Erros diag na avaliação inicial de cardiopatia em crianças
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Amaral & Granzotti
Erros diagnósticos na avaliação inicial de crianças com suspeita de cardiopatia
Arq Bras Cardiol
2003; 81: 148-51.
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, Hospital do Coração de Ribeirão
Preto - Fundação Waldemar B. Pessoa e Faculdade de Medicina da UNAERP.
Correspondência: Fernando Amaral, Av. Independência, 1387 - 14025-390
Ribeirão Preto – SP. E-mail: ftvamaral@bol.com.br
Recebido para publicação em 13/08/02
Aceito em 20/11/02
Arq Bras Cardiol, volume 81 (nº 1), 148-51, 2003
Fernando Amaral, João A Granzotti
Ribeirão Preto, SP
Erros Diagnósticos na Avaliação Inicial de Crianças com
Suspeita de Cardiopatia. Prevalência e Possíveis
Conseqüencias a Longo Prazo
Artigo Original
Criançasencaminhadasaumambulatóriodecardiolo-
gia pediátrica com o objetivo de se afastar a presença de
cardiopatia congênita representam um volume considerá-
veldoatendimentodiário.Comojádemonstrado,amaioria
desses casos, após avaliação adequada, é considerada de
pacientesnormais,dopontodevistacardiovascular.Entre-
tanto, um pequeno número de pacientes tem cardiopatia,
geralmentecompoucarepercussãohemodinâmica1-3
.Esses
números tendem a ser diferentes quando a experiência de
umcentroterciáriodeatendimentoéanalisada,ondeainci-
dência de cardiopatia congênita é, habitualmente, muito
alta4
.Aavaliaçãoinicialdessespacientes,geralmente,éfei-
ta pelo pediatra local e o sopro cardíaco é o achado clínico
mais frequente2,3,5
. Esses casos são então vistos pelo car-
diologista pediátrico e o exame clínico isolado, frequente-
mente,permitequeodiagnósticodiferencialentreumsopro
inocente e um patológico possa ser feito, sem necessidade
deexamescomplementares1,6
.
Comoobjetivodeseverificarograudeacuráciaclínica
nacaracterizaçãodeumsopro,comoinocenteoupatológi-
co,investigaçõesclínicastêmdemonstradoqueoíndicede
concordância entre o diagnóstico inicial (clínico) e o diag-
nóstico final (clínico + exames) pode atingir, aproximada-
mente,90%,demonstrando,assim,umaltograudesensibi-
lidade do exame físico isolado efetuado por cardiologista
pediátrico experiente1
.Apesardessealtoíndicedeconcor-
dânciadiagnóstica,osdiagnósticosinicialefinalpodemser
diferentes em aproximadamente 10% dos casos. Esse fato
pode gerar consequências potencialmente desfavoráveis a
essas crianças, visto que temos dado alta ambulatorial aos
pacientes com diagnóstico inicial de sopro inocente sem
realização de exames complementares, exceto o eletrocar-
diograma. Mesmo considerando que os erros na avaliação
inicialdessespacientesrevelemindivíduoscomformasle-
ves de cardiopatia, os números relatados são baseados em
experiênciascompequenonúmerodepacientes1,5,7
,incluin-
do a nossa6
, quando estudamos a importância dos exames
laboratoriaisemcriançascomsoprocardíaco.Comoobjeti-
Objetivo - Verificar a incidência de erros diagnósti-
cos na avaliação inicial de crianças com sopro cardíaco.
Métodos –Avaliada a experiência de 7 anos de aten-
dimento em ambulatório de cardiologia pediátrica da
rede pública. Entre 3692 pacientes encaminhados, 2603
tinham sopro, completaram a investigação e foram estu-
dados. Os pacientes com discordância entre o diagnósti-
co inicial e final foram divididos em 2 grupos: G1 (n=17)
com diagnóstico inicial de sopro inocente e diagnóstico
final de cardiopatia e G2 (n=161) com diagnóstico inicial
de cardiopatia e diagnóstico final de coração normal.
Resultados – No G1, a grande maioria dos defeitos
estruturais encontrados era de discreta repercussão
hemodinâmica, como comunicação interventricular pe-
quena e estenose pulmonar leve. No G2, a grande maioria
dos defeitos estruturais suspeitados era de comunicação
interventricular, comunicação interatrial e estenose
valvar pulmonar.
