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  UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
               DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA DAS ARTES E
                    DAS RELIGIÕES




 A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO): FORMAÇÃO E A
ATUAÇÃO DE CRISTÃOS/ÃS COMPROMETIDOS/AS COM
MUDANÇAS NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1964-1974)



                 Luís Carlos da Silva Lins




                       Recife/2009
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  UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
               DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA DAS ARTES E
                    DAS RELIGIÕES




 A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO): FORMAÇÃO E A
ATUAÇÃO DE CRISTÃOS/ÃS COMPROMETIDOS/AS COM
MUDANÇAS NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1964-1974)



                 Luís Carlos da Silva Lins


                            Monografia apresentada ao Curso de
                         Especialização em Ensino de História das Artes
                         e das Religiões/UFRPE, como requisito parcial
                         para obter o título de Especialista.
                            ORIENTADOR:
                            Prof. Dr. Edson Silva (UFPE)




                       Recife/2009
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                                  AGRADECIMENTOS


       Só quem sabe de onde veio e dos caminhos que teve de percorrer tem a idéia do
tanto de gente a quem se deve. E é natural, que nos esqueçamos de algum personagem
nesta breve nota de agradecimento. Mas vamos arriscar e que se sintam todos,
contemplados na lista que se segue. Agradecimentos à minha Família, em especial à
minha Mãe, negra, de origem rural, pouca letrada, tecelã da Companhia Industrial
Pirapama, que criou três filhos com tanta dificuldade e nunca me chamou de preguiçoso
por ficar “enfurnado” no quarto lendo livros em vez de trabalhar para ajudar no sustento
da casa. A todos os meus professores, desde as séries iniciais, cada um é responsável pela
minha formação e interesse em continuar minha vida acadêmica. À minha esposa que me
encorajou a estudar, a não ter receio de prosseguir e aos meus filhos que pacientemente
aguardaram por minha atenção. Ao meu professor, Edson Hely Silva, que se colocou
sempre à disposição para conversar (por e-mails, telefone, pessoalmente, sempre de bom
humor), polemizar a respeito de algum tema, sempre sugerindo, dando pistas e de forma
simples explicando-me tudo, até como digitar as notinhas de rodapé. Às pessoas que me
deram depoimentos, que me cederam livros, como o amigo e conterrâneo, Prof. Luís
Ribeiro e o Padre Reginaldo Veloso, sempre atencioso e a todos os membros do
Movimento de Trabalhadores Cristãos, a antiga Ação Católica Operária - ACO, pela
generosidade de sempre me atender quando lhes solicitei alguma informação.
4




          DEDICATÓRIA




                        In memorian 

                      Dedico  este  trabalho  ao 
                   meu  compadre  e  amigo,  além 
                   de  fundador  da  Ação 
                   Católica  Operária,  João 
                   Francisco da Silva e à Lorena 
                   Araújo, por terem devotado a 
                   maior  parte  de  suas  vidas  à 
                   causa da Classe Operária. 

SUMÁRIO
5


        INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------01
        CAPÍTULO I
        AS ORIGENS DA AÇÃO CATÓLICA
        1.1- Prelúdio da ação social da Igreja---------------------------------------------03

        1.2-    O pensamento social cristão na Idade Média-------------------------------04

        1.3-    As encíclicas papais------------------------------------------------------------07

        1.4-    A Rerum Novarum-------------------------------------------------------------08

        1.5-    A Quadragesimo Anno---------------------------------------------------------11

        1.6-    A Mater et Magistra------------------------------------------------------------12

        1.7-    O Concílio Vaticano II---------------------------------------------------------15

        1.8-    Origens da ação católica internacional---------------------------------------17



    CAPÍTULO II
    A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO) NO BRASIL E EM PERNAMBUCO
       2.1- A Ação Católica no Brasil--------------------------------------------------------18
            2.2- A Ação Católica Especializada--------------------------------------------------19
            2.3- Gestação da Ação Católica Operária--------------------------------------------20
            2.4- O surgimento da ACO no Brasil-------------------------------------------------22
            2.5- A organização do movimento----------------------------------------------------23
            2.6- O método de trabalho--------------------------------------------------------------24


        CAPÍTULO III
        A FORMAÇÃO DO/A MILITANTE
          3.1 – O Método Ver-Julgar-Agir------------------------------------------------------27

           3.2- A Revisão de Vida Operária (RVO)---------------------------------------------29
           3.3- A produção literária (o intelectual orgânico popular)-------------------------31
           3.4- A Formação na Ação---------------------------------------------------------------36
CONSIDERAÇOES FINAIS -----------------------------------------------------------------39
BIBLIOGRAFIA--------------------------------------------------------------------------------40
ANEXOS -----------------------------------------------------------------------------------------42
6




                                          INTRODUÇÃO


       Alguns/mas leitores/as (ou muitos/as, talvez!), que tiverem acesso a este documento
– com destaque para os/as especialistas e estudiosos/as, que são os/as mais críticos/as e com
pertinência – haverão de julgar estes escritos como “parciais”, “românticos”, ou quem sabe
até “apaixonados”. Eu trato aqui, da contribuição dada por um “movimento social ou de
Igreja” (Católica Apostólica Romana): A Ação Católica Operária – ACO.
       Todos nós sabemos do rigor científico que se deve ter ao pesquisar, do ponto de vista
acadêmico, instituições, entrevistar pessoas, visitar lugares, promover leituras e escrever
sobre um tema. Todos nós temos “ciência” dessa exigência e distanciamento necessários em
relação ao “objeto” estudado. Mas, embora já tenha caído em desuso, faço questão de
lembrar, a falsa crença na tal “independência” ou “isenção” nos diversos ramos do
conhecimento e da pesquisa.
       É importante que exponhamos, sem ingenuidades nem determinismos ou parcialidade
que as contradições estão em toda parte, em todos os lugares, dentro de cada um/a de nós, e
claro, no seio das instituições e suas ramificações.
       Por isso, não dei relevo aqui para as contradições, por exemplo, da Igreja Católica
(apesar de citá-las em algumas passagens), nem às incongruências, por extensão, também
presentes na Ação Católica Operária. É certo que os equívocos, mesmo que diminutos,
podem comprometer a trajetória ou amortecer o impacto das ações desenvolvidas pelas
instituições. Mas onde ficam as “intenções”? As ações postas em prática e sua repercussão?
Será que deveríamos açoitar apenas? Eu respondo: respondo que não. Não devemos fechar
os olhos para os desvios como também devemos reconhecer o “Mérito” do objetivo que pode
ser maior que as contradições.
       Reitero, portanto, que meu objetivo aqui, foi de dar destaque a atuação da Ação
Católica Operária - ACO, em especial, numa das conjunturas políticas mais obscuras da
história política brasileira: a da repressão pela Ditadura Militar.
       Acredito, até pela repercussão nos jornais de época e testemunhos arrolados, que a
ousadia daqueles/as que faziam a Ação Católica Operária (hoje MTC) foi de grande
importância para o fortalecimento dos movimentos de resistência ao regime em vigor. E para
além da ousadia, num momento em que pessoas perderam a própria vida como o Padre
7


Antonio Henrique Pereira da Silva Neto (ligado diretamente ao Arcebispo de Olinda e
Recife, Dom Helder Câmara), e outros/as, que até nos dias atuais são tidos/as como
desaparecidos/as. Como o exemplo do pernambucano, militante da Ação Popular Marxista-
Leninista (APML), Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, não encontrado desde 1974,
quando contava apenas com 26 anos de idade.
        Para entender e explicar essa “motivação para o Agir” dos membros da Ação
Católica Especializada, denominada ACO, em especial no Regional NE II que compreende
os estados de Pernambuco e Paraíba, nos reportamos ao cristianismo primitivo, à Doutrina
Social da Igreja Católica Apostólica Romana, à alguns pensadores católicos da Idade Média,
Moderna e Contemporânea, às Encíclicas Papais, Concílios e documentos advindos,
publicações na área da História, sites especializados na internet e depoimentos orais.
        Nos capítulos a seguir procuraremos explicar as origens da Ação Católica, o início e
atuação da Ação Católica Operária no Brasil e em Pernambuco e, por fim como se dava a
formação do/a militante desse movimento originalmente de Igreja.
        Apesar das argumentações iniciais não é nossa intenção nos fecharmos “em nossas
certezas”. Isso não seria razoável nem acadêmico. Por isso, agradeceremos se, para além da
leitura, se fizer a crítica e a contribuição necessárias.
8




                                             CAPÍTULO I


                        AS ORIGENS DA AÇÃO CATÓLICA


        1.1. Prelúdio da Ação Social da Igreja
        Se considerarmos as afirmações de teólogos e teóricos da Igreja Católica Romana
como o franciscano Leonardo Boff, uma Igreja que prega o compromisso com a mudança na
ordem social vigente, chamada “igreja libertadora”, iniciou sua ação na América, no México,
por meio de Bartolomé de Las Casas (1484-1566): “O religioso que ainda jovem, deixa a
cidade de Sevilha (Espanha) e desembarca na América central em 1502, como colono.
Extasiado pela conquista colonial espanhola, torna-se colonizador. O ouro e a ambição são
os motivos que norteiam sua vida”.1 O Bispo Bartolomé que presenciara as atrocidades
cometidas contra os nativos do chamado “Novo Mundo” pelos colonizadores espanhóis, se
rebelou, fez queixas expressas à Coroa espanhola e tornou-se voz contundente contra o
arbítrio dos cristãos europeus.
        Como afirmou o Frei Carlos Josaphat, o dominicano Las Casas, é o modelo e o
porta-voz da justiça social, o profeta de todos os direitos para todos na América. “Sua figura,
sua mensagem e sua luta resplandecem hoje como verdadeiro paradigma das relações dos
povos colonizados com os índios que sobreviveram ao massacre da conquista européia”. 2
Las casas foi levado ao arrependimento e revisão de sua presença e ação apostólica na
América a partir, é lícito afirmar, das bases primordiais do cristianismo.
        Mais quais as bases desse tipo de pensamento no início da ação social católica nas
Américas, destacados por Leonardo Boff e Carlos Josaphat? Não desconsideramos os erros
históricos, alguns já mencionados por alguns papas, como João Paulo II que pediu perdão
pela participação da Igreja no processo de colonização da América, mas esta instituição não
sobreviveria e manteria o maior rebanho de seguidores do mundo se não praticasse algum
tipo de proselitismo.
        Tentaremos identificar as origens da ação católica, de sua ação social, de sua
principalmente, “opção preferencial pelos pobres”. Fases anteriores da história da Igreja que



1
 PALEARI,     Giorgio.       Revista   Eletrônica     Mundo     e   Missão.    Disponível   no   site:
http://www.pime.org.br/mundoemissao/espiritlascasas.htm. Acesso em 30/12/2008.
2
 Idem.
9


preparou as bases para o surgimento da Ação Católica no Brasil, a Ação Católica
Especializada, e por fim, a Ação Católica Operária.
        1.2. O pensamento social cristão na Idade Média
        Como já enfatizamos, seria desnecessário aqui apontar os “usos e abusos” praticados
pela cristandade desde o período medieval. O que nos propomos neste estudo é destacar o
invulgar e pouco abordado, papel desempenhado por líderes desta mesma tradição religiosa
que contrastando com o histórico de desmandos e equívocos cometidos pela instituição - que
obviamente não devem ser esquecidos nem tolerados - mas confrontados com as iniciativas
mais próximas do que conhecemos por cristianismo primitivo no seu comprometimento com
a ação social.
        O escritor, destacou que “todas as idéias da Antigüidade sobre a sociedade, o Estado,
a moral, o direito e economia”3 que não se chocavam com as idéias cristãs eram absorvidas e
adaptadas. De fato, uma resultante da fusão do Judaísmo com a tradição filosófica greco-
romana. Vide Santo Agostinho com o Platonismo e Santo Tomás de Aquino com o
Aristotelismo, os dois grandes pensadores desse período. Ainda segundo Beer, “predominam
quase exclusivamente as considerações de ordem moral e religiosa. Seu objetivo principal,
nesse momento, é a luta contra o egoísmo, para supressão do mal e a instauração da justiça
social”.4
        O mesmo autor nos chama atenção para a preocupação de líderes religiosos que
destacavam a importância da vida comunitária, partilhada e socialmente justa. Ele classifica
essa junção de pensamento e ação reformadora como “elementos comunistas do
cristianismo” fazendo questão de enfatizar a descaracterização sofrida com a romanização
dessa tradição religiosa enquanto movimento, a partir de sua oficialidade junto ao Império
Romano de Constantino com o Édito de Milão.
        O autor fundamentou suas observações buscando elementos e fazendo referência ao
livro Atos dos Apóstolos, onde de acordo com os versos 42 a 44 do capítulo 2, “os cristãos
primitivos tinham todos os seus bens em comum” e mais adiante no capítulo 4, nos versos 32
e 37, “ninguém considerava exclusivamente sua nenhuma das coisas que possuía”.
        O mesmo autor ainda, sustenta ainda que os hereges e monges do medievo estiveram
bastante fiéis a este espírito social do cristianismo primitivo, que optaram pelo heretismo ou
pela monastia justamente para salvaguardar os ideais primordiais deste movimento e fugirem
da ideologia dominante, ou seja, da “chamada romanização” da igreja oficial.


3
BEER, Max. História do Socialismo e das lutas sociais. São Paulo, Expressão Popular, 2006, p.130.
4
Idem, p.130.
10


       Entre os principais líderes religiosos dessa doutrina moral e filosófica que buscaram
inspiração no comprometimento social do cristianismo primitivo, destacaram-se: os
chamados santos padres Barnabás; Justino, o Mártir; Clemente de Alexandria; Orígenes;
Tertuliano; São Cipriano; Latâncio; Basílio de Cesária; Gregório de Nacianzo; João
Crisóstomo; Santo Ambrósio e Santo Agostinho, “que preconizavam um gênero de vida
baseado no espírito comunista que, segundo eles, era mais virtuoso e o mais próximo do
ideal cristão”, afirma Max Beer.5
       Reproduzimos aqui, alguns aconselhamentos proferidos por estes representantes do
ideário de vida em comum:
               - Barnabás: “Deverás repartir tudo, em tudo e por tudo com o teu próximo e
               não falar em propriedade. Porque, se ponto de vista dos bens espirituais já
               consideras o próximo como teu irmão, com muito mais razão deves assim
               considerá-lo em tudo o que se refere a bens materiais transitórios”.
               - São Cipriano: “Desfrutamos em comum todas as dádivas divinas. Ninguém
               está excluído de seus benefícios. Todos os homens podem usufruir
               igualmente os bens e a benevolência de Deus… Todo aquele que divide seus
               lucros com os irmãos segue o exemplo de Deus”.
               - Basílio, o Grande: “Nada resiste ao poder do dinheiro. Todos se curvam
               perante ele. Não se pode qualificar de ladrão o homem que se apropria de
               bens que recebeu apenas para administrar? O pão de que te aproprias é
               daquele que tem fome. Daquele que está nu são as roupas que guardas nas
               tuas arcas. Daquele que anda descalço, e que trabalha em tua casa sem nada a
               receber, é o dinheiro que escondeste no teu subterrâneo”.
       Este pensamento de Basílio, o Grande, aliás, está mais para manifesto comunista do
que para homilia. Além da crítica social, Basílio, o Grande, era propositivo e reivindicador:
“Nós, que somos seres providos de razão, poderemos mostrar-nos mais cruéis do que os
animais? Estes consomem em comum os produtos da terra. Os rebanhos de carneiros pastam
no mesmo lugar da montanha e os cavalos no mesmo prado. Mas nós, nós nos apropriamos
de bens que devem pertencer a todos e queremos possuir sozinhos o que pertence à
comunidade”, acrescentou o religioso.
       - João Crisóstomo: “Porque eles não se limitavam a dar somente uma parte do que
possuíam, conservando a outra para si mesmos; Tampouco davam o que tinham como se
estivessem entregando um bem que lhes pertencesse. Suprimiram todas as desigualdades e
5
Idem, p.133.
11


viveram no meio da maior abundância. Realmente, a dispersão dos bens acarreta maiores
gastos. Em conseqüência disso, todos empobrecem. Tomemos, como exemplo uma família
composta de um homem, uma mulher e 10 crianças. A mulher em casa tecendo. O homem
trabalha fora. Precisarão de mais dinheiro se viverem juntos ou separados? É claro: se
viverem separados!... A dispersão determina inevitavelmente uma diminuição dos bens
existentes. A vida em comum, ao contrário, multiplica os bens. É assim que os monges
vivem nos seus conventos, como viviam antigamente os primeiros cristãos”.
       - Santo Ambrósio considera a propriedade privada como filha do pecado (neste caso,
não creio que seria resistência ao feudo [ou à modernidade futura] com fins de preservação
de patrimônio e poder) e defende a seguinte tese dos estóicos: “A natureza dá tudo em
comum a todos. Deus criou os bens da Terra para os homens gozarem-nos em comum, para
que sejam propriedade comum de todos. Portanto, foi a natureza que criou o comunismo. A
violência é que estabeleceu a propriedade privada”. Pelo visto, Jean-Jacques Rousseau bebeu
nesta fonte e lançou a partir dela, luzes na modernidade.
       Mas não poderíamos deixar de registrar o que pensou e disse a respeito, Santo
Agostinho, discípulo de Santo Ambrósio: “A propriedade privada origina dissensões,
guerras, insurreições, carnificinas, pecados graves e veniais… Nós possuímos grande
número de coisas supérfluas. Contentemo-nos com o que Deus nos deu e tomemos só aquilo
de que necessitarmos para viver. Porque o necessário é obra de deus, mas o supérfluo é obra
da cobiça humana. O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres. Quem possui um bem
supérfluo possui um bem que não lhe pertence”.
       Em meio à alta concentração de terras e de poder, a convivência e conivência com os
poderosos do seu tempo, no seio da cristandade sopraram brisas de resistência e de apego aos
ensinamentos e experiências contidos na “boa nova” dos Atos dos Apóstolos. Uma
antecipação e um fundamento para a revisão nas ações de Bartolomeu de Las Casas nas
terras do México que pode ter influenciado no humanismo de pessoas como o Padre Antonio
Vieira, aqui no Brasil e Portugal. Muitas dessas idéias consideradas progressistas para sua
época deveriam servir de fermento para mudanças, se devidamente apropriadas e
potencializadas para fins de reforma social, por exemplo.
       1.3. As encíclicas papais
       Identificaremos nas chamadas cartas ou documentos que têm sentidos dogmáticos ou
doutrinários, as chamadas encíclicas, observações em relação ao compromisso social que os
bispos, padres e leigos deveriam exercer. Ou seja, o que propuseram em relação a sua
doutrina social, além da religiosa. Essas orientações estão voltadas às conjunturas de ordem
12


econômica e política, portanto ideológicas das ocasiões em foram anunciadas. Mas antes, por
dever, vale informar que estas cartas são acompanhadas de muitas críticas devido às
incoerências entre suas exortações e a prática da própria Igreja. Que ela mesma, através de
seus teóricos e discursos oficiais trata de explicar e, a muito custo, tentar retratar.
        É importante ter presente que a explicação vem da seguinte maneira: “Todas as
encíclicas sociais da igreja reivindicam seu direito e seu dever de pronunciar-se sobre os
problemas sociais, a partir da ótica própria da Igreja, que é a de defesa do homem criado à
imagem de Deus, especialmente dos homens mais indefesos”.6
        De fato, os documentos históricos são fartos em apontar os desvios desta Igreja que
são admitidas publicamente, quanto a corrigi-las…Outro fato é de que esta mesma Igreja
milenar não tem se omitido(mesmo de forma conservadora) diante de questões polêmicas e
em especial, em relação à condição dos trabalhadores e do ser humano em geral. E é isto que
destacaremos aqui.
        1.4. A Rerum Novarum
        Nos finais do século XIX, com o surgimento da sociedade industrial modificou-se o
contexto social de modo a determinar uma reavaliação do que seria a quot;justa ordem da
coletividadequot;. Antigas estruturas sociais foram desmontadas e o surgimento da massa de
proletários assalariados determinou fortes mudanças na organização social fazendo com que
a quot;relação capital e trabalhoquot; se tornassem uma questão decisiva de um modo até então
desconhecido.
        E como se pronunciou a “Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XIII sobre a
condição dos operários” na época de Revolução Industrial e o espectro ameaçador das idéias
socialistas utópicas e científicas de Marx e Engels. Sobre a Igreja e a questão social esta
carta diz: “É com toda a certeza que nós abordamos este assunto, e em toda a plenitude do
nosso direito; porque a questão de que se trata é de tal natureza, que, não se apelando para a
religião e para a igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz”.7
        Sobre a luta de classes e a desigualdade, a Rerum Novarum expõe seu verniz
conservador e romanizado, tão criticado por muitos:
        O primeiro princípio a pôr em evidência, é que o homem deve aceitar com paciência
a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É,
sem dúvida, isto o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são

