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Rob Riemen: “A classe dominante nunca será
capaz de resolver a crise. Ela é a crise!”
              Joana Azevedo Viana (ABR-2012)


                                   O filósofo holandês esteve em Lisboa a conversar com o i sobre o
                                   espírito de resistência e o “eterno retorno do fascismo”



Thomas Mann e Franklin Roosevelt são os dois que mais inspiram Rob Riemen (nascido em
1962), que esteve em Lisboa na semana passada a convite de Mário Soares para falar sobre o
direito à resistência e para apresentar o seu último livro, “O Eterno Retorno do Fascismo”. A
chegada da fotojornalista ao lobby do Ritz acabou por dar o mote à conversa com o i.
A Patrícia foi uma das fotojornalistas em trabalho agredida pela polícia na greve
geral há um mês em Portugal.
Pela polícia?!
Sim. O episódio parece remeter para o “O Eterno Retorno do Fascismo”...
Sim, falo disso neste livro. Estamos a lidar com o pânico da classe dominante, que se habitua
ao poder para controlar a sociedade. Isso que me contas é um ato de pânico. E o interessante
é que a classe dominante só entra em pânico quando perde a autoridade moral. Sem a
autoridade moral, só lhe resta o poder que se transforma em violência.
O fascismo continua latente?
A minha geração cresceu convencida de que o que os nossos pais viveram nunca voltaria a
acontecer na Europa. Quando vocês se livraram do fascismo nos anos 70, nos anos 90 devem
ter pensado que não mais o viveriam. Mas uma geração depois, já estamos a assistir a uma
espécie de regime fascista na Hungria, na Holanda o meu governo foi sequestrado pelos
fascistas, pelo sr. [Geert] Wilders [do Partido da Liberdade]... Com uma nota comum a todos
que é o ódio à Europa. Para Wilders, o grande inimigo era o Islão e agora são os países de
alho.
Países de alho?
É como ele chama países como o vosso, Espanha, Polônia... A Europa tornou-se uma ameaça.
Com a II Guerra Mundial aprendemos a lição de que a única saída, depois de séculos de
sangue derramado, era ter uma Europa unida e agora as forças contra [essa união] estão a
ganhar controle. É o primeiro ponto.
E o segundo?
A atual classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, porque ela é a crise! E não falo
apenas da classe política, mas da educacional, da que controla as mídias, da financeira, etc.
Não vão resolver a crise porque a sua mentalidade é extremamente limitada e controlada por
uma única coisa: os seus interesses! Os políticos existem para servir aos seus interesses, não
ao país. Na educação, a mesma coisa: quem controla as universidades está ali para favorecer
empresas e o Estado. Se algo não é bom para a economia, porque investir dinheiro?
Nas mídias ocorre o mesmo?
Sim. No geral, as mídias já não são o espelho da sociedade nem informam de fato as pessoas
do que se passa, existem sim apenas para vender e vender e vender.
E as consequências estão à vista?
Pois sim, estamos assistindo a desintegração da sociedade. Tudo é baseado na premissa de
que as pessoas devem ficar mais ricas e é daí que vem a crise financeira, daí e deste
comportamento totalmente imoral e irresponsável de um pequeno grupo de pessoas que não
podia importar-se menos [com a sociedade] e sem interesse em ser responsável. Quando uma
sociedade está focada na economia, na economia, na economia e na economia, perde-se a
noção do que nos dá qualidade de vida. E quando somos privados dessa noção, surge um
vazio.
A sociedade kitsch que refere no livro?
Sim, em que a identidade das pessoas não depende do que elas são, mas do que têm. Quando
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se torna tão importante ter coisas, serves a um mundo comercial, porque pensas que a tua
identidade está relacionada a isso. Estamos criando seres humanos vazios que querem
consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma forma e pensar as
mesmas coisas. E a classe dominante está muito mais interessada em que as pessoas se
liguem a isso do que àquilo que importa.
A classe dominante teme que as pessoas comecem a questionar tudo?
Claro que sim! Frederico Fellini, o realizador italiano, disse um dia: “Eu sei o que é o fascismo,
eu o vivi, e posso dizer-vos que a raiz do fascismo é a estupidez. Todos temos um lado
estúpido, frustrado, provinciano. Para alterar o rumo político, temos de encontrar a estupidez
em nós mesmos”. Mas se as pessoas fossem um bocadinho mais espertas, não iriam para
universidades estúpidas, nem veriam programas estúpidos na TV. Existe uma elite comercial e
política interessada em manter as pessoas estúpidas. E isso é vendido como democracia,
porque as pessoas são livres para escolher e blá blá blá...
Quando não é assim?
Não, não, não, não! [Bento de] Espinoza – muito obrigado a Portugal por o terem mandado
para a Holanda – explicou que a essência da democracia é a liberdade, mas que a essência da
liberdade não é ter o que se quer; é usar o cérebro para te tornares um ser humano bem
pensante. Se não for assim, se não fores crítico perante a sociedade e também perante ti
próprio, nunca serás livre, serás sempre escravo. Daí que o que estamos a viver não tenha
nada a ver com democracia.