Conclusão – A análise global mostra que o erro
diagnóstico na avaliação inicial de crianças com sopro
cardíaco é real, atinge aproximadamente 6% dos casos e
a grande maioria deles é de pacientes com diagnóstico
inicial de cardiopatia não confirmada pelos exames com-
plementares. O exame clínico cardiovascular é um exce-
lente recurso na avaliação de crianças com suspeita de
cardiopatia. A alta ambulatorial imediata de crianças
com diagnóstico inicial de sopro inocente parece ser uma
conduta adequada.
Palavras-chave: cardiopatia congênita, sopro, crianças
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vodeverificaraincidênciadeerrosdiagnósticosnaavalia-
ção inicial de crianças com sopro cardíaco, revisamos
nossaexperiênciade7anosemambulatóriodecardiologia
pediátricadaredepúblicadesaúdeemRibeirãoPreto.
Métodos
Entre setembro/1990 e agosto/1997, 3692 crianças,
examinadasinicialmentenasUnidadesBásicasdeSaúdena
cidadedeRibeirãoPreto,foramencaminhadasparaavalia-
çãocardiológicapediátrica.Oexameclínicofoirealizadoem
todos em decúbito dorsal e em ambiente adequado e 2603
pacientes foram encaminhados devido à presença de um
sopro cardíaco completando a investigação diagnóstica
solicitada, consistindo de eletrocardiograma para todos e
radiografiasimplesdotórax,maisecocardiogramaparaos
casos suspeitos (casos duvidosos ao exame clínico)1
e para
aqueles obviamente patológicos (pacientes com sopro cla-
ramentenãoinocente).Comojámencionado2,3,6
,nãosolici-
tamosecocardiogramaderotinaeoscasosdesoproinocen-
teestudadosquejátinhamecocardiogramarealizadoforam
aquelesjáencaminhadoscomoexamerealizadoeconside-
rados confiáveis. Esses pacientes foram avaliados e os
casos onde foi detectada discordância entre os diagnósti-
cos inicial e final foram divididos em dois grupos: grupo 1
(17 pacientes) com diagnóstico inicial de sopro inocente e
diagnóstico final de cardiopatia e grupo 2 (161 pacientes)
comdiagnósticoinicialdecardiopatiaediagnósticofinalde
coração normal.
Resultados
Entre os 2603 casos estudados, discordância entre o
diagnósticoinicialefinalfoidetectadaem178(6,7%)casos.
Grupo1 (diagnósticoinicialdesoproinocenteediag-
nósticofinaldecardiopatia): 17(0,7%)pacientes,9dosexo
femininoe8dosexomasculino.Amaioriadeles(47%)esta-
va na idade escolar, 29% na idade pré-escolar e 24% eram
lactentes. Quatorze (82%) pacientes tinham sido encami-
nhados somente devido a um sopro cardíaco, enquanto 3
tambémtinhamradiografiadetóraxaparentementeanormal,
históriadefebrereumáticaesuspeitadearritmia.Odiagnós-
ticofinaldesses17casosfoi:comunicaçãointeratrial(CIA):
4 (24%); insuficiência mitral: 3 (17%); prolapso da valva
mitral(PVM):3(17%);síndromedeWolff-Parkinson-White:
2(12%)emiocardiopatiadilatada,comunicaçãointerventri-
cular(CIV)pequena,estenosepulmonarleve,insuficiência
aórtica leve e dilatação idiopática do tronco pulmonar: 1
caso(6%)cada.
Em3casos,acardiopatiafoidetectadabaseadaunica-
mente nos exames laboratoriais: 2 casos de síndrome de
Wolff-Parkinson-White diagnosticada pelo eletrocardio-
grama e 1 caso de miocardiopatia dilatada suspeitada pela
radiografiasimplesdotórax(tab.I)
Grupo2 (diagnósticoinicialdecardiopatiaediagnós-
tico final de coração normal): 161 (6,2%) pacientes, 102
(63%) do sexo masculino e 59 (37%) do sexo feminino. A
maioriadeles(36%)estavanaidadeescolar,32%naidade
pré-escolar, 26% eram lactentes e 6% neonatos. Cento e
trintaeoito(86%)pacientestinhamsidoencaminhadosso-
mentedevidoaumsoprocardíacoenquanto23outrostam-
bémtinham:radiografiadetóraxaparentementeanormal:8
(5%), dor precordial: 5 (3%), dispnéia: 5 (3%), síncope: 3
(2%),arritmiaehistóriadefebrereumática:1(0,5%)cada.
