preferido omitir-se, tendo seguido com o detento para um hotel, onde todos teriam pernoitado. No dia seguinte à prisão, ao invés de conduzir os detentos a uma Delegacia de Polícia, onde aguardariam o embarque para Recife/PE, o réu MANOEL CANTO teria permitido que ALCYR, DANIELA e GEANE permanecessem por longo tempo no escritório dos réus ADRIANA e MARCUS VINÍCUS, não obstante o fato de que dois Delegados de Polícia de Sergipe haviam sido deslocados para São Paulo a fim de inquirirem os presos, o que teria sido impedido. Já na capital pernambucana, o réu MANOEL CANTO teria permitido que as rés DANIELA e GEANE permanecessem custodiadas na sala do Comissário de Polícia da 1a DPC, e o réu ALCYR na Delegacia de Homicídios, muito embora os respectivos mandados de prisão indicassem a Colônia Penal Feminina do Recife e o COTEL como locais de recolhimento. Também segundo a denúncia, durante a permanência dos réus DANIELA, GEANE e ALCYR no Recife, por cerca de uma semana, o réu MANOEL CANTO e sua namorada TATIANA MATOS BARROS, teriam participado de dois jantares com os réus ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS, para tratar de assuntos de interesse de DANIELA, GEANE e ALCYR.
  • 3. Tais encontros teriam sido precedidos de diversos contatos telefônicos travados entre o réu MANOEL CANTO com ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS, inclusive com a participação da ré TATIANA – embora esta fosse estranha aos quadros da Polícia Civil – nos quais era combinada a forma de pagamento da propina, inicialmente fixada em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e depois reduzida para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), fato constatado através das interceptações telefônicas realizadas pela Polícia de Sergipe. Em tais contatos telefônicos, seria possível identificar o uso de alguns códigos, dentre os quais a expressão “certidão”, que equivaleria a “dinheiro”, mais precisamente à quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Segundo a denúncia, o benefício que seria concedido pelo réu MANOEL CANTO para os réus ALCYR, DANIELA e GEANE, em troca do recebimento de vantagem indevida, seria a omissão, nos autos do inquérito policial por ele presidido, de informações relativas a outros furtos praticados pelo grupo em diversas capitais. Também seriam reunidos outros inquéritos instaurados e que estavam sendo conduzidos pelo GOE – Grupo de Operações Especiais. No tocante ao réu JOSIVAL BEZERRA DE MELO, então Comissário de Polícia, diz a denúncia que ele também estava envolvido no esquema criminoso supranarrado, tendo fornecido o número de sua conta bancária para o réu MANOEL CANTO, mesmo sem ser seu subordinado, o qual teria sido repassado para o réu ALCYR e deste para seus advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS. Segundo a denúncia, consta das declarações prestadas pelo réu MANOEL CANTO, nas quais alega que tudo não passara de uma “estratégia de investigação”, que o policial JOSIVAL fora inteirado da situação, o que significaria dizer que quando do fornecimento do número de sua conta bancária ao réu MANOEL CANTO, o réu JOSIVAL sabia para qual fim ela seria utilizada. No tocante à participação do réu ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO, diz a denúncia que o mesmo teria revelado grande preocupação com a situação dos presos ALCYR, DANIELA e GEANE, tendo inclusive acompanhado os três, juntamente com o réu MANOEL CANTO, para Aracajú/SE, quando surgiu a necessidade de que fossem deslocados para aquela capital afim de responderem a outro inquérito policial instaurado para investigar a ocorrência de crime lá praticado. Outrossim, aduz a denúncia que, segundo informações do Delegado de Polícia de Sergipe Thiago Leandro Barbosa de Oliveira, o seu colega José Fernando Andrade de Melo, quando se preparava para interrogar os réus ALCYR, DANIELA e GEANE, teria sido abordado pelo réu ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO nos seguintes termos: “nós já ganhamos o nosso, fale para o seu amigo ficar calmo e ganhar o de vocês”, o que sugeriria que ÍTALO não somente tinha conhecimento do esquema, como dele estava se beneficiando.
  • 4. Finalmente, registra ainda a denúncia que não há provas de que a vantagem indevida prometida pelos réus ALCYR, DANIELA e GEANE, por intermédio dos réus ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS, foi efetivamente entregue. Tal circunstância, porém, não impediria a consumação dos crimes versados nos autos, visto que a corrupção ativa se consuma com a simples oferta da vantagem indevida, ao passo que a corrupção passiva se ultima com a mera aceitação da promessa. Denúncia recebida em 16 de junho de 2005 (fl. 1807). Interrogatório do denunciado MANOEL CANTO às fls. 1912/923; de ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO às fls. 1939/1944; de ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR às fls. 1946/1952; de JOSIVAL BEZERRA DE MELO às fls. 1969/1972; de TATIANA MATOS BARROS às fls. 2030/2036; de GEANE AUGUSTA MENDES às fls. 2354/2356; de DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS às fls. 2453/2454, de ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA às fls. 2482/2488; de MARCUS VINÍCIUS COSTA às fls. 2489/2494. Reinterrogatório do réu MANOEL CANTO às fls. 4417/4421 e reinterrogatório da ré ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA remetido por meio de mídia de áudio e vídeo acostada à fl. 4567. Defesas prévias de MANOEL CANTO DA SILVA FILHO às fls. 1963/1964; de ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR às fls. 1965; de ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO às fls. 1966/1967; de JOSIVAL BEZERRA DE MELO às fls. 1979/1991; de TATIANA MATOS BARROS às fls. 2043/2044; de ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA às fls. 2497/2498; de MARCUS VINÍCUS COSTA às fls. 2500/2501, de DANIEL FLEITAS BRANCO às fls. 2538/2539; de GEANE AUGUSTA MENDES às fls. 2541/2542. Durante a instrução criminal foram inquiridas as seguintes testemunhas arroladas pela Denúncia: ANTÔNIO FERNANDO DE PAULA ROCHA (fls. 2581/2587); VALDIR MACEDO DA SILVA (fls. 2659/2662); WALTER HERBERT MAFRA DOS SANTOS (fls. 2663/2664); LUIZ ANTÔNIO DE MEDEIROS (2665/2668); ANTÔNIO AUGUSTO CORREIA SOARES (2671/2675); CLÁUDIO SANTANA DE MELO (fls. 2676/2678); THIAGO LEANDRO BARBOSA DE OLIVEIRA (fls. 3758/3762); LUIS ANGEL DOS SANTOS (fls. 3191/3191v) e FERNANDO JOSÉ ANDRADE DE MELO (fls. 3770/3771). Também foram inquiridas as seguintes testemunhas arroladas pela Defesa: PAULO FERNANDO DE ALBUQUERQUE (fls. 2930/2931); NEWSON MOTTA DA COSTA JÚNIOR (fls. 2932); MARCOS BRUNO SALES (fls, 2933); CARLOS HENRIQUE RAMOS DE ARAÚJO (fls. 2934); ANÍBAL ALVES MOURA (fls. 3992/3994); ERWIN LUCIANO FRIEDHIEM (fls. 3990/3993); GERALDO MAGALHÃES BARBOSA DE ALBUQUERQUE (fls. 4178/4179); PAULO ALBERES (fls. 4175/4176); DEIVY DEMENSTEIN (fls. 4177); KILMA MARIA PONTES FERRAZ (fls. 3989); CARLOS JOSÉ DE ALBUQUERQUE (fls.
  • 5. 3949/3950); JUCIANO MARQUES CARDOSO (fls. 3946/2948); ANTÔNIO PAULO CAMPELO (fls. 4339/4340); CARLOS BARRETO DE FREITAS (fls. 4338); FERNANDO BALBINO DA SILVA (fls. 3587/3592); FRANCISCO I.G. LÁZARO (fls. 3593/3609); ANTÔNIA IZILDINHA LIMA SANTORO (fls. 3610/3612); ROBERTO CESARETTO (fls. 3613/3616); BRUNO ARAÚJO DA COSTA (fls. 3038/3039); MARCELO MARTINS RODRIGUES (fls. 3852/3853); VITÓRIA RÉGIA QUEIROZ NUNES PAES (fls. 3408); ANTÔNIO VERAS (fls. 3239); PAULO CÉSAR TELES MARQUES (FLS. 3001); PAULO ANTÔNIO MULLER (fls. 3524/3539); MÁRIO DOS SANTOS CARVALHO (fls. 3540/3546); MAURÍCIO OLIVEIRA SANTOS (fls. 3558/3583); JOÃO DYONÍSIO TAVEIRA (fls. 3547/3553); RENATO GUEDES DE OLIVEIRA (fls. 3554/3557); FRANCISCO CARLOS MOHEDAS JÚNIOR (fls. 3584/3586); LUIZ ROBERTO FERREIRA BRUTO DA COSTA (fls. 4380/4382); Na fase do art. 402 do CPP, apenas a Defesa dos réus MANOEL CANTO DA SILVA FILHO e TATIANA MATOS BARROS requereu realização de diligências, as quais foram indeferidas mediante despacho de fls. 4407/4409. Dada vista dos autos para apresentação de alegações finais, o Ministério Público as ofertou às fls. 4810/4831, pugnando pela condenação dos réus, nos termos da denúncia. Já as alegações finais da denunciada GEANE AUGUSTA MENDES constam às fls. 4844/4845, as de JOSIVAL BEZERRA DE MELO às fls. 4846/4860, as de ADRIANA GIGLIOLI OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA às fls. 4866/4922, as de DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS às fls. 4923/4929, as de TATIANA MATOS BARROS às fls. 4930/4953, as de MANOEL CANTO DA SILVA FILHO às fls. 4954/5093, as de ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR às fls. 5113/5120, e as de ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO às fls. 5124/5162, todas pugnando pela absolvição dos denunciados. Conclusos vieram-me os autos. É o relatório. Passo a decidir. Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público Estadual contra MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO, JOSIVAL BEZERRA DE MELO, TATIANA MATOS BARROS, ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA, MARCUS VINÍCIUS COSTA, ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS e GEANE AUGUSTA MENDES, devidamente qualificados nos autos, sendo o primeiro incurso nas penas do art. 317, § 1o, parte final, do CPB; o segundo, terceiro e a quarta denunciada incursos nas penas do art. 317, caput, c/c art. 29 do CPB; e os
