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PENSANDO O SIGNIFICADO DAS COTAS SOCIAIS E RACIAIS 
NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS 

Gregório Durlo Grisa* 

RESUMO: No exercício de pensarmos um pouco sobre o cenário social e racial 
das universidades públicas brasileiras, é impossível hoje não tratarmos das ações 
afirmativas  promovidas  através  da  reserva  de vagas para alunos negros oriundos 
de  escola  pública,  como  ocorre  na  UFRGS.    As  cotas,  como  são  popularmente 
conhecidas, são  aqui  o veículo que utilizaremos para viajar nos campos teóricos 
da sociologia, da política e da educação. É importante destacarmos, portanto, que 
a questão das cotas para negros no ensino superior não encerra, de modo algum, o 
debate  acerca  da  questão  racial,  social  e  histórica  do  nosso  país.  O  presente 
trabalho trás alguns argumentos na defesa das políticas de cotas sociais e raciais, 
assim como uma reflexão sobre o conceito de “raça” e a formação social do Brasil 
e da América latina. 

PALVRAS CHAVE: Cotas, Racismo e Classes sociais. 

Nesse  primeiro  semestre  de  2008,  o  Supremo  Tribunal  Federal  recebeu 
tanto  um  manifesto  que  alega  à  inconstitucionalidade  da  implantação  de  cotas 
raciais nas universidades públicas brasileiras, quanto outro manifesto favorável às 
cotas. O tema passa a ser pauta de estudo da corte maior do país, assim como dos 
debates universitários contemporâneos. 
Ao  lermos  uma  entrevista  na  revista  “Isto  é”,  de  28/05/2008,  da 
procuradora  do  Distrito  Federal,  Roberta  Fragoso  Kaufmann,  que  é  contrária  à 
política de cotas, ficamos bastante preocupados com o que envolve o julgamento 
do  STF.  A  procuradora,  que  assinou  o  manifesto  de  oposição  às  cotas,  traz 
argumentos  bastante  discutíveis,  comparações  dissociadas  da  realidade  e
* 

Pedagogo formado na UERGS, especialista em Psicopedagogia Social pela FACOS e mestrando 
do Programa de Pós­graduação em Educação da UFRGS, orientando da Professora. Dra. Marlene 
Ribeiro.
2 

generalizações em relação à temática. Nossa preocupação, porém, não advém daí, 
mas  sim,  do  fato  de  que  essa  procuradora  trabalhou  como  assessora  e 
pesquisadora do ex­presidente do STF e atual ministro Marco Aurélio de Mello, a 
quem  ela  se  refere  como  seu  mentor  intelectual,  e  ainda  foi  orientada,  no  seu 
mestrado,  pelo  ministro  Gilmar  Mendes,  atual  presidente  do  STF,  que  também 
escreveu  o  prefácio  do  seu  livro  “Ações  afirmativas  à  brasileira  necessidade  ou 
mito”. 
Diante  dessa  conjuntura  é  que  receamos  sobre  o  caminho  que  seguirá  o 
julgamento  do  STF,  pois,  como  nos  aponta  o  ministro  Joaquim  Barbosa,  único 
negro  dos  onze  da  suprema  corte,  no  seu  texto  “O  uso  da  lei  no  combate  ao 
racismo: direitos difusos e ações civis públicas”: 
Dada  a  avassaladora  predominância  de  uma  visão  conservadora  nos 
meios  jurídicos  brasileiros,  não  constituiria  nenhuma  surpresa  o 
eventual  surgimento  de  corrente  de  pensamento  tendente  a 
desqualificar  o  fator  étnico­racial  como  elemento  determinante  de 
legitimação para efeitos da ação civil pública. Aliás, uma tal corrente 
de  pensamento  não  seria  estranha  às  tradições  jurídicas  brasileiras, 
que  tendem  sempre  a  deixar  de  lado  a  discussão  da  essência  das 
coisas  para  privilegiar  a  abordagem  de  aspectos  secundários, 
periféricos, processuais. (2000, p. 395). 

Levando  em  conta  essa  característica  da  justiça  brasileira  que  reflete  os 
frutos e os aperfeiçoamentos ideológicos de uma sociedade historicamente racista, 
é  que  estamos  temerosos  sobre  as  decisões  do  Supremo.  E  essa  decisão 
certamente  orientará  uma  padronização  de  resoluções  jurídicas  sobre  as  cotas  e 
políticas  raciais  afirmativas. Em meio a isso é que percebemos a necessidade de 
pontuarmos algumas questões gerais sobre o racismo e sua configuração, para nos 
posicionarmos a favor das cotas nas universidades do país. 
O Brasil carrega na sua história como Estado, um profundo abandono para 
com o povo negro aqui escravizado por séculos. Em nenhum momento, o poder 
público em nosso país propôs políticas que reparassem ou pelo menos atendessem 
aos  direitos  e  às  necessidades  do  negro  brasileiro.  Entretanto,  esse  recorte  da 
dívida  histórica,  que  existe  e  pode  ser  entendido  nos  bons  livros  que  tratam  do 
período  da  abolição  e  pós­proclamação da república, não será a centralidade do 
nosso argumento.
3 

