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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO Gabriela Cleveston Gelain CONSUMO DE MÍDIA E SUBCULTURA ZINEIRA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO SANTA MARIA, RS 
2013
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Gabriela Cleveston Gelain CONSUMO DE MÍDIA E SUBCULTURA ZINEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo. Orientadora: Profª. Drª. Veneza Mayora Ronsini SANTA MARIA, RS 
2013
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Gabriela Cleveston Gelain CONSUMO DE MÍDIA E SUBCULTURA ZINEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo. __________________________________________________ Profª Drª Veneza Mayora Ronsini (Orientadora) _________________________________________________ Profª Drª Rosane Rosa (UFSM) ____________________________________________ Ms. Gustavo Dhein (Cásper Líbero) 
Aprovado em:....... de............... de 2013
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AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço à professora Veneza, pelos ensinamentos, por me fazer crescer intelectualmente e despertar em mim o fascínio pela pesquisa. Agradeço a todos os zineiros entrevistados por terem colaborado com esta pesquisa e enviado seus fanzines impressos e suas cartas. À Jéssica Nakaema, por ser a amiga zineira mais talentosa. Aos amigos que encontrei na Faculdade de Comunicação Social (FACOS), no Estúdio 21 e na Rádio Universidade. Ao Renato Molina, pelos ensinamentos sobre a música e sobre a vida. Ao pessoal do Santa Demo, por me encherem de orgulho. À Bruna Homrich, amiga que ganhei neste percurso de quatro anos de graduação. À Flávia Amaral, por compartilhar comigo esta trajetória na pesquisa e na monografia. À Gisele Dotto Reginato, Sandra Depexe, Júlia Schnorr, Laura Wottrich e Laura Storch, por me inspirarem, pelos conselhos, pela amizade e pelos ensinamentos nesta trajetória. Aos meus pais, Ademir e Isabel, pelo apoio de sempre e pelo seu amor infinito.
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“Na cena Do It Yourself, os zines são mais que uma prática de publicação, é uma forma de pensar, ser e criar. É a visão subterrânea que precisamos nutrir e compartilhar. Os zines fazem isso, e é o que importa. Eles são, ainda, as notícias do underground” (Duncombe, em Notes from Underground: Zines and Politics of Alternative Culture)
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RESUMO Este trabalho tem por objetivo central compreender como o capital subcultural se articula à classe social na vida e nas publicações dos editores de fanzines impressos, os zineiros da cena punk hardcore. Realizamos um estudo de caso com onze zineiros de diferentes classes sociais: quatro de classe média alta, quatro de classe média e três de classe média baixa. Também realizamos a análise de conteúdo de trinta e quatro publicações impressas dos zineiros, que foram organizadas em seis categorias. A descrição e análise dos dados revelaram que os zineiros realizam um diferente consumo de mídia hegemônica como leitura de jornais, revistas, programação de canais de TV por assinatura e programas de rádio. A mídia preferida dos zineiros é o livro, assim como a internet, que é utilizada com alta frequência. O capital subcultural pode ser percebido nos fanzines pela questão estética e nos zineiros através das falas sobre bens culturais adquiridos, como coleções de CDs e discos de vinil de punk e hardcore, das tatuagens e da opção ou não pelo vegetarianismo. A observação dos “rituais” de criação dos fanzines revelou notórios contrastes de classe social entre a subcultura zineira. Palavras-chave: Mídia. Consumo. Capital Subcultural. Fanzines. Estudo De Caso. Análise De Conteúdo.
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ABSTRACT This work has as main objective to understand how subcultural capital is linked to social class in reality and publications of the publishers of printed fanzines, zinesters of the hardcore punk scene. We conducted a case study with eleven zinesters from different social classes: four from the upper middle class, four from the middle class and three from lower-middle class. We also conducted a content analysis of thirty-four zinesters printed publications which have been organized into six categories. The description and analysis revealed that zinesters perform a different consumption of mainstream media as reading newspapers, magazines, cable TV channels and radio programs. The preferred media‟s subculture is the book, as well as the internet, which is used with high frequency. The subcultural capital can be perceived by the fanzines aesthetics and zinesters through the words of acquired cultural goods , such as collections of CDs and vinyl records from punk and hardcore , the tattoos and the option or not vegetarian . The observation of the “rituals” of creating fanzines revealed notable contrasts in social class between the zinester subculture. Keywords: Media. Consumption. Subcultural Capital. Fanzines. Case Study. Content Analysis.
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LISTA DE FIGURAS 
Figura 1 - Terceira edição do Sniffin’ Glue. ............................................................................. 51 
Figura 2 - Primeira edição da Maximumrocknroll em 1982. ................................................... 53 
Figura 3 - Trecho da carta enviada por Daniel Hogrefe (classe média alta), em maio de 2013. .................................................................................................................................................. 96 
Figura 4 - Carta enviada por Rogério Alves (classe média alta), em abril de 2013. ............... 97 
Figura 5 - Carta enviada por Renato Donisete (classe média), em abril de 2013. ................... 97 
Figura 6 - Trecho de carta enviada por Flávio Grão (classe média alta), em abril de 2013. ... 98 
Figura 7 - Carta de Jeison Placinsh (classe média baixa), escrita em maio de 2013. .............. 99 
Figura 8 - Carta de Guilherme Gonçalves (classe média), postada em 26 de abril de 2013. 100 
Figura 9 – Street Ground. ...................................................................................................... 103 
Figura 10 – Manufatura. ........................................................................................................ 103 
Figura 11 – Trecho sobre veganismo, do fanzine True Lies, de Carla Duarte (1). ................ 107 
Figura 12 – Trecho sobre veganismo, do fanzine True Lies, de Carla Duarte (2). ................ 107 
Figura 13 - Trecho do fanzine Conversas Paralelas, de Guilherme Gonçalves. ................... 108 
Figura 14 – Fanzine Cortex, de Flávio Grão. ......................................................................... 113 
Figura 15 - Classe média alta: Zines Cortex de Flávio Grão e zine Tralha 4 de Daniel Hogrefe................................................................................................................................... 113 
Figura 16 – Classe média alta: Zine de Daniel Hogrefe 3M3M............................................. 114 
Figura 17 - Classe média alta: Zine Street Ground de Rogério Alves. .................................. 114 
Figura 18 – Marca da editora independente de Rogério Alves “Art Till Death”, presente em seus zines................................................................................................................................ 115 
Figura 19 -Classe média: Zine Histérica de Carla Duarte ..................................................... 115 
Figura 20 -Classe Média: Zine Aviso Final de Renato Donisete. .......................................... 116 
Figura 21 - Classe média: Zine Paranóia e Cale a Boca de Júlio César Baron. ................... 116 
Figura 22 -Classe Média: zine Seja Você Mesmo de Guilherme Gonçalves. ........................ 117 
Figura 23 - Editorial e página 3 do fanzine Seja Você Mesmo, de Guilherme Gonçalves. ... 117 
Figura 24 -Classe média: contracapa do zine feminista True Lies de Carla Duarte. ............. 118 
Figura 25 -Classe média baixa: zine sobre vegetarianismo Linhaça de Wender Zanon. ...... 119 
Figura 26 -Classe média baixa: fanzine Impasse #2, de Kamila Lin. .................................... 120
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Figura 27 - Classe média baixa: fanzine Café Sem Açúcar, de Jeison Placinsch, com capa feita pelo amigo e colaborador Daniel Hogrefe (entrevistado zineiro de classe média alta). ........ 121 
Figura 28 - Retirado do fanzine Café Sem Açúcar de Jeison Placinsch. ................................ 122 
Figura 29 - Publicidade no fanzine Street Ground, de Rogério (classe média alta). ............. 122 
Figura 30 - Exemplo de propaganda no fanzine Aviso Final ................................................. 123 
Figura 31 – Publicidades no fanzine Outono ou Nada, de Guilherme Gonçalves 1. ............. 123 
Figura 32 - Publicidades no fanzine Outono ou Nada, de Guilherme Gonçalves 2. .............. 124 Figura 33 – Fanzine Manufatura #2 de Flávio Grão. ............................................................. 126 Figura 34 – Fanzine Aviso Final #31 de Renato Donisete. .................................................... 126
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LISTA DE TABELAS 
Tabela 1 – Zineiros de classes distintas e seus fanzines. ......................................................... 25 
Tabela 2 – Edições dos fanzines impressos. ............................................................................ 27 Tabela 3 – Categorias de zines (classe média alta) ................................................................ 110 Tabela 4 – Categorias de zines (classe média) ....................................................................... 110 Tabela 5 – Categorias de zines (classe média baixa) ............................................................. 112