  • 6. demais denunciados incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, parte final, do CPB. Aduz a denúncia que o acusado MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, então Delegado de Polícia, auxiliado por TATIANA DE MATOS BARROS, sua namorada à época, negociou, por intermédio dos advogados ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA, o recebimento de vantagem indevida por parte dos réus GEANE AUGUSTA MENDES, ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR e DANIELA FLEITAS BRANCO, sob a condição de que concederia vantagens para amenizar a situação destes últimos perante a Polícia. Segundo a denúncia, os réus GEANE AUGUSTA MENDES, ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR e DANIELA FLEITAS BRANCO respondiam ao IP nº 087/04, instaurado para apurar o cometimento de furto ocorrido em um edifício de luxo na cidade do Recife/PE, sendo o denunciado MANOEL CANTO DA SILVA FILHO o delegado responsável pela condução do referido inquérito. Através da negociação do pagamento de vantagem indevida – fato que teria sido constatado através de interceptações telefônicas empreendidas pela Polícia Civil de Sergipe – GEANE, ALCYR e DANIELA pretendiam ver omitidas, no inquérito policial presidido pelo réu MANOEL CANTO, informações relativas a outros furtos praticados pelo grupo em diversas capitais. Também seriam reunidos outros inquéritos instaurados e que estavam sendo conduzidos pelo GOE – Grupo de Operações Especiais. Segundo a denúncia, os réus ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO e JOSIVAL BEZERRA DA SILVA, respectivamente, agente e comissário de polícia à época dos fatos versados nos autos, teriam contribuído para o deslinde do esquema delituoso narrado, sendo dele também beneficiários. Embora não haja provas de que a suposta propina negociada tenha sido paga, a denúncia aduz que os crimes de corrupção ativa e passiva imputados aos denunciados efetivamente se consumaram, uma vez que tais delitos se perfazem com o simples oferecimento e aceitação da vantagem ou promessa de vantagem indevida, respectivamente. Concedida vista dos autos às partes para oferecimento de alegações finais, as Defesas dos denunciados, antes de enfrentar o mérito, suscitaram diversas questões preliminares, a cuja análise se procede em seguida. Preliminar de nulidade do processo por suposta violação do art. 514 do CPP Segundo alegado pela Defesa do réu JOSIVAL BEZERRA DE MELO, bem como pela Defesa do réu MANOEL CANTO e a de outros denunciados, o presente processo seria eivado de nulidade desde o início, ante o fato deste Juízo não ter determinado a notificação dos acusados que, à época, eram funcionários públicos, para responder a denúncia por escrito antes de se
  • 7. pronunciar sobre seu recebimento, conforme o disposto no art. 514 do CPP relativamente aos crimes funcionais afiançáveis. Vale registrar que a questão acerca da aplicabilidade do dispositivo plasmado no art. 514 do CPP em hipóteses na qual a denúncia se encontra instruída por inquérito policial – como é o caso dos presentes autos – já foi amplamente discutida em sede jurisprudencial, merecendo, inclusive, a edição de uma Súmula por parte do Superior Tribunal de Justiça, a qual segue abaixo reproduzida: SÚMULA 330/STJ: É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial. No caso em comento, para fundamentar sua alegação, aduziu a Defesa que, embora a súmula nº 330 do STJ dispense a observância da regra inserta no art. 514 do CPP quando a denúncia estiver fundada em inquérito policial, o entendimento atual do STF seria no sentido de a referida notificação em crimes de responsabilidade de funcionários públicos é imprescindível mesmo na citada hipótese. Segundo este raciocínio, portanto, o presente processo deveria ser declarado nulo ab initio. O pleito da Defesa, todavia, não merece ser acolhido na hipótese. Primeiramente é de se colocar que, no que tange ao denunciado MANOEL CANTO, embora o mesmo ainda ocupasse o cargo de Delegado de Polícia quando do recebimento da denúncia em análise, foi posteriormente exonerado de tal posição, encontrando-se atualmente desligado dos quadros funcionais da Administração Pública. Sendo assim, imperioso é reconhecer, em relação ao referido réu, que de nada serviria a declaração de nulidade do processo em tela, retroagindo-se ao seu início, no presente momento, vez que o denunciado MANOEL CANTO não se encontra mais contemplado pela possibilidade de oferecimento de justificação prévia ao recebimento da denúncia, nos termos do art. 514 do CPP. A ratio da norma inserta no dispositivo acima aludido não é outra senão proteger a Administração Pública, evitando o desencadeamento de ações penais temerárias contra seus servidores, o que poderia comprometer o bom desempenho de suas atividades. Ocorre que o denunciado MANOEL CANTO já não desempenha mais nenhuma função pública, de forma que a aplicação do art. 514 CPP seria totalmente desprovida de fundamento no seu caso.
  • 8. No tocante aos demais denunciados que permanecem ostentando a condição de servidores públicos, também não se justifica a declaração de nulidade do processo para oferecer-lhes a oportunidade de apresentar resposta prévia. A inobservância do indigitado art. 514 do CPP é capaz de ensejar tão-somente nulidade de caráter relativo, significando que é imprescindível à parte que a alega demonstrar o prejuízo decorrente da não aplicação da norma no caso concreto. Assim entende a jurisprudência das cortes superiores, consoante se verifica através dos arestos abaixo transcritos: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE CONCUSSÃO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA (ART. 514 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NÃO APRECIADA PELAS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A ausência da notificação prévia de que trata o art. 514 do Código de Processo Penal constitui vício que gera nulidade relativa e deve ser argüida oportunamente, sob pena de preclusão. Precedentes. 2. O princípio do pas de nullité sans grief exige a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato, pois não se declara nulidade processual por mera presunção. Precedentes. 3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o art. 514 do Código de Processo Penal tem por objetivo "dar ao réu-funcionário a possibilidade de evitar a instauração de processo temerário, com base em acusação que já a defesa prévia ao recebimento da denúncia poderia, de logo, demonstrar de todo infundada. Obviamente, após a sentença condenatória, não se há de cogitar de conseqüência de perda dessa oportunidade de todo superada com a afirmação, no mérito, da procedência da denúncia" (HC 72.198, DJ 26.5.1995). 4. Se a alegação de excesso de prazo não foi apreciada pelas instâncias antecedentes não cabe ao Supremo Tribunal dela conhecer, sob pena de supressão de instância. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e na parte conhecida denegado. (HC 97033/SP. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Primeira Turma. Ministro Relator: Min. Carmen Lúcia. Data do Julgamento: 12/05/2009.) PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. CRIME PRATICADO POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO. ART. 514 DO CPP. NULIDADE RELATIVA. ORDEM DENEGADA. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a inobservância do procedimento previsto no art. 514 do CPP gera, tão-somente, nulidade relativa, a qual deve ser arguida no momento oportuno, acompanhada da comprovação de efetivo prejuízo à defesa. Ademais, estando a denúncia devidamente instruída com inquérito policial, torna-se dispensável a audiência preliminar do acusado. 2. Ordem denegada. (Grifou-se) (HC 144425/PE. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Quinta Turma. Min Relator: Arnaldo Esteves Lima. DJ 01/02/2010.) No presente processo, porém, nenhum dos denunciados logrou evidenciar de que forma sua Defesa teria sido prejudicada pela falta de oportunidade de oferecer justificação prévia
  • 9. Outrossim, a controvérsia acerca dos efeitos da inobservância da regra inserta no art. 514 nas ações penais por crimes de responsabilidade de funcionários públicos que sejam instruídas por inquérito policial não comporta resposta única e absoluta no entendimento atual do Pretório Excelso, como quer fazer parecer a Defesa, mas admite temperamentos de acordo com as circunstâncias que envolvem o caso concreto. A Corte Suprema entende que a finalidade da justificação prévia prevista no art. 514 do CPP é permitir que o acusado questione a viabilidade da ação penal que se pretende instaurar, tendo a possibilidade de demonstrar, por exemplo, a fragilidade dos indícios que fundamentam a denúncia. Em outras palavras, o que se pretenderia com a observância do art. 514 do CPP é que o funcionário público denunciado por crime funcional afiançável fosse poupado do constrangimento desnecessário de ser submetido a um processo penal fadado ao insucesso, tendo em vista o paradoxo a que aludia Carnelutti: para se punir é preciso processar, mas processar já é, em si mesmo, uma pena. Desta feita, de acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, perde razão de ser a observância da norma processual em questão quando a ação penal já se instaurou e se desenvolveu até a fase final – inclusive sob o crivo do contraditório em todas as demais etapas – restando o réu condenado, pois se houve elementos suficientes para a condenação, claro está que a ação era plenamente viável Assim se depreende da leitura de recentíssimo julgado de relatoria do Ministro Cezar Peluso, cujo voto transcrevemos a seguir: “ Cuida-se, aqui, de saber se ausência de intimação para o oferecimento da defesa preliminar, nos termos do art. 514 do Código de Processo Penal, impõe a anulação do processo-crime ab initio. O Plenário teve a oportunidade de debater o tema no julgamento do HC nº 85.779 (Rel. p/AC Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ 29/06/2007). Na ocasião, aderi ao posicionamento da maioria, consignando que a defesa preliminar, no rito especial destinado ao julgamento dos funcionários públicos, se destina a evitar a ritualidade penosa da pendência do processo penal. Em outras palavras, é mister evitar, previamente a viabilidade da ação penal. Mas tenho que o argumento de inviabilidade da ação perde a relevância diante da superveniência da sentença condenatória, a exemplo do que já ocorre com pedidos de trancamento de ação penal por falta de justa causa, tidos pela Corte como prejudicados quando sobrevém condenação (HC 88.292, Rel Min. EROS GRAU, DJ 04/08/2006; HC nº 91.175, Rel. Min. CÉZAR PELUSO, DJ 07/11/2008). Ora, se a finalidade da defesa preliminar é a de permitir que o denunciado apresente argumentos capazes de induzir à conclusão da inviabilidade da ação penal, a ulterior edição de decisão condenatória, fundada no exame da prova produzida com todas as garantias do contraditório, faz presumido o atendimento daquele requisito inicial.