Inicialmente,  queremos  deixar  claro  que,  quando  falamos  em  raça 
enquanto  conceito,  a  entendemos  na  perspectiva  sociológica,  ou  seja,  que  raça 
existe em nossa contemporaneidade e é fruto de um conjunto complexo de fatores 
culturais  e  históricos.  Destacamos  isso  para  afirmar  nosso  repúdio  pela 
argumentação de que raça não existe e pela utilização de princípios biológicos e 
genéticos  para  responder  e naturalizar  questões  essencialmente  históricas.  Agora 
que  se  discute  o  critério  de  raça  e  renda  para  configurar  as  políticas  de  cotas, 
alguns ingênuos ou conservadores, afirmam que raça não existe, todavia, quando 
foi  feita  a  divisão  social  do  trabalho  do  período  colonial  e  quando  falamos  na 
ocupação  dos  espaços  de  poder  em  nossos  dias,  o  critério  de  raça  ainda  é 
balizador.  A  raça  biologicamente  é  uma  só,  mas  histórica  e  socialmente  não,  o 
debate sobre a utilização do conceito raça  se estende no campo sociológico o qual 
não  iremos  adentrar  aqui,  porém  concordamos com  o  professor  Antonio  Sérgio 
Alfredo Guimarães quando diz: 
Minha  opinião,  todavia,  é  que  se  torna  muito  difícil  imaginar  um 
modo  de  lutar  contra  uma  imputação  ou  discriminação  sem  lhe  dar 
realidade  social. Se  não for  à “raça”, a que  atribuir as discriminações 
que somente se tornam inteligíveis pela idéia de “raça”? Atribuindo­as 
a  uma  realidade  subjacente  que  não  é  articulada  verbalmente,  ou  a 
formas  mais  gerais  e  abstratas  de  justificar  estruturas  de  dominação? 
(1999, p. 27). 

A idéia de raça, portanto, se refere ao campo ideológico de análise, é um 
conceito que procura entender os “aspectos subjetivos que orientam ações sociais 
intencionais” (1999, p. 31). O pressuposto necessário para que se desenvolva um 
pensamento  (ideologia)  que  justifique  qualquer  tipo  de  discriminação  ou 
exploração  é  a  existência  de  uma  realidade  material  social  que  tenha  essas 
características  como  base  concreta,  isto  é,  que  seja  dotada  de  relações  de 
exploração  e  discriminação.  Por  entendermos  que  as  configurações  sociais  são 
históricas,  para melhor compreendermos essa questão, faz­se imprescindível que 
nos  remetamos  à  formação  social  da  América  Latina  com  o  processo  de 
colonização. 
A  descoberta  e  ocupação  da  América  pelos  europeus  representam  uma 
mudança no rumo da história da humanidade, é, somente, a partir de então que o
4 

poder imperial europeu se consolida, que o próprio modo de produção capitalista 
acha  suas  matérias­primas  e  seus  mercados  para  se  desenvolver  plenamente.  Ao 
produzir essas transformações de caráter estrutural e econômico, as colonizações 
também  são  marcadas  por  engendrarem  um  amplo  jogo  de  relações  entre 
diferentes  povos  e  culturas,  nosso  exercício  aqui  é  procurar  compreender  quais 
foram  os  critérios  de  organização  desse  jogo.  Com  a  chegada  dos  europeus 
colonizadores,  cria­se  um  conjunto  de  identidades baseadas  na  idéia  de  raça,  os 
índios, mestiços e, um pouco depois, o negro surgem, na perspectiva moderna, a 
partir do processo colonizador. Essa distinção racial já não se refere aos aspectos 
geográficos ou de costumes, mas, eminentemente, à diferença das raças na divisão 
do  trabalho.  Aníbal  Quijano  nos  diz  em  seu  artigo  “Colonialidade  do  Poder, 
Eurocentrismo e América Latina” que: 
Em  primeiro  lugar,  as  diferenças  entre  conquistadores  e 
conquistados  codificaram­se  na  idéia  de  raça,  ou  seja,  em  uma 
suposta estrutura biológica diferente, que localizava uns em  situação 
natural de inferioridade em relação aos outros (...) na medida em que 
as  relações  sociais  que  se  estavam  configurando  eram  relações  de 
dominação,  tais  identidades  (índio,  mestiço  e  negro)  foram 
associadas  às  hierarquias,  lugares  e  papéis  sociais correspondentes  a 
cada  um  e  interpretadas  como  determinantes  destas  e,  portanto,  do 
padrão  de  dominação  colonial  que  se  impunha.  Em  outras  palavras, 
raça  e  identidade  racial  foram  estabelecidas  como  instrumentos  de 
classificação social básica da população. (2005, p. 36, 37). 

Portanto, percebe­se que a idéia de raça é uma invenção cultural e social e 
que realmente não corresponde a nenhum aspecto no que se refere às diferenças 
biológicas.  Entretanto,  afirmamos  que  raça  existe  como  conceito  sociológico, 
porque  essa  'invenção'  compõe  todo  o  entrelaçado  e  imanente  conjunto  das 
relações sociais brasileiras. 
Cientes  de  que  corremos  o  risco  de  resumir em demasia a complexidade 
do tema, queremos propor que o racismo como valor cultural, tem como um dos 
seus fatores explicativos a sistemática divisão racial do trabalho feita através dos 
tempos  em  escala  global  e,  principalmente,  na  América  Latina,  no 
desenvolvimento  da  sociedade  colonial­moderna.  O  entendimento  de  que 
determinadas  raças  deveriam  ser  responsáveis  por  setores  de  trabalho 
considerados  inferiores  construiu  verdades  históricas  que  estão  muito  presentes.
5 