6
 ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja. São Paulo, Loyola, 1991,
p. 181.
7
 Rerum Novarum. Carta Encíclica de sua santidade o Papa Leão XIII sobre a condição dos Operários. 15ª ed.
São Paulo, Paulinas, 2005, p.19.
13


vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como
profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força;
diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições.8
       E ainda:
                           Entre estes deveres, eis o que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve
                           fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato
                           livre e conforme a eqüidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens,
                           nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências, e
                           nunca revestirem a forma de sedições… 9
       Quanto às obrigações dos operários e dos patrões, a encíclica é absurdamente
conservadora aos olhos de hoje, considerando inclusive, a concorrência com os socialistas:
                         Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas
                         respeitar nele a dignidade do homem realçada ainda pela do cristão… O que é
                         vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucros, e
                         não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além
                         disso, prescreve que se tenha em consideração os interesses espirituais do operário
                         e o bem de sua alma..10
       Observemos algumas de suas imprecações sobre a posse e uso das riquezas. Discurso
bem ao gosto da classe burguesa e respaldada em Santo Tomás de Aquino, aliado de
príncipes alemães na idade média européia:
       Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou
de sua família; nem mesmo a nada suprimir de que as conveniências ou decência impõem à
sua pessoa: ‘Ninguém, com efeito, deve viver contrariamente às conveniências, Santo
Tomás, sum. Teol., II-II, q. 32, a. 6’. Mas, desde que tenha suficientemente satisfeito à
necessidade e ao decoro, é um dever dar o supérfluo para os pobres: ‘Do supérfluo dai
esmolas’(Lc 11, 41).11
       As sugestões de Leão XIII neste aspecto se reduzem ao assistencialismo puro e
simples. Longe, portanto do cristianismo primitivo e da carta aos apóstolos, citada por Max
Beer, como exortações ao comunismo. Nesta mesma encíclica as greves são tidas como
causadoras de “dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e
aos interesses comuns”.12



       8
        Idem, p. 20
       9
        Idem, p. 22
       10
         Idem, p. 22
       11
         Idem, p. 26
       12
         Idem, p. 40
14


        Esta mesma igreja, imersa nas mudanças provocadas pela Revolução Industrial,
poderia ser ainda mais conservadora, destaco novamente, se vozes mais ousadas não se
levantassem com idéias realmente transformadoras. Vejamos o que disse o teólogo Edgard
Wallace (1679-1771) em seu livro intitulado Várias Perspectivas,13 publicado em 1761 (a
Rerum Novarum foi escrita em 1891, portanto 130 anos depois), Wallace indaga: “como é
possível que o homem, com todos os dons que possui e com todos os tesouros da natureza de
que dispõe, se encontre ainda em tão baixo nível cultural?” Tanto no domínio da moral
quanto da filosofia, tanto na esfera das ciências naturais quanto na da vida social… Wallace
advogou o comunismo como “remédio” para essa situação e lembrava que no estado
primitivo da humanidade, reinava a igualdade absoluta e a comunidade de bens.
        Outro pensador crítico das condições sociais de época, Thomas Spencer (1750-1814)
foi o primeiro partidário teórico da reforma agrária, segundo Max Beer. Spencer que foi
sapateiro, professor e guarda-livros, resumia assim suas idéias fundamentais: “… no estado
primitivo da humanidade, o solo era propriedade comum. Desse modo, cada qual, ao nascer,
possuía um direito inalienável sobre certa porção de solo”.14
        Não era só a classe burguesa industrial que tinha seus teóricos, e as idéias da igreja
nunca estiveram incólumes de pressões externas às suas. Thomas Spencer, ele próprio
mandou imprimir suas teorias e vendeu-as por “alguns centavos o exemplar”. Bem ao
contrário das orientações papais, outro pensador ainda da primeira fase da revolução
industrial, o médico Charles Hall procurou em seu livro, Os efeitos da civilização, explicar
cientificamente o antagonismo entre o capital e o trabalho tomando como ponto de partida à
idéia de que “a propriedade e o Estado não existiam na sociedade primitiva”.15
        Como afirmamos anteriormente, o solapar dos ventos da conjuntura política e
econômica deram o tom do discurso do Papa Leão XIII em sua Rerum Novarum. Na
abertura da edição de “Mater et Magistra” argumenta-se o seguinte: “Os tempos em que
Leão XIII falou, eram de transformações radicais, de fortes contrastes e amargas rebeliões. E
são as sombras que, então, dominavam, que nos faz apreciar melhor a luz que promana do
seu ensinamento.”16
        Poderíamos deduzir que se não houvesse essas pressões impostas pelas
“transformações radicais” e “… fortes contrastes e amargas rebeliões”, esta igreja estaria
vivendo sua época com todo o peso do seu conservadorismo. Consideradas estas condições,
        13
           BEER, op. cit., p. 363
        14
           BEER, op. cit., p. 364
         15
           BEER, op. cit., p. 368
16
  Mater et Magistra. Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Leão XXIII sobre a evolução da questão social
à luz da doutrina cristã. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p.6
15


não poderíamos deixar de advogar aqui, mais uma vez, este legado de relativa preocupação
com o social que viria em outras condições sócio-históricas despertar e facilitar o surgimento
de líderes religiosos progressistas e ousados por dentro da instituição.
         No início da carta Mater et Magistra ressalta-se que
                          “… O conceito de mundo econômico, então mais difundido e posto em prática,
                          era um conceito naturalista, negador de toda a relação entre moral e economia. O
                          motivo único da aççao econômica, dizia-se, é o interesse individual.” Neste
                          comentário a crítica mordaz voltasse contra o liberalismo econômico, além da
                          posição já conhecida da igreja católica contra as idéias socialistas que eram
                          apontadas como “teorias extremistas, que propunham remédios piores que os
                          próprios males.”
         1.5. A Quadragesimo Anno
         Esta Encíclica, publicada por Pio XI, que é de aniversário e em comemoração a
     Rerum Novarum traz exortações óbvias e “quase repetitivas”, por ser de comemoração a
     carta anterior e toca em questões como justo salário, o sustento da família e do operário,
     da divisão dos lucros e a necessidade de combinar o contrato de trabalho com um novo
     contrato de sociedade. Esta Encíclica toca nestes temas de forma um pouco mais
     aprofundada por força, graça e obra, da pressão exercida pela conjuntura econômica e
     política.
         Registramos aqui, observações feitas pelo próprio Pio XI sobre a questão:
                          A livre concorrência, em virtude da dialética que lhe é própria, tinha acabado
                          por destruir-se a si mesma ou pouco menos; levara a uma concentração de
                          riqueza e, além disso, à acumulação de um poder econômico desmedido nas
                          mãos de poucos, os quais, muitas vezes nem sequer eram proprietários, mas
                          simples depositários e administradores do capital, de que dispunham a seu bel-
                          prazer.17
         Com os males advindos desse “poder econômico desmedido nas mãos de poucos”,
viria junto à crescente simpatia por idéias comunistas e socialistas, o que incomodava o
papado com a mesma intensidade.
         1.6. A Mater et Magistra
         A Mater et Magistra, a exemplo da Quadragesimo Anno, confirma dar continuidade a
declaração de Leão XIII e como num desenvolver do capitalismo, as encíclicas subseqüentes
vão se adaptando aos novos tempos ou às mutações sofridas por este sistema. Na segunda


17
 Encíclica Quadragesimo Anno. Carta de Sua Santidade Papa Pio XI sobre a restauração e aperfeiçoamento
da ordem social em conformidade com a lei evangélica no XL Aniversário da Encíclica de Leão XIII “Rerum
Novarum”.     Disponível   site:  http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-
xi_enc_19310515_quadragesimo-anno_po.html. Acesso em 30/01/2008.
16


 parte da Encíclica Mater et Magistra, no subtítulo “Aclarações e ampliações dos
 ensinamentos da Rerum Novarum”, isto fica bastante evidenciado no item 48:
                            Devemos afirmar, desde já, que o mundo econômico é criação da iniciativa
                            pessoal dos cidadãos, que desenvolvam sua atividade individualmente, quer
                            façam parte de alguma associação destinada a promover interesses comuns”. No
                            item “49. Nele, porém, pelas razões já aduzidas pelos nossos predecessores,
                            devem intervir também os poderes públicos com o fim de promoverem,
                            devidamente, o acréscimo de produção para o progresso social e em benefício de
                            todos os cidadãos.18
         Percebemos aqui que a encíclica continua a defender o estatismo interferindo em
favor do progresso social e defenderá mais adiante a chamada socialização sob sua ótica,
como veremos. A carta classifica a chamada “socialização” como um dos aspectos
característicos de nossa época. Que segundo ela, “Consiste na multiplicação progressiva das
relações dentro da convivência social, e comporta a associação de várias formas de vida e
atividade…”19
          Mesmo com essa introdução um tanto imprecisa, o termo “socialização” não deixa
 de ser o prenúncio das posições futuras da igreja católica face aos tempos vindouros. Antes
 de continuarmos nossa análise sobre a Mater et Magistra, destaca-se as origens do Papa João
 XXIII, também conhecido como o “Papa Bom”. Haveremos de considerar que apenas as
 conjunturas político-econômicas e disputas intestinas no seio da igreja não devem interferir
 definitivamente na condução das pessoas que à frente de instituições estão procurando
 influenciar nos rumos de uma sociedade. No caso de uma Igreja que se propõe universal, nos
 rumos da humanidade.
         Angelo Giuseppe Roncalli (nome do Papa João XXIII) nasceu em Sotto il
 Monte (província de Bérgamo, Itália) em 25 de Novembro de 1881. Era o terceiro filho
 numa família do tipo patriarcal, de trabalhadores agrícolas, sendo, no total, constituída por
 30 elementos. Era por isso a família mais numerosa do pequeno povoado de Sotto il Monte.
 Roncalli foi ordenado sacerdote Católico na Igreja de Santa Maria in Monte Santo (Roma)
 em 1905.
         Em 1915, quando a Itália entrou na Primeira Guerra Mundial, foi alistado como
 sargento do corpo médico e capelão militar dos soldados feridos que regressavam da linha de
 combate. Devido à origem operária-agrária do religioso e de viver numa família com 30
 indivíduos, podemos tirar conclusões portanto, das condições difíceis de vida de sua
 18
   Mater et Magistra. Carta Encíclica de sua santidade o Papa Leão XXIII sobre a evolução da questão social à
 luz da doutrina cristã. 12 ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 18.
 19
   Idem, p. 20
17


numerosa família. Outro fato de destaque foi o do então sacerdote ter participado de uma
grande guerra, com certeza, sabedor das causas desse conflito que teve proporções mundiais.
       A Mater et Magistra analisando “A remuneração do trabalho”, proclama no item:
“65. Amargura profunda invade o nosso espírito diante do espetáculo tristíssimo de
inumeráveis trabalhadores, em muitas nações e continentes inteiros, os quais recebem um
salário que os submete, a eles e às famílias, a condições de vida infra-humanas.” “66. Mas,
em alguns desses países, a abundância e o luxo desenfreado de uns poucos privilegiados
contrasta, de maneira estridente e ofensiva, com as condições de mal-estar extremo da
maioria.”20Entendemos aqui, esta exortação, quase como uma denuncia.
       A Mater et Magistra é uma Carta Encíclica de 15 de maio de 1961. Esta encíclica foi
publicada no início da conturbada década de 1960, no contexto histórico de acirramento da
“Guerra Fria” e em época de Revolução em Cuba (1959) e da revolução estudantil de Paris
que sacudiu o mundo, em maio de 1968. Neste contexto o papa se vê obrigado a atualizar e
a reafirmar o Magistério da Igreja sobre as questões novas e antigas que ressurgiam com
nova roupagem nos “anos 60”.
       Esta encíclica é considerada um marco importante da Doutrina Social da Igreja,
atualizando as orientações das encíclicas sociais anteriores, a partir da Rerum Novarum,
dando a resposta católica para os problemas vigentes. Paulo VI e João Paulo II muito dela se
valeram no seu ensinamento social usando-a como apoio e fundamento de suas encíclicas
sobre a Doutrina Social da Igreja.
       Esta carta seguindo o exemplo da Rerum Novarum e tantas outras também defendem
a chamada “propriedade particular”, só que agora se preocupa em dar explicações mais
enfáticas sobre sua posição:


                       “108. Fazemos nossas, nesta matéria, as observações do nosso predecessor Pio XII:
                       Quando a Igreja defende o princípio da propriedade particular, tem em vista um
                       alto fim ético e social. Não que dizer que ela pretenda conservar pura e
                       simplesmente o estado presente das coisas, como se nele visse a expressão da
                       vontade divina, nem proteger, por princípio, o rico e o plutocrata, contra o pobre e
                       o proletário… A igreja pretende conseguir que a instituição da propriedade privada
                       venha a ser o que deve, conforme o desígnio da Sabedoria Divina e as disposições
                       da natureza. (Grifamos)




20
        Idem, p. 23.
18


                       Quer dizer, pretende que a propriedade privada seja garantia da liberdade essencial
                       da pessoa humana e elemento insubstituível da ordem social. ”21
       Apesar dos avanços, seria conseqüente demais esta Igreja romanizada querer o fim da
propriedade privada e a defesa do coletivismo da terra, haja vista ela ser herdeira de
imensuráveis quantidades de terra… espalhadas por este mundo. A Mater et Magistra,
discorre sobre vários temas também buscando atualizar-se, como: Agricultura, considerando
o tema êxodo rural e os serviços essenciais às populações rurais, até de forma crítica;
Regime Fiscal, levando em conta a distribuição dos encargos segundo a capacidade
contributiva dos cidadãos considerando o junto e o eqüitativo. O que poderíamos chamar de
progressividade; Capitais a juros convenientes, isso se referindo à produção agrícola;
Seguros sociais e previdência social; Defesa dos preços, neste caso a Mater et Magistra
remete a Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno em que ele faz a defesa não só dos
salários como de um preço justo para os alimentos; Solidariedade e colaboração, no setor
agrícola, como aliás, em qualquer outro setor produtivo.
       Esta carta apresenta-se especialmente preocupada com o campo, a agricultura, os
moradores das áreas rurais, certamente devido a crescente saída de trabalhadores das zonas
agrárias provocadas pelo êxodo rural. Ainda se preocupa em propor justiça nas relações entre
países que tenham diferentes progressos econômicos, parecendo exortar as comunidades
como fazia o apóstolo Paulo com as comunidades que acompanhava:
                       “154. Um dos maiores problemas da época moderna talvez seja o das relações
                       entre as comunidades políticas economicamente desenvolvidas e as que se
                       encontram em fase de desenvolvimento econômico. As primeiras, por conseguinte,
                       com alto nível de vida, as outras, em condições de escassez ou de miséria.”22
       Como a Igreja Católica é historicamente dividida entre conservadores e aliancistas e
outra parte, busca se aproximar do evangelho primitivo em suas ações e interpretações, não é
de se admirar que muitas dessas admoestações, em várias paróquias e dioceses, tenham
tentado sinceramente sair do papel.
       A Rerum Novarum, a Quadragesimo Anno e a Mater et Magistra para tomarmos
como exemplo, seguiram-se, uma a uma, adaptando-se aos novos tempos, sugerindo posturas
e ações às suas comunidades mescladas de acordo com as pressões conjunturais, ora mais
avançadas, ora conservadoras em muitos aspectos. O Papa João XXIII destaca-se no cenário
histórico, convocando a Igreja para um dos concílios mais relevantes da instituição, pelos
atores envolvidos e acima de tudo, pelas condições dadas naquele momento da humanidade.
       21
        Idem, p.35.
       22
        Idem, p. 52.
19


        1.7. O Concílio Vaticano II
        O Concílio Vaticano II (CVII), XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica Romana,
foi aberto sob o papado de João XXIII no dia 11 de outubro de 1962 e terminado sob o
papado de Paulo VI em 08 de dezembro de 1965. Nestes três anos se discutiram e
regulamentaram vários temas da Igreja Católica Romana. Um concílio é, naturalmente, um
esforço comum da Igreja, ou parte dela, para a sua própria preservação e defesa ou guarda e
clareza da fé
        Do Concílio Vaticano II, destaca-se um documento tido como fundamental para os
rumos da Igreja Católica: a Gaudium et Spes que é uma constituição pastoral sobre a Igreja
no mundo atual, a 4ª das Constituições do Concílio Vaticano II e tratou fundamentalmente
das relações entre a Igreja Católica e o mundo onde ela está e atua. Inicialmente ela
constituía o famoso quot;esquema 13quot;, assim chamado por ser esse o lugar que ocupava na lista
dos documentos estabelecida em 1964. Sofreu várias redações e muitas emendas, acabando
por ser votada apenas na quarta e última sessão do Concílio.
        Formada embora por duas partes, constitui um todo unitário. A primeira parte é mais
doutrinária e a segunda é fundamentalmente pastoral. Trata-se de um documento muitíssimo
importante, pois significou e marcou uma virada da igreja católica quot;de dentroquot; (debruçada
sobre si mesma), quot;para foraquot; (voltando-se para as realidades econômicas, políticas e sociais
das pessoas no seu contexto) e constituiu um passo importante na fixação da Doutrina Social
da Igreja. O ex-pároco de Casa Amarela, na Arquidiocese de Olinda e Recife (Assessor das
CEBS, do MAC e do MTC), Reginaldo Veloso, afirmou sobre este documento: “nesta fonte
foi onde beberam todos os movimentos de ação católica, com destaque para a JOC e a ACO”
(hoje MTC).
        A abertura desse documento singular já nos diz muito:
                         Íntima união da Igreja com toda a família humana: 1. As alegrias e as
                         esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres
                         e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as
                         tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma
                         verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua
                         comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo
                         Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a
                         mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-
                         se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.23



   23
     Site do Vaticano: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-
   ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em 30/12/2008.
20


       A constituição pastoral Gaudium et Spes, logo na sua introdução, sob o subtítulo
“Esperanças e temores”, afirma ser dever da igreja adaptar-se ao mundo atual, interpretá-lo à
luz dos novos tempos, e claro do evangelho, para responder de modo adequado às perguntas
dos homens desse tempo. O documento versa sobre a evolução e domínio da técnica e da
ciência, e do impacto dessas inovações na vida das sociedades. Esta história que de tão
rápida não consegue ser alcançada, devido às novas tecnologias, altera substancialmente a
ordem social, objeto de preocupação constante da Igreja que também é afetada pelo que o
documento chama de humanidade “dinâmica e evolutiva”.
       Sobre esta nova ordem social, o documento Gaudium et Spes é taxativo:
                        Por fim, as novas circunstâncias afectam a própria vida religiosa. Por um lado,
                        um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e
                        de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé
                        pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de
                        Deus. Mas, por outro lado, grandes massas afastam-se praticamente da religião.
                        Ao contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou
                        prescindir deles já não é um facto individual e insólito: hoje, com efeito, isso é
                        muitas vezes apresentado como exigência do progresso científico ou dum novo
                        tipo de humanismo. Em muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio
                        filosófico, mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das
                        ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que provoca a
                        desorientação de muitos.24
       O desafio está posto e esta Igreja acossada por novos pontos de vista, tem que mudar
pra não ficar para trás. Ainda como motivo de preocupação e admoestamento, esta
constituição versa sobre: Desequilíbrios pessoais familiares e sociais; Aspirações mais
universais do gênero humano; Índole comunitária da ação humana; Interdependência da
pessoa humana e sociedade humana e Promoção do bem comum; Respeito da pessoa
humana; Igualdade essencial entre todos os homens. Sobre este último tópico vale à pena
transcrever o sentimento da igreja nesta carta:
                       Além disso, embora entre os homens haja justas diferenças, a igual dignidade
                       pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e
                       justas. Com efeito, as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os
                       membros e povos da única família humana provocam o escândalo e são obstáculo
                       à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz
                       social e internacional.25