Tem a ver com quê?
Vivemos numa democracia de massa, uma mentira que abre os portões a mentirosos,
demagogos, charlatães e pessoas más, como vimos no século XX e como vemos agora.
O retorno do fascismo é inevitável?
Vamos fazer uma pausa (risos). Acho que não podemos entregar-nos ao pessimismo. Se
acharmos que estamos condenados, que não há saída, que é inevitável, mais vale bebermos
champanhe (risos). A razão pela qual publiquei esta dissertação e o meu outro livro, “Nobreza
de Espírito”, e pela qual dou estas palestras e entrevistas é porque a primeira coisa de que
precisamos é de pôr a verdade em cima da mesa.
E como podemos fazer isso?
Primeiro, admitindo que as coisas vão mal, e não apenas no nível econômico. Relembremos
uma grande verdade do poeta Octávio Paz: “Uma crise política é sempre uma crise moral.”
Quando reconhecemos esta verdade, percebemos que a crise financeira é também uma crise
moral. E aí devemos questionar de que tipo de valores universais estamos necessitando, e o
que é que devemos ter na sociedade para enfrentar isso. Aí percebemos que há coisas erradas
no sistema de educação.
Por causa de quem o controla?
Porque não está interessado na pessoa humana que tu és, mas no tipo de profissões de que a
economia precisa. Se o preço é a falta de qualidade, se o preço é a falta de dignidade humana,
é haver tanta gente jovem sem instrumentos para lidar com a vida e para descobrir por si
própria o sentido da vida ou que significado pode dar à sua vida, então criamos o “Admirável
Mundo Novo” de Aldous Huxley. Aqui surge a sociedade kitsch. E a dada altura já é segunda-
feira, a festa acabou, chegou a crise financeira e as pessoas já não conseguem pagar esta
sociedade e surgem políticas de ressentimento, que é o que fazem os fascistas e é o que o Sr.
Wilders está a fazer de forma brilhante.
Que políticas são essas?
Em vez de tentar fazer algo positivo com as preocupações das pessoas e com os problemas
que existem, explora-os.
De que forma?
Usando a velha técnica do bode expiatório. “Isto acontece por causa do Islamismo, por causa
dos países de alho, por causa dos polacos. Nós somos as vítimas, e vocês são o inimigo.” Ou
“Isto é por causa da esquerda e das artes e da cultura, os hobbies da esquerda.” Este fulano
[Wilders] é contra tudo o que pode alertar as pessoas para o fato de ele ser um dos maiores
mentirosos de sempre.
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Como as artes e a cultura que referiu?
Sim. O que temos de enfrentar é: se toda gente vai à escola, se toda gente sabe ler, se tanta
gente tem educação superior, como é que continuam a acreditar nestas porcarias sem as
questionar? E porque é que tanta gente continua a achar que quando X ou Y está na televisão
é importante, ou quando X ou Y é uma estrela de cinema é importante, ou quando X ou Y é
banqueiro e tem dinheiro é importante? A insanidade disso... [suspiro] Se tirarmos as posições
e o dinheiro destas pessoas, o que resta? Só pessoas tacanhas e mesquinhas, totalmente
desinteressantes. Mas mesmo assim vivemos encantados com a ideia de que X ou Y é
importante porque tem poder. É a mesma lenga-lenga de sempre: é pelo que se têm e não
pelo que se é, porque eles não são nada. E a educação também está sempre sobre o que se
pode vir a ter e não sobre quem se pode vir a ser.
Reformar o ensino seria uma solução?
Eu não sou pedagogo e quero mesmo acreditar que existe uma variedade de formas de chegar
ao que penso que é essencial: que as pessoas possam viver com dignidade, que aceitem
responsabilidade pelas suas vidas e que reconheçam que o que têm em comum – quer sejam
da China, Índia, África ou esquimós – é que somos todos seres humanos. Sim, há homens e
mulheres, homossexuais e heterossexuais, pessoas de várias cores, mas somos todos seres
humanos. Não podemos aceitar fundamentalismos e ideologias e sistemas econômicos como o
capitalismo, mais interessados em dividir as pessoas, mais do que em uni-las.
E de onde pode vir a união?
Só pode ser baseada na aceitação de que existem valores universais. A Europa é um exemplo
maravilhoso disso: há esta enorme riqueza de tradições e línguas e histórias, mas continuamos
conseguindo estar abertos a novas culturas, quando pessoas vindas de qualquer parte podem
se tornar europeias. Mas isto só acontece se valorizarmos e protegermos o espírito
democrático. A democracia é o único modelo aberto e o seu espírito exige que percebamos que
Espinoza estava certo, que o difícil é mais interessante que o fácil, que não devemos temer
coisas difíceis porque só podemos evoluir se estivermos abertos ao difícil, porque a vida é
difícil [exige esforço e energia]. Que para lá das habilidades de que precisamos para a
profissão em que somos bons, todos precisamos de filosofia, todos precisamos da arte e da
literatura para nos tornarmos seres humanos maduros, para perceber o que as nossas
experiências internas encerram. É para isto que existem as artes, é por isso que vais ver um
bom filme e ouves boa música e lês um poema.