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SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 19 
2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 25 
3 MÍDIA E FANZINES ......................................................................................................... 33 
3.1 RESISTÊNCIA E MÍDIA RADICAL ALTERNATIVA .................................................. 33 
3.2 DO CONSUMO AO FAÇA VOCÊ MESMO (DO IT YOURSELF) ................................ 37 
3.3 A HISTÓRIA DOS FANZINES ........................................................................................ 43 
3.4 PUNK E FANZINES ......................................................................................................... 48 
3.4.1 Fanzines Punk e Sniffin’ Glue ......................................................................................... 49 
3.4.2 Fanzines Flipside e Maximumrocknroll .......................................................................... 51 
3.4.3 Fanzines punks no Brasil................................................................................................. 53 
4 SUBCULTURAS ................................................................................................................. 57 
4.1 CLASSE E CAPITAL CULTURAL ................................................................................. 57 
4.2 CLASSE E CAPITAL SUBCULTURAL ......................................................................... 61 
4.2.1 Capital Subcultural .......................................................................................................... 61 
4.2.2 Contracultura x Subcultura ............................................................................................. 63 
4.2.3 Subculturas ...................................................................................................................... 66 
4.2.4 Punk e hardcore .............................................................................................................. 70 
4.2.5 Hardcore ......................................................................................................................... 74 
5 ZINES E ZINEIROS .......................................................................................................... 77 
5.1 PERFIS DOS ZINES E ZINEIRO ..................................................................................... 78 
5.1.1 Zine Aviso Final .............................................................................................................. 78 
5.1.2 Zines Manufatura e Cortex ............................................................................................. 78 
5.1.3 Zine Acesso Público ........................................................................................................ 79 
5.1.4 Zines Outono ou Nada, Seja Você Mesmo e Conversas Paralelas ................................ 80 
5.1.5 Zine Paranóia e Cale a Boca .......................................................................................... 80 
5.1.6 Zine Impasse ................................................................................................................... 81 
5.1.7 Zines Histérica, True Lies e Dialética ............................................................................ 81 
5.1.8 Zines Street Ground, Last Call e Isto Não é Um Fanzine .............................................. 83 
5.1.9 Zine Linhaça ................................................................................................................... 83 
5.1.10 Zines Tralha, The Rising, Quase e 3M3M (Três Mãos de Terceiro Mundo) ................ 84
18 
5.1.11 Zine Café Sem Açúcar ................................................................................................... 85 
6 CONSUMO DE MÍDIA ...................................................................................................... 87 
7 CAPITAL SUBCULTURAL .............................................................................................. 95 
7.1 FANZINES ......................................................................................................................... 95 
7.2 EXPRESSÕES DA SUBCULTURA ZINEIRA .............................................................. 127 
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 131 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 137 
GLOSSÁRIO ........................................................................................................................ 143 
APÊNDICE ........................................................................................................................... 147 
ANEXO .................................................................................................................................. 155
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1 INTRODUÇÃO 
Essa investigação visa analisar como o capital subcultural (Thornton, 1995), articula- se com a classe social na vida e nas publicações dos editores de fanzines impressos, os zineiros. Por capital subcultural entendemos os comportamentos e estilos que manifestam “autenticidade”, “diferença”, “singularidade” e “sofisticação”, os quais levam ao reconhecimento, à admiração e ao prestígio dentro de uma subcultura. Definidos e distribuídos pela mídia, tais saberes e competências podem ser materializados e corporalizados na aparência (através do corte de cabelo ou de tatuagens, por exemplo), na disposição de discos (coleções, discos raros), entre outros. Para Thornton (1995), a ideia de capital subcultural não está tão ligada à classe como o capital cultural proposto por Bourdieu. O que explicaria o ofuscamento das origens de classe no capital subcultural seria o fato de que ele é definido como um conhecimento extracurricular, não sendo ensinado na instituição escolar. Entretanto, nossa intenção é observar o consumo de mídia dos zineiros e perceber as temáticas e características recorrentes nas suas publicações, como elas são perpassadas pelo capital subcultural e por questões de classe. A investigação também apontará o consumo de mídia da subcultura zineira e sua relação com os meios de comunicação alternativos e hegemônicos, bem como a observação de indicadores do capital subcultural nos zines e nos sujeitos da pesquisa. Realizamos, então, um estudo de caso dos zineiros e uma análise de conteúdo de títulos de zines que englobam 34 edições produzidas por essa subcultura. As publicações foram organizadas em categorias. 
Nossa amostra compreende 11 zineiros (nove homens e duas mulheres), de 20 a 41 anos, de diferentes classes sociais (classes média alta, média e média baixa), segundo os grupos ocupacionais propostos por Quadros e Antunes (2001). São zineiros que, de alguma forma, vinculam-se à cena musical do punk e do hardcore e residem em diversos estados, como Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Alagoas e Rio Grande do Sul, onde residem seis dos sujeitos entrevistados. O contato com os zineiros ocorreu via facebook e e-mail. Foram selecionados aqueles que recentemente vêm publicando fanzines impressos e estão imersos no cenário musical do punk e do hardcore brasileiro (também chamado de “cena independente”), seja por distribuírem suas publicações em shows, por terem bandas que compartilham dessa ideologia e desse estilo de música ou por serem apreciadores do estilo musical, vivenciando, assim, de algum modo, o underground. Selecionamos uma ou mais publicações dos sujeitos
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pesquisados, com títulos e temáticas distintas. Ressaltamos que as temáticas dos fanzines selecionados são variadas; há zines sobre feminismo, poesia, assuntos pessoais, artes e, claro, sobre música punk. Todos os zineiros têm algum vínculo com a cena do punk e do hardcore, mesmo que não abordem tais assuntos em suas produções zinísticas. Hoje, a música - a música especialmente do punk - compreende o maior gênero de zines. E até mesmo escritores cujas zines abrange outros temas que a música muitas vezes tem sua primeira experiência pelo mundo do punk rock (DUNCOMBE, 1997, p. 125). Nossa pesquisa justifica-se em função de os estudos acerca dos fanzines ainda estarem em processo de consolidação. De acordo com Sno (2012), registros apontam que os primeiros fanzines surgiram no Brasil na década de 1960, porém, as pesquisas sobre o assunto só começariam três décadas depois. Para quem hoje realiza pesquisas sobre o fanzine no Brasil, a primeira dificuldade encontrada refere-se às referências bibliográficas disponíveis, pois a produção sobre este tema é bastante recente; os primeiros títulos de pesquisas sobre fanzines datam de 1993, época em que a produção zineira atingiu sua melhor fase. Antes disso, não existiam publicações acadêmicas sobre os fanzines no país. Já na visão de Grão (2002), os fanzines têm sido bem recebidos e aplicados do ensino fundamental à pós-graduação. Grande parte dos trabalhos acadêmicos sobre fanzines encontram-se ainda na área de Educação, devido à possibilidade da aplicação destas publicações como recurso eficiente de aprendizagem dadas algumas características inerentes a elas, como o exercício da criatividade e o olhar crítico, a possibilidade de deslocamento da posição do aluno de mero consumidor a produtor ativo e autor de textos críticos. Uma das características principais dos fanzines é sua circulação restrita a nichos e culturas específicas. Esta restrição dificulta seu acesso a pessoas que não fazem parte destes círculos culturais e gera uma das maiores dificuldades relatadas pelos pesquisadores: a do acesso às publicações. Esta dificuldade soma-se ao fato de haver algum preconceito por parte do meio acadêmico em considerar os fanzines como publicações dignas de serem foco de estudo ou pesquisa. (GRÃO, 2002, p. 57,). 