  • 10. Daí que anular todo o processo, para que a defesa tenha oportunidade de oferecer razões que não foram capazes de evitar a decisão condenatória, não tem sentido algum. A sentença condenatória denota não só a viabilidade da ação, mas sobre tudo, como é obvio, a própria procedência desta, e deve, assim, ser impugnada por seus fundamentos.” (HC nº 89.517/RJ. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Segunda Turma. Ministro Relator: Cezar Peluso. Julgamento: 15/12/2009.) Certamente, neste momento, não cabe ainda um exame de mérito em torno do caso sub judice, uma vez que ainda não se saiu do terreno das questões preliminares. Todavia, o que se deve adiantar é que, no curso da instrução criminal do presente processo, foram verificados elementos de prova contundentes ligando os réus aos crimes que lhes foram imputados, sendo certo que os indícios apresentados por ocasião do oferecimento da denúncia eram suficientes para sua admissão. Deste modo, razão nenhuma assiste à Defesa na sua pretensão de inutilizar tudo o que foi feito durante cinco anos de instrução criminal para que se volte à fase de análise da viabilidade da ação, visto que tal requisito inicial encontra-se evidentemente preenchido. Finalmente, é de se considerar que parcela respeitável da doutrina pátria (v.g. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado: arts. 394 a 811 e legislação complementar – 13ª ed. rev. e at. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 216) entende que as modificações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei 11.719/2008 tiveram o condão de revogar tacitamente o disposto nos arts. 514 a 518 do mesmo diploma, que previam especificidades para o processamento das ações penais relativas a crimes de responsabilidade praticados por funcionários públicos. É que, com o advento da referida legislação, as novas regras que prevêem os casos de rejeição da denúncia ou queixa (art. 395, CPP), a reposta à acusação caso a denúncia ou queixa não seja rejeitada liminarmente (396 e 396- A, CPP), e as hipóteses de absolvição sumária (art. 397, CPP), seriam aplicáveis a todos os procedimentos criminais de primeiro grau, independente de se tratar de procedimento comum ou especial, como determina o art. 394, § 4o do CPP. Seguindo tal raciocínio, a regra processual cuja aplicação a Defesa reclama – qual seja, o art. 514 do CPP – bem como os arts. 515 a 518, que também fazem alusão à notificação para oferecimento de justificação prévia ao recebimento denúncia em crimes funcionais praticados por funcionários públicos, teriam perdido a razão de ser, devendo ser aplicado o novo rito. Também é neste sentido a lição de Marcelo Matias Pereira, consoante se verifica a partir do trecho abaixo transcrito, extraído de artigo onde o
  • 11. jurista comenta as inovações introduzidas com a Reforma do Código de Processo Penal: “(...) O parágrafo quarto [art. 394, § 4o, CPP: As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código] traz uma regra importante ao estabelecer como obrigatórias as disposições concernentes à rejeição da denúncia ou da queixa (artigo 395), à apresentação de defesa preliminar (artigo 396) e ao julgamento antecipado do processo penal, com a decisão de absolvição sumária (artigo 397) a todos os procedimentos de primeiro grau, ainda que não regulados pelo Código de Processo Penal. Assim sendo, entendemos que, independente do procedimento ser comum ou especial, devem ser observadas as disposições apontadas, ressalvado o Júri, por força do disposto no §3º. Desta forma, na lei de drogas não haverá mais notificação para apresentação de defesa preliminar, na forma do artigo 55 da Lei 11.343/06, o mesmo ocorrendo com o processo por crimes cometidos por funcionários públicos, não havendo mais que se falar em defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia, na forma do artigo 514 do Código de Processo Penal, em que pese tal dispositivo não tenha sido revogado expressa ou tacitamente, mas sim em citação para apresentação de defesa preliminar na forma do artigo 396, uma vez recebida a denúncia, superada a hipótese de sua rejeição na forma do artigo 395. (...)”1 (Grifou-se). A este respeito, vale observar ainda que, na Exposição de Motivos da Reforma do Código de Processo Penal operada em 2009 ficou registrado o seguinte com relação ao “Anteprojeto sobre Procedimentos, Suspensão do Processo e Efeitos da Sentença Penal Condenatória”, especificamente no ponto da “Alteração nos procedimentos”: “(...) Disposição expressa constante do anteprojeto faz com que normas atinentes à defesa anterior ao recebimento da denúncia sejam aplicáveis ao todos os procedimentos penais, ainda que não previstos no Código de Processo Penal. Assim, proporciona-se uma uniformidade de procedimentos, com a inclusão da inovação acima referida a todo o processo penal.” Ora, como se vê, a intenção inicial estabelecida no Anteprojeto acima aludido era a de estabelecer defesa prévia antes do recebimento da denúncia para todos os procedimentos penais, o que acabou não sendo aprovado. No entanto, isto não apaga o fato de que a intenção do legislador, que permeou a elaboração da Reforma desde o início, foi a de conferir uniformidade aos procedimentos penais. Sendo assim, é coerente a interpretação de que o novo procedimento disposto nos arts. 395 a 398 do CPP tem pretensões de 1 MATIAS PEREIRA, Marcelo. Comentários à Reforma do Código de Processo Penal – Procedimentos.http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/curso_oab_concurso_artigo_1308_Come ntarios_a_Reforma_do_Codigo_de_Processo_Penal_. Acesso em: 26/03/2010.
  • 12. universalidade, devendo ser observado em todas as ações penais de primeiro grau, revogando os preceitos divergentes que antes incidiam sobre casos específicos, à exemplo dos processos por crimes praticados por funcionários públicos. Por todos os motivos acima elencados, incabível e inútil seria a declaração de nulidade do processo no presente momento, pelo que rejeito a preliminar suscitada. Preliminar de ilicitude da prova ante o suposto “falseamento” do pedido de interceptação telefônica pelas autoridades policiais requerentes. A Defesa dos réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA, bem como a Defesa de outros denunciados, alegou que o presente processo deve ser declarado nulo ab initio em razão de se encontrar fundado em degravações produzidas a partir de interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Civil de Sergipe, as quais não teriam sido devidamente autorizadas. Segundo a Defesa, o Juízo da 9a Vara Criminal de Aracaju autorizou a quebra do sigilo telefônico dos celulares pertencentes aos denunciados ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA – de números (011) 9615.8192 e (011) 9655.0108 – bem como do telefone fixo instalado no escritório de advocacia onde ambos trabalhavam – de número (011) 6909.2382. No entanto, tal autorização só teria ocorrido porque, ao fundamentar o pedido de quebra de sigilo telefônico dos celulares pertencentes a ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA, a autoridade da Polícia Civil de Sergipe teria aduzido que tais celulares seriam de uso da suposta quadrilha integrada pelos réus ALCYR, GEANE e DANIELA. Em outros termos, a autoridade policial que fez a representação da interceptação telefônica teria induzido em erro a autoridade judicial que a autorizou, posto que, segundo a Defesa, “tinha pleno conhecimento que as linhas telefônicas em questão pertenciam e/ou eram de uso dos co-réus [ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA], e que estes não eram comparsas dos réus acusados de furto, mas seus advogados regularmente constituídos”. Tais alegações, todavia, não merecem acolhida. Diferentemente do que quer fazer parecer a Defesa, as autoridades da Polícia Civil de Sergipe não ludibriaram o Juízo da 9a Vara Criminal da Comarca de Aracaju/SE para obter deferimento da representação de interceptação telefônica que ensejou o registro das comunicações cujo conteúdo encontra-se degravado nos autos do presente processo.
  • 13. Basta ler a íntegra da representação de interceptação telefônica de fls. 4202/4203, subscrita pelo Delegado Thiago Leandro Barbosa de Oliveira, para constatar que, em momento algum, a referida autoridade aduziu que os telefones móveis objeto do pedido – isto é, os de números (011) 9615.8192 e (011) 9655.0108 – pertenciam às pessoas de ALCYR, GEANE e DANIELA, tão-somente afirmando que tais aparelhos estavam sendo usados por membros da quadrilha de furto de jóias então investigada para se comunicarem. Ora, se o aludido delegado apurou que os celulares acima citados estavam servindo à comunicação das pessoas por ele investigadas para o cometimento de crimes, independentemente de estes celulares pertencerem ou não a terceiros, o pedido de interceptação telefônica já era plenamente justificável. Outrossim, no que tange ao telefone fixo de número (011) 6909.2382 – o qual, segundo a Defesa, encontrava-se instalado no escritório de advocacia onde trabalhavam ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS – este só foi interceptado em virtude da nova representação de fls. 4204/4205, subscrita pela Delegada Maria Pureza Machado Soares, cujo conteúdo é o seguinte: “Tendo em vista o monitoramento autorizado por este Douto Juízo de números utilizados por comparsas da quadrilha especializada em furto de jóias que vem atuando em nosso Estado, fora captado áudio de conversas mantidas entre estes alvos, imprescindível, não só à elucidação do crime, como também à identificação dos membros da corja. Tanto é verdade que, através desta interceptação telefônica, foi possível identificar mais dois possíveis membros da quadrilha, a TATIANA, a qual utiliza-se do terminal móvel (011) 9272-9266, e a ADRIANA, que se utiliza do número (011) 6909-2382. (...)” (Grifou-se) Da leitura do trecho acima transcrito, fica bem claro que a autoridade policial não induziu a autoridade judicial, pois especificou que o telefone fixo de número (011) 690.2382 estava relacionado à pessoa que até então só se conhecia por “ADRIANA”, tendo requerido sua interceptação por ter apurado que a referida ADRIANA poderia estar envolvida nas atividades da suposta quadrilha de furto de jóias investigada, o que, de fato, ocorria. Com estas considerações, reputo infundada a preliminar suscitada, pelo que deixo de acolhê-la. Preliminar de suposta violação ao art. 7o, II, do Estatuto da Advocacia A Defesa dos réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA arguiu que as interceptações telefônicas que amparam a denúncia no presente processo constituiriam provas ilícitas também por desrespeitarem o Estatuto da Advocacia, que garante a inviolabilidade das comunicações mantidas entre os advogados e seus clientes.
  • 14. Todavia, é clarividente que não cabe invocar a proteção do art. 7o, II, do Estatuto da Advocacia no caso concreto em análise, visto que a inviolabilidade acima aludida, naturalmente, cede lugar ao interesse maior do Estado em investigar e punir crimes. Como é cediço, o conjunto de prerrogativas existentes em defesa do sigilo profissional é válido apenas dentro dos limites traçados pela lei, não podendo servir de escudo para o cometimento de ilicitudes, pois o ordenamento jurídico é um todo que deve ser interpretado harmoniosamente. Sendo assim, a proteção da comunicação dos advogados com seus constituintes existe apenas no âmbito do exercício das atividades normais da advocacia, relativas ao gerenciamento dos interesses jurídicos dos constituintes. Falece, no entanto, tal prerrogativa, quando há indícios de atuação que extrapola tais limites, mormente em havendo suspeita de envolvimento do advogado em atividades criminosas praticadas em cumplicidade com seus clientes. Não é diferente o entendimento dos tribunais pátrios, como se depreende do aresto abaixo transcrito: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO TELEFÔNICO.ADVOGADO. QUEBRA. I - Decisão judicial fundamentada, com apoio na Lei nº 9.296/96, determinando a interceptação telefônica, não afronta a Constituição Federal. II - A proteção à inviolabilidade das comunicações telefônicas do advogado não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior, especificamente, a fundada suspeita da prática da infração penal. Recurso desprovido. (RMS 10857/SP. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador: 5a Turma. Ministro Relator: Félix Fischer. Data do Julgamento: 16/03/ 2000. DJ 02/05/2000, p. 12). (Grifou-se). Por estes motivos, rejeito a preliminar suscitada. Preliminar de prova ilícita ante a suposta edição das conversas captadas através de interceptação telefônica Também segundo a Defesa dos réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINICIUS COSTA, a prova consistente nas degravações de conversas captadas através das interceptações telefônicas que subsidiam a denúncia no processo em tela seria ilícita, uma vez que seu conteúdo teria sido editado pela Polícia Civil de Sergipe, excluindo outras comunicações mantidas entre os denunciados e que seriam de interesse da Defesa. Da mesma forma, não assiste razão à Defesa neste ponto.