       24
        Idem
       25
        Ibidem
21


          No capítulo IV da primeira parte, que trata da função da Igreja no mundo atual, a
mudança de postura da instituição a partir do Vaticano II vai se clarificando:
                        “Por isso, a Igreja, em virtude do Evangelho que lhe foi confiado, proclama os
                        direitos do homem e reconhece e tem em grande apreço o dinamismo do nosso
                        tempo, que por toda a parte promove tais direitos.”26
          É óbvio que se ressalta “direitos humanos” na órbita e à luz do evangelho
interpretado pelas autoridades eclesiais, mas quando esta reconhece e tem apreço pelo
dinamismo do nosso tempo, observa forçosamente que outros atores atuam em confluência.
É o que esta mesma carta classificou em diversas passagens como interdependência e/ou
ecumenismo nas ações.
          No preâmbulo da segunda parte desta constituição, um subtítulo chama atenção:
“alguns problemas mais urgentes”. E segue-se uma série de atitudes do Concílio Vaticano II
em relação a esses problemas. Dentre esses problemas que na interpretação do Concílio
afetavam a humanidade naquele momento, destacam-se: “o matrimónio e a família, a cultura
humana, a vida económico-social e política, a comunidade internacional e a paz.” Em sua
parte II, Capítulo III, que trata da ordem econômico e social, a Gaudium et Spes, que é um
documento do Concílio Vaticano II, apresenta-se mais avançada em relação às Encíclicas
estudadas anteriormente. Ela diz o seguinte sobre alguns aspectos da vida econômica e
social:
                          No entanto, o direito à propriedade privada não é incompatível com as várias
                          formas legítimas de direito de propriedade pública. Quanto à apropriação
                          pública dos bens, ela só pode ser levada a cabo pela legítima autoridade,
                          segundo as exigências e dentro dos limites do bem comum, e mediante uma
                          compensação equitativa. Compete, além disso, à autoridade pública impedir o
                          abuso da propriedade privada em detrimento do bem comum. 27


          1.8. Origens da Ação Católica Internacional
          A Ação Católica é o nome dado ao conjunto de movimentos criados pela Igreja
Católica no século XX, visando ampliar sua influência na sociedade, através da inclusão de
setores específicos do laicato e do fortalecimento da fé religiosa, com base na Doutrina
Social da Igreja. E como já tínhamos adiantado, a origem deste movimento está presente na
história da Igreja e em todas as suas cartas, e sofreu forte influência da Revolução Industrial,
do surgimento da Classe Operária e das Idéias Comunistas e Socialistas. O fantasma do



          26
           Ibidem
          27
           Ibidem
22


marxismo assombrou não somente a burguesia assombrou e influenciou fortemente os rumos
da milenar Igreja Católica.
       Em 1938, o papa Pio XI criou uma direção central para a Ação Católica.
Em 1960 o papa João XXIII criou uma comissão preparatória para o apostolado dos laicos.
A assim chamada Ação Católica nasce antes do concílio convocado por João XXIII, mas
sem dúvida, seu impulso maior e notoriedade na América Latina em especial vêm com o
Vaticano II. Este novo modelo de recristianização do mundo seria realizada principalmente
por fiéis leigos que passariam a ter um papel de estaque nas ações desempenhadas pela
Igreja, porém, a liderança e o comando estariam sempre com as autoridades eclesiásticas.
       A escola francesa, a belga e canadense para formação de padres, forjaram novos
atores para responder às novas demandas. Os assim chamados padres operários atuariam
com base em uma nova teologia. Mais moderna e adaptada aos novos tempos. Destacou-se
dessa leva de padres imersos no mundo do proletariado, o belga, José Cardijn. Nascido de
uma família de modestos trabalhadores, em 1882, em Bruxelas habituou-se a escutar os
operários que conversavam sobre as condições em que eram obrigados a viver. 28
       O pároco de “Daens” que denunciou estas condições e abriu horizontes ao ideal
social cristão, estudou em Maligne e Lovaina, onde se especializou na Escola de Ciências
Políticas e Sociais. Entretanto depois de ordenado sacerdote foi para Laecken, em 1912.
Nesse local intensificou a sua atitude de ouvir os trabalhadores e confirmou a sua opção
pastoral: evangelizar o mundo do trabalho, fazer sentir aos operários a preocupação da
Igreja, despertar-lhes a consciência de ser Igreja. O padre Cardijn criaria o método VER,
JULGAR e AGIR. Método que viria a ser amplamente utilizado pela Ação Católica
Especializada no Brasil.




                                                CAPÍTULO II


                           A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO)
                                NO BRASIL E EM PERNAMBUCO

       2.1. A Ação Católica do Brasil

       28
            Site da JOC de Portugal: http://www.ecclesia.pt/joc/, acessado em 30/12/2008.
23


        Na década de 1930 no Brasil instalou-se uma neocristandade com o claro objetivo de
estender sua missão apostólica (laica na ação e clerical na direção) ao maior país da América
do Sul (e com uma legião de católicos das maiores do mundo) em vias de franco
desenvolvimento industrial e urbanismo, sob a tutela do Governo Getúlio Vargas. Além do
anarco-sindicalismo, o Partido Comunista do Brasil (PCB) já estava em plena atividade
desde 1922.29 No referido contexto a Ação Católica tinha motivações de sobra para atuar no
país. A Ação Católica do Brasil trazia o perfil italiano altamente conservador de Pio XI. Uma
Ação Católica acuada pelo totalitarismo fascista de Mussoline e dúbia em relação às
iniciativas do Estado italiano.
        Em terras brasileiras, onde o catolicismo adquiriu suas próprias peculiaridades, o ex-
Arcebispo de Olinda e Recife (1916-21) e posteriormente do Rio de Janeiro (1930-42), Dom
Sebastião Leme da Silveira Cintra, fundou naquela cidade, sob a direção inicial de um ex-
ateu intelectual e boêmio, Jackson de Figueiredo, o Centro Dom Vital (nome de Bispo
pernambucano que esteve à frente da chamada “Questão Religiosa”, conflito entre a Igreja
Romana com a poderosa Maçonaria e o Imperador Dom Pedro II, chegando o Bispo a ser
detido pelo poder central).30
        O Centro Dom Vital publicava o importante jornal A Ordem, considerado o germe
inicial das universidades católicas passou a ser dirigido por um dos grandes intelectuais
brasileiros em sua época, Alceu Amoroso Lima.31 Considerado o maior pensador católico no
século XX, além de católico fervoroso Amoroso Lima era um adepto da democracia cristã
(tendência política surgida pós-Segunda Guerra Mundial) e defensora da “terceira via”,
anticomunista e anticapitalista. A Ação Católica Brasileira, pelo seu principal dirigente e
interlocutor, deixaria explícita sua opção política.




        2.2. A Ação Católica especializada
        Como vimos anteriormente um padre Belga, o abade Cardijn (em 1925) criou a
Juventude Operária Católica e mais adiante o padre francês Guérin, reuniu uma primeira
equipe de jovens operários. Estaria lançado o “fermento” da Ação Católica Especializada
(ACE), uma extensão da “grande Ação Católica.”32 A chamada Ação Católica especializada
subdividiu-se em correntes diversas com a intenção clara de alcançar os setores mais
29
  SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil. São Paulo,
Companhia das Letras, 2008.
30
  Idem
31
  Idem
32
  COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja II: do século XV ao século XX. São Paulo, Loyola, 1995.
24


dinâmicos da sociedade, em especial o seguimento juventude, o setor mais propício e aberto
às idéias socialistas e ao individualismo exacerbado do capitalismo.
        Em função dessa premissa, foram criadas a JAC (Juventude Agrária Católica), a JEC
(Juventude Estudantil Católica), a JIC (Juventude Independente Católica),a JOC (Juventude
Operária Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica). A JUC e a JOC, viriam a ter
um papel bastante destacado mais adiante, nas décadas de 1960 e 1970. No discurso oficial
da JOC, por exemplo, o segmento apresenta-se com uma dupla missão: “a libertação dos
jovens trabalhadores e trabalhadoras; ser testemunha da presença libertadora de Jesus
e do projecto de Jesus Cristo no seio da classe operária.”33(grifo nosso)
        O Padre belga Joseph Cardijn, teve a preocupação de reunir jovens para a promoção
de suas atividades educativas mantendo distância dos movimentos sindicais e políticos de
sua cidade natal34, possivelmente afastando- se de possíveis contatos com as idéias
comunistas e anarquistas. Procurou aproximar-se dos operários e fazia perguntas incomuns
como estratégia de aproximação: “Pela manhã à hora que os operários partem para a fábrica,
Cardijn percorre o caminho em sentido inverso para provocar o encontro; saúda-os
amigavelmente, ora com um ora com outro:
                           - Onde trabalha?...; - Quantos são vocês? ; - Aquilo é cansativo? É verdade que
                           lá se ganha bem?; - Também lá trabalham muitas mulheres?; - Você tem muitos
                           filhos? Vão bem na escola?... 35
        Esta mesma pedagogia de aproximação seria utilizada por militantes da JOC aqui no
Brasil. O antigo membro da JOC no Estado de Pernambuco, Luiz Barros dando testemunho
sobre a atuação deste movimento de ação católica, afirmou:
                           A metodologia era praticamente a mesma (referindo-se ao Monsenhor Cardijn),
                           utilizava-se também uns cadernos de orientação para todos os militantes da JOC
                           que ensinavam como se fazer pesquisas, perguntando onde trabalhavam, o que
                           faziam fora do trabalho, sobre as condições de vida na comunidade. Com o
                           objetivo de conhecer a realidade de vida da classe operária.36
        O entrevistado destacou também que quando iniciou sua participação na JOC (antes
da década de 1960), as atividades eram mais voltadas para a liturgia, festas e reuniões. A
preocupação com o social existia, mas o movimento era “pouco engajado”, assegurou o
militante. A título de curiosidade, Luiz Barros acrescentou que havia uma divisão de gênero
no movimento. Existia a JOC dos homens e a JOC das mulheres. A Ação Católica Geral

33
  Fonte: http://www.ecclesia.pt/joc/, acessado em 07/01/2009.
34
  Idem
35
  Ibidem
36
  Depoimento concedido por Luiz Barros da Silva, 74 anos, “ex-jocista”. Recife-PE, em 07/01/2009.
25


quando se instalou no Brasil já trazia essa característica, certamente devido aos valores e
padrões morais de então. Por outro lado, a questão de gênero nunca se resolveu no seio da
Igreja Católica Romana e isso repercutiu também nos movimentos oriundos da instituição.
        2.3. Gestação da Ação Católica Operária
        Todos os antigos participantes da JOC em Pernambuco garantem que a juventude há
muito estava passando por uma crise, e precisavam abrigar-se em outro movimento que
tivesse a mesma orientação e pedagogia, com algumas poucas diferenciações, como veremos
a seguir. Cícera Josefa Rodrigues (identificada por Santinha), militante com 22 anos de
participação na ACO (hoje MTC: Movimento de Trabalhadores Cristãos) em Petrolina,
afirmou:
                        “Os militantes que casavam ou atingiam os 25 anos na JOC tinham que sair. Foi
                                                                        37
                        criada a LOC (Liga Operária Católica),           mas não deu muito certo. Depois foi
                                                                   38
                        criada a ACO para receber esse pessoal”.
        No entanto, essa migração não se deu de forma automática, pois muitos antigos
participantes da JOC continuaram atuando neste movimento e se auto-intitulam “Jocistas
para sempre”. Em Recife alguns desses indivíduos reúnem-se até hoje e exatamente no
prédio que abriga a ACO, hoje identificada como MTC. Como se vê, “os jocistas para
sempre” não escaparam totalmente ao plano de migração da JOC para a ACO, pelo menos
no que tange ao local de algumas sessões.
        Devido a esse histórico muitos dos militantes da ACO (atual MTC), consideram por
extensão este movimento como uma decorrência de fundação da Juventude Operária
Católica. Em dedicatória feita no livro História da ACO: fidelidade e compromisso na classe
operária (publicado em 1987) lê-se:
                        “Este livro é dedicado a quatro profetas operários (o primeiro citado foi o padre
                        belga): Cardeal José CARDIJN, fundador da Juventude Operária Católica – JOC e,
                        em decorrência disso, também fundador da Ação Católica Operária – ACO,
                        falecido em 25.07.67.”39
        Só que ao contrário da JOC, a Ação Católica Operária desabrochou em uma
conjuntura política diferenciada e isso impactou e muito nos rumos desse movimento desde
o seu nascimento.

37
  A Liga Operária Católica, igualmente a ACO, era um movimento de católicos adultos concebido para
abrigar os egressos da JOC. Luiz Barros e Josefa Fernandes (Nena), no entanto, classificaram este
movimento de excessivamente litúrgico e distante da ação católica que esperavam. Uma ação atuante na
“massa”, entre os operários.
38
   Depoimento concedido por Cícera Josefa Rodrigues, 55 anos, militante do MTC (ACO), Petrolina-PE, em
07/01/2009.
39
  História da classe operária: fidelidade e compromisso na classe operária ZUFFEREY, Padre Romano
CHAPARRO, Manoel Carlos. (Orgs.). Rio de Janeiro, Arte Graphica, 1987, p.07.
26


          Como exemplo de continuidade das mesmas atividades e visão de mundo por parte
daqueles que “emigravam” da JOC para a Ação Católica Operária, transcrevemos o
depoimento de Maria Floripes Nascimento (conhecida entre seus membros como Flor),
militante da ACO (falecida em 25/07/83) de Belo Horizonte:
                           Uma coisa que eu sempre faço na vida, dentro da JOC e, sobretudo hoje, na
                           ACO, é viver prestando atenção à vida, nas pessoas, nos fatos... A vida do
                           trabalhador não pode ser dividida em partes. Somos operários na família, no
                           trabalho, no sindicato, no bairro.40
          O homem/mulher integral era uma das preocupações na formação posta em prática
pela Ação Católica desde sua concepção, como foi desde sempre, uma preocupação da Igreja
Católica Apostólica Romana. Outra herança que os ex-jocistas levaram à ACO foi o que
muitos desses militantes classificavam como “consciência de classe”. Uma expressão bem ao
gosto dos marxistas de plantão e muito a contragosto da hierarquia da Igreja e de muitos
padres.
          Como se vê, a chamada Ação Católica Especializada em outro contexto político,
distanciou-se e muito daquela que promoveu a chamada “concordata moral” com o Governo
Vargas, negociando a “promulgação da Constituição de 1934 em nome de Deus num Estado
laico, a proibição do divórcio, uma legislação trabalhista pró-católica e o atendimento de
reivindicações mais gerais como o voto feminino e a liberdade de educação religiosa”41. A
exemplo do Padre Olímpio Torres que na década de 1950 cidade em Pesqueira/PE
juntamente com Dom Severino Mariano, o Bispo local, que orientados pela Doutrina Social
do Vaticano ora denunciavam as invasões de terras pertencentes aos índios xukurus e em
outro momento, com medo de infiltração do comunismo nas áreas rurais por meio das Ligas
Camponesas, bradavam contra estes mesmos esbulhados por se organizarem e lutarem por
seus direitos.42

          2.4. O surgimento da ACO no Brasil
          A Ação Católica Operária não é uma criação da ACE (Ação Católica Especializada)
do Brasil. Antes mesmo do surgimento do movimento em terras brasileiras a ACO francesa
já estava atuando. Como em quase tudo, importamos também nossas experiências de
organização social, e com uma igreja alienígena não haveria de ser diferente, mesmo que
antropofagicamente tenha-se feito uma adaptação a partir do ver-julgar-agir.


40
  Idem
41
  SERBIN, op. cit., p.100.
42
  SILVA, Edson H. Xucuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/PE), 1959-1988.
Campinas, UNICAMP, 2008. (Tese de Doutorado em História Social).
27


        Em entrevista concedida por uma das mais antigas militantes da ACO do Brasil
(Regional NE II), Josefa Fernandes de Oliveira (Nena), 73 anos, ex-jocista, pontuou as
diferenças entre as duas organizações:
                           Na JOC as atividades eram mais de brincadeira, mais lúdicas. Já na ACO a
                           exigência é por uma atuação mais madura e direta no sindicato, na associação de
                           bairro, no partido político, na família. Apesar da identidade no método, na
                           pedagogia, a cobrança no AGIR e na REVISÃO DE VIDA era muito maior. E
                           confirma: “A ACO surge antes na França e depois no Brasil. Lá fora surge tudo
                           primeiro e depois aqui.43
        Na verdade a Ação Católica Operária já atuava antes também na Suíça e Bélgica. Um
dos fundadores da ACO em Pernambuco e no Brasil, Luiz Barros, corrobora:
                           Antes da ACO já existia a Liga Operária Católica que absorvia os egressos da
                           JOC, mas a LOC era muito religiosa e isso incomodava alguns de nós. Um
                           grupo de militantes de Paulista, Recife e Camaragibe, encontravam-se em
                           Olinda freqüentemente para refletir sobre a criação de um movimento que
                           atendesse essa expectativa. Com o apoio direto do Padre Bernardo Lindoso
                           (amazonense) que convenceu Lorena, aconteceu às primeiras reuniões na casa
                           onde funciona hoje o CTC (Centro de Trabalho e Cultura), no Bairro dos
                           Coelhos. As reuniões foram se estendendo para os bairros nas casas dos
                           militantes. O nascimento da ACO no Brasil partiu de dois encontros: um em São
                           Luiz do Maranhão (o primeiro) e outro em São Paulo. O Bispo à época da
                           Arquidiocese de Olinda e Recife era Dom Carlos Coelho (antecessor de Dom
                           Helder Camara) e que tinha uma postura progressista. 44
        Para Luiz Barros, outro fato que contribuiu para o surgimento da ACO em
Pernambuco foi a presença de membros da coordenação do MMTC – Movimento Mundial
de Trabalhadores Cristãos (sediado na Bélgica), que visitando a América Latina, estiveram
no Recife e receberam um pedido pessoal de Dom Carlos Coelho que indicassem um Padre
assistente religioso para acompanhar o movimento que estava surgindo. A presença do padre
suíço Romano Zufferey, marcaria profundamente a história e a atuação da ACO na região
Nordeste e no Brasil.
        A Ação Católica Operária foi oficialmente fundada em 1962. Em um relato
publicado, consta que o movimento já estava presente nas “fábricas, favelas, nas


43
  Josefa Fernandes de Oliveira (Nena), 73 anos, em 07/01/2009. Militante histórica da ACO e ex-membro da
Juventude Operária Católica. Atualmente integra a coordenação regional do MTC (denominação atual da
Ação Católica Operária).
44
  Depoimento concedido por Luiz Barros da Silva, 74 anos, ex-jocista e membro da ACO (MTC), Recife-PE,
em 07/01/2009. Atualmente participante no Sindicato dos Aposentados no Estado de Pernambuco, como um
dos membros de sua direção.
28


organizações populares, nos mutirões de luta e solidariedade” 45. Portanto, a semente desta
Ação Católica Operária já germinava e sofreria muitas influências e transformações ao longo
das ocorrências e das posições assumidas pela Igreja Católica Apostólica Romana.
        2.5. A organização do movimento
        A distribuição espacial da ACO pelo Brasil segue mesma geografia da Igreja Católica
Romana com as suas divisões regionais. Por ser um movimento voltado para uma classe
específica, a operária, é uma organização basicamente urbana e centrada nas cidades e
regiões mais industrializadas. Vinte e quatro anos após sua oficialização, o movimento já
contava com 1.200 militantes e estava assim distribuído: 1. Rio Grande do Sul: Caxias do
Sul, São Leopoldo, Canoas. 2. São Paulo: São Paulo (capital), Osasco, Sorocaba, Botucatu,
Santo André, Mauá, Suzano, Campinas, S. Vicente, S. José dos Campos. 3. Minas Gerais:
Belo Horizonte, Contagem, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Itaobim, Sete Lagoas. 4. Rio de
Janeiro: Rio de Janeiro (capital), Nova Iguaçu, Angra dos Reis, Volta Redonda, Barra
Mansa, Barra do Piraí, Itatiaia, Petrópolis, Macuco, São Gonçalo. 5. Nordeste I: Belém (PA),
Barcarena, Abaetetuba, São Luiz, Teresina, Fortaleza, Santarém, Marabá, Imperatriz. 6.
Nordeste II: Mossoró, Natal, Recife, João Pessoa, Paulista, Abreu e Lima, Escada, Jaboatão,
Cabo de Santo Agostinho, Petrolina, Petrolândia, Limoeiro. 7. Nordeste III: Camaçari, Dias
D’Ávila, Salvador, Periperi, Aracajú, Paulo Afonso.46
        Esta rede de militantes e organização contava na época com 200 equipes que o
movimento identifica como de base e grupos novos que iam se formando. O crescimento e
fortalecimento da ACO não se explicavam apenas pelo industrialismo no Brasil, mas
também pela presença nestas localidades de bispos alinhados com as decisões do Concílio
Vaticano II e de perfil considerados “progressistas”, como Dom Helder Câmara em Recife,
Dom Paulo Evaristo Arnes em São Paulo e Dom Waldyr Calheiros no Rio de Janeiro. A
Ação Católica Rural (movimento considerado de fase adulta e de acolhimento para os
militantes que saiam da Juventude Agrária Católica - JAC) em seu livro “Um Grito no
Nordeste – A experiência da A.C.R. no Brasil, 1956-1986”, transcrevendo o depoimento de
um trabalhador rural identificado como Rufino de Carpina (PE), assume textualmente: “O
movimento da ACR espalhou-se rapidamente de Pernambuco para todos os Estados do
Nordeste, com apoio de alguns bispos como: Dom Hélder e Dom Lamartine de Recife, Dom
Milton de Garanhuns (PE), Dom Costa de Natal, Dom Távora de Aracaju, Dom Florêncio de
Amargosa (BA), Dom Acácio de Palmares (PE), Dom José Delgado de Fortaleza, Dom