O diagnóstico inicial desses 161 casos foi: CIV: 72
(45%);CIA:30(19%);estenosepulmonarvalvar:13(8%);
estenose aórtica valvar: 11 (7%); estenose subaórtica: 10
(6%);miocardiopatiadilatada:8(5%);PVM:6(4%);persis-
tênciadocanalarterial:5(3%);valvaaórticabicúspideein-
suficiênciamitral:2(1%)cada;coarctaçãodaaortaeprolap-
sodavalvatricúspide:1(0,5%)cada(tab.II).
Discussão
É bem conhecido que o sopro cardíaco é a causa mais
comumdepacientesseremencaminhadosaumambulatório
de cardiologia pediátrica. Esses sopros são habitualmente
detectadosduranteoexamepediátricoderotinaeamaioria
Tabela I – Achado semiológico em 17 casos com diagnóstico inicial
de sopro inocente e exames complementares anormais (G1)
Nº de casos Achado semiológico Diagnóstico – ECO
4 SS FP + B2 normal CIA
3 SS 3º e 4º EICE IM leve (Doppler)
3 SS 3º e 4º EICE Prolaso Mitral
2 SS FP WPW (ECG)
1 SS FP + RX anormal Miocardiopatia
1 SS 3º e 4º EICE CIV pequena
1 SS FP EP leve
1 SS FP Dilatação TAP
1 SS 3º e 4º EICE IA Leve (Doppler)
SS- sopro sistólico; FP- foco pulmonar; B2- 2ª bulha; CIA- comunicação
interatrial; EICE- espaço intercostal esquerdo; WPW- síndrome de Wolff –
Parkinson – White; Rx- radiografia simples de tórax; CIV- comunicação
interventricular; EP- estenose pulmonar; IA - insuficiência aórtica
Tabela II - Achado semiológico e suspeita clínica no diagnóstico
inicial de 161 casos com exames complementares normais (G2)
Nº de casos Achado semiológico Suspeita Clínica
72 SS 3º e 4º EICE CIV
30 SS FP CIA
13 SS FP EP
11 SS FAo. EAo.
10 SS 3º e 4º EICE EAo. Subvalvar
8 Rx anormal Miocardiopatia
6 SS Mitral Prolapso Mitral
5 SS FP (neonato) Canal arterial patente
2 SS Mitral IM
2 Click aórtico VAB
1 Pulsos Femorais ⇓ CoAo
1 SS tricuspide Prolapso tricúspide
Fao- foco aórtico; EAo- estenose aórtica valvar; VAB- valva aórtica bicús-
pide; ⇓ amplitude diminuída; CoAo- coarctação da aorta; restante como
tabela I
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deles é considerado inocente1-3
. Salienta-se que este diag-
nóstico pode usualmente ser estabelecido unicamente atra-
vésdoexameclínico,semnecessidadedeexameslaborato-
riais,desdequeumcardiologistapediátricoexperienteeste-
ja envolvido no processo diagnóstico1,5-7
. Baseados nessas
conclusões e também em vista do alto custo dos exames
laboratoriais8
,nossarotinatemsidodaraltaparapacientes
comsoproinocentesemrealizarexamescomplementares,
excetooeletrocardiograma,aindarealizadoderotina.Entre-
tanto, como já relatado1,7
, este diagnóstico clínico inicial
pode estar errado em aproximadamente 10% dos casos,
geralmenteconfundidocomcardiopatiasdepequenareper-
cussão clínica. Recentemente, tivemos a oportunidade de
confirmar essas observações6
, demonstrando que o exame
clínicoisoladopodeserbastantesensível,porémnemsem-
pre absoluto, na diferenciação entre o sopro inocente e o
patológico.Apesardessacondutadealtaambulatorialime-
diatadecriançascomsoproinocenteserbaseadaeminves-
tigações bem conduzidas, deve ser notado que foram reali-
zadas com número relativamente pequeno de pacientes.