  • 15. Do Laudo Pericial Audiográfico de fls. 41/64 e 408/487 consta a transcrição de doze conversas telefônicas gravadas em um CD de áudio remetido pela Polícia Civil de Sergipe, como resultado das interceptações telefônicas realizadas em torno de um grupo investigado por suposto cometimento de furto de jóias, do qual participavam alguns dos denunciados que figuram no presente processo. Certamente, no curso de tais interceptações, é possível que a Polícia Civil de Sergipe tenha captado outras conversas que, por não terem relação de pertinência com o caso ora analisado, não foram selecionadas para serem transcritas. Tal fato não inquina de qualquer ilegalidade a prova produzida, ilegalidade que só haveria caso o conteúdo das conversas selecionadas fosse editado, isto é, adulterado através da inserção ou supressão de dados. Não é esta, porém, a alegação da Defesa. A Defesa não assevera ser inverídico o conteúdo das conversas transcritas nos autos, apenas aduz que não constam dos autos outras conversações de seu interesse, mas não especifica que conversações seriam estas, nem comprova que as mesmas existiram. Por estes motivos, rejeito também esta preliminar levantada. Preliminar de nulidade de ilicitude da prova oriunda de interceptações telefônicas por suposta afronta ao art. 1o da Lei 9.296/96 A Defesa da ré DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS, bem como a Defesa de outros denunciados, alegou que as interceptações telefônicas que originaram o Laudo Pericial Audiográfico de fls. 41/64 e 407/487 constituem prova ilícita, por não terem sido autorizadas pelo Juízo da causa principal – no caso, este Juízo dos Crimes Contra a Administração Pública e a Ordem Tributária – mas sim pelo Juízo da 9a Vara Criminal da Comarca de Aracaju/SE, o que malferiria o preceito plasmado no art. 1o da Lei 9.296/96, segundo o qual: Art. 1o, Lei 9.296/96: “A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”. (Grifou-se). Não procede, porém, tal alegação da Defesa. As referidas interceptações telefônicas, as quais deram origem ao Laudo Pericial Audiográfico que serve de prova ao presente processo, foram autorizadas pelo Juízo da 9a Vara Criminal de Aracaju/SE, durante o inquérito policial que originaria a ação penal tombada sob o nº 2004.21200473.
  • 16. Tal inquérito foi instaurado para investigar um grupo suspeito de realizar furtos de jóias na capital sergipana. As interceptações telefônicas requisitadas pelas autoridades da Polícia Civil de Sergipe foram, portanto, devidamente autorizadas pelo juízo da então causa principal, isto é, pelo juízo de uma das Varas Criminais por distribuição de Aracaju/SE, atendendo assim a determinação constante no art. 1 o da Lei 9.296/96. Ocorre que, através das indigitadas interceptações, foram captadas conversas telefônicas que indicavam a ocorrência em tese de outro delito, qual seja, crime de corrupção passiva por parte do Delegado de Polícia Civil de Pernambuco, o ora denunciado MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, que também conduzia inquérito policial na capital pernambucana, instaurado para apurar furto supostamente praticado pelo mesmo grupo investigado pela polícia sergipana. Uma vez que o suposto novo delito identificado fugia aos limites da competência da Justiça Estadual de Sergipe, a Polícia Civil de Sergipe remeteu o CD-ROM contendo as conversas telefônicas comprometedoras à Polícia Civil de Pernambuco, a qual instaurou o competente inquérito policial, que deu origem à presente ação penal. Vê-se assim que as interceptações telefônicas de que aqui se cuida não são eivadas de qualquer ilegalidade, pois foram autorizadas pelo juiz da causa principal à época, no caso, a ação penal tombada sob o nº 2004.21200473, fundada em denúncia de ocorrência de furto de jóias em Aracaju/SE. Ocorre que as mesmas interceptações telefônicas serviram à captação de indícios de outro suposto delito, inicialmente desconhecido pelas autoridades policiais sergipanas, e de competência deste Juízo dos Crimes Contra a Administração Pública e a Ordem Tributária. Sendo assim, perfeitamente lícita era a remissão das conversas gravadas à Polícia Civil de Pernambuco, à título de notitia criminis. Impossível é exigir que este Juízo tivesse autorizado as interceptações telefônicas de que ora se fala, pois os indícios dos crimes versados no presente feito só surgiram após a realização das referidas interceptações. Nem por isso as mesmas podem ser reputadas ilícitas, pois foram devidamente autorizadas, como se explicou alhures, ainda que para apuração de crime diverso. Sobre o tema, vale lembrar que a jurisprudência e doutrina pátrias são uníssonas em afirmar que a interpretação do art. 1o da Lei 9296/96,
  • 17. invocado pela Defesa, não deve ser feita com rigorismo excessivo, visto que quando as interceptações telefônicas são realizadas no curso de um inquérito policial, a incerteza sobre a natureza e a extensão da conduta criminosa investigada podem inviabilizar que se aponte perante qual(is) Juízo(s) será(ão) proposta(s) a(s) eventual(is) futura(s) ação(ões) penal(is), justamente como ocorreu no caso em comento. Sobre o assunto, convém transcrever o seguinte acórdão lavrado pelo Pretório Excelso: EMENTA: (...) IV. Interceptação telefônica: exigência de autorização do "juiz competente da ação principal" (L. 9296/96, art. 1º): inteligência. 1. Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da L. 9296/96: só ao juiz da ação penal condenatória - e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para a ordem judicial de interceptação - não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia, eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dos procedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz Federal - aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em curso, ao tempo da decisão - que, posteriormente, se haja declarado incompetente, à vista do andamento delas. (HC 81260, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2001, DJ 19-04-2002 PP-00048 EMENT VOL-02065-03 PP-00570) (Grifou-se). Também não é outro o entendimento do STJ a respeito da matéria: CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. HOMICÍDIO. QUADRILHA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELO JUÍZO ESTADUAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO FEDERAL. NÃO- INVALIDAÇÃO DA PROVA COLHIDA. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. PERICULOSIDADE DO AGENTE. RAZÕES DO DECRETO RATIFICADAS PELO JUÍZO COMPETENTE. EXCESSO DE PRAZO. FEITO COMPLEXO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO QUE NÃO É ABSOLUTO. TRÂMITE REGULAR. DEMORA JUSTIFICADA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALHAS NÃO-VISLUMBRADAS. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE E DA DIVISIBILIDADE DO PROCESSO. ALEGAÇÕES DE CERCEAMENTO DE DEFESA. OMISSÃO DO ACÓRDÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I . Não procede o argumento de ilegalidade da interceptação telefônica, se evidenciado que, durante as investigações pela Polícia Civil, quando se procedia à diligência de forma regular e em observância aos preceitos legais, foram obtidas provas suficientes para embasar a acusação contra o paciente, sendo certo que a posterior declinação de competência do Juízo Estadual para o Juízo Federal não tem o condão de, por si só, invalidar a prova até então colhida.
  • 18. (...) XVI. Ordem denegada. (STJ, HC 27119/RS, 5ª TURMA, REL. MIN. GILSON DIPP, DJ 25.08.2003) (Grifou-se). Por estes motivos, rejeito a preliminar suscitada. Preliminar de ilicitude da prova oriunda das interceptações telefônicas em virtude da suposta inobservância dos requisitos que autorizariam sua utilização no presente processo A Defesa do denunciado MANOEL CANTO arguiu que as interceptações telefônicas que originaram o Laudo Pericial Audiográfico de fls. 41/64 e 407/487 constituem prova ilícita por diversos motivos, quais sejam: a) Suposta afronta ao princípio da legalidade, visto que não teriam sido observados os requisitos contidos na Lei regulamentadora das interceptações telefônicas (Lei 9.296/96), pois a representação da autoridade policial teria induzido o Juízo em erro, indicando como destinatários da interceptação os supostos integrantes da quadrilha de furto de jóias, quando, na verdade, as linhas telefônicas interceptadas pertenciam aos seus advogados; b) Violação ao Estatuto da Advocacia em razão da suposta quebra da inviolabilidade das comunicações entre os advogados e seus clientes; c) Nulidade da decretação de interceptação telefônica por incompetência do Juízo (afronta ao art. 1º da Lei 9.296/96) d) Ilicitude da prova em razão do processo que originou as interceptações telefônicas não sediar sentença transitada em julgado; e) Ilicitude da prova consistente nas interceptações telefônicas em razão de terem sido produzidas em processo em no qual o denunciado MANOEL CANTO não figurava como parte, não tendo podido exercer seu direito ao contraditório. Com relação aos argumentos elencados nas letras “a” a “c”, foram os mesmos já rebatidos anteriormente, de forma que a preliminar de ilicitude da prova resultante das interceptações telefônicas já se encontra rejeitada sob estes aspectos. Desta forma, cumpre analisar tão-somente os argumentos referidos nas letras “d” e “e”. No tocante à alegação de ilicitude da prova em razão das interceptações telefônicas terem sido originadas supostamente em processo que não comportava sentença transitada em julgado quando do “empréstimo” da prova para o presente caso, não assiste razão à Defesa, como se demonstrará a seguir.
