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     Vídeos experimentais em história da arte. De Interartes: Kandinsky,
música, pintura e o espiritual na arte ao estudo documental de Santuários
artísticos [Kracjberg (BA), Dona Romana (TO), Projeto AREAL (RS) e Nêgo
                                                (RJ)].

                                                Marcio Pizarro Noronha e Miguel Luiz Ambrizzi

Resumo:

       Apresentação e discussão do processo de produção de pesquisas audiovisuais de caráter
transdisciplinar, nos vídeos Interartes: Kandinsky, música, pintura e o espiritual e na produção de um
estudo para um documentário histórico acerca de Santuários artísticos, nas formas de
intervenção/demarcação de territórios estéticos na paisagem natural (Kracjberg, Projeto AREAL, Dona
Romana e Nêgo). Neste estudo são valorizadas as relações interculturais, comparativamente aos
modelos de santuários naturais e religiosos encontrados na cultura brasileira. O pano de fundo é a
relação entre arte-cultura/natureza/espiritualidade. Do paralelismo entre operações da natureza e
artísticas à crise dos modelos naturais e dos gêneros daí decorrentes, a arte contemporânea enfrenta-se
com projetos científicos ou com as posições xamanísticas (modelo de Beuys).
       Algumas perguntas: Como produzir um vídeo documental em História da Arte que não seja
apenas uma coleção de imagens, uma apresentação biográfica do artista, a história factual de um
movimento artístico ou a história formal e a interpretação de uma obra singular? Como pensar um
vídeo em História da Arte no contexto atual, no qual a produção de filmes e vídeos artísticos são arte e
documentação? Como respeitar as qualidades próprias do nosso objeto de estudo e o modo como este
define para si o que é a imagem? Como produzir um documento que seja, de algum modo, monumento,
fazendo o caminho inverso da arte e transitando do documento para o artefato artístico?
       Este trabalho tem como intuito introduzir a problemática da realização de vídeos voltados para a
disciplina da História da Arte, partindo de uma formatação distinta do comumente encontrado neste
campo de produção. Em sua grande maioria, vídeos de História da Arte, enquanto documentários,
seguem uma trajetória biográfico-cultural do artista ou partem de análise de uma determinada obra de
arte. Estas duas formas hegemônicas não são apenas encontradas na produção de vídeos didáticos
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                            2

disponibilizados pelo mercado, mas também funcionam como modelo para a produção de programas de
televisão com referência artística.
       Nosso trabalho se inicia numa perspectiva de abordagem distinta das acima apresentadas e a
reunião das duas experiências, os vídeos que apresentam o projeto e o grupo INTERARTES:
PROCESSOS E SISTEMAS INTERARTÍSTICOS E ESTUDOS DE PERFORMANCE, denominados
de Kandinsky: corpo-imagem e Kandinsky: imagem-somi, bem como o vídeo Santuários Artísticos
Brasileirosii, têm como mote estabelecer uma compreensão do conteúdo a ser apresentado pela via do
comum entendimento que estes artistas fazem do campo imagético. Para dar início a um trabalho de
pré-roteirizaçãoiii, tomamos a iniciativa de aprofundar as relações dos artistas com a imagem e buscar a
apreensão conceitual do que seja a imagem.
       Há algo em comum nestes projetos, um a respeito do artista russo (Kandinsky) e o outro acerca
de diversos lugares de culto com freqüentação estética – nas formas de intervenção e de demarcação de
territórios estéticos na paisagem natural e/ou na compreensão de que a estetização funciona como uma
desculpa para a proteção de certas ambiências (Kracjberbiv, Projeto AREALv, Dona Romanavi e
Nêgovii) -, que diz respeito aos laços existentes, na compreensão da imagem, entre arte e religiosidade –
religiosidade tomada aqui como modelo de espiritualidade encontrado na arte (Kandinsky e a
vanguarda russa) ou como modelo de redescoberta da natureza ela própria enquanto o espiritual. O
pano de fundo deste projeto é, portanto, demarcado pelas relações e atravessamentos entre os seguintes
tópicos: natureza / cultura / imagem / arte / paisagem / espiritualidade.
       Neste âmbito, nosso projeto depara-se com uma problemática de natureza epistemológica, pois
pretende refletir e produzir um objeto documental que seja capaz de fazer referência a esta
condicionante do objeto tal como ele é entendido na perspectiva de seus produtores (os artistas e suas
produções). Para realizar tal tarefa, nossa opção consiste, num primeiro momento, em apreender o que
seja o estatuto da imagem enquanto reveladora de uma dimensão espiritual, seja na obra de arte, seja na
apreensão e conformidade com a natureza. Esta abordagem para a produção de um vídeo tem como
objetivo respeitar a lógica particular do objeto a ser apreendido pelas imagens, estando esta questão
presente a todo o momento e sendo uma força-motriz para a realização do trabalho.
       Para um entendimento deste lugar da imagem artística – imagem e espiritualidade, imagem e
natureza –, pois este é um projeto que tem como ponto de partida a História da Arte, precisamos ainda
recuperar os paralelismos entre operações da natureza e operações artísticas, tal como nos aparecem
nas formas visuais do romantismo, do modernismo e das posições xamanísticas beuysianas, traçando
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                           3

novas linhas de tempo e novas demarcações não restritas às separações entre arte erudita e arte popular
e, nestes termos, mantendo nossa fidelidade ao campo de estudos pretendido.

Imagem, natureza e espiritualidade: das artes ao cinema.

        O problema da apreensão da espiritualidade ou de um mundo transcendental na constituição da
obra de arte tem como fontes a produção artística do romantismo e seus desdobramentos modernos, na
figura do viajante. O viajante romântico como emblema do sujeito diante do espetáculo do mundo
ressalta e valoriza a posição contemplativa e extática que apreende o último instante do mundo como
paisagem – fixa o mundo na paisagem, na janela e na veduta.viii O viajante romântico enuncia o fim da
contemplação e saúda o estado subjetivo melancólico – idealização de um certo estado de ser artístico –
do sujeito que impedido de contemplar um lugar – e fazer do mundo uma paisagem - sustenta o lugar
do contemplador – transitando toda a paisagem em paisagem subjetiva.ix
        A transformação do natural em ordem subjetiva e vice-versa estabelece um princípio de
compreensão trágica da imagem que resulta destas operações. Segundo Selma, o filósofo Georg
Simmel esclarece as condições da produção deste fenômeno.
                 Para Simmel, entendemos por la naturaleza la conexión sin fin de las cosas, el
        ininterrumpido producir y negar de formas, la unidad fluyente del acontecer que se expresa en la
        continuidad de la existência temporal y espacial. [...]