Como  exemplo,  ainda  vemos  que  a  maioria  das  atividades  domésticas  sem 
registro e desprovidas de direitos é exercida, no Brasil, por mulheres negras e, nos 
países  de  capitalismo  avançado,  os  serviços  braçais,  pesados,  desgastantes  são 
feitos por 'latinos' e imigrantes em geral. 
O fato de percebermos na colonização a ligação direta entre trabalho não 
remunerado  (escravo)  e  as  raças  dominadas  (índio  e  negro)  torna  simples  o 
entendimento  sobre quais  são  as  origens da nossa  herança.  É  claro  que  estamos 
aqui tratando do aspecto econômico do domínio pautado no critério de raça, mas, 
sem  dúvida,  sabemos  que  isso  se  estende  às  instâncias  subjetivas  e  que  esse 
formato  social  tinha  seus  aparatos  epistemológicos  de  justificativa  que 
naturalizavam as relações de exploração. 
A composição das desigualdades raciais existentes em nosso país tem em 
suas  bases,  portanto,  uma  íntima  relação  com  a  estruturação  em  classes  da 
sociedade.  Então,  com  o  desenvolvimento  da  sociedade  pós­escravidão,  com  as 
recentes mudanças legais que tratam da questão do racismo, esse, de certa forma, 
também  se  modifica.  Na  sociedade  neoliberal,  o  preconceito  racial,  além  de  se 
manter  essencialmente  vivo,  cumpre  novas  funções  e  ganha  novas  formas  de 
aplicação,  ainda  mais  eficientes  no  intuito  de  manter  o  sujeito  negro  fora  dos 
espaços de conhecimento que oportunizariam algum tipo de ascensão social. 
Lendo  o  senso­comum  brasileiro,  podemos  dizer  que  nosso país  saiu  do 
“racismo  explícito”  da  escravidão,  encaminhou­se  para  uma  “convivência 
harmônica” do início do século XX e agora se mostra orgulhosamente como um 
país  onde  reina  uma  plena  “democracia  racial”,  realidade  essa  que  nos 
diferenciaria de outras nações. Esse caminho percorrido pelo racismo que culmina 
no  mito  contemporâneo  da  “democracia  racial”  tem  que  ser desmascarado, esse 
tema  “tabu”  tem  que  ser  melhor  entendido  e  para  isso  é  fundamental  sabermos 
que  apesar  das  modificações  do  jeito  como  se  manifesta  o  racismo,  do  modo 
como  novos  significados  e  funções  são  incorporados  ao  preconceito  e  à 
discriminação,  é  inegável  o  absurdo  abismo  que  há  entre  o  povo  negro  e  os 
brancos no que se refere às oportunidades de formação humana, de trabalho, de 
aperfeiçoamento de qualidade de vida como um todo.
6 

Tendo clara essa dimensão, é tranqüilamente compreensível que a temática 
das  ações  afirmativas  e  as  demandas  por  tais  políticas  seja  algo  presente  em 
nossos dias. A educação é um campo onde mais notamos as diferenças sociais e 
raciais  e  o  contra­senso  que  há  no  Brasil  entre  o  que  se  assegura  na  lei  e  a 
realidade, pois sabemos que a Constituição Federal prevê o direito à educação a 
todos, e isso como responsabilidade do Estado e da família. Quando se trata do 
ensino superior, esse diagnóstico é ainda mais drástico, como afirma Barbosa: 
Contudo, o acesso à universidade pública é ultralimitado: a seleção dos 
alunos  se  faz  através  de  um  exame  classificatório  (vestibular)  no  qual 
são  aprovados,  em  sua  maioria  esmagadora,  apenas  os  alunos  egressos 
das  escolas  privadas  da  elite,  que  além  de  terem  tido  o  privilégio  de 
frequentar  boas  escolas  indiretamente  subvencionadas  pelo  poder 
público,  dispõem  de  recursos  financeiros  para  freqüentar  cursos 
específicos  de  preparação  para  tal  exame  de  admissão  ao  curso 
superior. (2000, p. 401). 

Considerando que a população negra é a maioria da população pobre em 
nosso  país  e  que  nossa  história  contém  ingredientes  fartos  de  discriminação 
institucional,  as  cotas  nas  universidades  são  medidas  totalmente  pertinentes  e 
necessárias.  Se  quisermos  desenhar  um  outro  quadro  ou  dar  novo  rumo  para  o 
ensino  superior,  para  os  espaços    de ciência e, de certo modo, para a sociedade 
como um todo, as cotas podem contribuir de modo significativo. 
Sabemos  do  caráter  afirmativo  e  imediato das cotas  e  entendemos  que  a 
transformação da sociedade transcende esse tema. No entanto, como delimitamos 
nosso assunto, gostaríamos de dizer que essas políticas não são contrárias ao um 
maciço  investimento  em  educação  básica,  que  cotas  não  provocam  uma 
racialização  das  relações  nas  universidades,  mas  sim  uma  mínima  diversificação 
positiva. 
Porque  afirmamos  que  a  presença  do  povo  negro  na  universidade  é 
positiva  e  imprescindível?  Em  um  apanhado  geral  das  nossas  ciências,  das 
humanas  e  da  educação,  que  é  nosso  campo,  as  produções  que  existem  são 
baseadas,  em  sua  imensa  maioria,  em  referências  européias  (eurocentrismo 
gnosiológico da modernidade), não respondem à realidade cada vez mais repleta 
de novas configurações e angústias. A ciência é divorciada da busca das soluções
7 

dos  problemas  fundamentais  das  populações  que  estão  mais  suscetíveis  sem  o 
atendimento  das  suas  necessidades  básicas.  A  universidade  pública  precisa  dos 
alunos  afro­descentes,  tanto  quanto  esses  precisam  dela,  novos  projetos,  novas 
idéias  e  um  redirecionamento  da  curiosidade  epistemológica,  que  foi  sempre 
guiada pelo olhar da elite branca brasileira, são ingredientes fundamentais para a 
promoção das mudanças científicas necessárias. 
As  populações  negras  precisam,  pelo  menos,  primeiramente  serem 
representadas  nos  espaços  de  produção  científica  e  logo  ocuparem 
quantitativamente,  cada  vez  mais,  esses  espaços,  e  as  cotas  vislumbram  auxiliar 
nesse  sentido.  O  número  de  negros  professores  universitários  e  pesquisadores 
credenciados  em  instituições  de  amparo  à  pesquisa  é  ínfimo  no  Brasil.  Além 
dessa  questão,  que  ganha  ares  de  médio  e  longo  prazo,  as  cotas  serão um meio 
para que um grupo étnico significativo ingresse no âmbito da formação superior 
e, por conseguinte, no mercado de trabalho. Em uma pequena passagem Florestan 
Fernandes  nos  aponta  um  pré­requisito  que  se  torna  um  foco  de  luta  real  na 
contemporaneidade: 

...as  estruturas  raciais  da  sociedade  brasileira  só  poderão  ser 
ameaçadas  e  destruídas  quando  ‘a  massa  de  homens  de  cor’,  ou seja, 
todo  elemento  negro,  puder  usar  o  conflito  institucionalmente  em 
condições  de  igualdade  com  o  branco  e  sem  nenhuma  discriminação 
de  qualquer  espécie,  o  que  implicaria  em  participação  racial 
igualitária  nas  estruturas  de  poder  da  comunidade  política  nacional. 