  • 19. Inicialmente, convém descrever como se processaram as investigações que colheram indícios sobre o crime de que tratam os presentes autos. No ano de 2004, a Polícia Civil do Estado de Sergipe iniciou investigações para apurar a atuação de uma quadrilha a que estava sendo atribuída a responsabilidade por furtos de jóias em condomínios de luxo. Foram instaurados vários inquéritos para apurar os referidos crimes, sendo um deles o IP nº 069/2004, tombado sob o nº 200420990469, presidido pelo Delegado Thiago Leandro B. de Oliveira, conjuntamente com Delegada Maria Pureza Machado Soares. No curso do referido inquérito foram solicitadas e deferidas interceptações telefônicas para apurar a atuação dos membros da citada quadrilha, sendo que, por meio delas, foram também captadas conversas que sugeriam a prática de crime de corrupção passiva por parte do Delegado da Polícia Civil de Pernambuco, MANOEL CANTO, em associação com outras pessoas, bem como crime de corrupção passiva por parte de supostos membros da quadrilha investigada e seus advogados. Em outras palavras, durante as investigações do crime de furto, houve uma descoberta fortuita da suposta prática de outros delitos cuja ocorrência não era cogitada inicialmente - quais sejam – os crimes de corrupção ativa e passiva acima aludidos. Tal descoberta fez com que as peças de informação (incluindo o CD que continha as degravações das conversas interceptadas) fossem remetidas à Corregedoria Geral de Defesa Social de Pernambuco, mediante ofício de fl. 1584, dando ensejo a instauração de Inquérito Policial junto à Delegacia de Polícia Civil de Pernambuco, e, posteriormente, da ação penal de que aqui se cuida. Vê-se assim que a presente ação penal é totalmente independente daquela que, tendo como base o IP nº 069/2004, acima aludido, foi instaurada perante a 9ª Vara da Comarca de Aracaju, sob o nº 2004.21200473. A ação penal que tramita em Aracaju/SE gira em torno de suposto crime de furto de jóias, sendo que, durante as investigações que subsidiaram o oferecimento da denúncia, foram descobertos, ao acaso, indícios que apontavam para a prática dos supostos crimes contra a Administração Pública de que aqui se cuida, os quais foram submetidos às autoridades policiais competentes do Estado de Pernambuco, dando ensejo à instauração de novo inquérito policial e, em seguida, da presente ação penal. Sendo assim, nenhuma razão assiste à Defesa ao alegar que seria necessário esperar o trânsito em julgado da ação penal proposta em Aracaju/SE para que a prova resultante das interceptações telefônicas de que aqui se fala pudesse ser usada no bojo da presente ação penal.
  • 20. Tendo sido encontrados indícios de crime de competência da Justiça Estadual de Pernambuco, os mesmos não só podiam como deviam ser a esta remetidas de imediato, como de fato ocorreu no fato em comento. Por estes motivos, também rejeito, neste ponto, a preliminar suscitada. Da mesma maneira, também não inquina de qualquer nulidade a prova resultante das interceptações telefônicas aqui mencionadas o fato do réu MANOEL CANTO não figurar como parte na ação penal proposta na Comarca de Aracajú/SE. Ora, o réu em questão em momento algum foi acusado de integrar o grupo a que foram atribuídos os furtos de jóias ocorridos na capital sergipana, de forma que jamais poderia figurar no polo passivo da ação penal iniciada na 9ª Vara Criminal da Comarca de Aracajú. Ao denunciado MANOEL CANTO somente foi atribuído o cometimento de crime de corrupção passiva, supostamente praticado na capital pernambucana, razão porque seu caso foi posto a exame deste Juízo através da denúncia que deu origem a presente ação penal. Sendo assim, o contraditório em torno do valor probante das degravações de conversas captadas mediante interceptações telefônicas de que aqui se cuida não poderia ter lugar em outro processo senão o presente, inclusive porque na ação penal proposta na 9ª Vara Criminal de Aracaju – que investiga caso de furto e não de crime contra a Administração Pública – os diálogos mantidos entre o réu MANOEL CANTO e os advogados dos réus GEANE, ALCYR e DANIELA acerca do suposto ajuste de pagamento de propina sequer é objeto de análise perante aquele Juízo. Deste modo, também rejeito, sob este último aspecto, a preliminar suscitada. Preliminar de inépcia da denúncia por suposta inobservância do art. 41 do CPP A Defesa do denunciado MANOEL CANTO também arguiu que a denúncia que subsidia o presente processo seria inepta por não descrever pormenorizadamente a conduta delituosa imputada aos denunciados. Segundo a argumentação defensiva, a denúncia em comento não faz menção às datas e horários em que ocorreram as conversações gravadas durante as interceptações telefônicas realizadas pela Polícia de Sergipe, e que posteriormente foram transcritas no Laudo Pericial acostado às fls. 41/64 e 407/487.
  • 21. Tal omissão teria impedido a Defesa de demonstrar que, ao mesmo tempo em que tais conversações estavam sendo mantidas, o que realmente estaria se passando era o desenvolvimento de uma estratégia investigativa por parte do réu MANOEL CANTO, da qual fazia parte a simulação de cobrança de propina. Tal argumentação é notoriamente inconsistente e desprovida de fundamento. A denúncia descreve o suposto fato criminoso de forma suficientemente detalhada, não deixando em aberto qualquer lacuna que obste o exercício do contraditório e ampla defesa. O agir de cada denunciado foi descrito pormenorizadamente, especialmente no tocante ao réu MANOEL CANTO, que, segundo o Ministério Público, nos últimos meses do ano de 2004, teria adotado procedimentos suspeitos, explicitados na denúncia, durante a condução do Inquérito Policial instaurado a partir de um furto ocorrido no Edf. Costa Azevedo, na capital pernambucana. A menção às datas e horários exatos em que se travaram as conversas telefônicas de que se cuida no caso em tela não se afigura, de forma alguma, imprescindível, uma vez que a narrativa da denúncia permite inferir claramente que tais diálogos ocorreram durante o período em que as atividades do suposto grupo criminoso integrado pelos denunciados GEANE, DANIELA e ALCYR estavam sendo investigados pelo então Delegado MANOEL CANTO. Não se vislumbra como a ausência de tal informação – as aludidas datas e horários – poderia impedir a Defesa de explicitar como teria se desenrolado a suposta estratégia investigativa que o réu MANOEL CANTO alega que estaria empreendendo durante o período em que acompanhava o caso envolvendo os denunciados GEANE, DANIELA e ALCYR. Assim, também não há que se acolher a preliminar suscitada. Preliminar de suposta violação do princípio da ampla defesa e do contraditório A Defesa do réu MANOEL CANTO arguiu finalmente que este Juízo teria desrespeitado os princípios da ampla defesa e do contraditório ao indeferir as diligências probatórias que requereu em audiência ao final da instrução, na fase do art. 402 (antigo art. 499) do CPP, conforme consta da ata de fls. 4380/4382 e do despacho de fls. 4407/4409.
  • 22. Segundo a Defesa, mencionada postura teria trancado a possibilidade de o réu demonstrar sua inocência, o que configuraria cerceamento de defesa e violação do contraditório. Sendo assim, a Defesa requereu que este Juízo reconsiderasse o pedido de diligências, o qual foi novamente indeferido mediante despacho de fls. 4529, sob os mesmos fundamentos da decisão denegatória anterior. Uma vez que nada de novo apresentou a Defesa, os fundamentos que motivaram o indeferimento das diligências requeridas subsistem, razão porque nos limitamos a transcrevê-los neste momento: “Ao final da assentada de fls. 4380/4382, já tendo sido concluída toda a instrução, foi dada oportunidade às partes para se manifestar nos termos do artigo 402 do C.P.P. Na ocasião, apenas a Defesa dos réus Manoel Canto da Silva Filho e Tatiana Matos Barros requereu, a título de diligências, que fossem inquiridas como testemunhas referidas as pessoas de José Augusto Branco (domicílio profissional na Rua Aderbal Chaves, Edf. Wecon, 04, Boa Viagem, nesta cidade), Enéas Dantas de Carvalho Cantareli Júnior (endereço profissional na Praça do Derby, Quartel do Derby – Comando Geral da PMPE), Edson Remígio de Santi (endereço profissional no Departamento de Investigações Criminais – DEIC – da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) e Ângela Verônica Albuquerque Cardoso ( Rua Leão Diniz de Souza, nº 2030, aptº 1203, Candeias, Jaboatão dos Guararapes/PE), bem como a expedição de ofício à 2ª Vara Criminal da Comarca de Aracajú/SE solicitando fotocópia integral do feito de nº 2004.209.00494 e por fim a realização de audiência especialmente designada para fins de audição do conteúdo das gravações eletromagnéticas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas. Inicialmente, cumpre registrar que ouvir testemunhas referidas (art. 209 do C.P.P.), como pretende a Defesa de MANOEL CANTO e de TATIANA MATOS BARROS é uma faculdade do Magistrado, que deve avaliar a conveniência de tal oitiva para a formação do seu convencimento sobre a verdade dos fatos. É ainda de se afirmar que, conquanto a Defesa tenha requerido tais diligências, ela não trouxe elementos concretos hábeis a justificar a relevância dos seus depoimentos nesta fase processual. Tudo que a Defesa disse a respeito dessas testemunhas foi apenas e tão- somente que o Sr. José Augusto Branco teria sido mencionado por mais de uma vez na instrução e no inquérito, e que as pessoas de Enéas Dantas de Carvalho Cantareli Júnior, Edson Remígio de Santi e Ângela Verônica Albuquerque Cardoso teriam sido citadas em depoimentos prestados perante este Juízo. Cumpre registrar desde logo que a fase processual para requerimento de diligências a que se refere o artigo 402 do C.P.P. (antigo 499 do C.P.P.) não se destina à indicação ampla de provas, mas tão somente à realização de diligências cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados no curso da instrução. Com relação ao pedido de oitiva do Advogado José Augusto Branco na condição de testemunha referida, a própria Defesa alega em seu pleito ter sido a