45
 História da Classe Operária, op. cit., p.29.
46
 História da Classe Operária, op. cit, p.18.
29


Fragoso de Crateús (CE), Dom Manoel de Caicó (RN), Dom José Falcão de Limoeiro do
Norte (CE) e Dom Cornelis de Alagoinhas (BA).”47
        2.6. O método de trabalho
        A proposta de atuação e trabalho da ACO (hoje MTC) teve origem na pedagogia
     jocista, criada por Cardijn, baseada no método ver-julgar-agir. O “espírito” que
     permeava a formação deste movimento era o que se tornou célebre chamar de “espírito
     de comunidade”. A mesma concepção que forjou as chamadas Comunidades Eclesiais de
     Base, CEBs.
        Para um pesquisador norte-americano, o “ver” que serviria para identificar propósitos
temporais e eternos, no Brasil “evoluiu para a interpretação crítica das realidades
econômicas, políticas e religiosas”. O “Julgar” envolvia a “análise das causas históricas e
                48
estruturais”.    Mais claramente, o “Julgar” seria o confronto da realidade investigada e
percebida pelo “Ver” com o Evangelho, portanto, à luz da fé. Em algumas reuniões de
equipes de base, chega-se a perguntar: “Como agiria Jesus Cristo diante deste fato?”. E o
“Agir” seria transformar esta realidade percebida e julgada sob o olhar da fé.
        A Revisão de Vida seria outro instrumento considerado poderoso pelos membros da
ACO. Seus participes alegam que todo “Agir” em todas as dimensões de vida operária seria
revisada, e talvez corrigida, a partir dessa revisão que é feita consultando-se geralmente a
Bíblia, analisando-se um problema de um indivíduo da equipe de base ou um fato social,
coletivo, e buscando-se explicá-la e solucioná-la de forma solidária. É o que classificam de
espírito de comunhão.
        Para Severino Justino de Souza (“Seu” Biu), 68 anos, da equipe de Parque Paulista,
     localizado no município de Paulista/PE, o método:
                          “É um conhecimento que abastece as pessoas para a atuação na mística do
                         movimento. Na minha vida pessoal é importante porque através dele se cria
                         consciência da caminhada da luta operária.” 49
        Na Encíclica Mater et Magistra, o Papa João XXIII, exortou os jovens a fazerem uso
do método:
                           Para levar a realizações concretas os princípios e as diretrizes sociais, passa-se
                           ordinariamente por três fases: estudo da situação, apreciação da mesma à luz
                           desses princípios e diretrizes, exame e determinação do que se pode e deve fazer

47
  SERVAT, Pe. José. Um grito no Nordeste: a experiência da ACR no Brasil: 1956-1968, Recife, Composto e
Impresso por Escola Dom Bosco de artes e Ofícios, 2000, p. 16.
48
  SERBIN, op. cit., p. 160;
49
  Severino Justino de Souza, 68 anos, conhecido como “Seu Biu”, militante histórico da ACO e plantonista
voluntário na sede do movimento. Entrevista em 07/0/2009. Atualmente “Seu Biu” é trabalhador informal e
diz ser um seguimento muito difícil de atrair para as hostes da ACO (atual MTC).
30


                            para aplicar os princípios e as diretrizes à prática, segundo o modo e no grau que
                            a situação permite ou reclama. São os três momentos que habitualmente se
                            exprimem com as palavras seguintes: ver, julgar e agir.50
        Se além de contribuir para o surgimento da chamada Teologia da Libertação, o
método ver-julgar-agir, foi a raiz de uma “nova consciência” eclesial e ajudou a fermentar
um pensamento mais crítico nas universidades, nas escolas, nos seminários51, no campo, nas
análises teológicas, na organização sindical, indígena e popular. E impulsionaram
movimentos como o MST, CPT, CIMI, a Ação Católica Rural (ACR) e é claro, a Ação
Católica Operária (MTC). É compreensível a postura e o comprometimento de muitos desses
militantes de outrora, que até hoje procuram, seguindo essa orientação, dar “testemunho” da
formação recebida em diversas organizações comunitárias e sindicais. No caso específico
dos participantes da Ação Católica Operária (MTC), animados pelo lema: ”Fidelidade à
Classe Operária e Jesus Cristo”.




                                               CAPÍTULO III


                               A FORMAÇÃO DO/A MILITANTE


3.1. O método Ver-Julgar-Agir
       O método Ver, Julgar e Agir concebido pelo belga Joseph Cardijn (fundador da JOC)
e estimulado como modelo de educação para os jovens pelo Papa João XXIII na Encíclica
Mater et Magistra52, é considerado “pedra de toque” das mudanças que solaparam a Igreja
Católica Romana e todos os movimentos (como por exemplo, o MST) e pastorais oriundos
na instituição. Para o historiador norte-americano Kenneth P. Serbin , o padre belga “…com
o fito de recristianizar o operariado europeu, exortou os padres a mergulhar na realidade dos
operários para aumentar o alcance pastoral. Ele estabeleceu os princípios e técnicas da ACB:

50
  JOÃO XXIII, Papa. Carta Encíclica Mater et Magistra. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 74.
51
  No caso emblemático dos seminários, o método ver-julgar-agir despertou entre os seminaristas um desejo
irrefreável de transformar a concepção romanizada e verticalizada de preparação dos futuros padres. A
hierarquia tradicional imposta pela “grande disciplina”, que conduzia estes espaços de formação de clérigos,
se vê abalada e até ameaçada nesse contexto. SERBIN, op. cit., pp. 170-182.
         52
            JOÃO XXIII, Papa. Carta Encíclica Mater et Magistra. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 74,
31


presença no meio, equipes e o método ver-julgar-agir, usado durante as reuniões para ajudar
os militantes da ACB (Ação Católica Brasileira) a fazer a revisão de vida sob a luz cristã.
Outro elemento fundamental era a formação na ação (que está diretamente relacionado com
a terceira etapa do método, o Agir.”53 (Grifamos)
        Ainda para Serbin, “o método ver-julgar-agir, por exemplo, teve papel importante no
crucial Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)” 54. O MST é considerado
por muitos analistas, o maior movimento de massa da América Latina e um de seus
principais líderes é o gaúcho João Pedro Stédile, um ex-seminarista católico. No estado de
Pernambuco (NE do Brasil), onde as ações desse movimento são bastante regulares (aliás,
das mais incisivas em termos de “ocupação” de terras do País), o ex-pároco de Casa Amarela
e assessor do MTC (antiga ACO), Pe Reginaldo Veloso é bem próximo das atividades desse
movimento que além de cuidar da formação política, trata de também cuidar da fé de seus
seguidores, ou mística, como preferem classificar este reforço espiritual/ subjetivo. A nível
nacional, o Dominicano Frei Betto esteve assessorando o MST por muito tempo.
        Na Comissão Pastoral da Terra – CPT, também bastante atuante na defesa da
Reforma Agrária, encontram-se ex-seminaristas entre seus dirigentes que foram formados
através deste método, como o importante líder Ivo Polleto. O método Ver-Julgar e Agir está
na própria raiz da Teologia da Libertação e por conseqüência nas variantes dessa filosofia
teológica.
        Segundo Reginaldo Veloso55, “há uma relação” entre o método e a pedagogia do
famoso educador Paulo freire. Ambas as pedagogias propõem dotar os assistidos por seus
métodos de uma capacidade autônoma de “construção” do saber. Um saber crítico e voltado
para a transformação das estruturas consideradas injustas presentes na sociedade, segundo
seus defensores. Ambas, portanto, seriam “Pedagogias de Libertação”.
        O próprio decreto do Concílio Vaticano II para a Formação Eclesiástica reforça a
chamada “imersão” no seio das comunidades na sua orientação sobre a prática pastoral
durante os estudos:
                           21. É necessário que os alunos aprendam a arte de exercer o apostolado não só
                           de maneira teórica, mas também prática, e saibam comportar-se com
                           responsabilidade própria e em colaboração com os outros; para isso, sejam
                           iniciados já durante os estudos e até no tempo de férias, na prática pastoral com
                           exercícios convenientes, que devem ser levados a cabo, de harmonia com a
                           idade dos alunos e circunstâncias dos lugares, segundo o prudente juízo dos
        53
           SERBIN, op. cit., p.160
        54
           Idem
55
  Entrevista concedida na sede do Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC), Recife, dezembro de 2008.
32


                           Bispos, de forma metódica e sob a orientação de homens peritos em assuntos
                           pastorais, não esquecendo a força superior cios auxílios sobrenaturais. 56
        A ex-militante da JOC e atual integrante da Coordenação Regional do MTC (antiga
ACO), Ivanete Alves de Souza57, expressou muito bem o grau de valor que tem o método
Ver-Julgar-Agir para os membros dessa organização:
                        “A importância desse método na formação dos militantes é tão grande que os
                        formados através dele, superam inclusive em termos de análise e opinião, muitas
                        que são dadas por pessoas que passaram por bancas de universidade”. Para o Padre
                        Moisés Lindoso a JOC é a ‘Universidade da Vida’, no sentido de analisar com
                        qualidade os fatos reais do cotidiano, acrescenta Ivanete.”
        O Padre José Francisco Ramos58, ou simplesmente Padre Ramos, como é conhecido,
responsável pela Paróquia de São José Operário no município de Cabo de Santo Agostinho
(Região Metropolitana do Recife/PE), comentando acerca do método, opinou que a
pedagogia tem o mérito de partir da realidade, é um método indutivo, ao contrário do
dedutivo, da lógica antiga de Aristóteles e Platão, que analisava a realidade partindo do geral
para o particular. Ainda nas palavras do Padre Ramos: “uma análise de baixo para cima”.
         O Padre Ramos afiança:
                           Antes do Concílio Vaticano II já tinha essa proposta da JAC, JEC, JIC, JOC,
                           JUC, e isso foi determinante nos rumos da igreja, especialmente na América
                           latina. O leigo evangelizando leigo, operário evangelizando operário, estudante
                           evangelizando estudante, com a assistência e o acompanhamento da Igreja. Essa
                           mudança teológica foi uma grande conquista nesse sentido. A bandeira da
                           justiça, que era a bandeira do comunismo passou a ser encampada pela Igreja.
        O Pároco e Assistente Religioso (2008/2009) a nível regional do Movimento de
     Trabalhadores Cristãos (antiga ACO), admitiu que o marxismo foi fundamental para esta
     mudança e a abertura da Igreja Católica Apostólica Romana, e que o próprio Dom
     Helder, tinha clareza disso.
        3.2. A Revisão de Vida Operária (RVO)




56
  Decreto    Optatam      Totius     Sobre     a     Formação     Sacerdotal. Disponível    no    site
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-
ii_decree_19651028_optatam-totius_po.html, acessado, em 09/01/2009.
57
  Ivanete Alves de Souza, 70 anos, atuou na JOC entre 1959-1966, é uma das coordenadoras regionais do
MTC (antiga ACO), atuando nesta organização desde 2000. Em 09/01/2009.
58
  Padre José Francisco Ramos é Assistente Religioso no Regional NE II e Conselheiro Nacional do
MTC/ACO (2998/2009) e Pároco na cidade industrial do Cabo de Santo Agostinho, Estado de Pernambuco.
33


         O já falecido militante João Francisco da Silva 59, membro de equipe de base da ACO
no município de Paulista (Região Metropolitana de Recife/PE) fazia questão de lembrar nas
diversas reuniões das quais participava que é a “RVO”, como costumava chamar, era “muito
importante”. Um instrumento poderoso e indispensável para o fortalecimento do
“movimento”.
         Observando e analisando do “geral” para o “particular”, a Revisão de Vida Operária
tornou-se, na verdade, numa grande, extensa e necessária revisão da vida da própria Igreja
Católica60 que procurava atualizar-se a fim de não perder terreno no mundo secular e
marcado pela modernidade. No campo da liturgia o latim foi substituído pela língua
autóctone e aproximou-se da vida real das comunidades; a “colegialidade episcopal” ganhou
destaque deslocando o poder da figura central do Papa para outras instâncias da instituição:
os cardeais e bispos foram chamados à co-responsabilidade na condução dos destinos da
Cúria Romana. O leigo também passaria a ter seu papel de destaque no processo de
evangelização como bem lembrou Padre Ramos anteriormente. Aliás, o leigo (aquele que
não tem ordens sacras ou não é eclesiástico), seria o grande sujeito dessa guinada histórica.
         A mudança foi tanta que o próprio Paulo VI (o Papa que encerrou o Concílio
Vaticano II iniciado por João XXIII) sugeriu enviando o recado para que os “dignatários da
Igreja” adotassem uma vida sem fausto e sem pompa, buscando certamente, uma maior
identificação com o proletariado e os empobrecidos. Essa nova concepção de “ser igreja”
explicaria o despojamento de Dom Helder Câmara em sua Arquidiocese de Olinda e Recife?
Como também a do Bispo Leonidas Proaño (Rio Bamba / Equador)?61 Grande amigo de
Dom Helder e um dos articuladores do Concílio Vaticano II, Proaño era muito elogiado
pelos índios quéchuas, que o acompanhavam nas refeições, quando o mesmo, em sinal de
simplicidade e igualdade entre todos lavava seu próprio prato e talher. O Papa Paulo VI



    59
       João Francisco da Silva foi um dos fundadores da ACO no Brasil. Ex-preso político durante a Ditadura
     Militar; exerceu diversas atividades e ocupou vários “cargos” na estrutura do movimento; operário de
     fábrica têxtil aposentado esteve filiado ao Partido dos Trabalhadores; atuou no Sindicato dos
     Aposentados e era o principal responsável pela manutenção da casa que abriga a sede do atual MTC
     (ACO). Muitos, até hoje, recordam-no com muita saudade e afirmam que sua postura lembrava em
     generosidade e carisma, o Padre Romano Zufferey. O salão principal da Sede do MTC/ACO (situada à
     Rua Gervásio Pires, 404, Boa Vista, Recife/PE) está batizado com seu nome em sua homenagem. João
     Francisco também deu nome a Agência de Trabalho, órgão oficial, localizada no Bairro Recife Antigo,
     por iniciativa da Prefeitura da Cidade do Recife (2008).
     60
       LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo, Loyola,
     2000, p.73.
61
  Presenciamos este fato quando participamos do Encontro Internacional do MOAC – LA (Movimento
Obreiro de Ação Católica Latino Americana) que teve como tema: “Como nos formamos los Trabajadores
Cristianos para enfrentar El Nuevo Milenio”, ocorrido em Rio Bamba, Ecuador, em 03/04/2000.
34


também deu o exemplo abandonando definitivamente o uso da tiara (mitra com três coroas,
usada pelos Papas).62
       Um novo gesto para uma igreja que buscava a renovação, mesmo que em função do
medo comunista que disputara a atenção do rebanho operário e campesino no encontro com
a modernidade. Em resumo, “A teologia anterior respondia a pergunta: qual é o conteúdo de
tal verdade ou ensinamento? Agora (pós-Concílio Vaticano II), a teologia moderna respondia
outra pergunta: que significa tal ensinamento para a vida do homem e mulher de hoje?”63
       Observando e analisando agora, do “particular” para o “geral”, a Revisão de Vida
Operária (RVO) propõe-se tornar um mergulho profundo na realidade, na vida do indivíduo,
do operário, do bairro, do ambiente de trabalho, da associação, do sindicato e da família.
Esta mesma “avaliação feita à luz da palavra” (de Deus, à Bíblia), promovida em pequenos
grupos, propunha-se revisar também as ações desses grupos ou equipes e de seus militantes
que periodicamente precisam revisar o seu “Agir” a fim de à luz do Evangelho evitar o
ativismo e os desvios na condução dos trabalhos e “engajamentos”.
       Para um novo perfil de rebanho uma nova Cristologia, Jesus Cristo sai do plano do
divino inalcançável e misturava-se, confundia-se com as pessoas, menos no pecado. O
menino, filho do próprio “Deus encarnado”, ao nascer numa manjedoura e tornar-se um
“carpinteiro” na sua fase adulta se fez “Classe”! Classe Operária! O Padre operário que veio
da Suíça para “Assistir” a ACO NE II em 1962, Romano Zufferey, interpretava dessa forma
a trajetória do menino salvador (para os cristãos) e assim o anunciava nas suas prédicas.
“Nessa impostação teológica, Jesus Cristo é considerado principalmente na sua humanidade,
homem igual a nós em tudo… Realiza o belo verso de Fernando Pessoa: ‘Humano só pode
ser Deus mesmo’” 64.
       É nessa perspectiva, nessa intimidade mesmo (que em nosso caso só mantínhamos
com os santos), nessa aproximação, que em muitas das “Revisões de Vida”, os militantes
chegam a se perguntar: “- O que faria Jesus diante de tal situação?... Como agiria Jesus
Cristo diante deste fato?... O que Ele espera de nós?!”
       3.3 A produção literária (o intelectual orgânico popular)
       A Ação Católica Geral no Brasil sob a tutela do intelectual Alceu Amoroso Lima,
sempre teve como uma de suas premissas a publicação de jornais, revistas e livros. Não
haveria de ser diferente como uma ramificação da Doutrina Social de uma instituição que

62
  LIBÂNIO, op. cit. , p. 74
63
  Idem, p. 85
64
  LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo, Loyola, 2000,
p.85
35


guardou o saber erudito em princípio do medievo e fundou as primeiras universidades da
história no mesmo período.
        A ACO faz uso deste instrumento de registro histórico de suas ações, para o reforço
de sua própria identidade diante de seus seguidores e simpatizantes e de aprofundamento em
seu processo de formação interna. O diferencial da iniciativa, é que toda a produção literária
da ACO trará como elemento primordial a preocupação com a (re) valorização do leigo
como protagonista. As diretrizes do Vaticano II se fazem presentes, também neste item. A
Ação Católica Operária, portanto, estará fomentando um tipo de “Intelectual Orgânico
Popular”, no sentido gramsciano65.
        São arregimentados jornalistas, padres e alguma outra mão-de-obra especializada
para o registro dessas publicações, mas a grande preocupação era de que o conteúdo dessa
produção cultural literária fosse por obra de pensamento e concepção da “própria classe
trabalhadora” no intuito de tornar a obra em si, um protagonismo do operariado.
        Eis um breve resumo dessas publicações e seus comentários66”:
             Caderno Verde: com o resumo dos congressos realizados pelo movimento;
        •

             Caderno Amarelo: com as decisões do Conselho Nacional;
        •

             Boletim Assumir: de âmbito nacional, distribuído a cada quatro meses a
        •

             militantes;
             Boletim Construir: este era específico da ACO de Pernambuco e circulava
        •

             bimestralmente entre os da “classe operária” e movimentos sociais;
             Calendário: publicação em forma de folhinha de parede socializava a imagem e
        •

             as idéias da ACO (1980);
             Folhetos para Grupos Novos: coleção que tratava de temas relacionados com a
        •

             missão e a pedagogia da ACO, para a formação de novos militantes;
             Coleção Ver, Julgar e Agir pelos quatros lados: composta de cinco volumes:
        •

             Conhecer as sociedades; Jesus: sua terra, seu povo, sua proposta; Revisão de
             vida: conhecer para transformar;
              A História da Classe Operária: Caderno com tiragem de 50.000 exemplares.
        •

             Uma coleção produzida como resposta às teorias inspiradas na escola sociológica
             norte-americana muito em voga no Brasil na década de 1970, e que negavam a
             existência de uma classe operária.

65
  Mais precisamente, esses intelectuais fariam a ligação entre a infra e superestrutura, e seriam orgânicos
desde que efetivamente representassem os reais interesses das classes fundamentais, no caso, a classe
operária. WANDERLEY, Luiz Eduardo. Democracia e igreja popular. São Paulo, PUC, 2007, p. 108.
66
  CHAPARRO, op. cit., 2006, pp. 80-81.
36


        Dentre essas publicações, algumas eram classificadas como avulsas porque foram
lançadas em momentos de grande repercussão social. Três obras assim consideradas se
fizeram importantes, inclusive a nível internacional, pelo seu conteúdo e conjuntura política
em que foram lançadas a público:
               Em 1967, o manifesto “Nordeste: desenvolvimento sem justiça”: lançado no 1.º
        •

               de maio (dia extremamente simbólico) daquele ano, foi um fundamentado grito
               de denúncia sobre os efeitos socialmente perversos dos programas oficiais de
               desenvolvimento do Nordeste67. O manifesto contou com o apoio expresso do
               Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara e justamente
               por isso, causou impacto tão grande na opinião pública nacional e estrangeira.
               A seguir uma exposição resumida dessa repercussão em diversos periódicos de
        Pernambuco e do Brasil:

                           – “HÉLDER PREFACIA MANIFESTO DA AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA”.
                           Diário de Pernambuco, Recife, 21 de abril de 1967.