(p.72, 1979). 
Esse  trecho  parece  extremamente  atual,  e  quando  se  fala  em  estruturas 
devemos  ter  claro  que  medidas  como  a  implantação  de  cotas  irão  sempre 
enfrentar  grande  resistência  nas  camadas  conservadoras  da  sociedade,  isso  ficou 
evidente  no  Rio  Grande  do  Sul,  na  UFRGS,  onde  pichações  pejorativas  se 
espalharam pela universidade e a tensão política foi bastante grande. Esse cenário 
era  um  tanto  previsível  e  dele  ficou  a  constatação  de  que  a  maioria  dos 
argumentos ouvidos, contrários ao sistema de cotas, são dotados de comparações 
deslocadas, de análises superficiais, do uso de exemplos isolados para elucubrar 
generalizações, enfim, cheios de senso­comum.
8 

A  razão  última  dessa  resistência reside no fato de que as políticas raciais 
relembram ao Brasil que ele é um país racista. O debate acerca do porquê que o 
negro  dificilmente  chega  ao  ensino  superior,  provoca  explicações  de  todos  os 
gêneros e análises variadas, entretanto, raramente se assume que a discriminação 
racial  institucional  do  Estado  brasileiro  é  um  componente  latente  da  nossa 
sociedade. 
As cotas têm, em sua comissão de frente, uma importância simbólica, ou 
seja,  elas  tratam  de  algo  inovador,  que  rompe  com  o  invólucro  cínico  da 
democracia  racial  que  existiria  no  Brasil.  A  partir  disso,  existem  diferentes 
experiências de implantação de cotas nas universidades do Brasil, mecanismos e 
modos  diversos  de  gerenciar  essas  políticas.  Essa  diversidade  é  coerente  com  a 
realidade  brasileira  que  abarca  regiões  bastante  diferentes  no  que  se  refere  às 
questões  culturais,  raciais  e  étnicas.    Existem  alguns  estudos  já  produzidos  que 
fazem as primeiras avaliações das cotas raciais e que nos apontam a importância 
destas de modo pormenor em cada experiência. 
O  livro  “Cotas  raciais  no  Brasil:  A  primeira  avaliação”,  organizado  pelo 
professor André Augusto Brandão, traz relatos detalhados de várias universidades 
do  país  que  implantaram  as  cotas,  e  o  livro  “O  negro  na  universidade”, 
organizado  pelos  professores  Jairo  Queiroz  Pacheco  e  pela  professora  Maria 
Nilza  da  Silva,  contém  artigos  densos  que tratam das cotas no olhar de diversas 
perspectivas  temáticas.  Esses  são  dois  exemplos  de  estudos  que  nos  alimentam 
para afirmar, que as cotas são políticas necessárias e importantes, não só para as 
pessoas  que  irão  ingressar  na  universidade,  como  também,  para  ampliarmos  a 
reflexão sobre as questões de raça e classe social no Brasil. 
Por fim, é importante colocar que, para se construir um projeto alternativo 
para a sociedade, não podemos deixar de lado o modo como a questão racial está 
posta na realidade. As classes populares brasileiras, que estão à mercê de todos os 
tipos de problemas sociais, são compostas majoritariamente por negros e pardos, 
e  isso  deve  ser  levado  em  conta,  não  só  como  um  dado,  mas  como  uma 
importante  característica  da  sociedade.  Por  isso,  a  democratização  das 
universidades  públicas  via  cotas  sociais  e  raciais  (políticas  em  processo  de
9 

constante  aperfeiçoamento),  significa  a  ampliação  do  acesso  dessas  classes 
populares ao conhecimento. 
Assim  como  a  divisão  social  do  trabalho  e  a  divisão  em  classes  da 
sociedade  são  elementos  essenciais  na composição do racismo institucional e da 
discriminação  racial,  a  superação  ou  a  mudança  significativa  do  quadro  racial 
hipócrita  brasileiro  pressupõe  uma  radical  transformação  das  estruturas  sociais, 
uma  revolução  que  desestabilize  os  meios  de  produção  privados  e  que  quebre 
com  a  cápsula  branca  e  burguesa  das  instituições  brasileiras  em  todas  as 
instâncias. Portanto, reiteramos a existência de uma relação dialética entre as lutas 
raciais e as lutas de classe, e apesar do esforço de ligarmos ambas as questões no 
campo teórico e conceitual, é na prática social que essas dimensões deveriam se 
ver mescladas, interdependentes e pulsantes, pois é daí que a teoria comprometida 
colhe  seu  significado  e  é  aí,  na  prática  social,  que  realmente  se  produz 
conhecimento transformador.
1 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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FLORESTAN,  Fernandes.  Circuito  fechado:  quatr o  ensaios  sobr e  o  ‘poder  
institucional’. São Paulo, HUCITEC, 1979. 2.ed. 
GOMES, Joaquim Barbosa. “O uso da lei no combate ao racismo: direitos difusos 
e  ações  civis  públicas”,  in  Antonio  Sergio  Alfredo  Guimarães  e  Lynn  Huntley 
(orgs): Tir ando a Máscar a: ensaios sobr e o r acismo no Br asil. São Paulo: Paz 
e Terra, 2000. 
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Racismo e anti­racismo no Br asil. São 
Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo; Ed. 34, 1999. 
PACHECO, Jairo Queiroz. Silva, Maria Nilza (orgs.). O negro na univer sidade: 
o direito à inclusão. Brasília, DF: Fundação Cultural Palmares, 2007. 
QUIJANO,  Aníbal.  “Colonialidade  do  poder,  eurocentrismo  e  América  Latina”,  in 
Roberto  Leher  e  Mariana  Setúbal  (orgs.):  Pensamento  crítico  e  movimentos 
sociais. São Paulo: Cortez Editora, 2005.