                Para Simmel es tópico asociar el paisajismo romântico con un desarrollo específico y
        primário del sentimiento de la naturaleza. Las religiones de los tiempos más primitivos
        manifiestan un sentimiento especialmente profundo hacia la naturaleza. (SELMA, 1996: 79-80)

        Trata-se de compreender a associação explícita no projeto romântico entre a natureza e o
modelo de janela de paisagem, com uma imagem daí resultante. Este projeto tem seus desdobramentos
nas acepções do modernismo de vanguardax e numa concepção de símbolos nos quais elementos do
mundo natural transformar-se-ão em vocabulários abstratos (no pós-impressionismo de Van Gogh, nas
vanguardas modernas de Kandinsky, Malevitch, Mondrian e Klee e, posteriormente, em Rothko,
Pollock e Still).
        No campo fílmico, estas traduções encontrarão seu lugar-ideal na produção de Tarkovski. O
cineasta opõe-se ao culturalismo no tratamento da imagem e propõe-se a reencontrar a dimensão
“natural”, um estado puro da imagem na filmagem da / na natureza, fazendo-se herdeiro
cinematográfico da filosofia romântica do mundo natural – e suas freqüentações ao sobrenatural.
Filmar, para ele, é realizar uma experiência que deve ser vivida a primeira vez durante o ato de
realização da filmagem. A imagem é natural por ser desse modo que a natureza entra e passa a existir
no cinema e no filme.
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                            4

         Desse modo, podemos reconhecer aqui a fórmula do artista-xamã privilegiada por Joseph
Beuys.
         O simbólico em Tarkovski ocupa sua função humana de observação do mundo em seus
movimentos singulares.
                 O que é então a imagem? Em primeiro lugar, a singularidade assim exige, dela não
         existem leis formais universais; cada obra deve inventar suas próprias leis da forma e até seus
         “procedimentos” para “formular de maneira adequada a relação que mantém com a realidade”.
         Para pontificar a unidade da idéia e da forma, Tarkovski às vezes adquire tons hegelianos: “A
         verdadeira imagem artística apresenta sempre uma unidade entre a idéia e a forma. Se a imagem é
         uma forma sem conteúdo ou vice versa, a unidade é rompida, e a imagem deixa de pertencer ao
         domínio artístico” (idem, p. 27). [...]

                   Tarkovski parte de uma tradição da imagem cuja origem se encontra na teoria do ícone.
         A imagem é sempre concebida com dupla face: um lado representativo, que a puxa em direção ao
         mundo (e constitui sua garantia referencial), e um lado metafórico, que é sua parte propriamente
         criativa (e constitui sua garantia artística). Portanto, para começar, a imagem é uma “imagem” no
         sentido retórico, assimilada por Tarkovski – que jamais tem medo de parecer se contradizer – à
         metáfora, à substituição de uma coisa por uma outra. A metáfora, porém, é apenas o primeiro
         termo de sua definição, ao qual ela não cessa de escapar, porque, uma vez criada – ou encontrada
         -, a imagem cresce por si mesma, vive uma vida própria, “tende ao infinito”. A imagem “conduz
         ao absoluto”, porque é uma forma de pensamento autônomo, absolutamente diferente do verbal;
         quando o pensamento se exprime por meio de uma imagem artística, é porque encontrou a forma
         única que traduz da melhor maneira possível o mundo do autor e sua busca de ideal” (idem, p. 99)
         (AUMONT, 2004: 63-64)

         Nestes termos, uma teoria do filme em Tarkovski pode nos auxiliar a construir um tratamento
mais adequado às imagens objeto desta pesquisa, a imagem espiritualmente concentrada quer dizer, em
última instância, uma imagem “natural” ou nova, separada dos clichês. Assim, a recomendação para
viver a experiência fílmica direta é também um método de compreensão direta através das imagens.
Esta intuição artística pode ser pensada sob uma semiótica do visual. Como nos diz Calabrese, estados
indefinidos e ainda não icônicos – sem uma imagem correspondente – podem encontrar-se descritos e
ancorados em outras formas de linguagem, como a verbal. (SELMA, 1996) O mundo natural descrito
como paisagem não é mais cabível na sociedade moderna e da velocidade (Lévi-Strauss, ver nota de
fim de texto). Então, uma semiótica do mundo natural necessita recombinar este mundo em diferentes
compósitos sígnicos e apresentá-los aos olhos novos sob novas formas representacionais, numa saída
de objetos finitos para indefinidos infinitos. Não havia nome para esta experiência icônica. Ela deveria
ser então o próprio espiritual na arte, como o disse Kandinsky.
         Pensando em nossa própria sensibilidade, distanciados uma centena de anos destes
experimentos, no momento mesmo da realização deste projeto, não podemos deixar de lembrar a
sentença de Paul Virilio, segundo a qual, a visão é perturbada pela ascensão da velocidade, o que
consiste numa contaminação entre olhar, meios de transporte e novas percepções por conta da presença
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                             5

da imagem cinematográfica (imagem-movimento, imagem-ação). Esta perturbação acaba por se
converter na verdade óptica, gerando uma estética da desaparição renovada entre os pós-modernos
enquanto estética da aparência. Não são mais os objetos que acedem a nossa vista, mas é justamente a
visão que deve ser acompanhada em seu trajeto de devoração onívora de todas as coisas do mundo
transitadas em imagens. É um desfile de imagens que multiplica a ausência dos objetos e pouco a
pouco suprime as qualidades da contemplação admitidas pelos viajantes sentimentais (o artista
romântico).
       Nestes termos, apreender o modernismo místico russo e as formas destes santuários deve estar,
em primeiro lugar, preocupada com os temas já enunciados na estética fílmica de Tarkovski. Para ficar
em alguns aspectos por ele indicados, trataremos aqui de refletir acerca do ritmo como fator dominante
e expressão do fluxo do tempo no interior dos fotogramas.
               O fator dominante e todo-poderoso da imagem cinematográfica é o ritmo, que expressa o
       fluxo do tempo no interior do fotograma. A verdadeira passagem do tempo também se faz clara
       através do comportamento dos personagens, do tratamento visual e da trilha sonora – esses,
       porém, são atributos colaterais, cuja ausência, teoricamente, em nada afetaria a existência do
       filme. É impossível conceber uma obra cinematográfica sem a sensação do tempo fluindo através
       das tomadas, mas pode-se facilmente imaginar um filme sem atores, música, cenário e até mesmo
       montagem. O já mencionado Arrivée d´un Train, dos irmãos Lumière, era assim. O mesmo se
       pode dizer de um ou dois filmes do cinema underground norte-americano; um deles, por
       exemplo, mostra um homem adormecido; vemos, em seguida, este homem acordando, e, graças à
       magia do cinema, este momento provoca em nós um impacto estético extraordinário e inesperado.
       (TARKOVSKI, 1990: 134)

