DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...
Elogio da Filosofia e seu papel na compreensão da realidade
1. ELOGIO DA FILOSOFIA
Nenhuma coisa humana é digna de uma admiração incondicional.
Também a filosofia não é possuidora de todas as virtudes, como
piedosamente nos fazem crer os manuais escolares da disciplina. Podemos
até pôr em causa o seu valor, alegando que as teorias filosóficas são, por
vezes, jogos de palavras sem sentido, ou terem algumas teorias servido
para justificar a atuação de tiranos (falemos, apenas, da ditadura dos mais
sábios, proposta na obra A República, pelo filósofo Platão, no século IV a.c.
,e que sempre colheu o agrado dos aspirantes a déspotas iluminados; ou
ainda, o mito do grandioso destino a que estaria votado o povo alemão,
mito alimentado por pensadores tão distintos como Nietzsche ou
Heidegger, e que foi usado por Hitler para justificar o seu sonho louco de
poder e a guerra total).
Contudo, uma civilização teórica como a ocidental, que fez da busca do
conhecimento uma paixão e apurou o conhecimento científico-
tecnológico ao ponto de ser o mais poderoso instrumento de mudança
social e ecológica, não pode deixar de reconhecer à filosofia o mérito
histórico de ter modificado para sempre a nossa compreensão da
realidade: A intuição grega (Pitágoras, Platão) de que o funcionamento do
universo obedece a padrões fixos (leis), e pode ser compreendido
matematicamente; a desconfiança sistemática (Galileu, Descartes)
relativamente à fiabilidade dos órgãos dos sentidos e que se traduz, na
actualidade, numa ciência em ruptura completa com as falsas evidências
do senso comum; a crítica cerrada às crenças de que o Homem é um ser
racional (Schopenhauer) e espiritual, desenraizado da sua História e
condições materiais de existência (Marx); e, para não me alongar mais, a
ideia de que o Homem é a medida de todas as coisas (a afirmação de
Protágoras implica um relativismo moral, religioso, artístico e cognitivo),
perspectiva que já vinha da antiga Grécia – a nossa dívida para com os
gregos antigos é colossal! – e que foi retomada em força por Nietzsche, no
século dezanove, bem como pelas ciências sociais então emergentes.
Naquilo que me toca, é um privilégio e um prazer requintado ler e
“conversar”, numa relação madura de trinta anos, com esses livres
pensadores que produzem longas, belas e majestosas cadeias de
2. raciocínios destinadas a nelas compreender todos os seres e relações do
Universo (como se isso fosse possível !...). E como esses espíritos livres nos
ajudam a perceber os mecanismos económicos, políticos, religiosos e
científicos utilizados por quem nos quer dominar! Descortinar os fios
secretos que castram a tua energia vital, que limitam os movimentos da
tua energia criadora, é já tornares-te livre.
professor de Filosofia : José Fernando Carvalho