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  • 1. PENSANDO O SIGNIFICADO DAS COTAS SOCIAIS E RACIAIS  NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS  Gregório Durlo Grisa*  RESUMO: No exercício de pensarmos um pouco sobre o cenário social e racial  das universidades públicas brasileiras, é impossível hoje não tratarmos das ações  afirmativas  promovidas  através  da  reserva  de vagas para alunos negros oriundos  de  escola  pública,  como  ocorre  na  UFRGS.    As  cotas,  como  são  popularmente  conhecidas, são  aqui  o veículo que utilizaremos para viajar nos campos teóricos  da sociologia, da política e da educação. É importante destacarmos, portanto, que  a questão das cotas para negros no ensino superior não encerra, de modo algum, o  debate  acerca  da  questão  racial,  social  e  histórica  do  nosso  país.  O  presente  trabalho trás alguns argumentos na defesa das políticas de cotas sociais e raciais,  assim como uma reflexão sobre o conceito de “raça” e a formação social do Brasil  e da América latina.  PALVRAS CHAVE: Cotas, Racismo e Classes sociais.  Nesse  primeiro  semestre  de  2008,  o  Supremo  Tribunal  Federal  recebeu  tanto  um  manifesto  que  alega  à  inconstitucionalidade  da  implantação  de  cotas  raciais nas universidades públicas brasileiras, quanto outro manifesto favorável às  cotas. O tema passa a ser pauta de estudo da corte maior do país, assim como dos  debates universitários contemporâneos.  Ao  lermos  uma  entrevista  na  revista  “Isto  é”,  de  28/05/2008,  da  procuradora  do  Distrito  Federal,  Roberta  Fragoso  Kaufmann,  que  é  contrária  à  política de cotas, ficamos bastante preocupados com o que envolve o julgamento  do  STF.  A  procuradora,  que  assinou  o  manifesto  de  oposição  às  cotas,  traz  argumentos  bastante  discutíveis,  comparações  dissociadas  da  realidade  e *  Pedagogo formado na UERGS, especialista em Psicopedagogia Social pela FACOS e mestrando  do Programa de Pós­graduação em Educação da UFRGS, orientando da Professora. Dra. Marlene  Ribeiro.
  • 2. 2  generalizações em relação à temática. Nossa preocupação, porém, não advém daí,  mas  sim,  do  fato  de  que  essa  procuradora  trabalhou  como  assessora  e  pesquisadora do ex­presidente do STF e atual ministro Marco Aurélio de Mello, a  quem  ela  se  refere  como  seu  mentor  intelectual,  e  ainda  foi  orientada,  no  seu  mestrado,  pelo  ministro  Gilmar  Mendes,  atual  presidente  do  STF,  que  também  escreveu  o  prefácio  do  seu  livro  “Ações  afirmativas  à  brasileira  necessidade  ou  mito”.  Diante  dessa  conjuntura  é  que  receamos  sobre  o  caminho  que  seguirá  o  julgamento  do  STF,  pois,  como  nos  aponta  o  ministro  Joaquim  Barbosa,  único  negro  dos  onze  da  suprema  corte,  no  seu  texto  “O  uso  da  lei  no  combate  ao  racismo: direitos difusos e ações civis públicas”:  Dada  a  avassaladora  predominância  de  uma  visão  conservadora  nos  meios  jurídicos  brasileiros,  não  constituiria  nenhuma  surpresa  o  eventual  surgimento  de  corrente  de  pensamento  tendente  a  desqualificar  o  fator  étnico­racial  como  elemento  determinante  de  legitimação para efeitos da ação civil pública. Aliás, uma tal corrente  de  pensamento  não  seria  estranha  às  tradições  jurídicas  brasileiras,  que  tendem  sempre  a  deixar  de  lado  a  discussão  da  essência  das  coisas  para  privilegiar  a  abordagem  de  aspectos  secundários,  periféricos, processuais. (2000, p. 395).  Levando  em  conta  essa  característica  da  justiça  brasileira  que  reflete  os  frutos e os aperfeiçoamentos ideológicos de uma sociedade historicamente racista,  é  que  estamos  temerosos  sobre  as  decisões  do  Supremo.  E  essa  decisão  certamente  orientará  uma  padronização  de  resoluções  jurídicas  sobre  as  cotas  e  políticas  raciais  afirmativas. Em meio a isso é que percebemos a necessidade de  pontuarmos algumas questões gerais sobre o racismo e sua configuração, para nos  posicionarmos a favor das cotas nas universidades do país.  O Brasil carrega na sua história como Estado, um profundo abandono para  com o povo negro aqui escravizado por séculos. Em nenhum momento, o poder  público em nosso país propôs políticas que reparassem ou pelo menos atendessem  aos  direitos  e  às  necessidades  do  negro  brasileiro.  Entretanto,  esse  recorte  da  dívida  histórica,  que  existe  e  pode  ser  entendido  nos  bons  livros  que  tratam  do  período  da  abolição  e  pós­proclamação da república, não será a centralidade do  nosso argumento.
  • 3. 3  Inicialmente,  queremos  deixar  claro  que,  quando  falamos  em  raça  enquanto  conceito,  a  entendemos  na  perspectiva  sociológica,  ou  seja,  que  raça  existe em nossa contemporaneidade e é fruto de um conjunto complexo de fatores  culturais  e  históricos.  Destacamos  isso  para  afirmar  nosso  repúdio  pela  argumentação de que raça não existe e pela utilização de princípios biológicos e  genéticos  para  responder  e naturalizar  questões  essencialmente  históricas.  Agora  que  se  discute  o  critério  de  raça  e  renda  para  configurar  as  políticas  de  cotas,  alguns ingênuos ou conservadores, afirmam que raça não existe, todavia, quando  foi  feita  a  divisão  social  do  trabalho  do  período  colonial  e  quando  falamos  na  ocupação  dos  espaços  de  poder  em  nossos  dias,  o  critério  de  raça  ainda  é  balizador.  