       Tarkovski, provavelmente, refere-se aqui aos filmes de Andy Warhol onde o não-acontecimento
(a não-ação) é o entendimento do objeto do filme: o fluxo do tempo. Para este cineasta-teórico, é o fluir
do tempo que determina um desenvolvimento dramático e a consciência provocada por esta passagem
em nós que recupera o sentido extático das imagens. Desse modo, um filme é a sua filmagem, quando o
diretor vive a experiência do tempo – revelando a individualidade do diretor - e a imagem é a
extatização desta experiência do tempo, num momento mágico-estético e numa forma única do visível
– na individualidade-unicidade das imagens. O tempo é o sinal do transcendental na imagem, pois ele
desloca a imagem para o infinito – como quando, depois de longas horas de tempo real vendo o homem
de Warhol dormir, ele desperta e o inesperado se instala.
       Em se tratando mesmo da procura de um ritmo, na construção do roteiro o diretor precisa
também abolir as classificações e as linhas divisórias entre os gêneros - o documental (cinema-verdade,
Jean Rouch) e o ficcional – e construindo um plano temporal único onde material documental e
material ficcional estejam integrados.
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                           6

       Em nosso trabalho, o filme em película e substituído pelo uso da filmadora digital (vídeo
digital), o que permite pensar nas condições particulares de modificação do estatuto deste novo tipo de
imagem, desconhecida para a reflexão fílmica de Tarkovski. De todo o modo, para definir o estatuto
destas imagens, Liliane Heynemann sugere que se mantenha uma posição semelhante ao do crítico
(historiador e teórico) de arte. No estudo de uma história da arte contemporânea e para a produção de
uma história significativa desta definição tão imprecisa, a da contemporaneidade em história, já que
esta envolve uma reflexão acerca da própria temporalidade, consideramos que um tipo de história
possível já se encontra presente nas interfaces entre mídias – linguagens – produtos-objetos.
       O que isto quer dizer? Que, em termos de documentos artísticos enquanto documentos
históricos, estamos diante de um possível meio de produção da história interna da arte, através das
inter-relações entre as mídias de tecnologia audiovisual, suas linguagens e desdobramentos em gêneros
(poéticos, documentais e poético-documentais) e a realização de produtos que, ao receberem o estatuto
de arte, também o fazem sendo resultantes de uma consciência histórica do artista, dados como sendo
(meta-)comentários da arte do seu tempo e das suas cadeias e elos com o seu passado.
       Em nosso estudo uma história audiovisual deveria ser capaz de contemplar esta peculiaridade de
sua possível historiografia levando em conta que não nos basta apenas fazer uma história do cinema, do
vídeo e do computador enquanto mídia audiovisual, tanto do ponto de vista de uma história da sua
tecnologia (história dos meios de produção enunciada paradigmaticamente pela abordagem
benjaminiana da reprodução técnica) quanto do ponto de vista de uma história das linguagens enquanto
promoção de gêneros e de classificações de diversas ordens (cinema ficcional e documental, filme de
arte e filme comercial, realismo, surrealismo, transcendentalismo como formas da estética do filme,
para ficarmos apenas com algumas formas da classificação), mas necessitamos de um pensamento que
se desdobre enquanto prática social que efetivamente se compromete com a feitura da
contemporaneidade.
       Assim, compreender um modo de produzir um documentário em vídeo para a História da Arte
deve levar em conta estas cadeias acima articuladas entre passagens da imagem e os modos como
imagens originárias a serem capturadas na esfera tempo-imagem (do vídeo) são pensadas enquanto
uma forma do (sobre)natural. Para nossos artistas, há uma questão de ordem perceptual e
extrassensorial que deve ser revelada na imagem. Assim como o neo-realismo italiano queria instaurar
uma pura imagem ótico-sonora, afetando nosso equipamento sensório-motor e nossos sistemas de
defesa, os artistas em nossa pesquisa querem fazer ver o invisível.
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                          7

       No projeto Kandinsky, o caminho adotado era não-narrativo, com entrevistas não-lineares,
tendo como premissa as possíveis conversas estabelecidas no momento da edição entre diferentes
artistas e suas reflexões acerca dos problemas da linguagem em arte. Deve-se ainda levar em conta as
correlações que um pré-roteiro tinha em relação aos caminhos do projeto modernista (o modernismo e
as vanguardas russas e suas relações com a mística). O vídeo combina depoimentos em diferentes
experiências artísticas, costurando-os ao ponto de vista mais abrangente do trajeto moderno russo,
tendo como objeto o entendimento das relações romantismo-modernismo, racionalismo-mística e a
tensão entre a separação / fusão entre as linguagens. Este último elemento é dado como o ponto que
explica a grande importância de Kandinsky e dos artistas russos – bem como de suas teorias e uma
semiótica russa da arte – para a compreensão historiográfica da História da Arte, da perspectiva
interartes. O vídeo pretende mostrar a herança romântico-moderna na arte contemporânea e os embates
antigos entre fusão (obra de arte total) e separação (linguagens) das artes.
       No segundo trabalho, em fase de pré-produção, estamos diante de filmagens diretas nos sítios
dos artistas-xamãs. A idéia que prevalece para esta realização é a da afirmação da posição do objeto de
arte enquanto objeto totêmico (de culto mágico).xi
       Assim, ao historiador-documentarista, que estuda e produz documentos, cabe prestar atenção
quando da produção de um filme-vídeo, no modo como irá estabelecer as relações entre o objeto e a
enunciação deste objeto dentro de um estilo e do estilo num certo gênero, bem como relacionar esta
formulação ao contexto sócio-tecnológico, para compreender no interior da operação fílmica o que é o
objeto de sua pesquisa. Então, filmar imagens de obras ou obras – filmar objetos – e filmar ambiências
silenciosas e isoladas – os santuários –, ambas, exigem do historiador da arte, a entrada no ritmo dos
objetos. Assim, as imagens fílmicas passarão a fazer parte da história da arte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO ARTIGO:

AUMONT, Jacques. (2004) As teorias dos cineastas. Campinas, SP: Papirus.

LÉVI-STRAUSS, Claude. (1993) Mirar, escuchar, leer. Madrid: Siruela.