É por isso que a cultura está sob ataque? Aqui em Portugal o atual governo eliminou
o Ministério da Cultura.
É isso que o partido fascista está fazendo na Holanda e é o que outros estão fazendo em todo
lugar. Óbvio! Quem quer matar a cultura são as pessoas mais estúpidas e vazias do mundo.
Claro que é horrível para eles olharem-se ao espelho e verem “Sou apenas um anão estúpido”.
Por isso querem livrar-se da cultura?
Por isso e porque ela ajuda as pessoas a entender o que realmente importa. O medo da elite
comercial é que as pessoas comecem a pensar. Porque é que os regimes fascistas querem
controlar o mundo da cultura ou livrar-se dele por completo? Porque o poeta é a pessoa mais
perigosa que existe para eles. Provavelmente mais perigoso que o filósofo. Quando usam o
argumento de que a cultura não é importante e de que a economia não precisa da cultura, é
mentira! Essa é a tal política de ressentimento, um grande instrumento precisamente porque
eles nos querem estúpidos.
E alimentam essa estupidez?
Claro. A geração mais jovem tem de questionar as elites de poder. Sim, vocês precisam de
emprego, mas, acima de tudo, precisam de qualidade de vida. E essa qualidade está
relacionada com várias coisas: com a qualidade da pessoa que amas e com a qualidade dos
teus amigos, com o que podes fazer que é importante e significativo para ti. Quando vês que
te estão a tirar isso, percebes que não estão no poder para te servir, querem é que a
sociedade os sirva.
A democracia parece estar limitada a ir às urnas de x em x anos. O que é afinal uma
verdadeira democracia?
Quando Sócrates foi levado a julgamento disse “Vocês já não estão interessados na verdade” e
isso continua a ser assim. É por isso que chamei ao meu primeiro livro “Nobreza de Espírito”,
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porque para a teres não precisas de dinheiro, nem de graus acadêmicos. Nobreza de espírito é
a dignidade de vida a que todos podem ter acesso e é a essência da democracia. O espírito
democrático é mais do que ir às urnas e se eles [políticos eleitos] não se baseiam nessa
nobreza, os sistemas colapsam, como estão a colapsar. Foi Platão que disse que “a democracia
pode cometer suicídio” e é assim que começo o “Eterno Retorno do Fascismo”. A grande
surpresa para Ortega y Gasset foi que, livres do poder da Igreja e da tirania e da aristocracia,
finalmente havia democracia, e o que fazemos? Estamos a matá-la! Isso aconteceu na
Espanha, em Portugal, na Itália, na Alemanha, esteve perto de acontecer na França... Há um
livro lindíssimo que Sinclair Lewis escreveu, “Não pode acontecer aqui”, mas a verdade é que
pode facilmente acontecer nos EUA. O livro de Philip Roth, “A Conspiração contra a América”,
prova isso.
Em 2009 o senhor escreveu uma carta a Obama, então presidente eleito. Quatro anos
depois, que avaliação faz do mandato?
Na altura eu era a favor de Hillary Clinton.
Por quê?
Porque acho que ela tem instintos políticos melhores e mais experiência política que Obama.
Estava na América no dia em que ele foi eleito, em 4 de Novembro de 2008, e foi um
momento histórico, mas teria sido igualmente histórico se a América tivesse escolhido uma
mulher. O problema com Obama é que ele não é um grande presidente. [risos]
Em que sentido?
Tornou-se demasiado vulnerável aos interesses infestados. Montou uma equipe econômica
com pessoas que vieram todas de Wall Street, como Larry Summers e Timothy Geithner. O
poder do dinheiro no sistema político americano é assustador! E ele não conseguiu escapar
disso. E depois a política é uma arte, e demasiados intelectuais pensam que, por terem lido
sobre política, sabem de política. Não é verdade. A política tem a ver com pequenos passos,
grandes passos são impossíveis numa democracia. Mas vamos esperar e rezar para que o
Obama seja reeleito. Senão vamos ter um problema, todos nós. E já agora, e que no segundo
mandato ele consiga fazer mais, ele tem esse dever.
Obama legalizou em Janeiro a detenção por tempo indeterminado e sem julgamento
de qualquer suspeito de ligação a redes terroristas. O que o senhor pensa disso?
Se lhe perguntasse sobre isso, ele dir-te-ia: “Aqui que ninguém nos ouça, não tive outra
alternativa”. O problema sério com que temos de lidar tem a ver com o poder das mídias. Eles
querem vender e só podem vender se tiverem notícias [e escândalos] de última hora,
constantes. Têm de alimentar este monstro chamado público. Tudo tem de ser a curto prazo.
Na política é o mesmo, é sobre o dia seguinte. Onde está a elite política que quer pensar à
frente, a um ou dois ou dez anos? Onde estão as mídias que expliquem às pessoas a
importância do longo prazo? Na economia é o mesmo. Tudo tem de ser agora. Perdemos a
noção de tempo. No mundo político, as pessoas deviam poder dizer: “Não sei a resposta a
essa questão. Dê-me uma semana e falarei contigo.” Mas se um político disser “Não sei”, está
morto. Vivemos a política do instante, onde as questões estruturais são esquecidas. Veja,
estou cá [em Lisboa] a convite de Mário Soares. O que quer que se pense sobre ele ou sobre
Mitterrand, etc, essa geração viveu a guerra, experienciou a vida, leu livros. Cometeram erros?