                           Notícia diz que Dom Hélder é autor do prefácio de um documento da Ação
                           católica Operária a ser lançado, dia 30 de abril 1967, em todas as capitais do
                           Nordeste brasileiro, além das capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. O
                           documento, sob o título Nordeste, Desenvolvimento Sem Justiça, é uma análise
                           da situação econômica do Nordeste brasileiro e das condições de vida do
                           operariado da região.




                          – “DOM HÉLDER SOLIDARIZA-SE INTEGRALMENTE COM MANIFESTO
                          DE OPERÁRIOS CATÓLICOS”. Diário de Pernambuco, Recife, 26 de abril de
                          1967.
                          Notícia sobre texto de Dom Hélder para manifesto da Ação Católica Operária
                          (veja referência 109).




                          – CÂMARA, Hélder. “NORDESTE, DESENVOLVIMENTO SEM JUSTIÇA”.
                          In. Dom Hélder - Pronunciamentos, Arquidiocese de Olinda e Recife, Recife, vol.
                          1967-69.
                          Palavras de Dom Hélder, a 1º de maio no Recife, durante uma vigília para o
                          lançamento do manifesto Nordeste, Desenvolvimento Sem Justiça, da Ação
                          católica Operária (ACO). O documento é uma análise da situação econômica do
                          Nordeste brasileiro e das condições de vida do operariado da região e diz: “(...)
                          trata-se de uma imensa legião de sub-empregados, sem profissão e sem
                          oportunidade de trabalho (...)” Sobre o trabalhador rural: “(...) a situação é de
                          miséria, de fome, de injustiça e, o que é mais grave, de ausência de perspectiva de
                          progresso imediato (...)”




67
 Idem, p. 82
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960
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A Ação Católica Operária em Pernambuco na década de 1960