SELMA, José Vicente. (1996) Imágenes de naufragio: nostalgia y mutaciones de lo sublime romântico.
   Valencia: Direcció General de Promoció Cultural, Museus i Belles Arts.

SIMMEL, Georg. (1986) El individuo y la libertad. Ensays de crítica de la cultura. Barcelona:
   Península.

TARKOVSKI, Andrei. (1990) Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes.
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                                                 8


i
    Inicialmente pensado no formato de um documentário para a apresentação do Grupo de Pesquisa, integrando-se a uma
seqüência de vídeos a ser realizada, Kandinsky transformou-se em dois vídeos (corpo e imagem; imagem e som), tendo
como objeto traçar relações entre os domínios cinestésicos-sinestésicos da arte moderna das vanguardas russas e seus
desdobramentos posteriores na perspectiva de uma historiografia dos estudos interartísticos.
ii
    Santuários artísticos brasileiros é um projeto em fase de pré-produção. Neste momento, a partir de uma seleção e estudo
das obras de artistas e projetos artísticos, definimos um roteiro de viagens e de contato direto com os locais nos quais se
encontram os santuários. Tomando como ponto de partida uma noção adequada a este tipo de experiência, advinda das
teorias fílmicas de Tarkovski, a realização do filme em vídeo não é algo calculável, tratando-se mesmo de uma experiência
a ser vivida durante o procedimento da filmagem. Uma idéia de conjunto e uma discussão em torno do objeto serão os
elementos utilizados nestas filmagens não roteirizáveis.
iii
     Antecipando algumas das idéias que serão utilizadas na realização destes dois documentários, a premissa do roteiro não
assume caráter de grande importância. Chamamos aqui de pré-roteirização uma ambientação geral dos temas, dos objetos e
das ambiências. O roteiro, segundo Tarkovski, deve ser uma estrutura frágil e mutante. Estar numa filmagem é estar
pensando durante o processo de realização do trabalho. Muitas das idéias de Tarkovski encontram confluências no
pensamento do brasileiro Glauber Rocha.
iv
     Franz Kracjberg é artista polonês naturalizado. Suas obras consistem em instalações ambientais. Trabalha com restos
calcinados de árvores. Vive em Nova Viçosa (BA).
v
    O Projeto Areal é coordenado pela artista plástica Maria Helena Bernardes e resulta de um edital do Programa de Artes
Visuais (Petrobrás II Edição). O Projeto inclui a produção de trabalhos plástico-visuais por parte dos artistas integrantes, a
promoção de debates e a publicação de quatro livros de documentação (Documento Areal). Entre os anos 2002 / 2003, o
grupo constituído por quatro artistas (Maria Helena Bernardes, Helio Fervenza, Karin Lambrecht e André Severo) realizou
deslocamentos e ações em diferentes regiões do estado do RS.
vi
     Dona Romana é uma benzedeira-rezadeira que construiu o Sítio Jacuba, no município de Natividade (TO). Trabalha com
sucata, dentro dos princípios da arte povera. Também realiza desenhos através de visões e de sonhos.
vii
      Nego é o nome artístico de Geraldo Simplício. Suas obras estão no KM12 da Estrada RJ130, na Serra Fluminense. Seus
trabalhos são esculpidos na própria rocha, revestidos pelos fungos e outros elementos do próprio ecossistema no qual foram
realizadas.
viii
      Claude Lévi-Strauss ressalta o desaparecimento desta relação no declínio da forma ideal do classicismo de constituição
da paisagem campesina. O ideal arcádico das pinturas classicistas e as marinas encontradas por este autor nos Museus
Históricos teriam sido os últimos momentos de uma relação de equilíbrio entre a natureza e a cultura, permitindo uma
idealização e uma fruição que determina o verdadeiro arquétipo de um lugar e a determinação de suas fronteiras. Para ele, a
partir das transformações artísticas modernas estamos diante de um desequilíbrio e de uma incapacidade de fazer o lugar
aparecer. A ascensão da velocidade é também a ascensão da história e do sujeito. O viajante romântico é o último
contemplador e o primeiro melancólico a enunciar a impossibilidade para o sujeito de contemplar, num esvaziamento das
relações entre homem-mundo e, portanto, num desaparecimento da própria noção de lugar antropológico (Marc Auge)
enquanto parte integrante do projeto da modernidade.
ix
     Segundo José Vicente Selma, o artista exemplar é Caspar David Friedrich.
[...] y provocando con esta estratégia una identificación preliminar entre el contemplador del cuadro y lo contemplado por la
figura en él, nos sugieren una disyunción entre cultura y naturaleza, naturaleza y historia. Filosofia de la Naturaleza frente a
Filosofia de la Historia en una atmosfera invadida por la soledad, el distanciamiento, la fuga constante de lo visto, “un estar
en lo alto sin estar elevado” como afirmaria en 1826 C. Töpfer en una crítica a la primera exposición de Friedrich en
Hamburgo.
 Las figuras de espaldas personifican la mediación pictórica y estética entre los espectáculos grandiosos de la naturaleza y el
espectador del cuadro, actuando como filtro de ambas mediaciones. El artista es un contemplador antes que um creador y
nos habla a los otros contempladores de su visión. Contemplar se convierte en un paso prévio para tamizar a la naturaleza
como objeto estético, para estetizar la naturaleza, que significa, entre otras cosas, la proyección sentimental del carácter
fugado de la nueva experiência del tiempo; frente a la permanência, via mutabilidad, de la naturaleza. (SELMA, 1996: 75-
76)
x
     “Existiria una corriente subterránea, otras formas de leer algunos de los aspectos característicos de buena parte de la
figuración y abstracción realizadas en el siglo XX. Para Rosenblum, nuestro mundo secularizado es heredero de los
românticos, un mundo donde los ritos de las tradiciones y las tradiciones religiosas mismas resultan insatisfactorios;
precisamente en ese mundo un conjunto de imágenes o iconos abstractos partidarios de religiosidades panteístas o místicas
de muy distinto signo (de Friedrich a Franz Marc; de Blake a Max Ernst; de Munch a Rothko), contemplados sin necesidad
de adhesión o confesionalidad, pueden potenciar de forma más intensa su evocación de lo transcendente. Los cuadros de
Rothko, dirá por ejemplo, “buscan lo sagrado en un mundo profano”. La naturaleza se convierte en un misterio, cuya
esencia es necesario restaurar, otorgando a los valores plásticos, compositivos y atmosféricos del paisaje cualidades
sobrenaturales y convirtiendo los pequeños fragmentos de la naturaleza – piedra, flor, hoja – en síntesis de la misma,
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006:                                            9


proceso analógico de filiación panteísta reestructurado por el romanticismo com reacción ante una concepción de la matéria
como potencialidad bruta, cuyo simple destino es la explotación. Nuevos registros simbólicos realizarán esta operación
alquímica.” (SELMA, 1996: 82)