Claro que sim, mas é uma classe completamente diferente de tantos políticos atuais, jovens,
sem experiência, que não sabem nada. Nada! Se lhes perguntarmos que livros leram, eles
quase têm orgulho do fato de não ler!
O que pensa dos movimentos como os Occupy ou o 15M de Espanha?
É extremamente esperançoso que estejamos a nos livrar da passividade. Finalmente temos
uma nesga de ar, mas precisamos de um próximo passo, só protestar não basta. A História
mostra-nos que as mudanças vêm sempre de um dos três grupos: mulheres, jovens ou
minorias. Acho que agora vai ter de vir dos jovens. Se isto continuar por mais três ou cinco
anos, o futuro deles estará arruinado, não haverá emprego, casas, segurança social, nada. É
tempo de reconhecer isto, de se dizer publicamente, de parar e depois avançar. Se os jovens
pararem os jornais, os jornais acabam. Se os jovens decidirem que não vão às universidades,
elas fecham.
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Mas parece não haver união para isso.
É preciso solidariedade! Será que precisamos assistir o Batman outra vez? Qual é o papel do
Joker? É dividir as pessoas!
Os atuais políticos são Jokers?
No mínimo não estão fazendo o que deviam. Não estão dizendo a verdade. O disparate de que
todas as nações europeias não podem ter um déficit maior que 3% é pura estupidez
econômica. Temos de investir no futuro. Como? Investindo numa educação como deve ser,
que garanta seres humanos bem pensantes e não sirva apenas aos interesses da economia.
Investindo na qualidade das mídias... O dinheiro que damos aos bancos é milhões de vezes
superior ao que é preciso para as artes, a cultura, a educação...
A WikiLeaks revelou que a CIA espiou o 15M e que divulgou um documento onde diz
ser preciso evitar que destes movimentos “surjam novas ideologias e líderes”.
Uau! Isso prova o que defendo! Não sabia disso mas é muito interessante. Veja, porque é que
temos democracias? Porque percebemos que o poder é um animal estranho para todos os que
o detêm e que ninguém é imune a ele. Se dermos poder às pessoas elas começam a
comportar-se como pessoas poderosas. Philip Zimbardo levou a cabo esta experiência, o Efeito
Lucifer, na qual uns fingiam ser prisioneiros e outros guardas. A experiência teve de ser
parada, porque os “prisioneiros” começaram a perder a sua individualidade e a portar-se como
escravos e os “guardas” tornaram-se violentos e sádicos. De repente percebemos: “Uau, é isto
a natureza humana, é disto que somos capazes.” Lição aprendida: há que se controlar o poder,
venha ele de onde vier.
A sociedade é que pode controlá-lo?
Sim, todos têm de aceitar uma certa responsabilidade. Os intelectuais têm de se manter
afastados do poder, porque só assim podem dizer a verdade. As mídias também, porque sem
sabermos os fatos a democracia não sobrevive. Se esses mundos do poder não tiverem total
controle, as pessoas têm tentações. Quem tem dinheiro quer mais dinheiro, quem tem poder
quer mais poder. E há que se garantir a distribuição equilibrada destas coisas na sociedade.
Só quando soube que vinha entrevistá-lo é que li sobre o Instituto Nexus.
Está perdoada, não somos famosos. (risos)
Porque é que decidiu criá-lo?
Quando estava na universidade percebi que lá já não é mais o lugar onde podemos adquirir
conhecimento e onde há conversas intelectuais, essenciais à evolução. Na altura conheci um
judeu que dedicou tudo – tempo, energia, dinheiro – a resgatar o que Hitler queria destruir: a
cultura europeia. Abriu uma editora, uma biblioteca, uma livraria. Tornou-se meu professor e
começamos um jornal, o Nexus, e depois da primeira edição percebemos que tínhamos de
levar a ideia a outro nível e criar uma infraestrutura aberta onde intelectuais de todo o mundo
pudessem discordar uns dos outros e falar de tópicos importantes.
Qual será a próxima conferência?
Em 2 de Dezembro, sobre “Como mudar o mundo”. O Slavoj Zizek vai lá estar, um deputado
britânico conservador também, [o escritor] Alessandro Baricco. E no próximo ano vamos abrir
um café com uma livraria europeia e um salão cultural, num antigo teatro de Amsterdam. Se
tivesse dinheiro gastava-o a abrir um assim em cada cidade, arranjava orquestras... Temos de
reconstruir as infraestruturas culturais, precisamos disso com urgência. E nós é que temos de
fazer isso, porque as elites no poder não o vão fazer.