Nossa preferência por zines impressos justifica-se pelo fato de, atualmente, serem raras as publicações feitas de papel em relação às publicações dos anos 90 no Brasil, quando a produção zineira era forte e possuía um outro objetivo principal, o de circular informações à respeito do underground. A necessidade de circulação de fanzines era muito maior, pois não existiam os blogs ou weblogs e as redes sociais para disseminar tais informações. A cultura zineira acabou por migrar para a internet devido ao surgimento da rede, na qual as
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ferramentas disponibilizadas fizeram com que a criação e atualização, por exemplo, de um blog, para divulgar informações do cenário independente se tornasse mais fácil para os indivíduos expressarem-se. A maior vantagem de blogs e zines virtuais em relação às publicações impressas é que, além da audiência “global”, estão em constantes atualizações. Além disso, os fanzines impressos levam muito mais tempo para serem produzidos e distribuídos (SILVA, 2002). Embora as práticas de publicação e produção sejam completamente diferentes, a essência dos weblogs e dos fanzines impressos é a mesma. A função primária de ambos (comunicar) e seus ideais em torno expressão individual começou a tomar corpo a partir da década de 70 (em especial com o surgimento do movimento punk na Inglaterra). Blogs, assim como fanzines impressos, são uma deflagração da auto- expressão. Cada um deles é uma evidência de uma vertiginosa mudança de um tempo marcado pela difusão de informações controladas por autoridades, artistas e corporações sancionadas para uma oportunidade sem precedentes de expressão individual numa escala planetária (SILVA, 2002, p.10) 
Sobre as pesquisas relacionadas a fanzines no Brasil, Muniz (2010) ressalta que, no banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por exemplo, o tema dos fanzines e revistas alternativas é abordado em seis produções1, oficialmente cadastradas, em nível de mestrado. Na época (meados de 2010), houve o surgimento de comunidades virtuais em redes sociais cujo tema principal era o fanzine tradicional. No sítio de relações da rede social do Orkut, em 2007, por exemplo, constavam 266 comunidades relacionadas à palavra-chave “fanzine” e 423 à palavra “zines”. No facebook (conforme consulta realizada em 13 de novembro de 2013), foram encontrados 97 grupos ao pesquisarmos o termo “zine” e outros 98 grupos quando pesquisamos “fanzine”. Sendo assim, faz-se necessário pesquisar fanzines na comunicação para impulsionar o interesse sobre esta mídia. Não encontramos nenhum trabalho que trate de consumo cultural e classe social relacionado especificamente aos fanzines, tampouco aos fanzineiros do punk e do hardcore em específico. 
1 “As dissertações mencionadas são: Fanzines de histórias em quadrinhos: o espaço crítico do quadrinho brasileiro, de Henrique Magalhães; Grupos de estilo jovens – o rock underground e as práticas (contra)culturais dos grupos punk e thrash em São Paulo, de Kenia Kemp; O Hip-Hop e a (in)visibilidade no cenário midiático, de Deisimer Gorczevski; Skinheads no Brasil: trajetória e nacionalismo, de Alessandro Bracht; Fanzine: expressão cultural de jovens de uma escola da periferia de São Paulo, de Hildebrando Cesário Penteado; e Fanzine Madame Satã: uma análise, de Arthur de Toledo Verga” (MUNIZ, 2010).
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Gallo (2010) ressalta que, na comparação dos rumos do punk entre a cidade de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, é percebida uma distinção de classes sociais, uma vez que o grupo de Brasília é formado, sobretudo, pela classe média e por filhos de diplomatas, enquanto que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, os grupos são predominantemente formados por filhos de operários que habitavam as periferias destes centros urbanos. É interessante pontuarmos que não há menção, por parte dos grupos punks, a desentendimentos ou confrontos dentro dos grupos provocados por dissidências ideológicas ou de classe com outros grupos cuja base é a etnia. Acreditamos, então, ser relevante em nosso trabalho a análise da subcultura zineira do punk e do hardcore vinculada à classe social e aos estilos de vida, bem a análise do capital subcultural dos indivíduos inseridos nessa subcultura e de seus fanzines impressos. Levamos em consideração as observações de Downing (2004) sobre mídia radical alternativa e hegemonia, para refletirmos sobre os fanzines como mídia radical. O autor refere-se a esta mídia como sendo uma mídia, em geral, de pequena escala e que se apresenta sob muitas formas diferentes, expressando uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas. Sua missão é a de não apenas de fornecer ao público os fatos que lhe são negados, mas também de pesquisar novas formas de desenvolver uma perspectiva de questionamento do processo hegemônico e fortalecer o sentimento de confiança do público em seu poder de engendrar mudanças construtivas. O rompimento das regras é a base comum dos meios alternativos, embora, raramente, os fanzines consigam quebrar todas elas, em todos os aspectos. 
De acordo com Quines (2013), nossas escolhas partem de motivações e gostos que são construídos ao longo de nossas trajetórias de vida e que, muitas vezes, parecem emergir naturalmente de indagações espontâneas, quando, na realidade, já estão sendo moldadas e cultivadas antes mesmo de reunirmos as questões dispersas em um mosaico que faça sentido. Cabe, então, uma breve retrospectiva para descrever como a pesquisadora chegou a esta investigação. A motivação maior para a realização deste trabalho, possivelmente, é proveniente do contato que estabeleci, via correspondência, a partir dos 13 anos de idade, com zineiros de todo o Brasil. Através de cartas, a pesquisadora cresceu observando as publicações, passando, então, a produzi-las, imersa nessa rede muito bem articulada e “subterrânea”, que é a cena independente, o underground. O contato intenso com os zineiros durante esses anos despertou, na pesquisadora, uma forte vontade de conhecer mais sobre a cultura dos zines e de estudá-la na academia, não somente como pesquisadora, mas como zineira e oficineira de fanzines. Sendo assim, o contato estabelecido com os entrevistados
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aconteceu naturalmente, pois, já inserida no cenário independente, a pesquisadora pode observar detalhadamente e escolher os sujeitos que julgou serem relevantes e ativos atualmente neste meio, com publicações interessantes e diferentes entre si. No primeiro capítulo, assinalamos a relação entre os fanzines e a mídia. Alguns aspectos-chave serão descritos neste capítulo, como, por exemplo, o conceito de fanzine para diversos autores, um pouco da história das publicações (como a Punk Magazine, a Maximumrocknroll e a Sniffin’ Glue) e os fanzines punks no Brasil. Além disso, tratamos de conceitos de resistência, segundo João Freire Filho (2007), e os conceitos de mídia radical alternativa e contra-hegemonia – este último, derivado de Gramsci –, segundo a visão de Downing (2004). No segundo capítulo, explicamos o conceito de classe social e a teoria do capital cultural, proposta por Bourdieu (2008), para, assim, conceituarmos o capital subcultural postulado por Thornton (1995), expondo as diferenças entre esses capitais e a ausência da discussão de classe no trabalho da autora. Ademais, o capítulo apresenta uma introdução ao mundo das subculturas juvenis e os contrastes entre as definições de contracultura e subcultura, que são, muitas vezes, confundidos. Discorremos, ainda, sobre a história e o estilo de vida e de música do punk e do hardcore, cenários em que os sujeitos pesquisados, os zineiros, estão, de certa forma, imersos. No terceiro capítulo, descrevemos os perfis dos zineiros e seus fanzines. Realizamos o consumo de mídia desta subcultura para compreender com que frequência veem, assistem e ouvem determinada mídia, quais os contrastes existentes, na perspectiva dos editores de fanzines, entre os fanzines e as revistas, como observam o fanzine na grande mídia, o ritual de criação de suas publicações e suas formas de autenticidade e resistência. Além disso, através das metodologias de estudo de caso (quanto aos zineiros) e da análise de conteúdo (quanto aos 34 fanzines), observamos algumas características do capital subcultural nos zineiros e em seus zines, os quais foram divididos em seis categorias (musical, vegetariano, feminista, pessoal, artístico e literário). Assim, apontamos quais temáticas são mais recorrentes e o modo de abordagem das mesmas nas publicações.