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  • 1. Anpuh Rio de Janeiro Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro – APERJ Praia de Botafogo, 480 – 2º andar - Rio de Janeiro – RJ CEP 22250-040 Tel.: (21) 9317-5380 Vídeos experimentais em história da arte. De Interartes: Kandinsky, música, pintura e o espiritual na arte ao estudo documental de Santuários artísticos [Kracjberg (BA), Dona Romana (TO), Projeto AREAL (RS) e Nêgo (RJ)]. Marcio Pizarro Noronha e Miguel Luiz Ambrizzi Resumo: Apresentação e discussão do processo de produção de pesquisas audiovisuais de caráter transdisciplinar, nos vídeos Interartes: Kandinsky, música, pintura e o espiritual e na produção de um estudo para um documentário histórico acerca de Santuários artísticos, nas formas de intervenção/demarcação de territórios estéticos na paisagem natural (Kracjberg, Projeto AREAL, Dona Romana e Nêgo). Neste estudo são valorizadas as relações interculturais, comparativamente aos modelos de santuários naturais e religiosos encontrados na cultura brasileira. O pano de fundo é a relação entre arte-cultura/natureza/espiritualidade. Do paralelismo entre operações da natureza e artísticas à crise dos modelos naturais e dos gêneros daí decorrentes, a arte contemporânea enfrenta-se com projetos científicos ou com as posições xamanísticas (modelo de Beuys). Algumas perguntas: Como produzir um vídeo documental em História da Arte que não seja apenas uma coleção de imagens, uma apresentação biográfica do artista, a história factual de um movimento artístico ou a história formal e a interpretação de uma obra singular? Como pensar um vídeo em História da Arte no contexto atual, no qual a produção de filmes e vídeos artísticos são arte e documentação? Como respeitar as qualidades próprias do nosso objeto de estudo e o modo como este define para si o que é a imagem? Como produzir um documento que seja, de algum modo, monumento, fazendo o caminho inverso da arte e transitando do documento para o artefato artístico? Este trabalho tem como intuito introduzir a problemática da realização de vídeos voltados para a disciplina da História da Arte, partindo de uma formatação distinta do comumente encontrado neste campo de produção. Em sua grande maioria, vídeos de História da Arte, enquanto documentários, seguem uma trajetória biográfico-cultural do artista ou partem de análise de uma determinada obra de arte. Estas duas formas hegemônicas não são apenas encontradas na produção de vídeos didáticos
  • 2. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 2 disponibilizados pelo mercado, mas também funcionam como modelo para a produção de programas de televisão com referência artística. Nosso trabalho se inicia numa perspectiva de abordagem distinta das acima apresentadas e a reunião das duas experiências, os vídeos que apresentam o projeto e o grupo INTERARTES: PROCESSOS E SISTEMAS INTERARTÍSTICOS E ESTUDOS DE PERFORMANCE, denominados de Kandinsky: corpo-imagem e Kandinsky: imagem-somi, bem como o vídeo Santuários Artísticos Brasileirosii, têm como mote estabelecer uma compreensão do conteúdo a ser apresentado pela via do comum entendimento que estes artistas fazem do campo imagético. Para dar início a um trabalho de pré-roteirizaçãoiii, tomamos a iniciativa de aprofundar as relações dos artistas com a imagem e buscar a apreensão conceitual do que seja a imagem. Há algo em comum nestes projetos, um a respeito do artista russo (Kandinsky) e o outro acerca de diversos lugares de culto com freqüentação estética – nas formas de intervenção e de demarcação de territórios estéticos na paisagem natural e/ou na compreensão de que a estetização funciona como uma desculpa para a proteção de certas ambiências (Kracjberbiv, Projeto AREALv, Dona Romanavi e Nêgovii) -, que diz respeito aos laços existentes, na compreensão da imagem, entre arte e religiosidade – religiosidade tomada aqui como modelo de espiritualidade encontrado na arte (Kandinsky e a vanguarda russa) ou como modelo de redescoberta da natureza ela própria enquanto o espiritual. O pano de fundo deste projeto é, portanto, demarcado pelas relações e atravessamentos entre os seguintes tópicos: natureza / cultura / imagem / arte / paisagem / espiritualidade. Neste âmbito, nosso projeto depara-se com uma problemática de natureza epistemológica, pois pretende refletir e produzir um objeto documental que seja capaz de fazer referência a esta condicionante do objeto tal como ele é entendido na perspectiva de seus produtores (os artistas e suas produções). Para realizar tal tarefa, nossa opção consiste, num primeiro momento, em apreender o que seja o estatuto da imagem enquanto reveladora de uma dimensão espiritual, seja na obra de arte, seja na apreensão e conformidade com a natureza. Esta abordagem para a produção de um vídeo tem como objetivo respeitar a lógica particular do objeto a ser apreendido pelas imagens, estando esta questão presente a todo o momento e sendo uma força-motriz para a realização do trabalho. Para um entendimento deste lugar da imagem artística – imagem e espiritualidade, imagem e natureza –, pois este é um projeto que tem como ponto de partida a História da Arte, precisamos ainda recuperar os paralelismos entre operações da natureza e operações artísticas, tal como nos aparecem nas formas visuais do romantismo, do modernismo e das posições xamanísticas beuysianas, traçando
  • 3. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 3 novas linhas de tempo e novas demarcações não restritas às separações entre arte erudita e arte popular e, nestes termos, mantendo nossa fidelidade ao campo de estudos pretendido. Imagem, natureza e espiritualidade: das artes ao cinema. O problema da apreensão da espiritualidade ou de um mundo transcendental na constituição da obra de arte tem como fontes a produção artística do romantismo e seus desdobramentos modernos, na figura do viajante. O viajante romântico como emblema do sujeito diante do espetáculo do mundo ressalta e valoriza a posição contemplativa e extática que apreende o último instante do mundo como paisagem – fixa o mundo na paisagem, na janela e na veduta.viii O viajante romântico enuncia o fim da contemplação e saúda o estado subjetivo melancólico – idealização de um certo estado de ser artístico – do sujeito que impedido de contemplar um lugar – e fazer do mundo uma paisagem - sustenta o lugar do contemplador – transitando toda a paisagem em paisagem subjetiva.ix A transformação do natural em ordem subjetiva e vice-versa estabelece um princípio de compreensão trágica da imagem que resulta destas operações. Segundo Selma, o filósofo Georg Simmel esclarece as condições da produção deste fenômeno. Para