Fonte: http://www.ionline.pt/mundo/rob-riemen-classe-dominante-nunca-sera-capaz-resolver-crise-ela-crise-1


Livros
NOBREZA DE ESPÍRITO: um ideal esquecido – Rob Riemen – Editora Vozes, 2011
O ETERNO RETORNO DO FACISMO – Rob Riemen – Editora Bisâncio, 2012 (Portugal)
https://www.nexus-instituut.nl/en/speakers-authors/1-rob-riemen
Vídeos
https://www.youtube.com/user/TheNexusInstitute

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A Classe Dominante nunca será capaz de Resolver a Crise

  • 1. 1 Rob Riemen: “A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!” Joana Azevedo Viana (ABR-2012) O filósofo holandês esteve em Lisboa a conversar com o i sobre o espírito de resistência e o “eterno retorno do fascismo” Thomas Mann e Franklin Roosevelt são os dois que mais inspiram Rob Riemen (nascido em 1962), que esteve em Lisboa na semana passada a convite de Mário Soares para falar sobre o direito à resistência e para apresentar o seu último livro, “O Eterno Retorno do Fascismo”. A chegada da fotojornalista ao lobby do Ritz acabou por dar o mote à conversa com o i. A Patrícia foi uma das fotojornalistas em trabalho agredida pela polícia na greve geral há um mês em Portugal. Pela polícia?! Sim. O episódio parece remeter para o “O Eterno Retorno do Fascismo”... Sim, falo disso neste livro. Estamos a lidar com o pânico da classe dominante, que se habitua ao poder para controlar a sociedade. Isso que me contas é um ato de pânico. E o interessante é que a classe dominante só entra em pânico quando perde a autoridade moral. Sem a autoridade moral, só lhe resta o poder que se transforma em violência. O fascismo continua latente? A minha geração cresceu convencida de que o que os nossos pais viveram nunca voltaria a acontecer na Europa. Quando vocês se livraram do fascismo nos anos 70, nos anos 90 devem ter pensado que não mais o viveriam. Mas uma geração depois, já estamos a assistir a uma espécie de regime fascista na Hungria, na Holanda o meu governo foi sequestrado pelos fascistas, pelo sr. [Geert] Wilders [do Partido da Liberdade]... Com uma nota comum a todos que é o ódio à Europa. Para Wilders, o grande inimigo era o Islão e agora são os países de alho. Países de alho? É como ele chama países como o vosso, Espanha, Polônia... A Europa tornou-se uma ameaça. Com a II Guerra Mundial aprendemos a lição de que a única saída, depois de séculos de sangue derramado, era ter uma Europa unida e agora as forças contra [essa união] estão a ganhar controle. É o primeiro ponto. E o segundo? A atual classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, porque ela é a crise! E não falo apenas da classe política, mas da educacional, da que controla as mídias, da financeira, etc. Não vão resolver a crise porque a sua mentalidade é extremamente limitada e controlada por uma única coisa: os seus interesses! Os políticos existem para servir aos seus interesses, não ao país. Na educação, a mesma coisa: quem controla as universidades está ali para favorecer empresas e o Estado. Se algo não é bom para a economia, porque investir dinheiro? Nas mídias ocorre o mesmo? Sim. No geral, as mídias já não são o espelho da sociedade nem informam de fato as pessoas do que se passa, existem sim apenas para vender e vender e vender. E as consequências estão à vista? Pois sim, estamos assistindo a desintegração da sociedade. Tudo é baseado na premissa de que as pessoas devem ficar mais ricas e é daí que vem a crise financeira, daí e deste comportamento totalmente imoral e irresponsável de um pequeno grupo de pessoas que não podia importar-se menos [com a sociedade] e sem interesse em ser responsável. Quando uma sociedade está focada na economia, na economia, na economia e na economia, perde-se a noção do que nos dá qualidade de vida. E quando somos privados dessa noção, surge um vazio. A sociedade kitsch que refere no livro? Sim, em que a identidade das pessoas não depende do que elas são, mas do que têm. Quando
  • 2. 2 se torna tão importante ter coisas, serves a um mundo comercial, porque pensas que a tua identidade está relacionada a isso. Estamos criando seres humanos vazios que querem consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma forma e pensar as mesmas coisas. E a classe dominante está muito mais interessada em que as pessoas se liguem a isso do que àquilo que importa. A classe dominante teme que as pessoas comecem a questionar tudo? Claro que sim! Frederico Fellini, o realizador italiano, disse um dia: “Eu sei o que é o fascismo, eu o vivi, e posso dizer-vos que a raiz do fascismo é a estupidez. Todos temos um lado estúpido, frustrado, provinciano. Para alterar o rumo político, temos de encontrar a estupidez em nós mesmos”. Mas se as pessoas fossem um bocadinho mais espertas, não iriam para universidades estúpidas, nem veriam programas estúpidos na TV. Existe uma elite comercial e política interessada em manter as pessoas estúpidas. E isso é vendido como democracia, porque as pessoas são livres para escolher e blá blá blá... Quando não é assim? Não, não, não, não! [Bento de] Espinoza – muito obrigado a Portugal por o terem mandado para a Holanda – explicou que a essência da democracia é a liberdade, mas que a essência da liberdade não é ter o que se quer; é usar o cérebro para te tornares um ser humano bem pensante. Se não for assim, se não fores crítico perante a sociedade e também perante ti próprio, nunca serás livre, serás sempre escravo. Daí que o que estamos a viver não tenha nada a ver com democracia. Tem a ver