  • 1. 1 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA DAS ARTES E DAS RELIGIÕES A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO): FORMAÇÃO E A ATUAÇÃO DE CRISTÃOS/ÃS COMPROMETIDOS/AS COM MUDANÇAS NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1964-1974) Luís Carlos da Silva Lins Recife/2009
  • 2. 2 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA DAS ARTES E DAS RELIGIÕES A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO): FORMAÇÃO E A ATUAÇÃO DE CRISTÃOS/ÃS COMPROMETIDOS/AS COM MUDANÇAS NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1964-1974) Luís Carlos da Silva Lins Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Ensino de História das Artes e das Religiões/UFRPE, como requisito parcial para obter o título de Especialista. ORIENTADOR: Prof. Dr. Edson Silva (UFPE) Recife/2009
  • 3. 3 AGRADECIMENTOS Só quem sabe de onde veio e dos caminhos que teve de percorrer tem a idéia do tanto de gente a quem se deve. E é natural, que nos esqueçamos de algum personagem nesta breve nota de agradecimento. Mas vamos arriscar e que se sintam todos, contemplados na lista que se segue. Agradecimentos à minha Família, em especial à minha Mãe, negra, de origem rural, pouca letrada, tecelã da Companhia Industrial Pirapama, que criou três filhos com tanta dificuldade e nunca me chamou de preguiçoso por ficar “enfurnado” no quarto lendo livros em vez de trabalhar para ajudar no sustento da casa. A todos os meus professores, desde as séries iniciais, cada um é responsável pela minha formação e interesse em continuar minha vida acadêmica. À minha esposa que me encorajou a estudar, a não ter receio de prosseguir e aos meus filhos que pacientemente aguardaram por minha atenção. Ao meu professor, Edson Hely Silva, que se colocou sempre à disposição para conversar (por e-mails, telefone, pessoalmente, sempre de bom humor), polemizar a respeito de algum tema, sempre sugerindo, dando pistas e de forma simples explicando-me tudo, até como digitar as notinhas de rodapé. Às pessoas que me deram depoimentos, que me cederam livros, como o amigo e conterrâneo, Prof. Luís Ribeiro e o Padre Reginaldo Veloso, sempre atencioso e a todos os membros do Movimento de Trabalhadores Cristãos, a antiga Ação Católica Operária - ACO, pela generosidade de sempre me atender quando lhes solicitei alguma informação.
  • 4. 4 DEDICATÓRIA In memorian  Dedico  este  trabalho  ao  meu  compadre  e  amigo,  além  de  fundador  da  Ação  Católica  Operária,  João  Francisco da Silva e à Lorena  Araújo, por terem devotado a  maior  parte  de  suas  vidas  à  causa da Classe Operária.  SUMÁRIO
  • 5. 5 INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------01 CAPÍTULO I AS ORIGENS DA AÇÃO CATÓLICA 1.1- Prelúdio da ação social da Igreja---------------------------------------------03 1.2- O pensamento social cristão na Idade Média-------------------------------04 1.3- As encíclicas papais------------------------------------------------------------07 1.4- A Rerum Novarum-------------------------------------------------------------08 1.5- A Quadragesimo Anno---------------------------------------------------------11 1.6- A Mater et Magistra------------------------------------------------------------12 1.7- O Concílio Vaticano II---------------------------------------------------------15 1.8- Origens da ação católica internacional---------------------------------------17 CAPÍTULO II A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO) NO BRASIL E EM PERNAMBUCO 2.1- A Ação Católica no Brasil--------------------------------------------------------18 2.2- A Ação Católica Especializada--------------------------------------------------19 2.3- Gestação da Ação Católica Operária--------------------------------------------20 2.4- O surgimento da ACO no Brasil-------------------------------------------------22 2.5- A organização do movimento----------------------------------------------------23 2.6- O método de trabalho--------------------------------------------------------------24 CAPÍTULO III A FORMAÇÃO DO/A MILITANTE 3.1 – O Método Ver-Julgar-Agir------------------------------------------------------27 3.2- A Revisão de Vida Operária (RVO)---------------------------------------------29 3.3- A produção literária (o intelectual orgânico popular)-------------------------31 3.4- A Formação na Ação---------------------------------------------------------------36 CONSIDERAÇOES FINAIS -----------------------------------------------------------------39 BIBLIOGRAFIA--------------------------------------------------------------------------------40 ANEXOS -----------------------------------------------------------------------------------------42
  • 6. 6 INTRODUÇÃO Alguns/mas leitores/as (ou muitos/as, talvez!), que tiverem acesso a este documento – com destaque para os/as especialistas e estudiosos/as, que são os/as mais críticos/as e com pertinência – haverão de julgar estes escritos como “parciais”, “românticos”, ou quem sabe até “apaixonados”. Eu trato aqui, da contribuição dada por um “movimento social ou de Igreja” (Católica Apostólica Romana): A Ação Católica Operária – ACO. Todos nós sabemos do rigor científico que se deve ter ao pesquisar, do ponto de vista acadêmico, instituições, entrevistar pessoas, visitar lugares, promover leituras e escrever sobre um tema. Todos nós temos “ciência” dessa exigência e distanciamento necessários em relação ao “objeto” estudado. Mas, embora já tenha caído em desuso, faço questão de lembrar, a falsa crença na tal “independência” ou “isenção” nos diversos ramos do conhecimento e da pesquisa. É importante que exponhamos, sem ingenuidades nem determinismos ou parcialidade que as contradições estão em toda parte, em todos os lugares, dentro de cada um/a de nós, e claro, no seio das instituições e suas ramificações. Por isso, não dei relevo aqui para as contradições, por exemplo, da Igreja Católica (apesar de citá-las em algumas passagens), nem às incongruências, por extensão, também presentes na Ação Católica Operária. É certo que os equívocos, mesmo que diminutos, podem comprometer a trajetória ou amortecer o impacto das ações desenvolvidas pelas instituições. Mas onde ficam as “intenções”? As ações postas em prática e sua repercussão? Será que deveríamos açoitar apenas? Eu respondo: respondo que não. Não devemos fechar os olhos para os desvios como também devemos reconhecer o “Mérito” do objetivo que pode ser maior que as contradições. Reitero, portanto, que meu objetivo aqui, foi de dar destaque a atuação da Ação Católica Operária - ACO, em especial, numa das conjunturas políticas mais obscuras da história política brasileira: a da repressão pela Ditadura Militar. Acredito, até pela repercussão nos jornais de época e testemunhos arrolados, que a ousadia daqueles/as que faziam a Ação Católica Operária (hoje MTC) foi de grande importância para o fortalecimento dos movimentos de resistência ao regime em vigor. E para além da ousadia, num momento em que pessoas perderam a própria vida como o Padre
  • 7. 7 Antonio Henrique Pereira da Silva Neto (ligado diretamente ao Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara), e outros/as, que até nos dias atuais são tidos/as como desaparecidos/as. Como o exemplo do pernambucano, militante da Ação Popular Marxista- Leninista (APML), Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, não encontrado desde 1974, quando contava apenas com 26 anos de idade. Para entender e explicar essa “motivação para o Agir” dos membros da Ação Católica Especializada, denominada ACO, em especial no Regional NE II que compreende os estados de Pernambuco e Paraíba, nos reportamos ao cristianismo primitivo, à Doutrina Social da Igreja Católica Apostólica Romana, à alguns pensadores católicos da Idade Média, Moderna e Contemporânea, às Encíclicas Papais, Concílios e documentos advindos, publicações na área da História, sites especializados na internet e depoimentos orais. Nos capítulos a seguir procuraremos explicar as origens da Ação Católica, o início e atuação da Ação Católica Operária no Brasil e em Pernambuco e, por fim como se dava a formação do/a militante desse movimento originalmente de Igreja. Apesar das argumentações iniciais não é nossa intenção nos fecharmos “em nossas certezas”. Isso não seria razoável nem acadêmico. Por isso, agradeceremos se, para além da leitura, se fizer a crítica e a contribuição necessárias.
  • 8. 8 CAPÍTULO I AS ORIGENS DA AÇÃO CATÓLICA 1.1. Prelúdio da Ação Social da Igreja Se considerarmos as afirmações de teólogos e teóricos da Igreja Católica Romana como o franciscano Leonardo Boff, uma Igreja que prega o compromisso com a mudança na ordem social vigente, chamada “igreja libertadora”, iniciou sua ação na América, no México, por meio de Bartolomé de Las Casas (1484-1566): “O religioso que ainda jovem, deixa a cidade de Sevilha (Espanha) e desembarca na América central em 1502, como colono. Extasiado pela conquista colonial espanhola, torna-se colonizador. O ouro e a ambição são os motivos que norteiam sua vida”.1 O Bispo Bartolomé que presenciara as atrocidades cometidas contra os nativos do chamado “Novo Mundo” pelos colonizadores espanhóis, se rebelou, fez queixas expressas à Coroa espanhola e tornou-se voz contundente contra o arbítrio dos cristãos europeus. Como afirmou o Frei Carlos Josaphat, o dominicano Las Casas, é o modelo e o porta-voz da justiça social, o profeta de todos os direitos para todos na América. “Sua figura, sua mensagem e sua luta resplandecem hoje como verdadeiro paradigma das relações dos povos colonizados com os índios que sobreviveram ao massacre da conquista européia”. 2 Las casas foi levado ao arrependimento e revisão de sua presença e ação apostólica na América a partir, é lícito afirmar, das bases primordiais do cristianismo. Mais quais as bases desse tipo de pensamento no início da ação social católica nas Américas, destacados por Leonardo Boff e Carlos Josaphat? Não desconsideramos os erros históricos, alguns já mencionados por alguns papas, como João Paulo II que pediu perdão pela participação da Igreja no processo de colonização da América, mas esta instituição não sobreviveria e manteria o maior rebanho de seguidores do mundo se não praticasse algum tipo de proselitismo. Tentaremos identificar as origens da ação católica, de sua ação social, de sua principalmente, “opção preferencial pelos pobres”. Fases anteriores da história da Igreja que 1 PALEARI, Giorgio. Revista Eletrônica Mundo e Missão. Disponível no site: http://www.pime.org.br/mundoemissao/espiritlascasas.htm. Acesso em 30/12/2008. 2 Idem.
  • 9. 9 preparou as bases para o surgimento da Ação Católica no Brasil, a Ação Católica Especializada, e por fim, a Ação Católica Operária. 1.2. O pensamento social cristão na Idade Média Como já enfatizamos, seria desnecessário aqui apontar os “usos e abusos” praticados pela cristandade desde o período medieval. O que nos propomos neste estudo é destacar o invulgar e pouco abordado, papel desempenhado por líderes desta mesma tradição religiosa que contrastando com o histórico de desmandos e equívocos cometidos pela instituição - que obviamente não devem ser esquecidos nem tolerados - mas confrontados com as iniciativas mais próximas do que conhecemos por cristianismo primitivo no seu comprometimento com a ação social. O escritor, destacou que “todas as idéias da Antigüidade sobre a sociedade, o Estado, a moral, o direito e economia”3 que não se chocavam com as idéias cristãs eram absorvidas e adaptadas. De fato, uma resultante da fusão do Judaísmo com a tradição filosófica greco- romana. Vide Santo Agostinho com o Platonismo e Santo Tomás de Aquino com o Aristotelismo, os dois grandes pensadores desse período. Ainda segundo Beer, “predominam quase exclusivamente as considerações de ordem moral e religiosa. Seu objetivo principal, nesse momento, é a luta contra o egoísmo, para supressão do mal e a instauração da justiça social”.4 O mesmo autor nos chama atenção para a preocupação de líderes religiosos que destacavam a importância da vida comunitária, partilhada e socialmente justa. Ele classifica essa junção de pensamento e ação reformadora como “elementos comunistas do cristianismo” fazendo questão de enfatizar a descaracterização sofrida com a romanização dessa tradição religiosa enquanto movimento, a partir de sua oficialidade junto ao Império Romano de Constantino com o Édito de Milão. O autor fundamentou suas observações buscando elementos e fazendo referência ao livro Atos dos Apóstolos, onde de acordo com os versos 42 a 44 do capítulo 2, “os cristãos primitivos tinham todos os seus bens em comum” e mais adiante no capítulo 4, nos versos 32 e 37, “ninguém considerava exclusivamente sua nenhuma das coisas que possuía”. O mesmo autor ainda, sustenta ainda que os hereges e monges do medievo estiveram bastante fiéis a este espírito social do cristianismo primitivo, que optaram pelo heretismo ou pela monastia justamente para salvaguardar os ideais primordiais deste movimento e fugirem da ideologia dominante, ou seja, da “chamada romanização” da igreja oficial. 3 BEER, Max. História do Socialismo e das lutas sociais. São Paulo, Expressão Popular, 2006, p.130. 4 Idem, p.130.
  • 10. 10 Entre os principais líderes religiosos dessa doutrina moral e filosófica que buscaram inspiração no comprometimento social do cristianismo primitivo, destacaram-se: os chamados santos padres Barnabás; Justino, o Mártir; Clemente de Alexandria; Orígenes; Tertuliano; São Cipriano; Latâncio; Basílio de Cesária; Gregório de Nacianzo; João Crisóstomo; Santo Ambrósio e Santo Agostinho, “que preconizavam um gênero de vida baseado no espírito comunista que, segundo eles, era mais virtuoso e o mais próximo do ideal cristão”, afirma Max Beer.5 Reproduzimos aqui, alguns aconselhamentos proferidos por estes representantes do ideário de vida em comum: - Barnabás: “Deverás repartir tudo, em tudo e por tudo com o teu próximo e não falar em propriedade. Porque, se ponto de vista dos bens espirituais já consideras o próximo como teu irmão, com muito mais razão deves assim considerá-lo em tudo o que se refere a bens materiais transitórios”. - São Cipriano: “Desfrutamos em comum todas as dádivas divinas. Ninguém está excluído de seus benefícios. Todos os homens podem usufruir igualmente os bens e a benevolência de Deus… Todo aquele que divide seus lucros com os irmãos segue o exemplo de Deus”. - Basílio, o Grande: “Nada resiste ao poder do dinheiro. Todos se curvam perante ele. Não se pode qualificar de ladrão o homem que se apropria de bens que recebeu apenas para administrar? O pão de que te aproprias é daquele que tem fome. Daquele que está nu são as roupas que guardas nas tuas arcas. Daquele que anda descalço, e que trabalha em tua casa sem nada a receber, é o dinheiro que escondeste no teu subterrâneo”. Este pensamento de Basílio, o Grande, aliás, está mais para manifesto comunista do que para homilia. Além da crítica social, Basílio, o Grande, era propositivo e reivindicador: “Nós, que somos seres providos de razão, poderemos mostrar-nos mais cruéis do que os animais? Estes consomem em comum os produtos da terra. Os rebanhos de carneiros pastam no mesmo lugar da montanha e os cavalos no mesmo prado. Mas nós, nós nos apropriamos de bens que devem pertencer a todos e queremos possuir sozinhos o que pertence à comunidade”, acrescentou o religioso. - João Crisóstomo: “Porque eles não se limitavam a dar somente uma parte do que possuíam, conservando a outra para si mesmos; Tampouco davam o que tinham como se estivessem entregando um bem que lhes pertencesse. Suprimiram todas as desigualdades e 5 Idem, p.133.
  • 11. 11 viveram no meio da maior abundância. Realmente, a dispersão dos bens acarreta maiores gastos. Em conseqüência disso, todos empobrecem. Tomemos, como exemplo uma família composta de um homem, uma mulher e 10 crianças. A mulher em casa tecendo. O homem trabalha fora. Precisarão de mais dinheiro se viverem juntos ou separados? É claro: se viverem separados!... A dispersão determina inevitavelmente uma diminuição dos bens existentes. A vida em comum, ao contrário, multiplica os bens. É assim que os monges vivem nos seus conventos, como viviam antigamente os primeiros cristãos”. - Santo Ambrósio considera a propriedade privada como filha do pecado (neste caso, não creio que seria resistência ao feudo [ou à modernidade futura] com fins de preservação de patrimônio e poder) e defende a seguinte tese dos estóicos: “A natureza dá tudo em comum a todos. Deus criou os bens da Terra para os homens gozarem-nos em comum, para que sejam propriedade comum de todos. Portanto, foi a natureza que criou o comunismo. A violência é que estabeleceu a propriedade privada”. Pelo visto, Jean-Jacques Rousseau bebeu nesta fonte e lançou a partir dela, luzes na modernidade. Mas não poderíamos deixar de registrar o que pensou e disse a respeito, Santo Agostinho, discípulo de Santo Ambrósio: “A propriedade privada origina dissensões, guerras, insurreições, carnificinas, pecados graves e veniais… Nós possuímos grande número de coisas supérfluas. Contentemo-nos com o que Deus nos deu e tomemos só aquilo de que necessitarmos para viver. Porque o necessário é obra de deus, mas o supérfluo é obra da cobiça humana. O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres. Quem possui um bem supérfluo possui um bem que não lhe pertence”. Em meio à alta concentração de terras e de poder, a convivência e conivência com os poderosos do seu tempo, no seio da cristandade sopraram brisas de resistência e de apego aos ensinamentos e experiências contidos na “boa nova” dos Atos dos Apóstolos. Uma antecipação e um fundamento para a revisão nas ações de Bartolomeu de Las Casas nas terras do México que pode ter influenciado no humanismo de pessoas como o Padre Antonio Vieira, aqui no Brasil e Portugal. Muitas dessas idéias consideradas progressistas para sua época deveriam servir de fermento para mudanças, se devidamente apropriadas e potencializadas para fins de reforma social, por exemplo. 1.3. As encíclicas papais Identificaremos nas chamadas cartas ou documentos que têm sentidos dogmáticos ou doutrinários, as chamadas encíclicas, observações em relação ao compromisso social que os bispos, padres e leigos deveriam exercer. Ou seja, o que propuseram em relação a sua doutrina social, além da religiosa. Essas orientações estão voltadas às conjunturas de ordem
  • 12. 12 econômica e política, portanto ideológicas das ocasiões em foram anunciadas. Mas antes, por dever, vale informar que estas cartas são acompanhadas de muitas críticas devido às incoerências entre suas exortações e a prática da própria Igreja. Que ela mesma, através de seus teóricos e discursos oficiais trata de explicar e, a muito custo, tentar retratar. É importante ter presente que a explicação vem da seguinte maneira: “Todas as encíclicas sociais da igreja reivindicam seu direito e seu dever de pronunciar-se sobre os problemas sociais, a partir da ótica própria da Igreja, que é a de defesa do homem criado à imagem de Deus, especialmente dos homens mais indefesos”.6 De fato, os documentos históricos são fartos em apontar os desvios desta Igreja que são admitidas publicamente, quanto a corrigi-las…Outro fato é de que esta mesma Igreja milenar não tem se omitido(mesmo de forma conservadora) diante de questões polêmicas e em especial, em relação à condição dos trabalhadores e do ser humano em geral. E é isto que destacaremos aqui. 1.4. A Rerum Novarum Nos finais do século XIX, com o surgimento da sociedade industrial modificou-se o contexto social de modo a determinar uma reavaliação do que seria a quot;justa ordem da coletividadequot;. Antigas estruturas sociais foram desmontadas e o surgimento da massa de proletários assalariados determinou fortes mudanças na organização social fazendo com que a quot;relação capital e trabalhoquot; se tornassem uma questão decisiva de um modo até então desconhecido. E como se pronunciou a “Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XIII sobre a condição dos operários” na época de Revolução Industrial e o espectro ameaçador das idéias socialistas utópicas e científicas de Marx e Engels. Sobre a Igreja e a questão social esta carta diz: “É com toda a certeza que nós abordamos este assunto, e em toda a plenitude do nosso direito; porque a questão de que se trata é de tal natureza, que, não se apelando para a religião e para a igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz”.7 Sobre a luta de classes e a desigualdade, a Rerum Novarum expõe seu verniz conservador e romanizado, tão criticado por muitos: O primeiro princípio a pôr em evidência, é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são 6 ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja. São Paulo, Loyola, 1991, p. 181. 7 Rerum Novarum. Carta Encíclica de sua santidade o Papa Leão XIII sobre a condição dos Operários. 15ª ed. São Paulo, Paulinas, 2005, p.19.
  • 13. 13 vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições.8 E ainda: Entre estes deveres, eis o que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme a eqüidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências, e nunca revestirem a forma de sedições… 9 Quanto às obrigações dos operários e dos patrões, a encíclica é absurdamente conservadora aos olhos de hoje, considerando inclusive, a concorrência com os socialistas: Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem realçada ainda pela do cristão… O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucros, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenha em consideração os interesses espirituais do operário e o bem de sua alma..10 Observemos algumas de suas imprecações sobre a posse e uso das riquezas. Discurso bem ao gosto da classe burguesa e respaldada em Santo Tomás de Aquino, aliado de príncipes alemães na idade média européia: Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou de sua família; nem mesmo a nada suprimir de que as conveniências ou decência impõem à sua pessoa: ‘Ninguém, com efeito, deve viver contrariamente às conveniências, Santo Tomás, sum. Teol., II-II, q. 32, a. 6’. Mas, desde que tenha suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever dar o supérfluo para os pobres: ‘Do supérfluo dai esmolas’(Lc 11, 41).11 As sugestões de Leão XIII neste aspecto se reduzem ao assistencialismo puro e simples. Longe, portanto do cristianismo primitivo e da carta aos apóstolos, citada por Max Beer, como exortações ao comunismo. Nesta mesma encíclica as greves são tidas como causadoras de “dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns”.12 8 Idem, p. 20 9 Idem, p. 22 10 Idem, p. 22 11 Idem, p. 26 12 Idem, p. 40
  • 14. 14 Esta mesma igreja, imersa nas mudanças provocadas pela Revolução Industrial, poderia ser ainda mais conservadora, destaco novamente, se vozes mais ousadas não se levantassem com idéias realmente transformadoras. Vejamos o que disse o teólogo Edgard Wallace (1679-1771) em seu livro intitulado Várias Perspectivas,13 publicado em 1761 (a Rerum Novarum foi escrita em 1891, portanto 130 anos depois), Wallace indaga: “como é possível que o homem, com todos os dons que possui e com todos os tesouros da natureza de que dispõe, se encontre ainda em tão baixo nível cultural?” Tanto no domínio da moral quanto da filosofia, tanto na esfera das ciências naturais quanto na da vida social… Wallace advogou o comunismo como “remédio” para essa situação e lembrava que no estado primitivo da humanidade, reinava a igualdade absoluta e a comunidade de bens. Outro pensador crítico das condições sociais de época, Thomas Spencer (1750-1814) foi o primeiro partidário teórico da reforma agrária, segundo Max Beer. Spencer que foi sapateiro, professor e guarda-livros, resumia assim suas idéias fundamentais: “… no estado primitivo da humanidade, o solo era propriedade comum. Desse modo, cada qual, ao nascer, possuía um direito inalienável sobre certa porção de solo”.14 Não era só a classe burguesa industrial que tinha seus teóricos, e as idéias da igreja nunca estiveram incólumes de pressões externas às suas. Thomas Spencer, ele próprio mandou imprimir suas teorias e vendeu-as por “alguns centavos o exemplar”. Bem ao contrário das orientações papais, outro pensador ainda da primeira fase da revolução industrial, o médico Charles Hall procurou em seu livro, Os efeitos da civilização, explicar cientificamente o antagonismo entre o capital e o trabalho tomando como ponto de partida à idéia de que “a propriedade e o Estado não existiam na sociedade primitiva”.15 Como afirmamos anteriormente, o solapar dos ventos da conjuntura política e econômica deram o tom do discurso do Papa Leão XIII em sua Rerum Novarum. Na abertura da edição de “Mater et Magistra” argumenta-se o seguinte: “Os tempos em que Leão XIII falou, eram de transformações radicais, de fortes contrastes e amargas rebeliões. E são as sombras que, então, dominavam, que nos faz apreciar melhor a luz que promana do seu ensinamento.”16 Poderíamos deduzir que se não houvesse essas pressões impostas pelas “transformações radicais” e “… fortes contrastes e amargas rebeliões”, esta igreja estaria vivendo sua época com todo o peso do seu conservadorismo. Consideradas estas condições, 13 BEER, op. cit., p. 363 14 BEER, op. cit., p. 364 15 BEER, op. cit., p. 368 16 Mater et Magistra. Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Leão XXIII sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p.6
  • 15. 15 não poderíamos deixar de advogar aqui, mais uma vez, este legado de relativa preocupação com o social que viria em outras condições sócio-históricas despertar e facilitar o surgimento de líderes religiosos progressistas e ousados por dentro da instituição. No início da carta Mater et Magistra ressalta-se que “… O conceito de mundo econômico, então mais difundido e posto em prática, era um conceito naturalista, negador de toda a relação entre moral e economia. O motivo único da aççao econômica, dizia-se, é o interesse individual.” Neste comentário a crítica mordaz voltasse contra o liberalismo econômico, além da posição já conhecida da igreja católica contra as idéias socialistas que eram apontadas como “teorias extremistas, que propunham remédios piores que os próprios males.” 1.5. A Quadragesimo Anno Esta Encíclica, publicada por Pio XI, que é de aniversário e em comemoração a Rerum Novarum traz exortações óbvias e “quase repetitivas”, por ser de comemoração a carta anterior e toca em questões como justo salário, o sustento da família e do operário, da divisão dos lucros e a necessidade de combinar o contrato de trabalho com um novo contrato de sociedade. Esta Encíclica toca nestes temas de forma um pouco mais aprofundada por força, graça e obra, da pressão exercida pela conjuntura econômica e política. Registramos aqui, observações feitas pelo próprio Pio XI sobre a questão: A livre concorrência, em virtude da dialética que lhe é própria, tinha acabado por destruir-se a si mesma ou pouco menos; levara a uma concentração de riqueza e, além disso, à acumulação de um poder econômico desmedido nas mãos de poucos, os quais, muitas vezes nem sequer eram proprietários, mas simples depositários e administradores do capital, de que dispunham a seu bel- prazer.17 Com os males advindos desse “poder econômico desmedido nas mãos de poucos”, viria junto à crescente simpatia por idéias comunistas e socialistas, o que incomodava o papado com a mesma intensidade. 1.6. A Mater et Magistra A Mater et Magistra, a exemplo da Quadragesimo Anno, confirma dar continuidade a declaração de Leão XIII e como num desenvolver do capitalismo, as encíclicas subseqüentes vão se adaptando aos novos tempos ou às mutações sofridas por este sistema. Na segunda 17 Encíclica Quadragesimo Anno. Carta de Sua Santidade Papa Pio XI sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a lei evangélica no XL Aniversário da Encíclica de Leão XIII “Rerum Novarum”. Disponível site: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p- xi_enc_19310515_quadragesimo-anno_po.html. Acesso em 30/01/2008.