Simmel, entendemos por la naturaleza la conexión sin fin de las cosas, el ininterrumpido producir y negar de formas, la unidad fluyente del acontecer que se expresa en la continuidad de la existência temporal y espacial. [...] Para Simmel es tópico asociar el paisajismo romântico con un desarrollo específico y primário del sentimiento de la naturaleza. Las religiones de los tiempos más primitivos manifiestan un sentimiento especialmente profundo hacia la naturaleza. (SELMA, 1996: 79-80) Trata-se de compreender a associação explícita no projeto romântico entre a natureza e o modelo de janela de paisagem, com uma imagem daí resultante. Este projeto tem seus desdobramentos nas acepções do modernismo de vanguardax e numa concepção de símbolos nos quais elementos do mundo natural transformar-se-ão em vocabulários abstratos (no pós-impressionismo de Van Gogh, nas vanguardas modernas de Kandinsky, Malevitch, Mondrian e Klee e, posteriormente, em Rothko, Pollock e Still). No campo fílmico, estas traduções encontrarão seu lugar-ideal na produção de Tarkovski. O cineasta opõe-se ao culturalismo no tratamento da imagem e propõe-se a reencontrar a dimensão “natural”, um estado puro da imagem na filmagem da / na natureza, fazendo-se herdeiro cinematográfico da filosofia romântica do mundo natural – e suas freqüentações ao sobrenatural. Filmar, para ele, é realizar uma experiência que deve ser vivida a primeira vez durante o ato de realização da filmagem. A imagem é natural por ser desse modo que a natureza entra e passa a existir no cinema e no filme.
  • 4. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 4 Desse modo, podemos reconhecer aqui a fórmula do artista-xamã privilegiada por Joseph Beuys. O simbólico em Tarkovski ocupa sua função humana de observação do mundo em seus movimentos singulares. O que é então a imagem? Em primeiro lugar, a singularidade assim exige, dela não existem leis formais universais; cada obra deve inventar suas próprias leis da forma e até seus “procedimentos” para “formular de maneira adequada a relação que mantém com a realidade”. Para pontificar a unidade da idéia e da forma, Tarkovski às vezes adquire tons hegelianos: “A verdadeira imagem artística apresenta sempre uma unidade entre a idéia e a forma. Se a imagem é uma forma sem conteúdo ou vice versa, a unidade é rompida, e a imagem deixa de pertencer ao domínio artístico” (idem, p. 27). [...] Tarkovski parte de uma tradição da imagem cuja origem se encontra na teoria do ícone. A imagem é sempre concebida com dupla face: um lado representativo, que a puxa em direção ao mundo (e constitui sua garantia referencial), e um lado metafórico, que é sua parte propriamente criativa (e constitui sua garantia artística). Portanto, para começar, a imagem é uma “imagem” no sentido retórico, assimilada por Tarkovski – que jamais tem medo de parecer se contradizer – à metáfora, à substituição de uma coisa por uma outra. A metáfora, porém, é apenas o primeiro termo de sua definição, ao qual ela não cessa de escapar, porque, uma vez criada – ou encontrada -, a imagem cresce por si mesma, vive uma vida própria, “tende ao infinito”. A imagem “conduz ao absoluto”, porque é uma forma de pensamento autônomo, absolutamente diferente do verbal; quando o pensamento se exprime por meio de uma imagem artística, é porque encontrou a forma única que traduz da melhor maneira possível o mundo do autor e sua busca de ideal” (idem, p. 99) (AUMONT, 2004: 63-64) Nestes termos, uma teoria do filme em Tarkovski pode nos auxiliar a construir um tratamento mais adequado às imagens objeto desta pesquisa, a imagem espiritualmente concentrada quer dizer, em última instância, uma imagem “natural” ou nova, separada dos clichês. Assim, a recomendação para viver a experiência fílmica direta é também um método de compreensão direta através das imagens. Esta intuição artística pode ser pensada sob uma semiótica do visual. Como nos diz Calabrese, estados indefinidos e ainda não icônicos – sem uma imagem correspondente – podem encontrar-se descritos e ancorados em outras formas de linguagem, como a verbal. (SELMA, 1996) O mundo natural descrito como paisagem não é mais cabível na sociedade moderna e da velocidade (Lévi-Strauss, ver nota de fim de texto). Então, uma semiótica do mundo natural necessita recombinar este mundo em diferentes compósitos sígnicos e apresentá-los aos olhos novos sob novas formas representacionais, numa saída de objetos finitos para indefinidos infinitos. Não havia nome para esta experiência icônica. Ela deveria ser então o próprio espiritual na arte, como o disse Kandinsky. Pensando em nossa própria sensibilidade, distanciados uma centena de anos destes experimentos, no momento mesmo da realização deste projeto, não podemos deixar de lembrar a sentença de Paul Virilio, segundo a qual, a visão é perturbada pela ascensão da velocidade, o que consiste numa contaminação entre olhar, meios de transporte e novas percepções por conta da presença
  • 5. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 5 da imagem cinematográfica (imagem-movimento, imagem-ação). Esta perturbação acaba por se converter na verdade óptica, gerando uma estética da desaparição renovada entre os pós-modernos enquanto estética da aparência. Não são mais os objetos que acedem a nossa vista, mas é justamente a visão que deve ser acompanhada em seu trajeto de devoração onívora de todas as coisas do mundo transitadas em imagens. É um desfile de imagens que multiplica a ausência dos objetos e pouco a pouco suprime as qualidades da contemplação admitidas pelos viajantes sentimentais (o artista romântico). Nestes termos, apreender o modernismo místico russo e as formas destes santuários deve estar, em primeiro lugar, preocupada com os temas já enunciados na estética fílmica de Tarkovski. Para ficar em alguns aspectos por ele indicados, trataremos aqui de refletir acerca do ritmo como fator dominante e expressão do fluxo do tempo no interior dos fotogramas. O fator dominante e todo-poderoso da imagem cinematográfica é o ritmo, que expressa o fluxo do tempo no interior do fotograma. A verdadeira passagem do tempo também se faz clara através do comportamento dos personagens, do tratamento visual e da trilha sonora – esses, porém, são atributos colaterais, cuja ausência, teoricamente, em nada afetaria a existência do filme. É impossível conceber uma obra cinematográfica sem a sensação do tempo fluindo através das tomadas, mas pode-se facilmente imaginar um filme sem atores, música, cenário e até mesmo montagem. O já mencionado Arrivée d´un Train, dos irmãos Lumière, era assim. O mesmo se pode dizer de um ou dois filmes do cinema underground norte-americano; um deles, por exemplo, mostra