  • 23. mesma mencionada por mais de uma vez na instrução e no próprio inquérito policial. Compulsando os autos observa-se houve referência ao Advogado José Augusto Branco nas declarações prestadas pelos acusados Adriana Giglioli de Oliveira, às fls. 94/97, Marcus Vinícius Costa, às fls. 98/100, Daniela Fleitas Branco dos Santos, às fls. 125/126, Geane Augusta Mendes, às fls. 127/128, Alcyr Albino Dias Júnior, às fls. 129/132, Manoel Canto da Silva às fls. 180/189 e Tatiana Matos Barros às fls.366/368 perante a Autoridade Policial, inclusive na presença do ilustre Defensor Bráulio Lacerda. Apesar disso e mesmo tendo arrolado nada menos que 08 (oito) testemunhas (número máximo permitido) tanto para o réu Manoel Canto da Silva Filho, quanto para a denunciada Tatiana Matos Barros quando de suas Alegações Prévias de fls. 1963/1964 e 2043/2044 – todas ouvidas durante a instrução criminal, diga-se de passagem, afora a de nome Sílvio Neves Batista, indicada no rol apresentado pela ré Tatiana, uma vez que a Defesa pugnou por sua desistência – não cuidou a ilustrada Defesa de incluir naquele rol o nome do Sr. José Augusto Branco, cujo testemunho agora e somente agora alega ser importante. O mesmo acontece quanto à pretensão da Defesa no sentido de que seja designada audiência para fins de inquirir Enéas Dantas de Carvalho Cantarelli Júnior, Edson Remígio de Santi e Ângela Verônica Albuquerque Cardoso, senão vejamos: No tocante ao Sr. Enéas Dantas de Carvalho Cantareli, a Defesa afirma que ele teria sido referido quando da oitiva da testemunha Mário dos Santos Carvalho, às fls. 3540/3546. Neste particular, cuido ter havido equívoco do ilustre Defensor dos réus. É que uma mera leitura do referido depoimento demonstra que essa testemunha simplesmente não fez qualquer referência ao nome do Sr. Enéas Dantas de Carvalho Cantareli. Quanto ao Sr. Edson Remígio de Santi, se trata do Delegado Adjunto da 2ª Delegacia do Patrimônio de São Paulo/SP, o qual teria sido procurado naquela cidade pelo acusado Manoel Canto a fim de que disponibilizasse uma cela da mencionada delegacia visando o encarceramento do réu Alcyr, fato alegado pelo acusado Manoel Canto nas vezes em que foi ouvido, tanto na fase inquisitiva, quanto na judicial, pelo que a suposta necessidade de sua oitiva não teria surgido no curso da instrução. Já a Sra. Ângela Verônica Albuquerque Cardoso, apesar de seu nome não constar em qualquer depoimento constante dos autos, informa a Defesa no seu pleito, tratar-se da esposa da testemunha Juciano Marques Cardoso, mencionada em seu depoimento como pessoa que já teria auxiliado o réu Manoel Canto em uma investigação anterior sobre o desaparecimento de uma criança. No caso, tal depoimento em nada iria contribuir para o esclarecimento dos fatos que são objeto deste processo. Como se observa dos autos, as pessoas que somente agora a Defesa quer que sejam ouvidas já eram conhecidas dos réus de época anterior ao início da presente ação penal e mesmo assim, não tratou a Defesa de incluir seus nomes no
  • 24. rol de testemunhas constante das Alegações Prévias de fls. 1963/1964 e 2043/2044. O que não se pode admitir é que a Defesa, sob a forma de diligências, venha agora requerer a ouvida de testemunhas que, a tempo e a hora não foram arroladas, sobretudo quando se sabe que esta fase procedimental não se destina à indicação ampla de provas, como acima já dito, mas tão-somente à realização de diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, o que definitivamente não é a hipótese destes autos. Também não merece abrigo o requerimento de que se requisite ao Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Aracajú/SE a remessa de fotocópia integral do processo nº 2004.209.00494. É que igualmente não se trata de diligência cuja necessidade tenha surgido no curso da instrução. Além disso, tal diligência não exige a prestação jurisdicional deste juízo, uma vez que o processo cuja fotocópia pede a Defesa não tramita em segredo de Justiça, cabendo à própria Defesa, caso entenda que tais documentos são importantes, providenciar às suas expensas, o traslado das peças que entender necessárias para, em seguida, providenciar a sua juntada aos autos do presente processo. Melhor sorte não assiste ao pleito defensivo no sentido de ser designada audiência especialmente para audição do conteúdo das gravações eletromagnéticas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas e cujo conteúdo já foi degravado e que já se encontra nos autos. É importante registrar que os CD's referidos pela Defesa estão no Cartório desta Vara à disposição das partes desde antes de iniciada a ação penal. Ora, se a Defesa tem alguma dúvida quanto à fidelidade da degravação, deve ouvir esse CD's, se é que já não o fez ao longo de todo o tramitar deste processo, apontando em seguida onde é que se encontra o equívoco. Se os CD's estão à disposição das partes, como já se disse, desde antes de iniciada a presente ação penal, não faz o menor sentido a designação de uma audiência com o único propósito de se verificar o seu conteúdo. Em razão de todo o exposto, não havendo base legal para o deferimento das diligências requeridas pela Defesa e tendo as mesmas caráter meramente protelatório, indefiro-as.” (Fls. 4409/4409. Grifou-se). Assim, em face dos argumentos acima esposados vê-se que o caso não configura cerceamento de defesa ou violação do contraditório, razão porque rejeito esta última preliminar suscitada pela Defesa.
  • 25. Do Mérito Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público Estadual contra MANOEL CANTO DA SILVA FILHO, ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO, JOSIVAL BEZERRA DE MELO, TATIANA MATOS BARROS, ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA, MARCUS VINÍCIUS COSTA, ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO DOS SANTOS e GEANE AUGUSTA MENDES, devidamente qualificados nos autos, sendo o primeiro incurso nas penas do art. 317, § 1o, parte final, do CPB; o segundo, terceiro e a quarta denunciada incursos nas penas do art. 317, caput, c/c art. 29 do CPB; e os demais denunciados incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, parte final, do CPB. Segundo a denúncia, o denunciado MANOEL CANTO, na condição de Delegado de Polícia Civil à frente de inquérito policial instaurado para apurar caso de furto de jóias atribuído aos denunciados ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO e GEANE AUGUSTA MENDES – auxiliado pela sua então namorada TATIANA DE MATOS BARROS – teria ajustado o recebimento de vantagem pecuniária indevida para amenizar a situação dos mesmos, o que teria sido negociado por intermédio dos causídicos contratados pelos então indiciados, quais sejam, os ora denunciados ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA. Narra ainda a peça de exórdio que o denunciado ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO, agente de polícia à época, que atuou junto ao réu MANOEL CANTO durante as investigações empreendidas para apurar o caso do furto de jóias, teria tomado parte do esquema criminoso, o que teria sido revelado pelo excesso de zelo demonstrado pelo mesmo com relação à situação dos réus ALCYR, DANIELA e GEANE durante o período em que permaneceram custodiados em Pernambuco, pelo como pelo fato de ter supostamente abordado a pessoa de José Fernando Andrade de Melo, Delegado da Polícia Civil de Sergipe, que também investigava caso de furto de jóias atribuído à mesma quadrilha investigada pela Polícia Civil de Pernambuco, nos seguintes termos: “nós já ganhamos o nosso, fale para o seu amigo ficar calmo e ganhar o de vocês”, o que sugeriria que ÍTALO não somente tinha conhecimento do esquema, como dele estava se beneficiando. Finalmente, no tocante ao réu JOSIVAL BEZERRA DE MELO, agente da Polícia Civil de Pernambuco que, todavia, não participava da equipe responsável pela apuração do caso do furto de jóias, diz a denúncia que este teria cedido o número de sua conta corrente ao réu MANOEL CANTO, sabendo que esta seria utilizada para que os advogados ADRIANA GIGLIOLI e MARCUS VINÍCIUS efetuassem a transferência da vantagem indevida acertada com o referido Delegado. Analisando o conjunto probatório carreado aos autos, verifica-se a total procedência da denúncia, como se demonstrará adiante.
  • 26. a) Da materialidade delitiva Os crimes de corrupção ativa e passiva atribuídos aos denunciados nesta ação penal são de natureza formal, se consumando com a mera aceitação e o mero oferecimento, respectivamente, de vantagem ou promessa de vantagem indevida a funcionário público em razão de sua função. Sendo assim, os elementos probatórios existentes nos autos não deixam dúvida acerca da ocorrência dos mencionados delitos. As gravações de conversas telefônicas obtidas pela Polícia Civil de Sergipe e transcritas no Laudo Pericial Audiográfico de fls. 41/64 e fls. 408/486 evidenciam que, durante o período em que o denunciado MANOEL CANTO, então Delegado da Polícia Civil de Pernambuco, presidia o Inquérito Policial nº 087/04, instaurado para investigar um caso de furto de jóias ocorrido em apartamento de luxo no Recife – atribuído aos denunciados ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR, DANIELA FLEITAS BRANCO e GEANE AUGUSTA MENDES – estavam ocorrendo negociações entre estes e o referido ex-delegado, intermediadas pelos advogados dos mesmos, os réus ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA, e contando ainda com a ajuda dos policias ÍTALO JOSÉ DE SÁ CARVALHO e JOSIVAL BEZERRA DE MELO, para que a situação dos indiciados perante a Polícia fosse amenizada mediante o pagamento de vantagem pecuniária indevida. Segundo a versão apresentada pela Defesa do réu MANOEL CANTO, a tentativa de obtenção de propina empreendida pelo ex-delegado seria apenas uma farsa, utilizada como estratégia investigativa para alcançar outros membros integrantes da suposta quadrilha de furto de jóias, descobrir contas fantasmas e recuperar parte do numerário equivalente ao valor das jóias furtadas. Tal tese defensiva, porém, como se demonstrará adiante, revela- se de todo inverossímel, embora não haja como negar que, diante da robustez dos elementos de prova a incriminar os denunciados, talvez não restasse alternativa melhor ao réu MANOEL CANTO e seu defensor senão alegar que o esquema criminoso ora analisado não passou de uma “estratégia investigativa”. As interceptações telefônicas constantes dos autos se constituem em provas irrefutáveis contra os réus, fato que explica o recurso a teses de defesa mirabolantes, bem como o excesso de questões preliminares suscitadas pelos causídicos dos réus, sobretudos aquelas que visam a qualquer custo – e desarrazoadamente, diga-se de passagem – expungir dos autos o teor das degravações que incriminam a todos, a não mais poder. Sabendo, como sabe a Defesa, de tudo isso, não se pode olvidar, porém, que, ao tentar desesperadamente afastar a prova dos autos, os defensores não fizeram mais do que exercer seu papel.