A  raça  biologicamente  é  uma  só,  mas  histórica  e  socialmente  não,  o  debate sobre a utilização do conceito raça  se estende no campo sociológico o qual  não  iremos  adentrar  aqui,  porém  concordamos com  o  professor  Antonio  Sérgio  Alfredo Guimarães quando diz:  Minha  opinião,  todavia,  é  que  se  torna  muito  difícil  imaginar  um  modo  de  lutar  contra  uma  imputação  ou  discriminação  sem  lhe  dar  realidade  social. Se  não for  à “raça”, a que  atribuir as discriminações  que somente se tornam inteligíveis pela idéia de “raça”? Atribuindo­as  a  uma  realidade  subjacente  que  não  é  articulada  verbalmente,  ou  a  formas  mais  gerais  e  abstratas  de  justificar  estruturas  de  dominação?  (1999, p. 27).  A idéia de raça, portanto, se refere ao campo ideológico de análise, é um  conceito que procura entender os “aspectos subjetivos que orientam ações sociais  intencionais” (1999, p. 31). O pressuposto necessário para que se desenvolva um  pensamento  (ideologia)  que  justifique  qualquer  tipo  de  discriminação  ou  exploração  é  a  existência  de  uma  realidade  material  social  que  tenha  essas  características  como  base  concreta,  isto  é,  que  seja  dotada  de  relações  de  exploração  e  discriminação.  Por  entendermos  que  as  configurações  sociais  são  históricas,  para melhor compreendermos essa questão, faz­se imprescindível que  nos  remetamos  à  formação  social  da  América  Latina  com  o  processo  de  colonização.  A  descoberta  e  ocupação  da  América  pelos  europeus  representam  uma  mudança no rumo da história da humanidade, é, somente, a partir de então que o
  • 4. 4  poder imperial europeu se consolida, que o próprio modo de produção capitalista  acha  suas  matérias­primas  e  seus  mercados  para  se  desenvolver  plenamente.  Ao  produzir essas transformações de caráter estrutural e econômico, as colonizações  também  são  marcadas  por  engendrarem  um  amplo  jogo  de  relações  entre  diferentes  povos  e  culturas,  nosso  exercício  aqui  é  procurar  compreender  quais  foram  os  critérios  de  organização  desse  jogo.  Com  a  chegada  dos  europeus  colonizadores,  cria­se  um  conjunto  de  identidades baseadas  na  idéia  de  raça,  os  índios, mestiços e, um pouco depois, o negro surgem, na perspectiva moderna, a  partir do processo colonizador. Essa distinção racial já não se refere aos aspectos  geográficos ou de costumes, mas, eminentemente, à diferença das raças na divisão  do  trabalho.  Aníbal  Quijano  nos  diz  em  seu  artigo  “Colonialidade  do  Poder,  Eurocentrismo e América Latina” que:  Em  primeiro  lugar,  as  diferenças  entre  conquistadores  e  conquistados  codificaram­se  na  idéia  de  raça,  ou  seja,  em  uma  suposta estrutura biológica diferente, que localizava uns em  situação  natural de inferioridade em relação aos outros (...) na medida em que  as  relações  sociais  que  se  estavam  configurando  eram  relações  de  dominação,  tais  identidades  (índio,  mestiço  e  negro)  foram  associadas  às  hierarquias,  lugares  e  papéis  sociais correspondentes  a  cada  um  e  interpretadas  como  determinantes  destas  e,  portanto,  do  padrão  de  dominação  colonial  que  se  impunha.  Em  outras  palavras,  raça  e  identidade  racial  foram  estabelecidas  como  instrumentos  de  classificação social básica da população. (2005, p. 36, 37).  Portanto, percebe­se que a idéia de raça é uma invenção cultural e social e  que realmente não corresponde a nenhum aspecto no que se refere às diferenças  biológicas.  Entretanto,  afirmamos  que  raça  existe  como  conceito  sociológico,  porque  essa  'invenção'  compõe  todo  o  entrelaçado  e  imanente  conjunto  das  relações sociais brasileiras.  Cientes  de  que  corremos  o  risco  de  resumir em demasia a complexidade  do tema, queremos propor que o racismo como valor cultural, tem como um dos  seus fatores explicativos a sistemática divisão racial do trabalho feita através dos  tempos  em  escala  global  e,  principalmente,  na  América  Latina,  no  desenvolvimento  da  sociedade  colonial­moderna.  O  entendimento  de  que  determinadas  raças  deveriam  ser  responsáveis  por  setores  de  trabalho  considerados  inferiores  construiu  verdades  históricas  que  estão  muito  presentes.
  • 5. 5  Como  exemplo,  ainda  vemos  que  a  maioria  das  atividades  domésticas  sem  registro e desprovidas de direitos é exercida, no Brasil, por mulheres negras e, nos  países  de  capitalismo  avançado,  os  serviços  braçais,  pesados,  desgastantes  são  feitos por 'latinos' e imigrantes em geral.  O fato de percebermos na colonização a ligação direta entre trabalho não  remunerado  (escravo)  e  as  raças  dominadas  (índio  e  negro)  torna  simples  o  entendimento  sobre quais  são  as  origens da nossa  herança.  É  claro  que  estamos  aqui tratando do aspecto econômico do domínio pautado no critério de raça, mas,  sem  dúvida,  sabemos  que  isso  se  estende  às  instâncias  subjetivas  e  que  esse  formato  social  tinha  seus  aparatos  epistemológicos  de  justificativa  que  naturalizavam as relações de exploração.  A composição das desigualdades raciais existentes em nosso país tem em  suas  bases,  portanto,  uma  íntima  relação  com  a  estruturação  em  classes  da  sociedade.  Então,  com  o  desenvolvimento  da  sociedade  pós­escravidão,  com  as  recentes mudanças legais que tratam da questão do racismo, esse, de certa forma,  também  se  modifica.  