  • 16. 16 parte da Encíclica Mater et Magistra, no subtítulo “Aclarações e ampliações dos ensinamentos da Rerum Novarum”, isto fica bastante evidenciado no item 48: Devemos afirmar, desde já, que o mundo econômico é criação da iniciativa pessoal dos cidadãos, que desenvolvam sua atividade individualmente, quer façam parte de alguma associação destinada a promover interesses comuns”. No item “49. Nele, porém, pelas razões já aduzidas pelos nossos predecessores, devem intervir também os poderes públicos com o fim de promoverem, devidamente, o acréscimo de produção para o progresso social e em benefício de todos os cidadãos.18 Percebemos aqui que a encíclica continua a defender o estatismo interferindo em favor do progresso social e defenderá mais adiante a chamada socialização sob sua ótica, como veremos. A carta classifica a chamada “socialização” como um dos aspectos característicos de nossa época. Que segundo ela, “Consiste na multiplicação progressiva das relações dentro da convivência social, e comporta a associação de várias formas de vida e atividade…”19 Mesmo com essa introdução um tanto imprecisa, o termo “socialização” não deixa de ser o prenúncio das posições futuras da igreja católica face aos tempos vindouros. Antes de continuarmos nossa análise sobre a Mater et Magistra, destaca-se as origens do Papa João XXIII, também conhecido como o “Papa Bom”. Haveremos de considerar que apenas as conjunturas político-econômicas e disputas intestinas no seio da igreja não devem interferir definitivamente na condução das pessoas que à frente de instituições estão procurando influenciar nos rumos de uma sociedade. No caso de uma Igreja que se propõe universal, nos rumos da humanidade. Angelo Giuseppe Roncalli (nome do Papa João XXIII) nasceu em Sotto il Monte (província de Bérgamo, Itália) em 25 de Novembro de 1881. Era o terceiro filho numa família do tipo patriarcal, de trabalhadores agrícolas, sendo, no total, constituída por 30 elementos. Era por isso a família mais numerosa do pequeno povoado de Sotto il Monte. Roncalli foi ordenado sacerdote Católico na Igreja de Santa Maria in Monte Santo (Roma) em 1905. Em 1915, quando a Itália entrou na Primeira Guerra Mundial, foi alistado como sargento do corpo médico e capelão militar dos soldados feridos que regressavam da linha de combate. Devido à origem operária-agrária do religioso e de viver numa família com 30 indivíduos, podemos tirar conclusões portanto, das condições difíceis de vida de sua 18 Mater et Magistra. Carta Encíclica de sua santidade o Papa Leão XXIII sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã. 12 ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 18. 19 Idem, p. 20
  • 17. 17 numerosa família. Outro fato de destaque foi o do então sacerdote ter participado de uma grande guerra, com certeza, sabedor das causas desse conflito que teve proporções mundiais. A Mater et Magistra analisando “A remuneração do trabalho”, proclama no item: “65. Amargura profunda invade o nosso espírito diante do espetáculo tristíssimo de inumeráveis trabalhadores, em muitas nações e continentes inteiros, os quais recebem um salário que os submete, a eles e às famílias, a condições de vida infra-humanas.” “66. Mas, em alguns desses países, a abundância e o luxo desenfreado de uns poucos privilegiados contrasta, de maneira estridente e ofensiva, com as condições de mal-estar extremo da maioria.”20Entendemos aqui, esta exortação, quase como uma denuncia. A Mater et Magistra é uma Carta Encíclica de 15 de maio de 1961. Esta encíclica foi publicada no início da conturbada década de 1960, no contexto histórico de acirramento da “Guerra Fria” e em época de Revolução em Cuba (1959) e da revolução estudantil de Paris que sacudiu o mundo, em maio de 1968. Neste contexto o papa se vê obrigado a atualizar e a reafirmar o Magistério da Igreja sobre as questões novas e antigas que ressurgiam com nova roupagem nos “anos 60”. Esta encíclica é considerada um marco importante da Doutrina Social da Igreja, atualizando as orientações das encíclicas sociais anteriores, a partir da Rerum Novarum, dando a resposta católica para os problemas vigentes. Paulo VI e João Paulo II muito dela se valeram no seu ensinamento social usando-a como apoio e fundamento de suas encíclicas sobre a Doutrina Social da Igreja. Esta carta seguindo o exemplo da Rerum Novarum e tantas outras também defendem a chamada “propriedade particular”, só que agora se preocupa em dar explicações mais enfáticas sobre sua posição: “108. Fazemos nossas, nesta matéria, as observações do nosso predecessor Pio XII: Quando a Igreja defende o princípio da propriedade particular, tem em vista um alto fim ético e social. Não que dizer que ela pretenda conservar pura e simplesmente o estado presente das coisas, como se nele visse a expressão da vontade divina, nem proteger, por princípio, o rico e o plutocrata, contra o pobre e o proletário… A igreja pretende conseguir que a instituição da propriedade privada venha a ser o que deve, conforme o desígnio da Sabedoria Divina e as disposições da natureza. (Grifamos) 20 Idem, p. 23.
  • 18. 18 Quer dizer, pretende que a propriedade privada seja garantia da liberdade essencial da pessoa humana e elemento insubstituível da ordem social. ”21 Apesar dos avanços, seria conseqüente demais esta Igreja romanizada querer o fim da propriedade privada e a defesa do coletivismo da terra, haja vista ela ser herdeira de imensuráveis quantidades de terra… espalhadas por este mundo. A Mater et Magistra, discorre sobre vários temas também buscando atualizar-se, como: Agricultura, considerando o tema êxodo rural e os serviços essenciais às populações rurais, até de forma crítica; Regime Fiscal, levando em conta a distribuição dos encargos segundo a capacidade contributiva dos cidadãos considerando o junto e o eqüitativo. O que poderíamos chamar de progressividade; Capitais a juros convenientes, isso se referindo à produção agrícola; Seguros sociais e previdência social; Defesa dos preços, neste caso a Mater et Magistra remete a Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno em que ele faz a defesa não só dos salários como de um preço justo para os alimentos; Solidariedade e colaboração, no setor agrícola, como aliás, em qualquer outro setor produtivo. Esta carta apresenta-se especialmente preocupada com o campo, a agricultura, os moradores das áreas rurais, certamente devido a crescente saída de trabalhadores das zonas agrárias provocadas pelo êxodo rural. Ainda se preocupa em propor justiça nas relações entre países que tenham diferentes progressos econômicos, parecendo exortar as comunidades como fazia o apóstolo Paulo com as comunidades que acompanhava: “154. Um dos maiores problemas da época moderna talvez seja o das relações entre as comunidades políticas economicamente desenvolvidas e as que se encontram em fase de desenvolvimento econômico. As primeiras, por conseguinte, com alto nível de vida, as outras, em condições de escassez ou de miséria.”22 Como a Igreja Católica é historicamente dividida entre conservadores e aliancistas e outra parte, busca se aproximar do evangelho primitivo em suas ações e interpretações, não é de se admirar que muitas dessas admoestações, em várias paróquias e dioceses, tenham tentado sinceramente sair do papel. A Rerum Novarum, a Quadragesimo Anno e a Mater et Magistra para tomarmos como exemplo, seguiram-se, uma a uma, adaptando-se aos novos tempos, sugerindo posturas e ações às suas comunidades mescladas de acordo com as pressões conjunturais, ora mais avançadas, ora conservadoras em muitos aspectos. O Papa João XXIII destaca-se no cenário histórico, convocando a Igreja para um dos concílios mais relevantes da instituição, pelos atores envolvidos e acima de tudo, pelas condições dadas naquele momento da humanidade. 21 Idem, p.35. 22 Idem, p. 52.
  • 19. 19 1.7. O Concílio Vaticano II O Concílio Vaticano II (CVII), XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica Romana, foi aberto sob o papado de João XXIII no dia 11 de outubro de 1962 e terminado sob o papado de Paulo VI em 08 de dezembro de 1965. Nestes três anos se discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja Católica Romana. Um concílio é, naturalmente, um esforço comum da Igreja, ou parte dela, para a sua própria preservação e defesa ou guarda e clareza da fé Do Concílio Vaticano II, destaca-se um documento tido como fundamental para os rumos da Igreja Católica: a Gaudium et Spes que é uma constituição pastoral sobre a Igreja no mundo atual, a 4ª das Constituições do Concílio Vaticano II e tratou fundamentalmente das relações entre a Igreja Católica e o mundo onde ela está e atua. Inicialmente ela constituía o famoso quot;esquema 13quot;, assim chamado por ser esse o lugar que ocupava na lista dos documentos estabelecida em 1964. Sofreu várias redações e muitas emendas, acabando por ser votada apenas na quarta e última sessão do Concílio. Formada embora por duas partes, constitui um todo unitário. A primeira parte é mais doutrinária e a segunda é fundamentalmente pastoral. Trata-se de um documento muitíssimo importante, pois significou e marcou uma virada da igreja católica quot;de dentroquot; (debruçada sobre si mesma), quot;para foraquot; (voltando-se para as realidades econômicas, políticas e sociais das pessoas no seu contexto) e constituiu um passo importante na fixação da Doutrina Social da Igreja. O ex-pároco de Casa Amarela, na Arquidiocese de Olinda e Recife (Assessor das CEBS, do MAC e do MTC), Reginaldo Veloso, afirmou sobre este documento: “nesta fonte foi onde beberam todos os movimentos de ação católica, com destaque para a JOC e a ACO” (hoje MTC). A abertura desse documento singular já nos diz muito: Íntima união da Igreja com toda a família humana: 1. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente- se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.23 23 Site do Vaticano: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat- ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em 30/12/2008.
  • 20. 20 A constituição pastoral Gaudium et Spes, logo na sua introdução, sob o subtítulo “Esperanças e temores”, afirma ser dever da igreja adaptar-se ao mundo atual, interpretá-lo à luz dos novos tempos, e claro do evangelho, para responder de modo adequado às perguntas dos homens desse tempo. O documento versa sobre a evolução e domínio da técnica e da ciência, e do impacto dessas inovações na vida das sociedades. Esta história que de tão rápida não consegue ser alcançada, devido às novas tecnologias, altera substancialmente a ordem social, objeto de preocupação constante da Igreja que também é afetada pelo que o documento chama de humanidade “dinâmica e evolutiva”. Sobre esta nova ordem social, o documento Gaudium et Spes é taxativo: Por fim, as novas circunstâncias afectam a própria vida religiosa. Por um lado, um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus. Mas, por outro lado, grandes massas afastam-se praticamente da religião. Ao contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou prescindir deles já não é um facto individual e insólito: hoje, com efeito, isso é muitas vezes apresentado como exigência do progresso científico ou dum novo tipo de humanismo. Em muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio filosófico, mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que provoca a desorientação de muitos.24 O desafio está posto e esta Igreja acossada por novos pontos de vista, tem que mudar pra não ficar para trás. Ainda como motivo de preocupação e admoestamento, esta constituição versa sobre: Desequilíbrios pessoais familiares e sociais; Aspirações mais universais do gênero humano; Índole comunitária da ação humana; Interdependência da pessoa humana e sociedade humana e Promoção do bem comum; Respeito da pessoa humana; Igualdade essencial entre todos os homens. Sobre este último tópico vale à pena transcrever o sentimento da igreja nesta carta: Além disso, embora entre os homens haja justas diferenças, a igual dignidade pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e justas. Com efeito, as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os membros e povos da única família humana provocam o escândalo e são obstáculo à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social e internacional.25 24 Idem 25 Ibidem
  • 21. 21 No capítulo IV da primeira parte, que trata da função da Igreja no mundo atual, a mudança de postura da instituição a partir do Vaticano II vai se clarificando: “Por isso, a Igreja, em virtude do Evangelho que lhe foi confiado, proclama os direitos do homem e reconhece e tem em grande apreço o dinamismo do nosso tempo, que por toda a parte promove tais direitos.”26 É óbvio que se ressalta “direitos humanos” na órbita e à luz do evangelho interpretado pelas autoridades eclesiais, mas quando esta reconhece e tem apreço pelo dinamismo do nosso tempo, observa forçosamente que outros atores atuam em confluência. É o que esta mesma carta classificou em diversas passagens como interdependência e/ou ecumenismo nas ações. No preâmbulo da segunda parte desta constituição, um subtítulo chama atenção: “alguns problemas mais urgentes”. E segue-se uma série de atitudes do Concílio Vaticano II em relação a esses problemas. Dentre esses problemas que na interpretação do Concílio afetavam a humanidade naquele momento, destacam-se: “o matrimónio e a família, a cultura humana, a vida económico-social e política, a comunidade internacional e a paz.” Em sua parte II, Capítulo III, que trata da ordem econômico e social, a Gaudium et Spes, que é um documento do Concílio Vaticano II, apresenta-se mais avançada em relação às Encíclicas estudadas anteriormente. Ela diz o seguinte sobre alguns aspectos da vida econômica e social: No entanto, o direito à propriedade privada não é incompatível com as várias formas legítimas de direito de propriedade pública. Quanto à apropriação pública dos bens, ela só pode ser levada a cabo pela legítima autoridade, segundo as exigências e dentro dos limites do bem comum, e mediante uma compensação equitativa. Compete, além disso, à autoridade pública impedir o abuso da propriedade privada em detrimento do bem comum. 27 1.8. Origens da Ação Católica Internacional A Ação Católica é o nome dado ao conjunto de movimentos criados pela Igreja Católica no século XX, visando ampliar sua influência na sociedade, através da inclusão de setores específicos do laicato e do fortalecimento da fé religiosa, com base na Doutrina Social da Igreja. E como já tínhamos adiantado, a origem deste movimento está presente na história da Igreja e em todas as suas cartas, e sofreu forte influência da Revolução Industrial, do surgimento da Classe Operária e das Idéias Comunistas e Socialistas. O fantasma do 26 Ibidem 27 Ibidem
  • 22. 22 marxismo assombrou não somente a burguesia assombrou e influenciou fortemente os rumos da milenar Igreja Católica. Em 1938, o papa Pio XI criou uma direção central para a Ação Católica. Em 1960 o papa João XXIII criou uma comissão preparatória para o apostolado dos laicos. A assim chamada Ação Católica nasce antes do concílio convocado por João XXIII, mas sem dúvida, seu impulso maior e notoriedade na América Latina em especial vêm com o Vaticano II. Este novo modelo de recristianização do mundo seria realizada principalmente por fiéis leigos que passariam a ter um papel de estaque nas ações desempenhadas pela Igreja, porém, a liderança e o comando estariam sempre com as autoridades eclesiásticas. A escola francesa, a belga e canadense para formação de padres, forjaram novos atores para responder às novas demandas. Os assim chamados padres operários atuariam com base em uma nova teologia. Mais moderna e adaptada aos novos tempos. Destacou-se dessa leva de padres imersos no mundo do proletariado, o belga, José Cardijn. Nascido de uma família de modestos trabalhadores, em 1882, em Bruxelas habituou-se a escutar os operários que conversavam sobre as condições em que eram obrigados a viver. 28 O pároco de “Daens” que denunciou estas condições e abriu horizontes ao ideal social cristão, estudou em Maligne e Lovaina, onde se especializou na Escola de Ciências Políticas e Sociais. Entretanto depois de ordenado sacerdote foi para Laecken, em 1912. Nesse local intensificou a sua atitude de ouvir os trabalhadores e confirmou a sua opção pastoral: evangelizar o mundo do trabalho, fazer sentir aos operários a preocupação da Igreja, despertar-lhes a consciência de ser Igreja. O padre Cardijn criaria o método VER, JULGAR e AGIR. Método que viria a ser amplamente utilizado pela Ação Católica Especializada no Brasil. CAPÍTULO II A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO) NO BRASIL E EM PERNAMBUCO 2.1. A Ação Católica do Brasil 28 Site da JOC de Portugal: http://www.ecclesia.pt/joc/, acessado em 30/12/2008.
  • 23. 23 Na década de 1930 no Brasil instalou-se uma neocristandade com o claro objetivo de estender sua missão apostólica (laica na ação e clerical na direção) ao maior país da América do Sul (e com uma legião de católicos das maiores do mundo) em vias de franco desenvolvimento industrial e urbanismo, sob a tutela do Governo Getúlio Vargas. Além do anarco-sindicalismo, o Partido Comunista do Brasil (PCB) já estava em plena atividade desde 1922.29 No referido contexto a Ação Católica tinha motivações de sobra para atuar no país. A Ação Católica do Brasil trazia o perfil italiano altamente conservador de Pio XI. Uma Ação Católica acuada pelo totalitarismo fascista de Mussoline e dúbia em relação às iniciativas do Estado italiano. Em terras brasileiras, onde o catolicismo adquiriu suas próprias peculiaridades, o ex- Arcebispo de Olinda e Recife (1916-21) e posteriormente do Rio de Janeiro (1930-42), Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, fundou naquela cidade, sob a direção inicial de um ex- ateu intelectual e boêmio, Jackson de Figueiredo, o Centro Dom Vital (nome de Bispo pernambucano que esteve à frente da chamada “Questão Religiosa”, conflito entre a Igreja Romana com a poderosa Maçonaria e o Imperador Dom Pedro II, chegando o Bispo a ser detido pelo poder central).30 O Centro Dom Vital publicava o importante jornal A Ordem, considerado o germe inicial das universidades católicas passou a ser dirigido por um dos grandes intelectuais brasileiros em sua época, Alceu Amoroso Lima.31 Considerado o maior pensador católico no século XX, além de católico fervoroso Amoroso Lima era um adepto da democracia cristã (tendência política surgida pós-Segunda Guerra Mundial) e defensora da “terceira via”, anticomunista e anticapitalista. A Ação Católica Brasileira, pelo seu principal dirigente e interlocutor, deixaria explícita sua opção política. 2.2. A Ação Católica especializada Como vimos anteriormente um padre Belga, o abade Cardijn (em 1925) criou a Juventude Operária Católica e mais adiante o padre francês Guérin, reuniu uma primeira equipe de jovens operários. Estaria lançado o “fermento” da Ação Católica Especializada (ACE), uma extensão da “grande Ação Católica.”32 A chamada Ação Católica especializada subdividiu-se em correntes diversas com a intenção clara de alcançar os setores mais 29 SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2008. 30 Idem 31 Idem 32 COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja II: do século XV ao século XX. São Paulo, Loyola, 1995.
  • 24. 24 dinâmicos da sociedade, em especial o seguimento juventude, o setor mais propício e aberto às idéias socialistas e ao individualismo exacerbado do capitalismo. Em função dessa premissa, foram criadas a JAC (Juventude Agrária Católica), a JEC (Juventude Estudantil Católica), a JIC (Juventude Independente Católica),a JOC (Juventude Operária Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica). A JUC e a JOC, viriam a ter um papel bastante destacado mais adiante, nas décadas de 1960 e 1970. No discurso oficial da JOC, por exemplo, o segmento apresenta-se com uma dupla missão: “a libertação dos jovens trabalhadores e trabalhadoras; ser testemunha da presença libertadora de Jesus e do projecto de Jesus Cristo no seio da classe operária.”33(grifo nosso) O Padre belga Joseph Cardijn, teve a preocupação de reunir jovens para a promoção de suas atividades educativas mantendo distância dos movimentos sindicais e políticos de sua cidade natal34, possivelmente afastando- se de possíveis contatos com as idéias comunistas e anarquistas. Procurou aproximar-se dos operários e fazia perguntas incomuns como estratégia de aproximação: “Pela manhã à hora que os operários partem para a fábrica, Cardijn percorre o caminho em sentido inverso para provocar o encontro; saúda-os amigavelmente, ora com um ora com outro: - Onde trabalha?...; - Quantos são vocês? ; - Aquilo é cansativo? É verdade que lá se ganha bem?; - Também lá trabalham muitas mulheres?; - Você tem muitos filhos? Vão bem na escola?... 35 Esta mesma pedagogia de aproximação seria utilizada por militantes da JOC aqui no Brasil. O antigo membro da JOC no Estado de Pernambuco, Luiz Barros dando testemunho sobre a atuação deste movimento de ação católica, afirmou: A metodologia era praticamente a mesma (referindo-se ao Monsenhor Cardijn), utilizava-se também uns cadernos de orientação para todos os militantes da JOC que ensinavam como se fazer pesquisas, perguntando onde trabalhavam, o que faziam fora do trabalho, sobre as condições de vida na comunidade. Com o objetivo de conhecer a realidade de vida da classe operária.36 O entrevistado destacou também que quando iniciou sua participação na JOC (antes da década de 1960), as atividades eram mais voltadas para a liturgia, festas e reuniões. A preocupação com o social existia, mas o movimento era “pouco engajado”, assegurou o militante. A título de curiosidade, Luiz Barros acrescentou que havia uma divisão de gênero no movimento. Existia a JOC dos homens e a JOC das mulheres. A Ação Católica Geral 33 Fonte: http://www.ecclesia.pt/joc/, acessado em 07/01/2009. 34 Idem 35 Ibidem 36 Depoimento concedido por Luiz Barros da Silva, 74 anos, “ex-jocista”. Recife-PE, em 07/01/2009.
  • 25. 25 quando se instalou no Brasil já trazia essa característica, certamente devido aos valores e padrões morais de então. Por outro lado, a questão de gênero nunca se resolveu no seio da Igreja Católica Romana e isso repercutiu também nos movimentos oriundos da instituição. 2.3. Gestação da Ação Católica Operária Todos os antigos participantes da JOC em Pernambuco garantem que a juventude há muito estava passando por uma crise, e precisavam abrigar-se em outro movimento que tivesse a mesma orientação e pedagogia, com algumas poucas diferenciações, como veremos a seguir. Cícera Josefa Rodrigues (identificada por Santinha), militante com 22 anos de participação na ACO (hoje MTC: Movimento de Trabalhadores Cristãos) em Petrolina, afirmou: “Os militantes que casavam ou atingiam os 25 anos na JOC tinham que sair. Foi 37 criada a LOC (Liga Operária Católica), mas não deu muito certo. Depois foi 38 criada a ACO para receber esse pessoal”. No entanto, essa migração não se deu de forma automática, pois muitos antigos participantes da JOC continuaram atuando neste movimento e se auto-intitulam “Jocistas para sempre”. Em Recife alguns desses indivíduos reúnem-se até hoje e exatamente no prédio que abriga a ACO, hoje identificada como MTC. Como se vê, “os jocistas para sempre” não escaparam totalmente ao plano de migração da JOC para a ACO, pelo menos no que tange ao local de algumas sessões. Devido a esse histórico muitos dos militantes da ACO (atual MTC), consideram por extensão este movimento como uma decorrência de fundação da Juventude Operária Católica. Em dedicatória feita no livro História da ACO: fidelidade e compromisso na classe operária (publicado em 1987) lê-se: “Este livro é dedicado a quatro profetas operários (o primeiro citado foi o padre belga): Cardeal José CARDIJN, fundador da Juventude Operária Católica – JOC e, em decorrência disso, também fundador da Ação Católica Operária – ACO, falecido em 25.07.67.”39 Só que ao contrário da JOC, a Ação Católica Operária desabrochou em uma conjuntura política diferenciada e isso impactou e muito nos rumos desse movimento desde o seu nascimento. 37 A Liga Operária Católica, igualmente a ACO, era um movimento de católicos adultos concebido para abrigar os egressos da JOC. Luiz Barros e Josefa Fernandes (Nena), no entanto, classificaram este movimento de excessivamente litúrgico e distante da ação católica que esperavam. Uma ação atuante na “massa”, entre os operários. 38 Depoimento concedido por Cícera Josefa Rodrigues, 55 anos, militante do MTC (ACO), Petrolina-PE, em 07/01/2009. 39 História da classe operária: fidelidade e compromisso na classe operária ZUFFEREY, Padre Romano CHAPARRO, Manoel Carlos. (Orgs.). Rio de Janeiro, Arte Graphica, 1987, p.07.
  • 26. 26 Como exemplo de continuidade das mesmas atividades e visão de mundo por parte daqueles que “emigravam” da JOC para a Ação Católica Operária, transcrevemos o depoimento de Maria Floripes Nascimento (conhecida entre seus membros como Flor), militante da ACO (falecida em 25/07/83) de Belo Horizonte: Uma coisa que eu sempre faço na vida, dentro da JOC e, sobretudo hoje, na ACO, é viver prestando atenção à vida, nas pessoas, nos fatos... A vida do trabalhador não pode ser dividida em partes. Somos operários na família, no trabalho, no sindicato, no bairro.40 O homem/mulher integral era uma das preocupações na formação posta em prática pela Ação Católica desde sua concepção, como foi desde sempre, uma preocupação da Igreja Católica Apostólica Romana. Outra herança que os ex-jocistas levaram à ACO foi o que muitos desses militantes classificavam como “consciência de classe”. Uma expressão bem ao gosto dos marxistas de plantão e muito a contragosto da hierarquia da Igreja e de muitos padres. Como se vê, a chamada Ação Católica Especializada em outro contexto político, distanciou-se e muito daquela que promoveu a chamada “concordata moral” com o Governo Vargas, negociando a “promulgação da Constituição de 1934 em nome de Deus num Estado laico, a proibição do divórcio, uma legislação trabalhista pró-católica e o atendimento de reivindicações mais gerais como o voto feminino e a liberdade de educação religiosa”41. A exemplo do Padre Olímpio Torres que na década de 1950 cidade em Pesqueira/PE juntamente com Dom Severino Mariano, o Bispo local, que orientados pela Doutrina Social do Vaticano ora denunciavam as invasões de terras pertencentes aos índios xukurus e em outro momento, com medo de infiltração do comunismo nas áreas rurais por meio das Ligas Camponesas, bradavam contra estes mesmos esbulhados por se organizarem e lutarem por seus direitos.42 2.4. O surgimento da ACO no Brasil A Ação Católica Operária não é uma criação da ACE (Ação Católica Especializada) do Brasil. Antes mesmo do surgimento do movimento em terras brasileiras a ACO francesa já estava atuando. Como em quase tudo, importamos também nossas experiências de organização social, e com uma igreja alienígena não haveria de ser diferente, mesmo que antropofagicamente tenha-se feito uma adaptação a partir do ver-julgar-agir. 40 Idem 41 SERBIN, op. cit., p.100. 42 SILVA, Edson H. Xucuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/PE), 1959-1988. Campinas, UNICAMP, 2008. (Tese de Doutorado em História Social).