  • 27. Ademais, não deixa de ser curioso que o ilustre Defensor do réu MANOEL CANTO, ao transcrever depoimentos diversos em suas extensas alegações finais, optou por selecionar aqueles que foram prestados perante a Corregedoria de Polícia por colegas de trabalho do denunciado, e não por aqueles prestados em Juízo no curso da instrução criminal, sob o crivo do contraditório. É de se observar que tais declarações contém juízos de valor e apreciações pessoais sobre os fatos narrados na denúncia, o que ofende sobremaneira o disposto no art. 213 do CPP. Todavia, não obstante tão grandes esforços empreendidos pela Defesa, as diversas preliminares suscitadas revelaram-se improcedentes, sendo todas rebatidas anteriormente, ao passo que os argumentos defensivos no mérito também não se poderão ser acolhidos, em face do vigor da prova que pesa contra os denunciados, como se passará a analisar a seguir. Primeiramente é de se registrar que, ao ser ouvido perante este Juízo, o réu ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR afirmou categoricamente que o réu MANOEL CANTO exigiu o pagamento da importância de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) – reduzida, após negociações, para o valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais) – para, em troca, favorecer o réu ALCYR no inquérito policial que ele, MANOEL CANTO, estava presidindo, além de avocar outros inquéritos policiais pendentes no GOE. É o que se verifica no seguinte trecho do interrogatório prestado por ALCYR às fls. 1939/1944: “QUE já no dia 6 de novembro, quando os delegados de Sergipe já tinha retornado para Aracaju, houve a abordagem do delegado Manoel Canto , o qual disse para o interrogando: ‘que era melhor o interrogando entrar em acordo com ele Manoel Canto, porque ele (Manoel Canto) poderia facilitar alguma coisa no inquérito presidido por ele Manoel Canto’ (...) QUE mesmo depois de o interrogando ter recusado o pedido de suborno feito pelo delegado Manoel Canto, ele, nos dias que se seguiram, continuou a abordar o interrogando, visando receber a quantia de R$ 500.000,00; QUE por conta disso , e em face da pressão que estava recebendo o interrogando, inclusive tendo o delegado Manoel Canto afirmado para o interrogando que iria fabricar provas contra Geane e Daniela para incriminá-los, resolveu o interrogando relatar o fato a sua advogada Adriana por telefone; (....)QUE depois de receber muita pressão para pagar o valor exigido por Manoel Canto, o interrogando resolveu então , quando conversava com sua advogada Adriana, montar uma estratégia de fingir aceitar a proposta de Manoel Canto, para ganhar tempo a fim de que seus advogados entrassem com uma medida judicial para soltar o interrogando; (...) QUE embora tivesse passado pela cabeça do interrogando que aquilo poderia ser uma estratégia do delegado , o interrogando na verdade, acreditava que o pedido de extorsão era real, porque estava prolongando muito com o inquérito policial; (...) Que o interrogando somente disse na delegacia de policia quando ouvido às fls. 129/132 que havia percebido que o pedido de propina do Delegado Manoel Canto teria sido uma estratégia policial porque atendeu a uma orientação do seu então
  • 28. advogado Dr. José Augusto Branco mas que na verdade o interrogando acreditava que era um pedido de suborno real como aliás disse ao longo desta audiência; Que, o advogado José Augusto Branco foi destituído pelo interrogando porque ele José Augusto Branco era amigo pessoal do Delegado Manoel Canto; Que o interrogando não sabe informar se foi por conta desta amizade que o advogado José Augusto Branco mantem com o Delegado Manoel Canto que o referido advogado tenha orientando o interrogando a dizer o que disse quando ouvido no inquérito policial (...) Que, no decorrer da prisão do interrogando o delegado Manoel Canto pediu inicialmente a importância de R$ 500.000,00, mas depois de alguns dias ele baixou o pedido para R$ 350.000,00”. (Grifou-se). Também ouvido pela autoridade policial durante o inquérito policial que precedeu a presente ação penal, o réu ALCYR ALBINO DIAS JÚNIOR prestou as seguintes declarações, ratificadas em Juízo: “QUE, apresentado o trecho da gravação do CD ROM, o declarante reconhece como sendo sua, da Dra. ADRIANA e da sua noiva DANIELA as vozes apresentadas pela gravação (...) informa o declarante que praticamente todos os dias em que esteve preso ele era chamado a conversar com o Delegado MANOEL CANTO, que tentava convencê-lo de que tinha que tinha bastante provas contra ele declarante, embora quanto às duas pessoas, DANIELA e GEANE, as mesmas fossem inocente, lhe pedia a importância de R$ 500.000,0 (quinhentos mil reais) para não incriminá-lo ainda mais; QUE o declarante, apesar de não possuir esse dinheiro em cash, precisava vender alguns bens, tais como imóveis, carros, etc; QUE o Delegado MANOEL CANTO pedia esse dinheiro para não incriminá-lo; (...) QUE, quando o Delegado MANOEL CANTO exigiu os R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), ele propunha também avocar a presidência de todos os inquéritos que se encontravam pendentes no GOE do Recife, entretanto ficou sabendo através de seus advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS, que o mesmo não teria essa capacidade”. Outrossim, através da leitura das gravações de conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Civil de Sergipe, fica claro que realmente existia um acerto de pagamento de propina pelos réus ALCYR, GEANE e DANIELA em favor do então Delegado MANOEL CANTO, ficando as negociações em torno do esquema criminoso principalmente a cargo dos advogados dos três primeiros, os quais eram, na época, ADRIANA GIGLIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS, ora também denunciados. Assim se percebe, por exemplo, através da leitura do seguinte trecho de diálogo mantido entre os réus ALCYR e ADRIANA, constante às fls. 439/440 do Laudo Pericial Audiográfico, em que o primeiro solicita providências da segunda no sentido de tranqüilizar MANOEL CANTO a respeito do pagamento do dinheiro acordado entre eles, uma vez que o ex-Delegado vinha cobrando a importância com insistência: “Alcyr – Certo. Porque eu queria, se você pudesse, ligasse pro Canto e falasse que a gente ta correndo atrás, o pessoal ta correndo atrás, porque esse
  • 29. dinheiro todo vai praí, pelo menos, sabe? Para ele sentir tranqüilidade, porque toda hora ele ta perguntando: vem ou não vem. Não sei o quê. Eu acho que ele deu a palavra dele, lá pra cima e pessoal, sabe como é que é, né? Adriana – Ahan! Alcyr – Fica pressionando assim né. Cadê o dinheiro? Cadê o dinheiro? Adriana – É. Alcyr – Entendeu? Acho que nem é por causa dele, assim, é tudo por causa dos outros. Adriana – É. Eu acho isso mesmo. Vamos pensar direito. Alcyr – Tá? Adriana – Tá. Eu vou ligar pra ele... Alcyr – Hã. Adriana – Eu vou falar que no próximo dia dezenove eu tô indo. Alcyr – Isso. Adriana – Tá? Porque daí é certeza né? Alcyr – É certeza. Aí é certeza.” (Grifou-se). Já no trecho de diálogo abaixo transcrito, o réu MANOEL CANTO conversa com a advogada ADRIANA para saber quando ela vem para Recife para que eles concretizem a negociação criminosa (“consiga logo o vôo, que a gente faz o interessante”). Vale salientar também que ambos revelam preocupação sobre a possibilidade de seus telefones estarem grampeados, como se nota a seguir: “Adriana – Oi. Manoel Canto – Manoel. Tudo bom? Adriana – Tudo bem Manoel? Manoel Canto – Ó! Qualquer coisa a gente conversa só ao vivo visse? Adriana – É eu sei. Manoel Canto – To meio cismado nessas coisa aí. Adriana – Não, fica sosse... no meu não tem nada. A não ser que você tenha mandado. Manoel Canto – É. Não. Pode (ininteligível) Por aqui eu não duvido muito não, sabe? Adriana – Ah! Tá. Manoel Canto – É. Alguma novidade? Quando é que eu te vejo? Adriana – Ta conseguindo (ininteligível) Manoel Canto – Te vejo amanhã? Adriana – Não. Eu não sei se vai dar amanhã. Eu pretendo mas, Manoel Canto – Vem venha, consiga logo o vôo, que a gente faz o interessante.” (Grifou-se). (fls. 411/412) Já às fls. 443/445, a ré ADRIANA relata a MANOEL CANTO que, até aquele momento, só havia conseguido obter uma “certidão” – código utilizado na negociação criminosa para aludir à quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) – embora soubesse que deveria entregar cinco delas a MANOEL CANTO. Este, por sua vez, revela insatisfação e impaciência, insistindo para que ADRIANA lhe
  • 30. remeta de imediato a quantia já levantada, ao que ela replica pedindo o “e-mail” da denunciada TATIANA MATOS BARROS – então noiva do ex-Delegado MANOEL CANTO – sendo “e-mail” o código utilizado para referir-se à conta corrente da mesma. Assim se verifica a seguir: “Manoel Canto – Alô! Adriana – Bom dia, doutor. Manoel Canto – Bom dia amiga. Tudo bem? Adriana – Tudo bem. Como é que ta o sol aí? Manoel Canto – Ah! Tá bom. Tá vindo curtir o sol? Adriana – Hã? Manoel Canto – Tá vindo curti-lo? Adriana – Não vou. Manoel Canto – Vai não? Adriana – Não. Eu tenho, eu tenho só uma certidão daquelas né? Manoel Canto – Certo. Adriana – (ininteligível) vai me chegar aqui lá pro final do dia, e aí eu tô concretizando uma negociação na quinta-feira... Manoel Canto – Caralho! (sic) Adriana – É. Manoel Canto – É mesmo? Adriana – É na quinta-feira porque é, essas certidões demora muito né? Manoel Canto – Pronto. Entendi. Adriana – E aí na quinta-feira, eu, eu pego isso e na sexta de manhã tô indo. Manoel Canto – É mesmo é? Adriana – É. É isso que deu pra fazer. Manoel Canto – Foi mesmo? Caralho (sic) né? Adriana – É, eu sei. Manoel Canto – Tinha uma amiga que, que, quie ia ajudar, não ia? Adriana – Oi? Manoel Canto – (ininteligível). Adriana – Mas, mas, ela só me conseguiu uma. Manoel Canto – Foi mesmo? Adriana – Uma. Mas, tenho que levar são cinco né? Manoel Canto – (ininteligível). Adriana – Então. Ela me conseguiu só uma. Aí eu consigo mais duas na quinta, que daí eu vou. (...) Manoel Canto – Oh! Adri. Adriana – Oi. Manoel Canto – Manda a certidão por Sedex, pro, pra eu mandar aqui pro setor, pro setor providenciar as coisas. Eu acho que é melhor. Adriana – Essa certidão? Manoel Canto – É, ta entendendo? Adriana – Tá. Essa uma que eu consegui, você quer que eu mande por Sedex? Manoel Canto – É, é pra finalizar que, que, que você vai mandar o quanto antes o resto, as outras certidões, tal. Adriana – Certo. Você não quer me mandar os dados direitinho por e-mail? Manoel Canto – Não. Mas assim vai ficar complicado. Adriana – Não. O outro. Manoel Canto – É. Vamos ver. Depois a gente liga tá bom? Adriana – Oi? Manoel Canto – A gente liga depois. Adriana – Então. Pede pra Tatiana me mandar um e-mail. Manoel Canto – Tá, eu vou ver, tá bom?