Na  sociedade  neoliberal,  o  preconceito  racial,  além  de  se  manter  essencialmente  vivo,  cumpre  novas  funções  e  ganha  novas  formas  de  aplicação,  ainda  mais  eficientes  no  intuito  de  manter  o  sujeito  negro  fora  dos  espaços de conhecimento que oportunizariam algum tipo de ascensão social.  Lendo  o  senso­comum  brasileiro,  podemos  dizer  que  nosso país  saiu  do  “racismo  explícito”  da  escravidão,  encaminhou­se  para  uma  “convivência  harmônica” do início do século XX e agora se mostra orgulhosamente como um  país  onde  reina  uma  plena  “democracia  racial”,  realidade  essa  que  nos  diferenciaria de outras nações. Esse caminho percorrido pelo racismo que culmina  no  mito  contemporâneo  da  “democracia  racial”  tem  que  ser desmascarado, esse  tema  “tabu”  tem  que  ser  melhor  entendido  e  para  isso  é  fundamental  sabermos  que  apesar  das  modificações  do  jeito  como  se  manifesta  o  racismo,  do  modo  como  novos  significados  e  funções  são  incorporados  ao  preconceito  e  à  discriminação,  é  inegável  o  absurdo  abismo  que  há  entre  o  povo  negro  e  os  brancos no que se refere às oportunidades de formação humana, de trabalho, de  aperfeiçoamento de qualidade de vida como um todo.
  • 6. 6  Tendo clara essa dimensão, é tranqüilamente compreensível que a temática  das  ações  afirmativas  e  as  demandas  por  tais  políticas  seja  algo  presente  em  nossos dias. A educação é um campo onde mais notamos as diferenças sociais e  raciais  e  o  contra­senso  que  há  no  Brasil  entre  o  que  se  assegura  na  lei  e  a  realidade, pois sabemos que a Constituição Federal prevê o direito à educação a  todos, e isso como responsabilidade do Estado e da família. Quando se trata do  ensino superior, esse diagnóstico é ainda mais drástico, como afirma Barbosa:  Contudo, o acesso à universidade pública é ultralimitado: a seleção dos  alunos  se  faz  através  de  um  exame  classificatório  (vestibular)  no  qual  são  aprovados,  em  sua  maioria  esmagadora,  apenas  os  alunos  egressos  das  escolas  privadas  da  elite,  que  além  de  terem  tido  o  privilégio  de  frequentar  boas  escolas  indiretamente  subvencionadas  pelo  poder  público,  dispõem  de  recursos  financeiros  para  freqüentar  cursos  específicos  de  preparação  para  tal  exame  de  admissão  ao  curso  superior. (2000, p. 401).  Considerando que a população negra é a maioria da população pobre em  nosso  país  e  que  nossa  história  contém  ingredientes  fartos  de  discriminação  institucional,  as  cotas  nas  universidades  são  medidas  totalmente  pertinentes  e  necessárias.  Se  quisermos  desenhar  um  outro  quadro  ou  dar  novo  rumo  para  o  ensino  superior,  para  os  espaços    de ciência e, de certo modo, para a sociedade  como um todo, as cotas podem contribuir de modo significativo.  Sabemos  do  caráter  afirmativo  e  imediato das cotas  e  entendemos  que  a  transformação da sociedade transcende esse tema. No entanto, como delimitamos  nosso assunto, gostaríamos de dizer que essas políticas não são contrárias ao um  maciço  investimento  em  educação  básica,  que  cotas  não  provocam  uma  racialização  das  relações  nas  universidades,  mas  sim  uma  mínima  diversificação  positiva.  Porque  afirmamos  que  a  presença  do  povo  negro  na  universidade  é  positiva  e  imprescindível?  Em  um  apanhado  geral  das  nossas  ciências,  das  humanas  e  da  educação,  que  é  nosso  campo,  as  produções  que  existem  são  baseadas,  em  sua  imensa  maioria,  em  referências  européias  (eurocentrismo  gnosiológico da modernidade), não respondem à realidade cada vez mais repleta  de novas configurações e angústias. A ciência é divorciada da busca das soluções
  • 7. 7  dos  problemas  fundamentais  das  populações  que  estão  mais  suscetíveis  sem  o  atendimento  das  suas  necessidades  básicas.  A  universidade  pública  precisa  dos  alunos  afro­descentes,  tanto  quanto  esses  precisam  dela,  novos  projetos,  novas  idéias  e  um  redirecionamento  da  curiosidade  epistemológica,  que  foi  sempre  guiada pelo olhar da elite branca brasileira, são ingredientes fundamentais para a  promoção das mudanças científicas necessárias.  As  populações  negras  precisam,  pelo  menos,  primeiramente  serem  representadas  nos  espaços  de  produção  científica  e  logo  ocuparem  quantitativamente,  cada  vez  mais,  esses  espaços,  e  as  cotas  vislumbram  auxiliar  nesse  sentido.  O  número  de  negros  professores  universitários  e  pesquisadores  credenciados  em  instituições  de  amparo  à  pesquisa  é  ínfimo  no  Brasil.  Além  dessa  questão,  que  ganha  ares  de  médio  e  longo  prazo,  as  cotas  serão um meio  para que um grupo étnico significativo ingresse no âmbito da formação superior  e, por conseguinte, no mercado de trabalho. Em uma pequena passagem Florestan  Fernandes  nos  aponta  um  pré­requisito  que  se  torna  um  foco  de  luta  real  na  contemporaneidade:  ...as  estruturas  raciais  da  sociedade  brasileira  só  poderão  ser  ameaçadas  e  destruídas  quando  ‘a  massa  de  homens  de  cor’,  ou seja,  todo  elemento  negro,  puder  usar  o  conflito  institucionalmente  em  condições  de  igualdade  com  o  branco  e  sem  nenhuma  discriminação  de  qualquer  espécie,  o  que  implicaria  em  participação  racial  igualitária  nas  estruturas  de  poder  da  comunidade  política  nacional.  (p.72, 1979).  Esse  trecho  parece  extremamente  atual,  e  quando  se  fala  em  estruturas  devemos  ter  claro  que  medidas  como  a  implantação  de  cotas  irão  sempre  enfrentar  grande  resistência  nas  camadas  conservadoras  da  sociedade,  isso  ficou  evidente  no  Rio  Grande  do  Sul,  na  UFRGS,  onde  pichações  pejorativas  se  espalharam pela universidade e a tensão política foi bastante grande. Esse cenário  era  um  tanto  previsível  e  dele  ficou  a  constatação  de  que  a  maioria  dos  argumentos ouvidos, contrários ao sistema de cotas, são dotados de comparações  deslocadas, de análises superficiais, do uso de exemplos isolados para elucubrar  generalizações, enfim, cheios de senso­comum.