com quê? Vivemos numa democracia de massa, uma mentira que abre os portões a mentirosos, demagogos, charlatães e pessoas más, como vimos no século XX e como vemos agora. O retorno do fascismo é inevitável? Vamos fazer uma pausa (risos). Acho que não podemos entregar-nos ao pessimismo. Se acharmos que estamos condenados, que não há saída, que é inevitável, mais vale bebermos champanhe (risos). A razão pela qual publiquei esta dissertação e o meu outro livro, “Nobreza de Espírito”, e pela qual dou estas palestras e entrevistas é porque a primeira coisa de que precisamos é de pôr a verdade em cima da mesa. E como podemos fazer isso? Primeiro, admitindo que as coisas vão mal, e não apenas no nível econômico. Relembremos uma grande verdade do poeta Octávio Paz: “Uma crise política é sempre uma crise moral.” Quando reconhecemos esta verdade, percebemos que a crise financeira é também uma crise moral. E aí devemos questionar de que tipo de valores universais estamos necessitando, e o que é que devemos ter na sociedade para enfrentar isso. Aí percebemos que há coisas erradas no sistema de educação. Por causa de quem o controla? Porque não está interessado na pessoa humana que tu és, mas no tipo de profissões de que a economia precisa. Se o preço é a falta de qualidade, se o preço é a falta de dignidade humana, é haver tanta gente jovem sem instrumentos para lidar com a vida e para descobrir por si própria o sentido da vida ou que significado pode dar à sua vida, então criamos o “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. Aqui surge a sociedade kitsch. E a dada altura já é segunda- feira, a festa acabou, chegou a crise financeira e as pessoas já não conseguem pagar esta sociedade e surgem políticas de ressentimento, que é o que fazem os fascistas e é o que o Sr. Wilders está a fazer de forma brilhante. Que políticas são essas? Em vez de tentar fazer algo positivo com as preocupações das pessoas e com os problemas que existem, explora-os. De que forma? Usando a velha técnica do bode expiatório. “Isto acontece por causa do Islamismo, por causa dos países de alho, por causa dos polacos. Nós somos as vítimas, e vocês são o inimigo.” Ou “Isto é por causa da esquerda e das artes e da cultura, os hobbies da esquerda.” Este fulano [Wilders] é contra tudo o que pode alertar as pessoas para o fato de ele ser um dos maiores mentirosos de sempre.
  • 3. 3 Como as artes e a cultura que referiu? Sim. O que temos de enfrentar é: se toda gente vai à escola, se toda gente sabe ler, se tanta gente tem educação superior, como é que continuam a acreditar nestas porcarias sem as questionar? E porque é que tanta gente continua a achar que quando X ou Y está na televisão é importante, ou quando X ou Y é uma estrela de cinema é importante, ou quando X ou Y é banqueiro e tem dinheiro é importante? A insanidade disso... [suspiro] Se tirarmos as posições e o dinheiro destas pessoas, o que resta? Só pessoas tacanhas e mesquinhas, totalmente desinteressantes. Mas mesmo assim vivemos encantados com a ideia de que X ou Y é importante porque tem poder. É a mesma lenga-lenga de sempre: é pelo que se têm e não pelo que se é, porque eles não são nada. E a educação também está sempre sobre o que se pode vir a ter e não sobre quem se pode vir a ser. Reformar o ensino seria uma solução? Eu não sou pedagogo e quero mesmo acreditar que existe uma variedade de formas de chegar ao que penso que é essencial: que as pessoas possam viver com dignidade, que aceitem responsabilidade pelas suas vidas e que reconheçam que o que têm em comum – quer sejam da China, Índia, África ou esquimós – é que somos todos seres humanos. Sim, há homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais, pessoas de várias cores, mas somos todos seres humanos. Não podemos aceitar fundamentalismos e ideologias e sistemas econômicos como o capitalismo, mais interessados em dividir as pessoas, mais do que em uni-las. E de onde pode vir a união? Só pode ser baseada na aceitação de que existem valores universais. A Europa é um exemplo maravilhoso disso: há esta enorme riqueza de tradições e línguas e histórias, mas continuamos conseguindo estar abertos a novas culturas, quando pessoas vindas de qualquer parte podem se tornar europeias. Mas isto só acontece se valorizarmos e protegermos o espírito democrático. A democracia é o único modelo aberto e o seu espírito exige que percebamos que Espinoza estava certo, que o difícil é mais interessante que o fácil, que não devemos temer coisas difíceis porque só podemos evoluir se estivermos abertos ao difícil, porque a vida é difícil [exige esforço e energia]. Que para lá das habilidades de que precisamos para a profissão em que somos bons, todos precisamos de filosofia, todos precisamos da arte e da literatura para nos tornarmos seres humanos maduros, para perceber o que as nossas experiências internas encerram. É para isto que existem as artes, é por isso que vais ver um bom filme e ouves boa música e lês um poema. É por isso que a cultura está sob ataque? Aqui em Portugal o atual governo eliminou o Ministério da Cultura. É isso que o partido fascista está fazendo na Holanda e é o que outros estão fazendo em todo lugar. Óbvio! Quem quer matar a cultura são as pessoas mais estúpidas e vazias do mundo. Claro que é horrível para eles olharem-se ao espelho e verem “Sou apenas um anão estúpido”. Por isso querem livrar-se da cultura? Por isso e porque ela ajuda as pessoas a entender o que realmente importa. O medo da elite comercial é que as