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2 METODOLOGIA 
Os pressupostos metodológicos que norteiam esta pesquisa são o estudo de caso e a análise de conteúdo. O primeiro foi escolhido em função de sua característica sobre estudar um caso particular, a partir do qual as respostas emergem de uma análise de dados particulares. Nesse caso, utilizamos a técnica de entrevista em profundidade, em que elaboramos um questionário com 74 perguntas que foram respondidas por 11 zineiros (nove homens e duas mulheres), que compõem a nossa amostra. A entrevista foi elaborada e aplicada com a finalidade de coletarmos as informações para analisar o consumo de mídia e o capital subcultural de quatro zineiros das classes média alta, quatro da classe média e três de média baixa, segundo a classificação dos grupos ocupacionais de Quadros e Antunes (2001). “O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas” (YIN apud DUARTE, 2005, p. 216). Abaixo (tabela 1), para melhor visualização, uma tabela que apresenta os 11 zineiros investigados, idade, classe social e seus fanzines: 
Tabela 1 – Zineiros de classes distintas e seus fanzines. (continua) 
ZINEIROS 
IDADE 
CLASSE SOCIAL 
FANZINES 
Daniel Hogrefe 
25 anos 
Classe média alta 
Tralha, 3M3M, Quase e The Rising 
Flávio Grão 
37 anos 
Classe média alta 
Manufatura e Cortex 
Rogério Alves 
25 anos 
Classe média alta 
Street Ground, Last Call e Isto Não É Um Fanzine 
Gregory Debaco 
22 anos 
Classe média alta 
Acesso Público 
Guilherme Gonçalves 
30 anos 
Classe média 
Seja Você Mesmo, Conversas Paralelas e Outono ou Nada 
Carla Duarte 
24 anos 
Classe média 
Histérica, True Lies e Dialética 
Júlio César Baron 
23 anos 
Classe média 
Paranóia e Cale a Boca 
Renato Donisete 
41 anos 
Classe média 
Aviso Final
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(conclusão) 
Jeison Placinsch 
26 anos 
Classe média baixa 
Café Sem Açúcar e Aonde Foi Parar Aquele Sorriso? 
Kamila Lin 
20 anos 
Classe média baixa 
Impasse 
Wender Zanon 
23 anos 
Classe média baixa 
Linhaça 
Fonte: Elaborado pela autora (2013). Observamos características do capital subcultural nos fanzines que compõem nosso corpus, por meio da análise de conteúdo. Segundo Moraes (1999), a análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados em um nível que vai além de uma leitura comum: essa metodologia de pesquisa faz parte de uma busca teórica e prática, com um significado especial no campo das investigações sociais e constitui-se em bem mais do que uma simples técnica de análise de dados, representando uma abordagem metodológica com características e possibilidades próprias. A análise de conteúdo, enquanto método, constitui-se em um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. As fases da análise de conteúdo organizam-se em torno de três polos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados: a inferência e interpretação (BARDIN, 2009, p. 27). 
Na sua evolução, a análise de conteúdo tem oscilado entre o rigor da suposta objetividade dos números e a fecundidade sempre questionada da subjetividade. Entretanto, ao longo do tempo, têm sido cada vez mais valorizadas as abordagens qualitativas, utilizando especialmente a indução e a intuição como estratégias para atingir níveis de compreensão mais aprofundados dos fenômenos que se propõe a investigar. Em qualquer de suas abordagens, a análise de conteúdo fornece informações complementares ao leitor crítico de uma mensagem, seja ele linguista, psicólogo, sociólogo, educador, crítico literário, historiador ou outro. A matéria-prima da análise de conteúdo pode constituir-se de qualquer material oriundo de comunicação verbal ou não verbal, como cartas, cartazes, jornais, revistas, informes, livros, relatos autobiográficos, discos, gravações, entrevistas, diários pessoais, filmes, fotografias, vídeos, etc. Contudo os dados advindos dessas diversificadas fontes chegam ao investigador em estado bruto, necessitando, então, serem processados para, dessa
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maneira, facilitar o trabalho de compreensão, interpretação e inferência a que aspira a análise de conteúdo (MORAES, 1999). As edições dos fanzines analisadas totalizam 34 publicações impressas, que vão de 2006 até 2013. Porém, possuímos alguns fanzines não datados. Abaixo, a Tabela 2 apresenta o nome dos zines, o número, data e editor da publicação (zineiro): 
Tabela 2 – Edições dos fanzines impressos. (continua) 
ZINE 
NÚMERO 
DATA 
ZINEIRO 
The Rising 
#3 
2006 
Daniel Hogrefe 
Quase 
#3 
“Verão” de 2008 
Daniel Hogrefe 
Aviso Final 
#23 
Agosto de 2008 
Renato Donisete 
True Lies 
#5 
“Verão” de 2009 
Carla Duarte 
Last Call 
#03 
2009 
Rogério Alves 
Histérica 
#1 
1º semestre 2009 
Carla Duarte 
Seja Você Mesmo 
#1 
Março de 2009 
Guilherme Gonçalves 
Seja Você Mesmo 
#2 
Maio de 2009 
Guilherme Gonçalves 
Histérica 
#2 
Janeiro 2011 
Carla Duarte 
Aviso Final 
#28 
Abril de 2011 
Renato Donisete 
Conversas Paralelas 
#8 
Maio de 2011 
Guilherme Gonçalves 
Manufatura 
#02 
2011 
Flávio Grão 
Cortex 
#01 
2011 
Flávio Grão 
Aviso Final 
#29 
Janeiro /Fevereiro de 2012 
Renato Donisete 
Café Sem Açúcar 
#10 
Fevereiro de 2012 
Jeison Placinsch 
Street Ground 
#02 
1º semestre 2012 
Rogério Alves 
Tralha 
#2 
Agosto de 2012 
Daniel Hogrefe 
Tralha 
04 
Agosto de 2012 
Daniel Hogrefe 
Aviso Final 
#30 
Setembro de 2012 
Renato Donisete
28 
(conclusão) 
Outono ou Nada 
#1 
Outubro de 2012 
Guilherme Gonçalves 
Street Ground 
#03 
2º semestre 2012 
Rogério Alves 
10M3M (Dez Mãos de Terceiro Mundo) 
#1 
Dezembro de 2012 
Daniel Hogrefe 
Aonde foi parar aquele sorriso? 
Sem número 
Dezembro de 2012 
Jeison Placinsch 
Manufatura 
#03 
2012 
Flávio Grão 
Paranóia e Cale a Boca 
#01 
2012 
Júlio César Baron 
Linhaça 
#01 
2012 
Wender Zanon 
Aviso Final 
#31 
Março/Abril de 2013 
Renato Donisete 
Café Sem Açúcar 
#23 
Maio de 2013 
Jeison Plascinsch 
Impasse 
#02 
Não datado 
Kamila Lin 
Dialética 
#1 
Não datado 
Carla Duarte 
Conversas Paralelas 
#1 
Não datado 
Guilherme Gonçalves 
Conversas Paraleas 
#5 
Não datado 
Guilherme Gonçalves 
Acesso Público 
- 
Não datado 
Gregory Debaco 
Isto Não É Um Fanzine 
#01 
Não datado 
Rogério Alves 
Fonte: Elaborado pela autora (2013). Dividimos as 34 publicações em seis categorias: fanzines que abordam assuntos pessoais ou mantém um caráter de diário (categoria “pessoal”); fanzines que tratam sobre vegetarianismo (categoria “vegetariano”); fanzines que exponham artes ou em que a arte seja uma das pautas principais (categoria “artístico”); fanzines que possuam poesias, contos ou textos literário (categoria “literário”); fanzines que abordem o feminismo como pauta principal (categoria “feminista”) e fanzines que coloquem como tema central a música (categoria “musical”). Em nossa tabela, visualizamos um total de quatro fanzines pessoais, um vegetariano, quatro feministas, sete de arte, três de poesia e 14 de música. 