  • 31. Adriana – Tá jóia! Manoel Canto – Tá OK, brigado.” (Grifou-se). Por sua vez, a ré TATIANA, no diálogo seguinte, informa à ADRIANA que não poderia ceder o número de sua conta para que a última depositasse nela a quantia objeto do crime ora analisado – sob a vaga desculpa de que “teria uma série de coisas pendentes” – possivelmente por receio de ver seu nome mais envolvido na transação criminosa. Diante disto, ADRIANA afirma que uma negociação, qual seja, a venda de um bem, está em vias de ser ultimada, de forma que ela, ADRIANA, iria para Recife em breve levar o dinheiro assim levantado. Senão vejamos: “Tatiana – Oi Adriana. É Tatiana. Olhe. Adriana – Oi Tatiana. Tatiana – Olhe é, na minha conta vai ficar complicado, porque tenho uma série de coisas assim, pendentes aí talvez fosse melhor um portador, de hoje para amanhã. Adriana – Não tem volta. Tatiana – Não tem vôo não é? Adriana – Não. Nem hoje, nem amanhã. Não é brincadeira não. Tá tudo esgotado. Tatiana – Nossa. Aí é, é complicado. Aí tá complicado. (...) Adriana – É, eu também é, ele falou no Sedex né. Então, (barulho de alguém tossindo) é, eu imaginei isso. Tatiana – O Sedex? Adriana – Não sei se eu entendi errado. Tatiana – O Sedex? Adriana – É. Quando ele falou Sedex, eu imaginei que fosse conta, mas, não sei se eu entendi errado, porque, remeter assim, também por Sedex é, além de tudo é perigoso né? Tatiana – Não. É perigosíssimo. Exatamente né? E (ininteligível) nem desconfia. Adriana – É. Tatiana – Então vamo ver como a gente resolve né Adriana? Adriana – Uhum! Tatiana – Tá jóia? Adriana – (ininteligível) que é assim ó. Sexta-feira, é certeza que eu chego aí... Tatiana – Sexta-feira você vem pra cá? Adriana – É. Sexta-feira, que acontece o seguinte: na quinta fecha uma negociação aqui, da venda de, de uma coisa... Tatiana – Certo. Adriana – Certo? Tatiana – Hum! Adriana – E daí, eu pego essas certidões aí da venda, e levo praí na sexta- feira, porque daí eu vou, eu... você entendeu? Tatiana – Certo. Aí você vem pra cá. Adriana – Eu vou aí. Sexta-feira que vem, dia dezenove, eu tô até reservando já minha passagem, porque dia dezoito tá marcado o negócio. Tá? É um, pra um imóvel que tá sendo vendido, então eu, dia dezenove, eu, eu tô aí. Tatiana – OK. (fls. 446/447. Grifou-se)
  • 32. A partir desta travada entre ADRIANA e TATIANA, é importante chamar atenção para dois pontos que revelam o quão digna de suspeita era a postura adotada por MANOEL CANTO na suposta “estratégia investigativa” que estaria empreendendo, auxiliado por TATIANA. Primeiramente, há que se questionar por que o ex-delegado MANOEL CANTO teria mudado sua suposta “estratégia” inicial, passando a solicitar que a propina a ele prometida fosse remetida por “SEDEX” e não mais por um portador. Ora, se ninguém viria trazer o dinheiro, como o réu MANOEL CANTO esperava efetuar a captura de outros membros da quadrilha de furto de jóias por ele investigada? Segundo a Defesa, quando o réu MANOEL CANTO percebeu que a advogada ADRIANA estava protelando muito a ida de um portador a Recife para fazer a entrega do dinheiro prometido, teria ele resolvido solicitar que a remessa fosse feita por transferência bancária, pois que assim, ainda que não efetuasse a captura de ninguém, pelo menos recuperaria o numerário equivalente ao valor das jóias furtadas. Ocorre que, se o dinheiro solicitado a ALCYR , DANIELA e GEANE por intermédio dos advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS seria para recuperar o produto do crime de furto aos primeiros atribuído, por que o réu MANOEL CANTO teria estipulado arbitrariamente o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)? Que critérios teria ele usado para fazer esta estipulação, e mais, que critérios teriam pautado a redução do montante inicial para R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais)? Vê-se claramente que a conduta do réu MANOEL CANTO não era a de quem pretendia apreender membros de uma quadrilha criminosa, nem recuperar produtos de delito algum, mas tão somente de valer-se do cargo que ocupava para conseguir extrair de criminosos uma vantagem pecuniária indevida para proveito próprio e de seus colaboradores. Em segundo lugar, no tocante à conversa acima transcrita mantida entre as rés TATIANA e ADRIANA, vale notar que a última, ao procurar esclarecer se o dinheiro deveria mesmo ser remetido via correio (SEDEX) ou se aquilo se tratava de mais um código, indaga “Sedex, além de tudo, é perigoso, né?”, ao que TATIANA replica “Não. É perigosíssimo”. Ora, tal preocupação de TATIANA não é coerente com a postura de alguém que estaria contribuindo para uma farsa, para uma estratégia investigativa. Na verdade, tratava-se de um receio genuíno de quem estava desenvolvendo uma atividade ilícita e temia ser descoberto. Cumpre registrar também que os contatos telefônicos acima reproduzidos foram precedidos de dois jantares mantidos entre o casal MANOEL CANTO e TATIANA MATOS BARROS e os advogados ADRIANA GILIOLI DE OLIVEIRA e MARCUS VINÍCIUS COSTA, ocorridos no final-de-semana logo após a captura dos réus ALCYR, GEANE e DANIELA pelo ex-delegado MANOEL
  • 33. CANTO, o que ensejou a vinda dos referidos causídicos ao Recife para tratar dos interesses dos seus constituintes. A ocorrência de tais encontros foi admitida pelos denunciados, embora a Defesa de MANOEL CANTO, assim como ele próprio quando de seu interrogatório, tenham afirmado que tudo fazia parte da suposta estratégia investigativa que estava sendo empreendida pelo mesmo para desbaratar a quadrilha de furto de jóias da qual fariam parte os réus ALCYR, GEANE e DANIELA. Já segundo os advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS, quando interrogados, afirmaram que eles tomaram conhecimento, por meio do réu ALCYR, acerca da solicitação de propina efetuada por MANOEL CANTO, mas que não concordaram com seu pagamento, até porque “jamais nós íamos compactuar com aquele tipo de atitude”, no dizer de MARCUS VINÍCIUS (fl. 2492). Segundo sua Defesa, todavia, os advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCUS resolveram instruir ALCYR a fingir aceitar a proposta criminosa de MANOEL CANTO “para que o Inquérito Policial fosse concluído e assim seus clientes passassem para a custódia do Judiciário” (fl. 4888). Tais versões defensivas, todavia, não convencem em vista da prova dos autos. Primeiramente, se o ex-Delegado MANOEL CANTO estava realmente fingindo cobrar vantagem indevida dos presos no IP por ele conduzido, com a finalidade de incriminar seus eventuais colaboradores, não faria sentido a utilização da linguagem cifrada acima reproduzida, sendo de se esperar, pelo contrário, que ele mantivesse conversas em termos claros e diretos, para provar que os investigados estavam agindo articulados a ALCYR, GEANE e DANIELA, incorrendo em conduta ilícita ao concordarem com o pagamento de propina para minorar as conseqüências impostas a eles. Outrossim, no curso do IP nº 87/04, conduzido pelo ora réu MANOEL CANTO, este não teve qualquer dificuldade em obter todas as interceptações telefônicas que reputou necessárias para investigar a quadrilha à qual foi atribuído o furto de jóias ocorrido em condomínio de luxo no Recife. Por que motivo, então, não teria o mesmo requisitado a interceptação dos telefones dos advogados com que estava mantendo a negociação criminosa supostamente “simulada”? É de muito se estranhar tal atitude, pois além de essencial para incriminar os investigados, tais interceptações serviriam naturalmente para resguardar o próprio MANOEL CANTO de eventuais acusações de corrupção. Neste ponto, vale ressaltar ainda que, em momento algum, o ex- Delegado MANOEL CANTO reportou para seus superiores hierárquicos a ousada “estratégia” que estaria empreendendo, isto é, nunca os deixou a par de que estaria simulando acerto de propina com os presos ALCYR, GEANE e DANIELA e seus advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCUS. Assim testemunhou o Delegado VALDIR MACEDO DA SILVA, Diretor Geral de Operações de Polícia Judiciária à
  • 34. época dos fatos aqui versados, quando ouvido durante a instrução da presente ação penal: “Que, como já disse, o Delegado Manoel Canto, quando retornou de São Paulo, disse para o depoente que estava desenvolvendo estratégia no sentido de prender o principal chefe da quadrilha; Que o Delegado Manoel Canto jamais informou para o depoente em que consistiria esta estratégia; Que o Delegado Manoel Canto jamais disse para o depoente que como estratégia estava solicitando aos Advogados dos envolvidos algum depósito em dinheiro para fins de ressarcir vítimas (...) Que o Delegado Manoel Canto jamais informou para o depoente que tivesse saído para jantar com os Advogados dos presos; Que o depoente desconhece como estratégia policial a circunstância de o Delegado que presido o inquérito solicite dinheiro a Advogados dos réus para fins de apreender esse numerário”. (Fls. 2659/2662. Grifou-se). Diante disto, não convence também o argumento da Defesa segundo o qual o Delegado, ao presidir um inquérito policial, não tem obrigação de detalhar para seus superiores os procedimentos que está pondo em prática. A questão, no caso em análise, não é meramente de haver ou não tal dever, mas sim o fato de que a comunicação aos superiores seria a cautela mais elementar a ser tomada pelo ora réu MANOEL CANTO caso ele fosse mesmo inocente, pois evitaria que sua pretensa “estratégia investigativa”, como ele próprio intitula, fosse interpretada como uma conduta criminosa. Outrossim, o conjunto probatório dos autos revela também que havia real interesse dos presos ALCYR, GEANE e DANIELA e seus advogados ADRIANA e MARCUS VINÍCIUS em promover o pagamento de quantia indevida a MANOEL CANTO para que este suavizasse a situação dos três primeiros, não se tratando de mera encenação para “ganhar tempo” ou qualquer outro propósito. Se assim não fosse, os referidos réus não estariam diligenciando para levantar a quantia solicitada através da venda de imóveis e outros bens de valor, como evidenciam as conversas interceptadas. Senão vejamos: “Marcus Vinícius – Seguinte. Acabei de falar com o Luís e com o Júnior, tá? Adriana – Hã. Marcus Vinícius – É, o Luís conseguiu um comprador pro ap por 2,3. Adriana – Hã. Marcus Vinícius – Livre, sem nada, entendeu? Adriana – Hã. Marcus Vinícius – É tira os móveis e tudo o mais, não paga comissão, não pagando nenhuma despesa. 2,3 livres, tá? Adriana – Hã. Marcus Vinícius – O dinheiro seria para quinta-feira. Adriana – Da semana que vem? Marcus Vinícius – É. Semana que vem. Mais ou menos ele calcula que ele pega esse dinheiro na mão tá? Adriana – Tá.