  • 27. 27 Em entrevista concedida por uma das mais antigas militantes da ACO do Brasil (Regional NE II), Josefa Fernandes de Oliveira (Nena), 73 anos, ex-jocista, pontuou as diferenças entre as duas organizações: Na JOC as atividades eram mais de brincadeira, mais lúdicas. Já na ACO a exigência é por uma atuação mais madura e direta no sindicato, na associação de bairro, no partido político, na família. Apesar da identidade no método, na pedagogia, a cobrança no AGIR e na REVISÃO DE VIDA era muito maior. E confirma: “A ACO surge antes na França e depois no Brasil. Lá fora surge tudo primeiro e depois aqui.43 Na verdade a Ação Católica Operária já atuava antes também na Suíça e Bélgica. Um dos fundadores da ACO em Pernambuco e no Brasil, Luiz Barros, corrobora: Antes da ACO já existia a Liga Operária Católica que absorvia os egressos da JOC, mas a LOC era muito religiosa e isso incomodava alguns de nós. Um grupo de militantes de Paulista, Recife e Camaragibe, encontravam-se em Olinda freqüentemente para refletir sobre a criação de um movimento que atendesse essa expectativa. Com o apoio direto do Padre Bernardo Lindoso (amazonense) que convenceu Lorena, aconteceu às primeiras reuniões na casa onde funciona hoje o CTC (Centro de Trabalho e Cultura), no Bairro dos Coelhos. As reuniões foram se estendendo para os bairros nas casas dos militantes. O nascimento da ACO no Brasil partiu de dois encontros: um em São Luiz do Maranhão (o primeiro) e outro em São Paulo. O Bispo à época da Arquidiocese de Olinda e Recife era Dom Carlos Coelho (antecessor de Dom Helder Camara) e que tinha uma postura progressista. 44 Para Luiz Barros, outro fato que contribuiu para o surgimento da ACO em Pernambuco foi a presença de membros da coordenação do MMTC – Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos (sediado na Bélgica), que visitando a América Latina, estiveram no Recife e receberam um pedido pessoal de Dom Carlos Coelho que indicassem um Padre assistente religioso para acompanhar o movimento que estava surgindo. A presença do padre suíço Romano Zufferey, marcaria profundamente a história e a atuação da ACO na região Nordeste e no Brasil. A Ação Católica Operária foi oficialmente fundada em 1962. Em um relato publicado, consta que o movimento já estava presente nas “fábricas, favelas, nas 43 Josefa Fernandes de Oliveira (Nena), 73 anos, em 07/01/2009. Militante histórica da ACO e ex-membro da Juventude Operária Católica. Atualmente integra a coordenação regional do MTC (denominação atual da Ação Católica Operária). 44 Depoimento concedido por Luiz Barros da Silva, 74 anos, ex-jocista e membro da ACO (MTC), Recife-PE, em 07/01/2009. Atualmente participante no Sindicato dos Aposentados no Estado de Pernambuco, como um dos membros de sua direção.
  • 28. 28 organizações populares, nos mutirões de luta e solidariedade” 45. Portanto, a semente desta Ação Católica Operária já germinava e sofreria muitas influências e transformações ao longo das ocorrências e das posições assumidas pela Igreja Católica Apostólica Romana. 2.5. A organização do movimento A distribuição espacial da ACO pelo Brasil segue mesma geografia da Igreja Católica Romana com as suas divisões regionais. Por ser um movimento voltado para uma classe específica, a operária, é uma organização basicamente urbana e centrada nas cidades e regiões mais industrializadas. Vinte e quatro anos após sua oficialização, o movimento já contava com 1.200 militantes e estava assim distribuído: 1. Rio Grande do Sul: Caxias do Sul, São Leopoldo, Canoas. 2. São Paulo: São Paulo (capital), Osasco, Sorocaba, Botucatu, Santo André, Mauá, Suzano, Campinas, S. Vicente, S. José dos Campos. 3. Minas Gerais: Belo Horizonte, Contagem, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Itaobim, Sete Lagoas. 4. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro (capital), Nova Iguaçu, Angra dos Reis, Volta Redonda, Barra Mansa, Barra do Piraí, Itatiaia, Petrópolis, Macuco, São Gonçalo. 5. Nordeste I: Belém (PA), Barcarena, Abaetetuba, São Luiz, Teresina, Fortaleza, Santarém, Marabá, Imperatriz. 6. Nordeste II: Mossoró, Natal, Recife, João Pessoa, Paulista, Abreu e Lima, Escada, Jaboatão, Cabo de Santo Agostinho, Petrolina, Petrolândia, Limoeiro. 7. Nordeste III: Camaçari, Dias D’Ávila, Salvador, Periperi, Aracajú, Paulo Afonso.46 Esta rede de militantes e organização contava na época com 200 equipes que o movimento identifica como de base e grupos novos que iam se formando. O crescimento e fortalecimento da ACO não se explicavam apenas pelo industrialismo no Brasil, mas também pela presença nestas localidades de bispos alinhados com as decisões do Concílio Vaticano II e de perfil considerados “progressistas”, como Dom Helder Câmara em Recife, Dom Paulo Evaristo Arnes em São Paulo e Dom Waldyr Calheiros no Rio de Janeiro. A Ação Católica Rural (movimento considerado de fase adulta e de acolhimento para os militantes que saiam da Juventude Agrária Católica - JAC) em seu livro “Um Grito no Nordeste – A experiência da A.C.R. no Brasil, 1956-1986”, transcrevendo o depoimento de um trabalhador rural identificado como Rufino de Carpina (PE), assume textualmente: “O movimento da ACR espalhou-se rapidamente de Pernambuco para todos os Estados do Nordeste, com apoio de alguns bispos como: Dom Hélder e Dom Lamartine de Recife, Dom Milton de Garanhuns (PE), Dom Costa de Natal, Dom Távora de Aracaju, Dom Florêncio de Amargosa (BA), Dom Acácio de Palmares (PE), Dom José Delgado de Fortaleza, Dom 45 História da Classe Operária, op. cit., p.29. 46 História da Classe Operária, op. cit, p.18.
  • 29. 29 Fragoso de Crateús (CE), Dom Manoel de Caicó (RN), Dom José Falcão de Limoeiro do Norte (CE) e Dom Cornelis de Alagoinhas (BA).”47 2.6. O método de trabalho A proposta de atuação e trabalho da ACO (hoje MTC) teve origem na pedagogia jocista, criada por Cardijn, baseada no método ver-julgar-agir. O “espírito” que permeava a formação deste movimento era o que se tornou célebre chamar de “espírito de comunidade”. A mesma concepção que forjou as chamadas Comunidades Eclesiais de Base, CEBs. Para um pesquisador norte-americano, o “ver” que serviria para identificar propósitos temporais e eternos, no Brasil “evoluiu para a interpretação crítica das realidades econômicas, políticas e religiosas”. O “Julgar” envolvia a “análise das causas históricas e 48 estruturais”. Mais claramente, o “Julgar” seria o confronto da realidade investigada e percebida pelo “Ver” com o Evangelho, portanto, à luz da fé. Em algumas reuniões de equipes de base, chega-se a perguntar: “Como agiria Jesus Cristo diante deste fato?”. E o “Agir” seria transformar esta realidade percebida e julgada sob o olhar da fé. A Revisão de Vida seria outro instrumento considerado poderoso pelos membros da ACO. Seus participes alegam que todo “Agir” em todas as dimensões de vida operária seria revisada, e talvez corrigida, a partir dessa revisão que é feita consultando-se geralmente a Bíblia, analisando-se um problema de um indivíduo da equipe de base ou um fato social, coletivo, e buscando-se explicá-la e solucioná-la de forma solidária. É o que classificam de espírito de comunhão. Para Severino Justino de Souza (“Seu” Biu), 68 anos, da equipe de Parque Paulista, localizado no município de Paulista/PE, o método: “É um conhecimento que abastece as pessoas para a atuação na mística do movimento. Na minha vida pessoal é importante porque através dele se cria consciência da caminhada da luta operária.” 49 Na Encíclica Mater et Magistra, o Papa João XXIII, exortou os jovens a fazerem uso do método: Para levar a realizações concretas os princípios e as diretrizes sociais, passa-se ordinariamente por três fases: estudo da situação, apreciação da mesma à luz desses princípios e diretrizes, exame e determinação do que se pode e deve fazer 47 SERVAT, Pe. José. Um grito no Nordeste: a experiência da ACR no Brasil: 1956-1968, Recife, Composto e Impresso por Escola Dom Bosco de artes e Ofícios, 2000, p. 16. 48 SERBIN, op. cit., p. 160; 49 Severino Justino de Souza, 68 anos, conhecido como “Seu Biu”, militante histórico da ACO e plantonista voluntário na sede do movimento. Entrevista em 07/0/2009. Atualmente “Seu Biu” é trabalhador informal e diz ser um seguimento muito difícil de atrair para as hostes da ACO (atual MTC).
  • 30. 30 para aplicar os princípios e as diretrizes à prática, segundo o modo e no grau que a situação permite ou reclama. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras seguintes: ver, julgar e agir.50 Se além de contribuir para o surgimento da chamada Teologia da Libertação, o método ver-julgar-agir, foi a raiz de uma “nova consciência” eclesial e ajudou a fermentar um pensamento mais crítico nas universidades, nas escolas, nos seminários51, no campo, nas análises teológicas, na organização sindical, indígena e popular. E impulsionaram movimentos como o MST, CPT, CIMI, a Ação Católica Rural (ACR) e é claro, a Ação Católica Operária (MTC). É compreensível a postura e o comprometimento de muitos desses militantes de outrora, que até hoje procuram, seguindo essa orientação, dar “testemunho” da formação recebida em diversas organizações comunitárias e sindicais. No caso específico dos participantes da Ação Católica Operária (MTC), animados pelo lema: ”Fidelidade à Classe Operária e Jesus Cristo”. CAPÍTULO III A FORMAÇÃO DO/A MILITANTE 3.1. O método Ver-Julgar-Agir O método Ver, Julgar e Agir concebido pelo belga Joseph Cardijn (fundador da JOC) e estimulado como modelo de educação para os jovens pelo Papa João XXIII na Encíclica Mater et Magistra52, é considerado “pedra de toque” das mudanças que solaparam a Igreja Católica Romana e todos os movimentos (como por exemplo, o MST) e pastorais oriundos na instituição. Para o historiador norte-americano Kenneth P. Serbin , o padre belga “…com o fito de recristianizar o operariado europeu, exortou os padres a mergulhar na realidade dos operários para aumentar o alcance pastoral. Ele estabeleceu os princípios e técnicas da ACB: 50 JOÃO XXIII, Papa. Carta Encíclica Mater et Magistra. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 74. 51 No caso emblemático dos seminários, o método ver-julgar-agir despertou entre os seminaristas um desejo irrefreável de transformar a concepção romanizada e verticalizada de preparação dos futuros padres. A hierarquia tradicional imposta pela “grande disciplina”, que conduzia estes espaços de formação de clérigos, se vê abalada e até ameaçada nesse contexto. SERBIN, op. cit., pp. 170-182. 52 JOÃO XXIII, Papa. Carta Encíclica Mater et Magistra. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 74,
  • 31. 31 presença no meio, equipes e o método ver-julgar-agir, usado durante as reuniões para ajudar os militantes da ACB (Ação Católica Brasileira) a fazer a revisão de vida sob a luz cristã. Outro elemento fundamental era a formação na ação (que está diretamente relacionado com a terceira etapa do método, o Agir.”53 (Grifamos) Ainda para Serbin, “o método ver-julgar-agir, por exemplo, teve papel importante no crucial Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)” 54. O MST é considerado por muitos analistas, o maior movimento de massa da América Latina e um de seus principais líderes é o gaúcho João Pedro Stédile, um ex-seminarista católico. No estado de Pernambuco (NE do Brasil), onde as ações desse movimento são bastante regulares (aliás, das mais incisivas em termos de “ocupação” de terras do País), o ex-pároco de Casa Amarela e assessor do MTC (antiga ACO), Pe Reginaldo Veloso é bem próximo das atividades desse movimento que além de cuidar da formação política, trata de também cuidar da fé de seus seguidores, ou mística, como preferem classificar este reforço espiritual/ subjetivo. A nível nacional, o Dominicano Frei Betto esteve assessorando o MST por muito tempo. Na Comissão Pastoral da Terra – CPT, também bastante atuante na defesa da Reforma Agrária, encontram-se ex-seminaristas entre seus dirigentes que foram formados através deste método, como o importante líder Ivo Polleto. O método Ver-Julgar e Agir está na própria raiz da Teologia da Libertação e por conseqüência nas variantes dessa filosofia teológica. Segundo Reginaldo Veloso55, “há uma relação” entre o método e a pedagogia do famoso educador Paulo freire. Ambas as pedagogias propõem dotar os assistidos por seus métodos de uma capacidade autônoma de “construção” do saber. Um saber crítico e voltado para a transformação das estruturas consideradas injustas presentes na sociedade, segundo seus defensores. Ambas, portanto, seriam “Pedagogias de Libertação”. O próprio decreto do Concílio Vaticano II para a Formação Eclesiástica reforça a chamada “imersão” no seio das comunidades na sua orientação sobre a prática pastoral durante os estudos: 21. É necessário que os alunos aprendam a arte de exercer o apostolado não só de maneira teórica, mas também prática, e saibam comportar-se com responsabilidade própria e em colaboração com os outros; para isso, sejam iniciados já durante os estudos e até no tempo de férias, na prática pastoral com exercícios convenientes, que devem ser levados a cabo, de harmonia com a idade dos alunos e circunstâncias dos lugares, segundo o prudente juízo dos 53 SERBIN, op. cit., p.160 54 Idem 55 Entrevista concedida na sede do Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC), Recife, dezembro de 2008.
  • 32. 32 Bispos, de forma metódica e sob a orientação de homens peritos em assuntos pastorais, não esquecendo a força superior cios auxílios sobrenaturais. 56 A ex-militante da JOC e atual integrante da Coordenação Regional do MTC (antiga ACO), Ivanete Alves de Souza57, expressou muito bem o grau de valor que tem o método Ver-Julgar-Agir para os membros dessa organização: “A importância desse método na formação dos militantes é tão grande que os formados através dele, superam inclusive em termos de análise e opinião, muitas que são dadas por pessoas que passaram por bancas de universidade”. Para o Padre Moisés Lindoso a JOC é a ‘Universidade da Vida’, no sentido de analisar com qualidade os fatos reais do cotidiano, acrescenta Ivanete.” O Padre José Francisco Ramos58, ou simplesmente Padre Ramos, como é conhecido, responsável pela Paróquia de São José Operário no município de Cabo de Santo Agostinho (Região Metropolitana do Recife/PE), comentando acerca do método, opinou que a pedagogia tem o mérito de partir da realidade, é um método indutivo, ao contrário do dedutivo, da lógica antiga de Aristóteles e Platão, que analisava a realidade partindo do geral para o particular. Ainda nas palavras do Padre Ramos: “uma análise de baixo para cima”. O Padre Ramos afiança: Antes do Concílio Vaticano II já tinha essa proposta da JAC, JEC, JIC, JOC, JUC, e isso foi determinante nos rumos da igreja, especialmente na América latina. O leigo evangelizando leigo, operário evangelizando operário, estudante evangelizando estudante, com a assistência e o acompanhamento da Igreja. Essa mudança teológica foi uma grande conquista nesse sentido. A bandeira da justiça, que era a bandeira do comunismo passou a ser encampada pela Igreja. O Pároco e Assistente Religioso (2008/2009) a nível regional do Movimento de Trabalhadores Cristãos (antiga ACO), admitiu que o marxismo foi fundamental para esta mudança e a abertura da Igreja Católica Apostólica Romana, e que o próprio Dom Helder, tinha clareza disso. 3.2. A Revisão de Vida Operária (RVO) 56 Decreto Optatam Totius Sobre a Formação Sacerdotal. Disponível no site http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat- ii_decree_19651028_optatam-totius_po.html, acessado, em 09/01/2009. 57 Ivanete Alves de Souza, 70 anos, atuou na JOC entre 1959-1966, é uma das coordenadoras regionais do MTC (antiga ACO), atuando nesta organização desde 2000. Em 09/01/2009. 58 Padre José Francisco Ramos é Assistente Religioso no Regional NE II e Conselheiro Nacional do MTC/ACO (2998/2009) e Pároco na cidade industrial do Cabo de Santo Agostinho, Estado de Pernambuco.
  • 33. 33 O já falecido militante João Francisco da Silva 59, membro de equipe de base da ACO no município de Paulista (Região Metropolitana de Recife/PE) fazia questão de lembrar nas diversas reuniões das quais participava que é a “RVO”, como costumava chamar, era “muito importante”. Um instrumento poderoso e indispensável para o fortalecimento do “movimento”. Observando e analisando do “geral” para o “particular”, a Revisão de Vida Operária tornou-se, na verdade, numa grande, extensa e necessária revisão da vida da própria Igreja Católica60 que procurava atualizar-se a fim de não perder terreno no mundo secular e marcado pela modernidade. No campo da liturgia o latim foi substituído pela língua autóctone e aproximou-se da vida real das comunidades; a “colegialidade episcopal” ganhou destaque deslocando o poder da figura central do Papa para outras instâncias da instituição: os cardeais e bispos foram chamados à co-responsabilidade na condução dos destinos da Cúria Romana. O leigo também passaria a ter seu papel de destaque no processo de evangelização como bem lembrou Padre Ramos anteriormente. Aliás, o leigo (aquele que não tem ordens sacras ou não é eclesiástico), seria o grande sujeito dessa guinada histórica. A mudança foi tanta que o próprio Paulo VI (o Papa que encerrou o Concílio Vaticano II iniciado por João XXIII) sugeriu enviando o recado para que os “dignatários da Igreja” adotassem uma vida sem fausto e sem pompa, buscando certamente, uma maior identificação com o proletariado e os empobrecidos. Essa nova concepção de “ser igreja” explicaria o despojamento de Dom Helder Câmara em sua Arquidiocese de Olinda e Recife? Como também a do Bispo Leonidas Proaño (Rio Bamba / Equador)?61 Grande amigo de Dom Helder e um dos articuladores do Concílio Vaticano II, Proaño era muito elogiado pelos índios quéchuas, que o acompanhavam nas refeições, quando o mesmo, em sinal de simplicidade e igualdade entre todos lavava seu próprio prato e talher. O Papa Paulo VI 59 João Francisco da Silva foi um dos fundadores da ACO no Brasil. Ex-preso político durante a Ditadura Militar; exerceu diversas atividades e ocupou vários “cargos” na estrutura do movimento; operário de fábrica têxtil aposentado esteve filiado ao Partido dos Trabalhadores; atuou no Sindicato dos Aposentados e era o principal responsável pela manutenção da casa que abriga a sede do atual MTC (ACO). Muitos, até hoje, recordam-no com muita saudade e afirmam que sua postura lembrava em generosidade e carisma, o Padre Romano Zufferey. O salão principal da Sede do MTC/ACO (situada à Rua Gervásio Pires, 404, Boa Vista, Recife/PE) está batizado com seu nome em sua homenagem. João Francisco também deu nome a Agência de Trabalho, órgão oficial, localizada no Bairro Recife Antigo, por iniciativa da Prefeitura da Cidade do Recife (2008). 60 LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo, Loyola, 2000, p.73. 61 Presenciamos este fato quando participamos do Encontro Internacional do MOAC – LA (Movimento Obreiro de Ação Católica Latino Americana) que teve como tema: “Como nos formamos los Trabajadores Cristianos para enfrentar El Nuevo Milenio”, ocorrido em Rio Bamba, Ecuador, em 03/04/2000.
  • 34. 34 também deu o exemplo abandonando definitivamente o uso da tiara (mitra com três coroas, usada pelos Papas).62 Um novo gesto para uma igreja que buscava a renovação, mesmo que em função do medo comunista que disputara a atenção do rebanho operário e campesino no encontro com a modernidade. Em resumo, “A teologia anterior respondia a pergunta: qual é o conteúdo de tal verdade ou ensinamento? Agora (pós-Concílio Vaticano II), a teologia moderna respondia outra pergunta: que significa tal ensinamento para a vida do homem e mulher de hoje?”63 Observando e analisando agora, do “particular” para o “geral”, a Revisão de Vida Operária (RVO) propõe-se tornar um mergulho profundo na realidade, na vida do indivíduo, do operário, do bairro, do ambiente de trabalho, da associação, do sindicato e da família. Esta mesma “avaliação feita à luz da palavra” (de Deus, à Bíblia), promovida em pequenos grupos, propunha-se revisar também as ações desses grupos ou equipes e de seus militantes que periodicamente precisam revisar o seu “Agir” a fim de à luz do Evangelho evitar o ativismo e os desvios na condução dos trabalhos e “engajamentos”. Para um novo perfil de rebanho uma nova Cristologia, Jesus Cristo sai do plano do divino inalcançável e misturava-se, confundia-se com as pessoas, menos no pecado. O menino, filho do próprio “Deus encarnado”, ao nascer numa manjedoura e tornar-se um “carpinteiro” na sua fase adulta se fez “Classe”! Classe Operária! O Padre operário que veio da Suíça para “Assistir” a ACO NE II em 1962, Romano Zufferey, interpretava dessa forma a trajetória do menino salvador (para os cristãos) e assim o anunciava nas suas prédicas. “Nessa impostação teológica, Jesus Cristo é considerado principalmente na sua humanidade, homem igual a nós em tudo… Realiza o belo verso de Fernando Pessoa: ‘Humano só pode ser Deus mesmo’” 64. É nessa perspectiva, nessa intimidade mesmo (que em nosso caso só mantínhamos com os santos), nessa aproximação, que em muitas das “Revisões de Vida”, os militantes chegam a se perguntar: “- O que faria Jesus diante de tal situação?... Como agiria Jesus Cristo diante deste fato?... O que Ele espera de nós?!” 3.3 A produção literária (o intelectual orgânico popular) A Ação Católica Geral no Brasil sob a tutela do intelectual Alceu Amoroso Lima, sempre teve como uma de suas premissas a publicação de jornais, revistas e livros. Não haveria de ser diferente como uma ramificação da Doutrina Social de uma instituição que 62 LIBÂNIO, op. cit. , p. 74 63 Idem, p. 85 64 LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo, Loyola, 2000, p.85
  • 35. 35 guardou o saber erudito em princípio do medievo e fundou as primeiras universidades da história no mesmo período. A ACO faz uso deste instrumento de registro histórico de suas ações, para o reforço de sua própria identidade diante de seus seguidores e simpatizantes e de aprofundamento em seu processo de formação interna. O diferencial da iniciativa, é que toda a produção literária da ACO trará como elemento primordial a preocupação com a (re) valorização do leigo como protagonista. As diretrizes do Vaticano II se fazem presentes, também neste item. A Ação Católica Operária, portanto, estará fomentando um tipo de “Intelectual Orgânico Popular”, no sentido gramsciano65. São arregimentados jornalistas, padres e alguma outra mão-de-obra especializada para o registro dessas publicações, mas a grande preocupação era de que o conteúdo dessa produção cultural literária fosse por obra de pensamento e concepção da “própria classe trabalhadora” no intuito de tornar a obra em si, um protagonismo do operariado. Eis um breve resumo dessas publicações e seus comentários66”: Caderno Verde: com o resumo dos congressos realizados pelo movimento; • Caderno Amarelo: com as decisões do Conselho Nacional; • Boletim Assumir: de âmbito nacional, distribuído a cada quatro meses a • militantes; Boletim Construir: este era específico da ACO de Pernambuco e circulava • bimestralmente entre os da “classe operária” e movimentos sociais; Calendário: publicação em forma de folhinha de parede socializava a imagem e • as idéias da ACO (1980); Folhetos para Grupos Novos: coleção que tratava de temas relacionados com a • missão e a pedagogia da ACO, para a formação de novos militantes; Coleção Ver, Julgar e Agir pelos quatros lados: composta de cinco volumes: • Conhecer as sociedades; Jesus: sua terra, seu povo, sua proposta; Revisão de vida: conhecer para transformar; A História da Classe Operária: Caderno com tiragem de 50.000 exemplares. • Uma coleção produzida como resposta às teorias inspiradas na escola sociológica norte-americana muito em voga no Brasil na década de 1970, e que negavam a existência de uma classe operária. 65 Mais precisamente, esses intelectuais fariam a ligação entre a infra e superestrutura, e seriam orgânicos desde que efetivamente representassem os reais interesses das classes fundamentais, no caso, a classe operária. WANDERLEY, Luiz Eduardo. Democracia e igreja popular. São Paulo, PUC, 2007, p. 108. 66 CHAPARRO, op. cit., 2006, pp. 80-81.
  • 36. 36 Dentre essas publicações, algumas eram classificadas como avulsas porque foram lançadas em momentos de grande repercussão social. Três obras assim consideradas se fizeram importantes, inclusive a nível internacional, pelo seu conteúdo e conjuntura política em que foram lançadas a público: Em 1967, o manifesto “Nordeste: desenvolvimento sem justiça”: lançado no 1.º • de maio (dia extremamente simbólico) daquele ano, foi um fundamentado grito de denúncia sobre os efeitos socialmente perversos dos programas oficiais de desenvolvimento do Nordeste67. O manifesto contou com o apoio expresso do Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara e justamente por isso, causou impacto tão grande na opinião pública nacional e estrangeira. A seguir uma exposição resumida dessa repercussão em diversos periódicos de Pernambuco e do Brasil: – “HÉLDER PREFACIA MANIFESTO DA AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA”. Diário de Pernambuco, Recife, 21 de abril de 1967. Notícia diz que Dom Hélder é autor do prefácio de um documento da Ação católica Operária a ser lançado, dia 30 de abril 1967, em todas as capitais do Nordeste brasileiro, além das capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. O documento, sob o título Nordeste, Desenvolvimento Sem Justiça, é uma análise da situação econômica do Nordeste brasileiro e das condições de vida do operariado da região. – “DOM HÉLDER SOLIDARIZA-SE INTEGRALMENTE COM MANIFESTO DE OPERÁRIOS CATÓLICOS”. Diário de Pernambuco, Recife, 26 de abril de 1967. Notícia sobre texto de Dom Hélder para manifesto da Ação Católica Operária (veja referência 109). – CÂMARA, Hélder. “NORDESTE, DESENVOLVIMENTO SEM JUSTIÇA”. In. Dom Hélder - Pronunciamentos, Arquidiocese de Olinda e Recife, Recife, vol. 1967-69. Palavras de Dom Hélder, a 1º de maio no Recife, durante uma vigília para o lançamento do manifesto Nordeste, Desenvolvimento Sem Justiça, da Ação católica Operária (ACO). O documento é uma análise da situação econômica do Nordeste brasileiro e das condições de vida do operariado da região e diz: “(...) trata-se de uma imensa legião de sub-empregados, sem profissão e sem oportunidade de trabalho (...)” Sobre o trabalhador rural: “(...) a situação é de miséria, de fome, de injustiça e, o que é mais grave, de ausência de perspectiva de progresso imediato (...)” 67 Idem, p. 82