Partindo disso, apontamos quais temáticas são mais recorrentes nos zines, bem como as características de capital subcultural e as diferenças nas publicações de editores de classes distintas. Pesquisamos suas redes sociais para descrever alguns detalhes, que não constavam
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nas respostas do questionário, sobre os perfis deles (por exemplo, se pertenciam a alguma banda punk). Além do questionário aplicado com 74 perguntas, enviamos três questões abertas para explorarmos o que pensam os zineiros de diferentes classes sobre os objetivos do fazer zinístico, as suas temáticas preferidas nas publicações e a importância dos fanzines para cenário independente. Primeiramente pedimos que nos respondessem por cartas, mas, posteriormente, a maior parte dos zineiros respondeu via e-mail às perguntas. Mesmo antes da popularização da internet, os fanzines já funcionavam como uma espécie de comunidade virtual, reunindo através das publicações fãs geográfica e socialmente distantes uns dos outros (CARRIJO, 2012). Nossa investigação possui uma amostra composta por 11 zineiros de classes distintas: classes média alta, média e média baixa. Já a seleção do corpus (os fanzines) de nossa investigação ocorreu através de contatos estabelecidos com zineiros, que nos enviaram suas publicações. Já possuíamos fanzines mais antigos em nosso acervo pessoal. Após a coleta de dados da entrevista, composta por 74 questões e pelas três perguntas abertas, as questões foram divididas em duas categorias – o consumo de mídia e o capital subcultural –, que servem para articular melhor os resultados. Algumas questões sobre consumo midiático referem-se ao caráter quantitativo, ou seja, à frequência com que os zineiros assistem a, ouvem ou leem determinada mídia, já outras questões referem-se ao aspecto qualitativo ou aos modos de consumo da mídia, como são comprados e colecionados CDs, discos e DVDs de bandas e que lugares são frequentados para a realização destas compras. Entre as perguntas, não nos atemos apenas às mídias tradicionais como o rádio, a televisão e os jornais, mas também a mídias como os blogs, os sites e as redes sociais, que são um meio de manutenção de contato entre a subcultura zineira. O capital subcultural, proposto por Thornton (1995), considera a mídia um fator pertinente para entender as distinções culturais por meio do consumo de mídia, sendo impossível compreender tais diferenças sem alguma investigação desse consumo midiático, uma vez que a mídia é entendida como uma rede decisiva para o sentido e a distribuição de conhecimento cultural. 
Questionamos nossos entrevistados também sobre o canal televisivo MTV, que, por algum tempo, deu visibilidade para bandas independentes. A transmissão da MTV foi iniciada em 1º de outubro de 2013, surgindo após a devolução da marca MTV pelo Grupo Abril, que a manteve como canal de TV aberta no país por mais de 20 anos através da MTV Brasil. Hoje, a MTV é um canal de TV por assinatura e apresenta uma programação diferente da anterior.
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Para finalizar, outras questões abordadas referem-se aos primeiros contatos que os zineiros estabeleceram com o punk e o hardcore; à sua aparência, com relação a serem ou não tatuados; à autenticidade e atitude do fazer zinístico; à relação entre a mídia nacional e os fanzines; e aos meios de divulgação tradicionais e virtuais. 
É relevante assinalar que um dos trabalhos em destaque que aborda a temática de fanzines encontra-se na área da Antropologia, intitulado Grupos de Estilo Jovens: o Rock Underground e as práticas (contra)culturais dos grupos punk e trash de São Paulo, em que Kemp (1993) denomina os grupos de estilo underground2 como sendo grupos situados no meio de produções contraculturais, recusando o aspecto comercial com os bens simbólicos gerados; proposição com a qual concordamos. Em seu trabalho, a autora realizou o contato individual com os entrevistados zineiros através de observação participante e etnografia, visualizando que não existissem turmas constituídas apenas de editores de fanzines, e, sim, grupos de estilos que utilizam o fanzinato como uma das atividades, entre outras, das quais participam pessoas que fazem parte de um grupo de estilo, como, por exemplo, os punks e os thrashers3. 
Ainda que hoje visualizemos alguns encontros de zineiros e publicações alternativas anuais, grupos sobre zines fechados no facebook, trocas de publicações alternativas e eventos voltados apenas para o fanzinato (como a Fanzinada4, o Faça Você Mesmx Zine Fest5, por exemplo) voltados apenas ao fanzinato, encontramos os zineiros dentro desses grupos de estilo diferentes, como o gótico, o punk, o nerd, a cultura japonesa, ou, como pretendemos analisar aqui, os grupos que participam de alguma forma da cena punk/hardcore, levando o fanzine circunscrito à esfera do lazer mais do que um estilo de vida, sendo assim, enquadrado em uma subcultura. 
Durante as observações, Kemp (1993) constatou que é comum, nos fanzines e em conversas entre pessoas envolvidas com o estilo do rock underground, o uso constante da denominação “cena” para se referirem ao meio musical-social desse estilo em um lugar 
2 Termo que designa o espaço não cooptado e/ou coberto pela grande mídia – jornais, rádios, TVs, revistas – onde circula uma produção artística mais comprometida com a arte do que com o comércio. 3 “Thrash significa açoitar, bater rapidamente. Inicialmente designou uma derivação do heavy metal tradicional, que pode ser entendida como uma radicalização da estética metal com músicas mais pesadas e muito mais rápidas do que o metal dos anos 70. Aos poucos, o thrash do metal influenciou bandas punk que deram origem ao crossover – mistura de hardcore com metal- e, finalmente já nos anos 90, com o fim das bandas de metal thrash e das bandas de crossover, o termo foi recuperado pelas bandas punks que resgatam a sonoridade mais crua, rápida e direta dos anos 80” (O‟HARA, 2005, p. 193). 4 “A fanzinada é um encontro nacional de fanzines e publicações independentes, uma celebração entre zineiros, organizado por Thina Curtis em São Paulo” (FANZINADA, 2013). 5 “Faça Você Mesmx Zine Fest é um encontro entre zineiros que acontece em Porto Alegre e está em sua segunda edição. O evento é organizado por Daniel Hogrefe, Jamer Mello, Jeison Platinsch e Wender Zanon” (FAÇA VOCÊ MESMX, 2013).
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qualquer, sintetizando as significações que estão presentes na noção de estilos do universo da produção underground. A cena refere-se à produção musical ou a um público que divulga, edita fanzines e auxilia em espaços para performances musicais, de modo qualitativo e quantitativo, seguindo a filosofia do “faça você mesmo”. Em nosso trabalho, utilizamos a expressão “cena independente” para abordar o ambiente a que os sujeitos pesquisados estão, de alguma forma, vinculados.
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3 MÍDIA E FANZINES 
3.1 RESISTÊNCIA E MÍDIA RADICAL ALTERNATIVA 
Em nosso trabalho, ansiamos refletir sobre como os fanzines produzidos pela subcultura zineira – os zineiros ligados ao punk e ao hardcore, que editam zines impressos – podem ser avaliados como uma mídia radical alternativa, segundo as perspectivas de Downing (2004), bem como uma forma de resistência, segundo Freire Filho (2007). Além disso, no decorrer deste capítulo apresentamos a ideologia Do It Yourself e contamos a história dos fanzines, aprofundando-nos quanto aos zines e o punk e, mais especificamente, quanto aos zines punks no Brasil. Ao empregar a expressão mídia radical, Downing (2004) refere-se, como já pontuamos, à mídia que é, em geral, de pequena escala e que se apresenta sob muitas formas diferentes, ou seja, àquela que expressa uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas. “Não existe nenhuma alquimia instantânea, nenhum procedimento socioquímico inconteste, capaz de distinguir, num relance ou com resultados definitivos, a mídia verdadeiramente radical da mídia aparentemente radical ou mesmo não radical” (DOWNING, 2004, p. 24). Segundo Silva (2002), os fanzines são um veículo de livre expressão que ainda resistem à hegemonia cultural. Essa visão teve sua lógica originada a partir dos anos 70, quando os zines encontraram o movimento punk, em uma época em que o acesso aos bens culturais e aos meios de produção destes concentravam-se nas mãos de poucos. Para Oliveira (2006), o fanzine é uma mídia alternativa, com base na qual foi criado um movimento cultural alternativo internacional. É uma expressão viva, concreta e palpável de que os movimentos sociais também educam, inclusive e principalmente, os movimentos culturais juvenis. 