pessoas comecem a pensar. Porque é que os regimes fascistas querem controlar o mundo da cultura ou livrar-se dele por completo? Porque o poeta é a pessoa mais perigosa que existe para eles. Provavelmente mais perigoso que o filósofo. Quando usam o argumento de que a cultura não é importante e de que a economia não precisa da cultura, é mentira! Essa é a tal política de ressentimento, um grande instrumento precisamente porque eles nos querem estúpidos. E alimentam essa estupidez? Claro. A geração mais jovem tem de questionar as elites de poder. Sim, vocês precisam de emprego, mas, acima de tudo, precisam de qualidade de vida. E essa qualidade está relacionada com várias coisas: com a qualidade da pessoa que amas e com a qualidade dos teus amigos, com o que podes fazer que é importante e significativo para ti. Quando vês que te estão a tirar isso, percebes que não estão no poder para te servir, querem é que a sociedade os sirva. A democracia parece estar limitada a ir às urnas de x em x anos. O que é afinal uma verdadeira democracia? Quando Sócrates foi levado a julgamento disse “Vocês já não estão interessados na verdade” e isso continua a ser assim. É por isso que chamei ao meu primeiro livro “Nobreza de Espírito”,
  • 4. 4 porque para a teres não precisas de dinheiro, nem de graus acadêmicos. Nobreza de espírito é a dignidade de vida a que todos podem ter acesso e é a essência da democracia. O espírito democrático é mais do que ir às urnas e se eles [políticos eleitos] não se baseiam nessa nobreza, os sistemas colapsam, como estão a colapsar. Foi Platão que disse que “a democracia pode cometer suicídio” e é assim que começo o “Eterno Retorno do Fascismo”. A grande surpresa para Ortega y Gasset foi que, livres do poder da Igreja e da tirania e da aristocracia, finalmente havia democracia, e o que fazemos? Estamos a matá-la! Isso aconteceu na Espanha, em Portugal, na Itália, na Alemanha, esteve perto de acontecer na França... Há um livro lindíssimo que Sinclair Lewis escreveu, “Não pode acontecer aqui”, mas a verdade é que pode facilmente acontecer nos EUA. O livro de Philip Roth, “A Conspiração contra a América”, prova isso. Em 2009 o senhor escreveu uma carta a Obama, então presidente eleito. Quatro anos depois, que avaliação faz do mandato? Na altura eu era a favor de Hillary Clinton. Por quê? Porque acho que ela tem instintos políticos melhores e mais experiência política que Obama. Estava na América no dia em que ele foi eleito, em 4 de Novembro de 2008, e foi um momento histórico, mas teria sido igualmente histórico se a América tivesse escolhido uma mulher. O problema com Obama é que ele não é um grande presidente. [risos] Em que sentido? Tornou-se demasiado vulnerável aos interesses infestados. Montou uma equipe econômica com pessoas que vieram todas de Wall Street, como Larry Summers e Timothy Geithner. O poder do dinheiro no sistema político americano é assustador! E ele não conseguiu escapar disso. E depois a política é uma arte, e demasiados intelectuais pensam que, por terem lido sobre política, sabem de política. Não é verdade. A política tem a ver com pequenos passos, grandes passos são impossíveis numa democracia. Mas vamos esperar e rezar para que o Obama seja reeleito. Senão vamos ter um problema, todos nós. E já agora, e que no segundo mandato ele consiga fazer mais, ele tem esse dever. Obama legalizou em Janeiro a detenção por tempo indeterminado e sem julgamento de qualquer suspeito de ligação a redes terroristas. O que o senhor pensa disso? Se lhe perguntasse sobre isso, ele dir-te-ia: “Aqui que ninguém nos ouça, não tive outra alternativa”. O problema sério com que temos de lidar tem a ver com o poder das mídias. Eles querem vender e só podem vender se tiverem notícias [e escândalos] de última hora, constantes. Têm de alimentar este monstro chamado público. Tudo tem de ser a curto prazo. Na política é o mesmo, é sobre o dia seguinte. Onde está a elite política que quer pensar à frente, a um ou dois ou dez anos? Onde estão as mídias que expliquem às pessoas a importância do longo prazo? Na economia é o mesmo. Tudo tem de ser agora. Perdemos a noção de tempo. No mundo político, as pessoas deviam poder dizer: “Não sei a resposta a essa questão. Dê-me uma semana e falarei contigo.” Mas se um político disser “Não sei”, está morto. Vivemos a política do instante, onde as questões estruturais são esquecidas. Veja, estou cá [em Lisboa] a convite de Mário Soares. O que quer que se pense sobre ele ou sobre Mitterrand, etc, essa geração viveu a guerra, experienciou a vida, leu livros. Cometeram erros? Claro que sim, mas é uma classe completamente diferente de tantos políticos atuais, jovens, sem experiência, que não sabem nada. Nada! Se lhes perguntarmos que livros leram, eles quase têm orgulho do fato de não ler! O que pensa dos movimentos como os Occupy ou o 15M de Espanha? É extremamente esperançoso que estejamos a nos livrar da passividade. Finalmente temos uma nesga de ar, mas precisamos de um próximo passo, só protestar não basta. A História mostra-nos que as mudanças vêm sempre de um dos três grupos: mulheres, jovens ou minorias. Acho que agora vai ter de vir dos jovens. Se isto continuar por mais três ou cinco anos, o futuro deles estará arruinado, não haverá emprego, casas, segurança social, nada. É tempo de reconhecer isto, de se dizer publicamente, de parar e depois avançar. Se os jovens pararem os jornais, os jornais acabam. Se os jovens decidirem que não vão às universidades, elas fecham.