um homem adormecido; vemos, em seguida, este homem acordando, e, graças à magia do cinema, este momento provoca em nós um impacto estético extraordinário e inesperado. (TARKOVSKI, 1990: 134) Tarkovski, provavelmente, refere-se aqui aos filmes de Andy Warhol onde o não-acontecimento (a não-ação) é o entendimento do objeto do filme: o fluxo do tempo. Para este cineasta-teórico, é o fluir do tempo que determina um desenvolvimento dramático e a consciência provocada por esta passagem em nós que recupera o sentido extático das imagens. Desse modo, um filme é a sua filmagem, quando o diretor vive a experiência do tempo – revelando a individualidade do diretor - e a imagem é a extatização desta experiência do tempo, num momento mágico-estético e numa forma única do visível – na individualidade-unicidade das imagens. O tempo é o sinal do transcendental na imagem, pois ele desloca a imagem para o infinito – como quando, depois de longas horas de tempo real vendo o homem de Warhol dormir, ele desperta e o inesperado se instala. Em se tratando mesmo da procura de um ritmo, na construção do roteiro o diretor precisa também abolir as classificações e as linhas divisórias entre os gêneros - o documental (cinema-verdade, Jean Rouch) e o ficcional – e construindo um plano temporal único onde material documental e material ficcional estejam integrados.
  • 6. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 6 Em nosso trabalho, o filme em película e substituído pelo uso da filmadora digital (vídeo digital), o que permite pensar nas condições particulares de modificação do estatuto deste novo tipo de imagem, desconhecida para a reflexão fílmica de Tarkovski. De todo o modo, para definir o estatuto destas imagens, Liliane Heynemann sugere que se mantenha uma posição semelhante ao do crítico (historiador e teórico) de arte. No estudo de uma história da arte contemporânea e para a produção de uma história significativa desta definição tão imprecisa, a da contemporaneidade em história, já que esta envolve uma reflexão acerca da própria temporalidade, consideramos que um tipo de história possível já se encontra presente nas interfaces entre mídias – linguagens – produtos-objetos. O que isto quer dizer? Que, em termos de documentos artísticos enquanto documentos históricos, estamos diante de um possível meio de produção da história interna da arte, através das inter-relações entre as mídias de tecnologia audiovisual, suas linguagens e desdobramentos em gêneros (poéticos, documentais e poético-documentais) e a realização de produtos que, ao receberem o estatuto de arte, também o fazem sendo resultantes de uma consciência histórica do artista, dados como sendo (meta-)comentários da arte do seu tempo e das suas cadeias e elos com o seu passado. Em nosso estudo uma história audiovisual deveria ser capaz de contemplar esta peculiaridade de sua possível historiografia levando em conta que não nos basta apenas fazer uma história do cinema, do vídeo e do computador enquanto mídia audiovisual, tanto do ponto de vista de uma história da sua tecnologia (história dos meios de produção enunciada paradigmaticamente pela abordagem benjaminiana da reprodução técnica) quanto do ponto de vista de uma história das linguagens enquanto promoção de gêneros e de classificações de diversas ordens (cinema ficcional e documental, filme de arte e filme comercial, realismo, surrealismo, transcendentalismo como formas da estética do filme, para ficarmos apenas com algumas formas da classificação), mas necessitamos de um pensamento que se desdobre enquanto prática social que efetivamente se compromete com a feitura da contemporaneidade. Assim, compreender um modo de produzir um documentário em vídeo para a História da Arte deve levar em conta estas cadeias acima articuladas entre passagens da imagem e os modos como imagens originárias a serem capturadas na esfera tempo-imagem (do vídeo) são pensadas enquanto uma forma do (sobre)natural. Para nossos artistas, há uma questão de ordem perceptual e extrassensorial que deve ser revelada na imagem. Assim como o neo-realismo italiano queria instaurar uma pura imagem ótico-sonora, afetando nosso equipamento sensório-motor e nossos sistemas de defesa, os artistas em nossa pesquisa querem fazer ver o invisível.
  • 7. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 7 No projeto Kandinsky, o caminho adotado era não-narrativo, com entrevistas não-lineares, tendo como premissa as possíveis conversas estabelecidas no momento da edição entre diferentes artistas e suas reflexões acerca dos problemas da linguagem em arte. Deve-se ainda levar em conta as correlações que um pré-roteiro tinha em relação aos caminhos do projeto modernista (o modernismo e as vanguardas russas e suas relações com a mística). O vídeo combina depoimentos em diferentes experiências artísticas, costurando-os ao ponto de vista mais abrangente do trajeto moderno russo, tendo como objeto o entendimento das relações romantismo-modernismo, racionalismo-mística e a tensão entre a separação / fusão entre as linguagens. Este último elemento é dado como o ponto que explica a grande importância de Kandinsky e dos artistas russos – bem como de suas teorias e uma semiótica russa da arte – para a compreensão historiográfica da História da Arte, da perspectiva interartes. O vídeo pretende mostrar a herança romântico-moderna na arte contemporânea e os embates antigos entre fusão (obra de arte total) e separação (linguagens) das artes. No segundo trabalho, em fase de pré-produção, estamos diante de filmagens diretas nos sítios dos artistas-xamãs. A idéia que prevalece para esta realização é a da afirmação da posição do objeto de arte enquanto objeto totêmico (de culto mágico).xi Assim, ao historiador-documentarista, que estuda e produz documentos, cabe prestar atenção quando da produção de um filme-vídeo, no modo como irá estabelecer as relações entre o objeto e a enunciação deste objeto dentro de um estilo e do estilo num certo gênero, bem como relacionar esta formulação ao contexto sócio-tecnológico, para compreender no interior da operação fílmica o que é o objeto de sua pesquisa. Então, filmar imagens de obras ou obras – filmar objetos – e filmar ambiências silenciosas e isoladas – os santuários –, ambas, exigem do historiador da arte, a entrada no ritmo dos objetos. Assim, as imagens fílmicas passarão a fazer parte da história da arte. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO ARTIGO: AUMONT, Jacques. (2004) As teorias dos cineastas. Campinas, SP: Papirus. LÉVI-STRAUSS, Claude. (1993) Mirar, escuchar, leer. Madrid: Siruela. SELMA, José Vicente. (1996) Imágenes de naufragio: nostalgia y mutaciones de lo sublime romântico. Valencia: Direcció General de Promoció Cultural, Museus i Belles Arts. SIMMEL, Georg. (1986) El individuo y la libertad. Ensays de crítica de la cultura. Barcelona: Península. TARKOVSKI, Andrei. (1990) Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes.