Transitar em um espaço “subterrâneo” (ou underground) pode ser uma forma de resistência do indivíduo ao convencional, uma forma de contestar ou, simplesmente, uma possibilidade de criação e exposição da própria prática social de um indivíduo. A cena underground constitui-se, assim, como uma atitude para sobreposição do pensar do indivíduo sobre a censura e o modismo da mídia comercial, que define modelos de acordo com o interesse financeiro do mercado. Apropriar-se de uma mídia, mesmo que de pouco alcance, para sentir-se menos domesticado pelo sistema, traduz, em parte, o desejo por emancipar-se do modismo, do incentivo ao consumismo proposto pela mídia consagrada, o que ganha
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forças a cada vez que o fanzine encontra mais um leitor ou zineiro que se identifica com a mensagem dita (NASCIMENTO, 2010). O fanzinato é um mundo no qual a liberdade de expressão e a dedicação são as bases para a criação das publicações, principalmente das impressas, que demandam uma atenção diferenciada quanto à diagramação, que, muitas vezes, é feita com o auxílio de uma tesoura, sem recursos digitais, com a utilização do xerox e com o investimento financeiro pessoal. Nesse sentido, Silva (2002, p. 11-12) propõe que: Publicar um fanzine, na esfera coletiva ou individual, significa colocar para o mundo o que o zineiro pensa, o que é de suma importância para ele. Este objetivo está na essência dos fanzines impressos, que têm o poder de transformar ambos escritores e leitores de “audiência” em “público”, de “consumidor”, em “criador”, estejam seus leitores e editores conscientes disso ou não. Na perspectiva de Downing (2004), a mídia radical alternativa apresenta-se em uma enorme variedade de formatos. O autor centrou-se quase que exclusivamente na mídia impressa e de rádio e televisão, com o objetivo de entender como os ativistas da mídia, geralmente remunerados ou mal remunerados, conseguem persistir dia após dia, ano após ano. Ao se referir à diversidade de formas que a mídia radical pode tomar, foi empobrecedor, pois esses meios podem se ver inseridos em um contexto de mídia que lhes é estranho, exemplificando com os cartuns de esquerda que, muitas vezes, são alocados, desconfortavelmente, em jornais conservadores. Os meios alternativos têm em comum o fato de romperem com as regras, embora raramente quebrem todas elas, em todos os aspectos. Esses meios são tipicamente de pequena escala, dispondo de raros fundos, às vezes pouco conhecidos. “Às vezes têm vida curta, como uma espécie de epifenômeno; outras perduram por muitas décadas. Às vezes, são atraentes; às vezes entediantes e repletos de jargões; às vezes, alarmantes; e, às vezes, dotados de um humor inteligente” (DOWNING, 2004, p. 29). A mídia radical alternativa geralmente serve a dois propósitos precedentes: a) expressar verticalmente, a partir dos setores subordinados, oposição direta à estrutura de poder e seu comportamento; obter, horizontalmente, apoio e solidariedade e construir uma rede de relações contrária às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder. Qualquer exemplo pode incluir ambos os propósitos, vertical e horizontal (DOWNING, 2004, p. 29-30). 
Para utilizar o conceito de contra-hegemonia, Downing (2004) deriva de Gramsci a ideia de que, para resistir ao poder da classe capitalista, nas nações em que o poder desta é
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avançado, é necessário desafiar e destronar o domínio cultural e a liderança (hegemonia) das classes dominantes, com uma visão alternativa coerente e convincente de como a sociedade poderia organizar-se. No decorrer de sua expansão, o capitalismo consolidado manteve e organizou sua liderança através de órgãos de informação e cultura. As perspectivas sobre a sociedade mais ampla, geradas no âmbito desses órgãos produziram, segundo Downing (2004), uma visão de mundo inconteste, que adquiriu o status quo de inevitável, do poder da classe dominante assentado na sua habilidade singular de dirigir a nação com sucesso. De acordo com Edgard e Sedgwick (2003), o termo hegemonia deriva do grego hegemon, que significa líder, guia ou designa aquele que dita as regras. No marxismo do século XX, esse termo foi desenvolvido por Gramsci, sendo de central importância para o desenvolvimento dos estudos britânicos, principalmente no trabalho do Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies, facilitando a análise das formas pelas quais os grupos subordinados respondem e resistem à dominação política e econômica. Com exceção dos projetos fascistas, essa hegemonia acabou surgindo após longos períodos, e não como algo imediato. A hegemonia socialista foi construída com o passar do tempo através do engajamento das massas. Esse movimento político majoritário foi, em grande parte, liderado, de forma não tirânica, por um partido comunista. Influenciados pelo teórico italiano, alguns escritores começaram a utilizar os termos contra-hegemonia e contra- hegemônico, embora Gramsci não tenha empregado os termos desta forma. Ainda assim, os conceitos de contra-hegemonia passaram a ser posteriormente empregados com frequência para classificar tentativas de suplantar a hegemonia com uma visão radical alternativa (DOWNING, 2004). Acreditamos que os zines, principalmente os vinculados ao punk, são uma forma de mídia radical alternativa, pois, segundo Downing (2004), a mídia radical tem o objetivo não apenas de mostrar ao público os fatos que lhe são negados, mas também de criar novas alternativas de pesquisar e desenvolver perspectivas de questionamento do processo hegemônico, fortalecendo, assim, o sentimento de confiança do público devido ao sentimento de mudança construtiva. O autor resume o modelo de contrainformação baseado em Gramsci, que apresenta uma nova perspectiva para entender a mídia radical, a qual tem um forte elemento de validade, especialmente sob regimes repressores e extremamente reacionários. O papel da mídia radical pode ser compreendido como o de tentar quebrar o silêncio e refutar as mentiras da sociedade, fornecendo-lhe a verdade.
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Afirmo que o uso dos fanzines e seus elementos inconstantes e mutáveis, não como fórmula, mas como estratégia fugidia e suporte volátil, não-durável, pode provocar algum tipo de desgaste iconológico em oposição aos símbolos transformados em clichês, de forma experimental de disseminação e distribuição da contra-informação. Uma tática de disseminação de um pensamento não científico, acadêmico, erudito, formal. Tais estratégias foram bastante utilizadas na cultura underground, na arte marginal, na contracultura, na literatura independente, na ficção científica, nos quadrinhos, no punk e em diversas outras instâncias da cultura – quando utilizada como experimento e intensidade – no decorrer das últimas décadas (MELLO, 2010, p. 28). A noção de resistência passou a ser frequentemente relacionada, desde os anos 1980, às ações das mais prosaicas ou sutis e aos gestos menos tipicamente heroicos da vida cotidiana, não vinculados a derrubadas de regimes políticos ou mesmo a discursos emancipatórios, nos quais eram tradicionalmente associados a protestos organizados ou a insurreições coletivas de larga escala contra instituições e ideologias expressivas (FREIRE FILHO, 2007). Podemos visualizar, no subcapítulo a seguir, intitulado Punk e Zines, que o fanzine punk surgiu com força no Brasil a partir da década de 1980, podendo ser considerado também um elemento de resistência. Nesse sentido: Dependendo, pois, da formação cultural, da posição social e das inclinações teóricas e políticas do analista, uma mesma atividade pode ser descrita como “resistente”, “rebelde”, “rude”, “anômica”, “desviante”, “diversionista”, “delinqüente” ou “patológica”, conforme atestam as copiosas pesquisas sobre o comportamento juvenil, realizadas no âmbito das ciências humanas e sociais (FREIRE FILHO, 2007 p. 19). 
A amplitude das ações e dos comportamentos qualificados como “resistentes” em todos os níveis da vida social (individual, coletiva e institucional) e em diferentes cenários (partidos políticos, cultura popular, entretenimento massivo, escola, prisão, rua, local de trabalho, quarto de dormir) é bastante grande. Nos registros pródigos dos dicionários, o vocábulo “resistência” e seus correlatos remetem a um desnorteamento de modos ativos e dinâmicos ou mais passivos e estáticos de lidar com situações e manobras julgadas adversas ou opressivas. O principal ponto de controvérsia entre as discrepantes abordagens dos parâmetros conceituais do termo “resistência” é a necessidade ou não de intencionalidade por parte de quem resiste e o reconhecimento de determinada ação como de resistência por parte dos alvos desta e dos demais membros da sociedade. Para alguns autores, determinar a intenção de indivíduos e grupos é uma tarefa difícil ou mesmo impossível, devido não só às dificuldades de acesso às motivações internas dos atores sociais como também a diferenças culturais. Indivíduos, comunidades, subculturas e categorias sociais inteiras são flagradas
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resistindo (de variadas formas, manifestas ou tácitas) à exploração, à marginalização, à frustração pessoal e ao imperialismo cultural (FREIRE FILHO, 2007). De acordo com Freire Filho (2007, p. 19), uma amostra das inúmeras atividades e condutas realçadas como expressão de resistência são: os estilos de vida “alternativos” ou “antimaterialistas”; o não votar; a interpretação a contrapelo de mensagens reacionárias, patriarcais ou infamantes da mídia; a assimilação de mensagens de caráter progressista ou “empoderador” latentes na mídia; o uso, de maneira desfigurada ou customizada, de peças de roupas da moda; a incorporação de trajes e cortes de cabelo ligados a tradições culturais ou religiosas; a fala ou a escrita na língua nativa; o rompimento com o discurso de vítima; e o silenciamento deliberado. 