Nesseaspecto,Newburgerecols7
estudaram280pacientes,
enquanto Geva e cols5
analisaram 100 casos e Smythe e
cols1
,emeleganteinvestigação,estudaram161casos.Essas
3 importantes pesquisas chegaram a mesma conclusão, ou
seja,oexameclínicoéométodomaisútilnaavaliaçãoinicial
decriançasencaminhadasparaavaliaçãodesoprocardíaco.
Este trabalho apresenta nossa experiência de 7 anos
emambulatóriodaredepúblicadesaúdenacidadedeRibei-
rão Preto, SP, com uma população de 500 mil habitantes.
Como já mencionado2
, esses pacientes são usualmente
encaminhadosdas33UnidadesBásicasdeSaúde,localiza-
dasnaperiferiadacidade,paraumaunidadeespecializada
central. Basicamente, são duas as situações discordantes
encontradas:criançascomdiagnósticoinicialdesoproino-
centeeanomaliacardiovasculardetectadanosexamescom-
plementaresepacientescomdiagnósticoinicialdecardio-
patianãoconfirmadapelosexameslaboratoriais.
Grupo1-diagnósticoinicialdesoproinocenteediag-
nósticofinaldecardiopatia:devidosuaaltaprevalênciaentre
crianças normais, o sopro inocente é considerado tema
importantequandosediscutecardiopatianacriança9-13
.Ape-
sardenãosesolicitar,rotineiramente,examescomplementa-
res em crianças com diagnóstico inicial de sopro inocente,
exceto o eletrocardiograma, deve ser notado que esse gru-
pofoiformadoporpacientesencaminhadoscomosexames
adequadamentejárealizados.Nestasituação,encontramos
17(0,7%)casoscomdiagnósticoinicialdesoproinocentee
examesanormais.Apesardaanáliseindividualserconside-
rada14
,acreditamosqueessenúmerorefleteumaincidência
muitopequenanumgrupodealtorisco,vistoqueseosexa-
mes não tivessem sido realizados os pacientes teriam tido
alta imediata. Além disso, olhando cuidadosamente esses
casos, encontramos que 5 deles poderiam ter sido conside-
radosnormais:3casoscominsuficiênciamitrallevee1com
insuficiência aórtica leve, diagnosticados exclusivamente
pelo Doppler, e um com dilatação idiopática do tronco da
artériapulmonarque,apesardararaocorrênciadecomplica-
ções15
, é usualmente considerado um achado normal. É
importantesalientarquenocasocomhistóriadefebrereu-
mática,nãohaviaregurgitaçãoaórticanoecocardiograma,o
que, entretanto, pode ocorrer.
Excluindo esses 5 casos, temos então 12 (0,4%) paci-
entes com realmente alguma forma de cardiopatia. Enfati-
zamos que todos esses defeitos acarretam poucas conse-
qüênciashemodinâmicasaessespacientesetêmumbaixo
potencialdecomplicaçõesalongoprazo,excetoumcasode
miocardiopatiadilatadacomprognósticoincerto.Podemos
assim concluir que se esses grupo de pacientes tivesse seu
diagnósticoestabelecido,baseadounicamentenodiagnós-
ticoinicialdesoproinocente,etivessealtaambulatorialime-
diata, o risco de complicações a curto e a médio prazo seria
muitobaixo,porémreal,vistoentidadescomoCIVpequena,
PVM,CIApequena,estenosepulmonarleveesíndromede
Wolff-Parkinson-White assintomática são consideradas
doenças de baixo risco.
Grupo2-diagnósticoinicialdecardiopatianãoconfir-
madapelosexamescomplementares:161(6,2%)casosforam
detectados, mostrando que, inicialmente, cardiopatia foi
diagnosticada em excesso. Uma análise detalhada nesse
grupodepacientesrevelou-nosqueodiagnósticoinicialde
cardiopatia talvez pudesse ser modificado se os pacientes
tivessemsidoreexaminados.Porexemplo,oscasosinicial-
mente suspeitos de serem portadores de uma CIV pequena
(n=72)ouestenosesubaórtica(n=10)correspondiamamais
de 50% desse grupo e representavam uma situação onde o
diagnóstico foi estabelecido baseado na presença de um
soproinocentedeStill,quepode,àsvezes,assemelhar-seao
sopro encontrado nesses dois defeitos. Outra situação fre-
qüentemente encontrada são crianças com sopro sistólico
nofocopulmonar.Em43dosnossoscasos,CIAouesteno-
se pulmonar leve foi suspeitada com base na presença des-
sesopro,entretantonãoconfirmadapelosexamescomple-
mentares. Deve ser lembrado que este sopro é o segundo
mais comumente encontrado em crianças e a possibilidade
de diagnóstico diferencial com CIA ou estenose pulmonar
leve já foi relatada12
. Um aspecto interessante no nosso
material foi a suspeita de miocardiopatia dilatada baseada
exclusivamentenoachadoradiológico.Curiosamente,essa
anomalianãofoiconfirmadapeloecocardiogramaeoapa-
renteaumentodaáreacardíacafoiatribuídoàtécnicainade-
quadanarealizaçãodoexame.