  • 8. 8  A  razão  última  dessa  resistência reside no fato de que as políticas raciais  relembram ao Brasil que ele é um país racista. O debate acerca do porquê que o  negro  dificilmente  chega  ao  ensino  superior,  provoca  explicações  de  todos  os  gêneros e análises variadas, entretanto, raramente se assume que a discriminação  racial  institucional  do  Estado  brasileiro  é  um  componente  latente  da  nossa  sociedade.  As cotas têm, em sua comissão de frente, uma importância simbólica, ou  seja,  elas  tratam  de  algo  inovador,  que  rompe  com  o  invólucro  cínico  da  democracia  racial  que  existiria  no  Brasil.  A  partir  disso,  existem  diferentes  experiências de implantação de cotas nas universidades do Brasil, mecanismos e  modos  diversos  de  gerenciar  essas  políticas.  Essa  diversidade  é  coerente  com  a  realidade  brasileira  que  abarca  regiões  bastante  diferentes  no  que  se  refere  às  questões  culturais,  raciais  e  étnicas.    Existem  alguns  estudos  já  produzidos  que  fazem as primeiras avaliações das cotas raciais e que nos apontam a importância  destas de modo pormenor em cada experiência.  O  livro  “Cotas  raciais  no  Brasil:  A  primeira  avaliação”,  organizado  pelo  professor André Augusto Brandão, traz relatos detalhados de várias universidades  do  país  que  implantaram  as  cotas,  e  o  livro  “O  negro  na  universidade”,  organizado  pelos  professores  Jairo  Queiroz  Pacheco  e  pela  professora  Maria  Nilza  da  Silva,  contém  artigos  densos  que tratam das cotas no olhar de diversas  perspectivas  temáticas.  Esses  são  dois  exemplos  de  estudos  que  nos  alimentam  para afirmar, que as cotas são políticas necessárias e importantes, não só para as  pessoas  que  irão  ingressar  na  universidade,  como  também,  para  ampliarmos  a  reflexão sobre as questões de raça e classe social no Brasil.  Por fim, é importante colocar que, para se construir um projeto alternativo  para a sociedade, não podemos deixar de lado o modo como a questão racial está  posta na realidade. As classes populares brasileiras, que estão à mercê de todos os  tipos de problemas sociais, são compostas majoritariamente por negros e pardos,  e  isso  deve  ser  levado  em  conta,  não  só  como  um  dado,  mas  como  uma  importante  característica  da  sociedade.  Por  isso,  a  democratização  das  universidades  públicas  via  cotas  sociais  e  raciais  (políticas  em  processo  de
  • 9. 9  constante  aperfeiçoamento),  significa  a  ampliação  do  acesso  dessas  classes  populares ao conhecimento.  Assim  como  a  divisão  social  do  trabalho  e  a  divisão  em  classes  da  sociedade  são  elementos  essenciais  na composição do racismo institucional e da  discriminação  racial,  a  superação  ou  a  mudança  significativa  do  quadro  racial  hipócrita  brasileiro  pressupõe  uma  radical  transformação  das  estruturas  sociais,  uma  revolução  que  desestabilize  os  meios  de  produção  privados  e  que  quebre  com  a  cápsula  branca  e  burguesa  das  instituições  brasileiras  em  todas  as  instâncias. Portanto, reiteramos a existência de uma relação dialética entre as lutas  raciais e as lutas de classe, e apesar do esforço de ligarmos ambas as questões no  campo teórico e conceitual, é na prática social que essas dimensões deveriam se  ver mescladas, interdependentes e pulsantes, pois é daí que a teoria comprometida  colhe  seu  significado  e  é  aí,  na  prática  social,  que  realmente  se  produz  conhecimento transformador.
  • 10. 1  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  BRANDÃO,  André  Augusto  (org).  Cotas  r aciais  no  Br asil:  a  pr imeir a  avaliação. Rio de janeiro: Coleção políticas de cor, 2007.  FLORESTAN,  Fernandes.  Circuito  fechado:  quatr o  ensaios  sobr e  o  ‘poder   institucional’. São Paulo, HUCITEC, 1979. 2.ed.  GOMES, Joaquim Barbosa. “O uso da lei no combate ao racismo: direitos difusos  e  ações  civis  públicas”,  in  Antonio  Sergio  Alfredo  Guimarães  e  Lynn  Huntley  (orgs): Tir ando a Máscar a: ensaios sobr e o r acismo no Br asil. São Paulo: Paz  e Terra, 2000.  GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Racismo e anti­racismo no Br asil. São  Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo; Ed. 34, 1999.  PACHECO, Jairo Queiroz. Silva, Maria Nilza (orgs.). O negro na univer sidade:  o direito à inclusão. Brasília, DF: Fundação Cultural Palmares, 2007.  QUIJANO,  Aníbal.  “Colonialidade  do  poder,  eurocentrismo  e  América  Latina”,  in  Roberto  Leher  e  Mariana  Setúbal  (orgs.):  Pensamento  crítico  e  movimentos  sociais. São Paulo: Cortez Editora, 2005.