3.2 DO CONSUMO AO FAÇA VOCÊ MESMO (DO IT YOURSELF) 
Conforme salientado Bauman (2008), a sociedade de consumidores interpela seus membros, dirigindo-se a eles e questionando-os na condição de consumidores. Essa sociedade representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e de uma estratégia existencial consumista, rejeitando todas as opções culturais alternativas. Em contraposição, os zineiros modernos utilizam suas publicações para propor outras perspectivas à cultura de consumo. Enquanto a relação de consumo é compreendida como uma relação de passividade (o consumidor paga com o seu dinheiro, recebe o produto e vai para casa seguindo as instruções para seu uso), os zineiros insistem em interagir com o produto de maneiras que vão muito além destes limites (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). 
O potencial do consumo como resistência política surgiu, primeiramente, em associação com a teoria subcultural, pois as subculturas dos anos 50 em diante eram vistas como consumidoras dos produtos do capitalismo, mas não de acordo com as expectativas dos produtores. Ao consumidor foi, então, atribuída a habilidade de fazer seu valor de uso da mercadoria (EDGARD; SEDGWICK, 2003). Para Duncombe (1997), em uma sociedade construída com base no consumo, como podemos perceber pelos alimentos que comemos, pelas roupas que vestimos, pela cultura com que nos identificamos, o ideal de ser “o artista de mim mesmo” é desafiador. Esse ideal é também compartilhado pelos zineiros em suas vidas. Se os fanzines são a expressão de uma cultura underground, que marca sua identidade em
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oposição a de um mundo à parte, hoje a onipresença do consumo de massa caracteriza a sociedade em geral tão distintamente como qualquer outra característica. Qualquer crítica ao consumismo e qualquer nova visão de mundo deve incluir uma nova perspectiva sobre como a cultura e os produtos serão produzidos e consumidos. No entanto, há algo sobre a crítica e sobre resistência ao consumo que não consegue se sustentar. Ao contrário dos desafios em relação à quantidade e qualidade do trabalho – que têm uma história longa e nobre inserida na luta da classe operária – a crítica do consumo parece um privilégio dos privilegiados. Com tanta demanda de produtos para, rapidamente, tornarem-se parte do público consumidor, a ideia de criticar o consumismo parece absurda. Entretanto, vivemos em um mundo estranho, no qual, nos Estados Unidos, por exemplo, ser pobre não significa estar fora do mundo de consumo. As pessoas podem não ser capazes de manter uma habitação decente, educação ou cuidados de saúde, mas os tênis e os jogos de vídeo que são lançamentos e os refrigerantes, por exemplo, estão ao alcance de todos, mesmo dos cidadãos mais pobres: o consumo foi democratizado (DUNCOMBE, 1997). Ao escreverem comentários, resenhas ou darem entrevistas sobre suas bandas favoritas, falando sobre a sua cena local, os zineiros que publicam zines musicais estão tomando um produto que é comprado e vendido como uma mercadoria e posicionando-o em um relacionamento íntimo: em vez de depender dos mediadores sancionados como a Revista Rolling Stone e a Spin, estes editores afirmam seu próprio direito de abordar com autoridade a música que amam, tornando esta a sua própria cultura. O maior gênero de zines que existiu, e existe, é o vinculado à música (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). 
Se a cultura dominante é comercial, no entanto, de muitas maneiras os zineiros estão fazendo a mesma coisa que as pessoas têm feito há anos: utilizar a cultura dominante e recriar a sua relação com ela, e, consequentemente, com o mundo. Um dos exemplos mais interessantes deste fenômeno, segundo Duncombe (1997), é o descrito por Camille Bacon- Smith em sua excelente etnografia da comunidade predominantemente feminina de fãs de mídia nos Estados Unidos. Saindo da cena de fãs de ficção científica, Bacon-Smith descreve o seu interesse na televisão dramática e mostra Star Trek6 como o elemento definidor de sua comunidade, a qual se reúne através de uma série de convenções e comunica-se através de fanzines. O que é particularmente interessante sobre esta comunidade é o que as fãs fazem com a matéria de mídia massiva: através de vídeos de músicas editados em casa, poemas e 
6 “Em 1966 era exibido o primeiro episódio de Jornada nas Estrelas (Star Trek) série de ficção científica criada por Gene Roddenberry que marcou época e tornou-se uma das mais cultuadas franquias da cultura pop de todos os tempos” (OMELETE, 2011).
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histórias, elas literalmente recriam as narrativas desses programas. Além disso, redesenham as fronteiras de mundos dos personagens, dando a eles histórias, famílias, emoções e relacionamentos que fogem ao previsto pelos programas originais. As histórias, que circulam através de fanzines, tornam-se a base para outras, resultando na construção de um universo alternativo de Star Trek, atraindo outros fãs. A mediação, no entanto, não é o único tipo de relacionamento que os zineiros cultivam com a cultura de consumo. Enquanto alguns questionam implicitamente a separação entre si mesmo e o consumo de cultura, tentando preencher essa lacuna, outros explicitamente criticam todo o sistema, tentando demolir as pontes entre si e o mundo de consumidores. Os zineiros anticonsumistas utilizam seus zines para destruir a ilusão reconfortante posta pelo consumismo, ressaltando que a “casca” brilhante deste esconde as realidades de má-fé do sistema capitalista (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). A filosofia que abarca a ideia de simplesmente “sair e fazer”, ou, como popularmente é expresso no mundo underground, a ideia do “Faça Você Mesmo”, ou a ética Do It Youserlf, surgiu da necessidade de construir, de criar algo dentro do movimento punk. Apesar de o punk rock ter se tornado um grande – e rentável – movimento musical na Inglaterra e nos Estados Unidos, na década de 1970, as indústrias fonográficas e revistas demonstraram pouco interesse nele. Voltadas para as estrelas do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 e da nova música de dança em discotecas, tais indústrias e revistas não consideraram o punk como algo que merecesse investimento. Assim, um músico punk, se quisesse ter um público, teria de alugar com o próprio dinheiro os salões para se apresentar. Se quisesse fazer um registro (gravar um show, uma demo-tape), teria de financiá-lo sozinho. Se quisesse falar sobre sua música, teria de criar um fanzine. Na cena musical e cultural cujos sucessos incluem canções como Blank Generation de Richard Hell, os zines eram um esforço para preencher esse vazio (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). “Eu pertenço à geração em branco (geração vazia) Eu posso levá-la ou deixá-la” (Blank Generation, de Richard Hell, tradução nossa) (LETRAS, 2013). 
Na obra Mate-me Por Favor, de McCain e Mcneil (2004), Richard Hell afirma que “quando qualquer coisa chegava à análise final não me interessava mais” e que a canção Blank Generation foi escrita porque o autor tinha uma visão oposta a das pessoas que estava
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tentando analisar. A canção passava a ideia de pertencimento a uma geração vazia e de que isto era como “uma lacuna” (HELL apud MCCAIN; MCNEIL, 2004, p. 77). Para Mary Harron, escritora de reportagens especiais para o fanzine punk da época, era niilismo: Eu não gostava da cultura hippie, achava nauseante, afetada, sentimental e com carinha de smiley. Aí Richard Hell chegou e disse: “É isso que somos, a geração vazia. Acabou”. Foi muito excitante. O que foi tão emocionante é que a gente estava indo em direção ao futuro e não fazia idéia de que futuro era. Senti como se fosse tudo novo – não havia definições, ou limites, era ir em frente, em direção à luz, era o futuro, tudo novo, sem regras, sem nada, sem definições. Levou anos para perceber que era niilismo, ou coisa que o valha (HARRON apud MCCAIN e MCNEIL, 2004, p. 77). 