Apesar de todas essas considerações, tornou-se cla-
ro que o diagnóstico de cardiopatia foi elaborado excessi-
vamente nesse grupo de pacientes, desencadeando exames
potencialmente evitáveis, apesar de não prejudiciais aos
pacientes, exceto pelo impacto psicológico resultante.
Baseadosnessasinformaçõesacreditamospoderafir-
mar que a possibilidade de erro diagnóstico na avaliação
clínicainicialdecriançasencaminhadasdevidoaumsopro
cardíacoéreal,alcançandoaproximadamente6%doscasos
e,nanossaexperiência,agrandemaioriadelesédepacien-
tes com diagnóstico inicial de cardiopatia não confirmada
pelos exames complementares. Em relação ao grupo onde
existemcomplicaçõespotencialmentedeletériasaospacien-
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tes,ouseja,pacientescomdiagnósticoinicialdesoproino-
cente e exames anormais (grupo 1), o número encontrado
foimuitobaixo(0,7%)eosdefeitosdiagnosticadosimplica-
vam em pouca repercussão hemodinâmica. Deve também
ser notado a possibilidade de achado ocasional de cardio-
patiaatravésdeexamescomplementares,comofoiocasode
doispacientescomsíndromedeWolff-Parkinson-Whitee3
comprolapsovalvarmitraldetectadospeloecocardiograma
e ausculta sugestiva de sopro inocente
Considerando-se que os custos de uma investigação
diagnóstica devem ser considerados, particularmente em
nosso país e, fundamentalmente, nos serviços públicos de
saúde, gostaríamos de concluir que uma avaliação cardio-
vascular clínica adequadamente realizada pode se consti-
tuireminstrumentoexcelentenaavaliaçãodecriançascom
suspeita de cardiopatia16
. Os dados aqui apresentados
mostram, como já discutido17
, que cardiopatia congênita
tende a ser diagnosticada em excesso, tornando aconse-
lhável uma avaliação bastante cuidadosa antes de ser
rotuladaumadeterminadacardiopatia.Aaltaambulatorial
imediata de crianças com sopro inocente parece-nos uma
conduta aceitável. Instituições envolvidas em ensino de
graduaçãoepós-graduaçãodevemenfatizaraimportância
do exame clínico na avaliação de crianças com suspeita de
cardiopatia.
Críticasaoestudo:ainvestigaçãonãoéoriginal,visto
quepublicaçõesanterioresjáteremabordadootema.Entre-
tanto, o grande número de pacientes e a ausência de estudo
semelhantenopaístornamainvestigaçãorelevante,princi-
palmente, considerando-se nossas características sociais.
O pragmatismo exposto na conduta clínica, inerente aos
resultados encontrados, pode ser criticado, porém é sus-
tentado pela impossibilidade prática da realização de eco-
cardiogramaemtodacriançaencaminhadacomsuspeitade
cardiopatia. Em outros centros, tal conduta pode ser factí-
vel, tratando-se, porém, de pacientes já triados. Apesar da
relativabenignidadedascardiopatiasencontradasnogrupo
1, o número de pacientes é pequeno, havendo ainda, dentro
domaterialapresentado,umgrandenúmerodepacientescom
diagnóstico inicial de sopro inocente não estudado ecocar-
diograficamente, que pode, eventualmente, ser portador de
algum defeito estrutural. A investigação ecocardiográfica
atravésestudoespecífico,preferencialmenteprospectivo,de
um maior número de crianças com diagnóstico inicial de
sopro inocente pode substanciar os resultados encontrados
e a conduta sugerida para esses pacientes.
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