  • 8. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 8 i Inicialmente pensado no formato de um documentário para a apresentação do Grupo de Pesquisa, integrando-se a uma seqüência de vídeos a ser realizada, Kandinsky transformou-se em dois vídeos (corpo e imagem; imagem e som), tendo como objeto traçar relações entre os domínios cinestésicos-sinestésicos da arte moderna das vanguardas russas e seus desdobramentos posteriores na perspectiva de uma historiografia dos estudos interartísticos. ii Santuários artísticos brasileiros é um projeto em fase de pré-produção. Neste momento, a partir de uma seleção e estudo das obras de artistas e projetos artísticos, definimos um roteiro de viagens e de contato direto com os locais nos quais se encontram os santuários. Tomando como ponto de partida uma noção adequada a este tipo de experiência, advinda das teorias fílmicas de Tarkovski, a realização do filme em vídeo não é algo calculável, tratando-se mesmo de uma experiência a ser vivida durante o procedimento da filmagem. Uma idéia de conjunto e uma discussão em torno do objeto serão os elementos utilizados nestas filmagens não roteirizáveis. iii Antecipando algumas das idéias que serão utilizadas na realização destes dois documentários, a premissa do roteiro não assume caráter de grande importância. Chamamos aqui de pré-roteirização uma ambientação geral dos temas, dos objetos e das ambiências. O roteiro, segundo Tarkovski, deve ser uma estrutura frágil e mutante. Estar numa filmagem é estar pensando durante o processo de realização do trabalho. Muitas das idéias de Tarkovski encontram confluências no pensamento do brasileiro Glauber Rocha. iv Franz Kracjberg é artista polonês naturalizado. Suas obras consistem em instalações ambientais. Trabalha com restos calcinados de árvores. Vive em Nova Viçosa (BA). v O Projeto Areal é coordenado pela artista plástica Maria Helena Bernardes e resulta de um edital do Programa de Artes Visuais (Petrobrás II Edição). O Projeto inclui a produção de trabalhos plástico-visuais por parte dos artistas integrantes, a promoção de debates e a publicação de quatro livros de documentação (Documento Areal). Entre os anos 2002 / 2003, o grupo constituído por quatro artistas (Maria Helena Bernardes, Helio Fervenza, Karin Lambrecht e André Severo) realizou deslocamentos e ações em diferentes regiões do estado do RS. vi Dona Romana é uma benzedeira-rezadeira que construiu o Sítio Jacuba, no município de Natividade (TO). Trabalha com sucata, dentro dos princípios da arte povera. Também realiza desenhos através de visões e de sonhos. vii Nego é o nome artístico de Geraldo Simplício. Suas obras estão no KM12 da Estrada RJ130, na Serra Fluminense. Seus trabalhos são esculpidos na própria rocha, revestidos pelos fungos e outros elementos do próprio ecossistema no qual foram realizadas. viii Claude Lévi-Strauss ressalta o desaparecimento desta relação no declínio da forma ideal do classicismo de constituição da paisagem campesina. O ideal arcádico das pinturas classicistas e as marinas encontradas por este autor nos Museus Históricos teriam sido os últimos momentos de uma relação de equilíbrio entre a natureza e a cultura, permitindo uma idealização e uma fruição que determina o verdadeiro arquétipo de um lugar e a determinação de suas fronteiras. Para ele, a partir das transformações artísticas modernas estamos diante de um desequilíbrio e de uma incapacidade de fazer o lugar aparecer. A ascensão da velocidade é também a ascensão da história e do sujeito. O viajante romântico é o último contemplador e o primeiro melancólico a enunciar a impossibilidade para o sujeito de contemplar, num esvaziamento das relações entre homem-mundo e, portanto, num desaparecimento da própria noção de lugar antropológico (Marc Auge) enquanto parte integrante do projeto da modernidade. ix Segundo José Vicente Selma, o artista exemplar é Caspar David Friedrich. [...] y provocando con esta estratégia una identificación preliminar entre el contemplador del cuadro y lo contemplado por la figura en él, nos sugieren una disyunción entre cultura y naturaleza, naturaleza y historia. Filosofia de la Naturaleza frente a Filosofia de la Historia en una atmosfera invadida por la soledad, el distanciamiento, la fuga constante de lo visto, “un estar en lo alto sin estar elevado” como afirmaria en 1826 C. Töpfer en una crítica a la primera exposición de Friedrich en Hamburgo. Las figuras de espaldas personifican la mediación pictórica y estética entre los espectáculos grandiosos de la naturaleza y el espectador del cuadro, actuando como filtro de ambas mediaciones. El artista es un contemplador antes que um creador y nos habla a los otros contempladores de su visión. Contemplar se convierte en un paso prévio para tamizar a la naturaleza como objeto estético, para estetizar la naturaleza, que significa, entre otras cosas, la proyección sentimental del carácter fugado de la nueva experiência del tiempo; frente a la permanência, via mutabilidad, de la naturaleza. (SELMA, 1996: 75- 76) x “Existiria una corriente subterránea, otras formas de leer algunos de los aspectos característicos de buena parte de la figuración y abstracción realizadas en el siglo XX. Para Rosenblum, nuestro mundo secularizado es heredero de los românticos, un mundo donde los ritos de las tradiciones y las tradiciones religiosas mismas resultan insatisfactorios; precisamente en ese mundo un conjunto de imágenes o iconos abstractos partidarios de religiosidades panteístas o místicas de muy distinto signo (de Friedrich a Franz Marc; de Blake a Max Ernst; de Munch a Rothko), contemplados sin necesidad de adhesión o confesionalidad, pueden potenciar de forma más intensa su evocación de lo transcendente. Los cuadros de Rothko, dirá por ejemplo, “buscan lo sagrado en un mundo profano”. La naturaleza se convierte en un misterio, cuya esencia es necesario restaurar, otorgando a los valores plásticos, compositivos y atmosféricos del paisaje cualidades sobrenaturales y convirtiendo los pequeños fragmentos de la naturaleza – piedra, flor, hoja – en síntesis de la misma,
  • 9. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 9 proceso analógico de filiación panteísta reestructurado por el romanticismo com reacción ante una concepción de la matéria como potencialidad bruta, cuyo simple destino es la explotación. Nuevos registros simbólicos realizarán esta operación alquímica.” (SELMA, 1996: 82)