  • 5. 5 Mas parece não haver união para isso. É preciso solidariedade! Será que precisamos assistir o Batman outra vez? Qual é o papel do Joker? É dividir as pessoas! Os atuais políticos são Jokers? No mínimo não estão fazendo o que deviam. Não estão dizendo a verdade. O disparate de que todas as nações europeias não podem ter um déficit maior que 3% é pura estupidez econômica. Temos de investir no futuro. Como? Investindo numa educação como deve ser, que garanta seres humanos bem pensantes e não sirva apenas aos interesses da economia. Investindo na qualidade das mídias... O dinheiro que damos aos bancos é milhões de vezes superior ao que é preciso para as artes, a cultura, a educação... A WikiLeaks revelou que a CIA espiou o 15M e que divulgou um documento onde diz ser preciso evitar que destes movimentos “surjam novas ideologias e líderes”. Uau! Isso prova o que defendo! Não sabia disso mas é muito interessante. Veja, porque é que temos democracias? Porque percebemos que o poder é um animal estranho para todos os que o detêm e que ninguém é imune a ele. Se dermos poder às pessoas elas começam a comportar-se como pessoas poderosas. Philip Zimbardo levou a cabo esta experiência, o Efeito Lucifer, na qual uns fingiam ser prisioneiros e outros guardas. A experiência teve de ser parada, porque os “prisioneiros” começaram a perder a sua individualidade e a portar-se como escravos e os “guardas” tornaram-se violentos e sádicos. De repente percebemos: “Uau, é isto a natureza humana, é disto que somos capazes.” Lição aprendida: há que se controlar o poder, venha ele de onde vier. A sociedade é que pode controlá-lo? Sim, todos têm de aceitar uma certa responsabilidade. Os intelectuais têm de se manter afastados do poder, porque só assim podem dizer a verdade. As mídias também, porque sem sabermos os fatos a democracia não sobrevive. Se esses mundos do poder não tiverem total controle, as pessoas têm tentações. Quem tem dinheiro quer mais dinheiro, quem tem poder quer mais poder. E há que se garantir a distribuição equilibrada destas coisas na sociedade. Só quando soube que vinha entrevistá-lo é que li sobre o Instituto Nexus. Está perdoada, não somos famosos. (risos) Porque é que decidiu criá-lo? Quando estava na universidade percebi que lá já não é mais o lugar onde podemos adquirir conhecimento e onde há conversas intelectuais, essenciais à evolução. Na altura conheci um judeu que dedicou tudo – tempo, energia, dinheiro – a resgatar o que Hitler queria destruir: a cultura europeia. Abriu uma editora, uma biblioteca, uma livraria. Tornou-se meu professor e começamos um jornal, o Nexus, e depois da primeira edição percebemos que tínhamos de levar a ideia a outro nível e criar uma infraestrutura aberta onde intelectuais de todo o mundo pudessem discordar uns dos outros e falar de tópicos importantes. Qual será a próxima conferência? Em 2 de Dezembro, sobre “Como mudar o mundo”. O Slavoj Zizek vai lá estar, um deputado britânico conservador também, [o escritor] Alessandro Baricco. E no próximo ano vamos abrir um café com uma livraria europeia e um salão cultural, num antigo teatro de Amsterdam. Se tivesse dinheiro gastava-o a abrir um assim em cada cidade, arranjava orquestras... Temos de reconstruir as infraestruturas culturais, precisamos disso com urgência. E nós é que temos de fazer isso, porque as elites no poder não o vão fazer. Fonte: http://www.ionline.pt/mundo/rob-riemen-classe-dominante-nunca-sera-capaz-resolver-crise-ela-crise-1 Livros NOBREZA DE ESPÍRITO: um ideal esquecido – Rob Riemen – Editora Vozes, 2011 O ETERNO RETORNO DO FACISMO – Rob Riemen – Editora Bisâncio, 2012 (Portugal) https://www.nexus-instituut.nl/en/speakers-authors/1-rob-riemen Vídeos https://www.youtube.com/user/TheNexusInstitute