Ao longo dos anos 1970 e 1980, uma geração inteira foi, em grande parte, ignorada pela indústria da cultura comercial. A hegemonia cultural da geração baby boomer7 (o locus do qual havia se mudado da contracultura para a indústria de cultura mainstream8) – estava segura de que tudo no “mundo-de-acordo-com-a-cultura-de-massa” voltava-se para as suas experiências ou para a sua geração. O fato de que esta geração também compôs o maior grupo demográfico em termos de poder de compra garantia sua representação consistente. Ter pertencido ao período pós-anos 1960, sendo um punk rocker ou não – significava ter pertencido a um mundo cultural que foi sufocante, no qual se escutava “fizemos tudo isso antes e melhor nos anos sessenta”' e sentir-se em um vácuo, em uma geração vazia. Zines e outras formas de cultura underground tornaram-se o espaço em que os membros da geração pós-anos 1960 – ou alguém revoltado ou deixado de fora da releitura mainstream da década de sessenta – poderiam trabalhar na definição de quem eles eram e do que eles acreditavam ou do porquê, quando eles fizeram, fizeram horrivelmente errado. “Faça Você Mesmo” era também uma reação ao modo como a mídia massiva estava trabalhando (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). 7 “A Geração Baby Boomer surgiu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Hoje, estas pessoas estão com mais de 45 anos e se caracterizam por gostarem de um emprego fixo e estável. No trabalho seus valores estão fortemente embasados no tempo de serviço, e preferem ser reconhecidas pela sua experiência à sua capacidade de inovação. O termo em inglês „Baby Boomer‟ pode ser traduzido livremente para o português como „explosão de bebês‟, fenômeno social ocorrido nos Estados unidos no final da Segunda Guerra, ocasião em que os soldados voltaram para suas casas e conceberam filhos em uma mesma época. Os Boomers também são identificados como inventores da era „paz e amor‟, pois tinham aversão aos conflitos armados. Preferiam a música, as artes e todas as outras formas de cultura como instrumentos para evolução humana do que as guerras” (COISA & TALE, 2012). 8 “A corrente de pensamento e ideologia predominante e, por extensão, o que é transmitido e divulgado pela grande mídia como relevante cultural e artisticamente. Forma par em oposição a underground” (O‟HARA, 2005, p. 188).
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A filosofia do Do It Yourself, a corporificação do espírito punk, ocupa uma posição de liderança no mundo dos zineiros. O “Faça Você Mesmo” é, ao mesmo tempo, uma crítica ao modo dominante de cultura do consumidor passivo e a criação ativa de uma cultura alternativa, que não implica apenas criticar o presente, mas também fazer algo diferente; velho ideal no mundo dos fanzines. Além de fazer exigências quanto à cultura comercial, fãs de ficção científica criaram a sua própria cultura. Enquanto a noção de participação de estar “fazendo você mesmo” e criando sua própria publicação remonta ao começo da cultura fan fiction. Entretanto, abraçou outra ideia, além da ficção científica, no mundo dos fanzines: o punk rock (DUNCOMBE, 1997). Para Silva (2002), entre as discussões que sempre permearam o universo dos fanzines estão, juntamente à filosofia do “Faça Você Mesmo”, a busca de canais bidirecionais de comunicação, de acesso mais democrático aos meios para experimentação estética sem comprometimento comercial e de ambientes para a formação de comunidades virtuais. De modo geral, todos esses problemas sempre estiveram no cerne das questões levantadas pela “ideologia” de produção, circulação, distribuição e de conteúdo dos fanzines. Nesse sentido, o Do It Yourself vai além do impulso de resgate da autonomia de se fazer coisas e escolhas por si próprio, representando algo mais profundo: uma independência conquistada em virtude de não se dever nada a ninguém. A obra intitulada Não devemos nada a você, de Sinker (2009), da editora Edições Ideal, apresenta entrevistas em que o Do It Yourself é tido como base para os entrevistados. A publicação é originada do zine Punk Planet, de Daniel Sinker, que o editou por um período de treze anos, antes de extinção do zine em 2007. No seu ápica, circularam 20 mil do zine cópias eu seu ápice. A motivação por trás do punk é, quase que sem pensar, atribuída ao DIY hoje em dia. Isso significa: faça você mesmo. É algo subestimado no punk rock, mas é a base sobre a qual a cultura inteira foi construída. Escritores punks não estão sentados em casa esperando que seus artigos sejam publicados, eles mesmos os publicam. Os fãs não estão esperando alguém lançar um disco de sua banda predileta, eles mesmos os lançam. Não estamos esperando um clube abrir e realizar shows que atendam ao público com menos de 21 anos, nós mesmos o abrimos. O punk nunca esperou aprovação de ninguém para fazer algo por conta própria. DIY é a resposta para “por quê?” (SINKER, 2009, p. 9). 
As entrevistas selecionadas por Sinker (2009) apresentam questões interessantes, trazendo personagens atuantes nos primórdios do punk, como Ian Mackaye, do Fugazi. Na entrevista, Mackaye relata sua relação com o straight edge – filosofia punk totalmente livre de
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drogas –, com o Do It Yourself e com a música; relação que se dá de tal forma que o trabalho não se dissocie de suas próprias opções de vida. Outras surpresas nos são reveladas por Sinker na entrevista com Kathleen Hanna (vocalista do Bikini Kill) quando nos deparamos com o relato da discriminação feminina no universo de bandas majoritariamente masculinas. Com certa mágoa, ela relata como as garotas da banda eram agredidas, nas suas apresentações, pela plateia, maltratadas por pessoas do meio punk e hardcore e oprimidas pela concorrência, experiências traumáticas que a fez desistir da banda e partir em busca de outras experiências (GALLO, 2010). Mesmo para jovens com pouco afinidade com a música ou o visual punk, a índole antiestabelecimento e a filosofia do “Faça Você Mesmo” do movimento têm encorajado a constituição de novas comunidades instáveis de dissenso artístico, social e político (FREIRE FILHO, 2007). Na Inglaterra, há manifestações da contrapartida urbana da florescente subcultura do Do It Youserlf, como o Reclaim The Streets, movimento anárquico de cunho ecológico que ocupa coletivamente espaços públicos, colocando-se contra o automóvel como meio de transporte principal na vida urbana. Colocados à margem da economia por décadas de governo conservador e com poucos motivos para responder às políticas de centro-direita do Novo Trabalhismo de Tony Blair, uma infraestrutura muito autoconfiante de cooperativas de alimentos, ocupação ilegal de terras, mídia independente e festivais gratuitos de música surgiu em todo o país. A ocorrência de festas espontâneas na rua, por exemplo, é uma extensão do estilo de vida do “Faça Você Mesmo”, pois demonstra que as pessoas podem criar sua própria diversão sem pedir permissão a nenhum Estado ou depender da generosidade de nenhuma corporação (KLEIN, 2002). Ao contrário dos eventos anuais sancionados pelo Estado como válvula de escape para as tensões sociais e a sensaboria cotidiana, os carnavais anticapitalistas animados pelo Reclaim The Streets são claramente ilegais: um ato de desobediência civil. Sob a ameaça constante da repressão policial, os participantes do movimento desenvolveram estratégias inovadoras para as suas ocupações de ruas, cruzamentos ou trechos de rodovias. Milhares de participantes são convocados (via internet ou panfletos) para se reunirem em determinado lugar da cidade, de onde partem em massa para o local da manifestação, conhecido apenas por alguns dos organizadores, onde o trânsito é bloqueado com uma performance teatral ou uma marcha de bicicletas (FREIRE FILHO, 2007). 
O underground não consegue transcender o individualismo que dilacera a sociedade da qual os indivíduos estão tentando se distanciar. Entretanto, o prazer que os zineiros sentem
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em controlar o produto de seu trabalho não é totalmente solipsista9. O fato de que zines são um meio de comunicação garante a interação entre os indivíduos, reforçando algo que se aproxima de uma norma comunitária implícita. A função “em rede” do underground e o compromisso que os produtores individuais de zines têm de participar neste “subterrâneo”, atenua um isolamento pessoal debilitante. Repletos de queixas sobre a distorção, por parte dos meios de comunicação e de fundamentos para uma representação justa de queers10, punks, mulheres, geração X, fãs de futebol, entre outros, os zineiros, baseados nas tradições da imprensa alternativa, almejam criar sua própria expressão e fabricar sua própria identidade através das páginas de um zine. Zines, como expressões físicas de seus criadores, isto é, como mídia impressa, transformam representação em apresentação. Os zineiros criticam o consumo e os valores da sociedade de consumo, mas não abandonam o prazer trazido pelo ato de consumir. Em vez disso, têm imenso prazer na própria prática de criticar a cultura de consumo e produzir – assim como consumir – a sua própria cultura (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). 
3.3 A HISTÓRIA DOS FANZINES 
É importante aprofundarmo-nos nas origens e na história dos fanzines para compreendermos o que, de fato, são as publicações desenvolvidas pela subcultura zineira, pois ambos, zineiros e zines, são analisados no presente trabalho. Para Muniz (2010), o termo fanzine surgiu da aglutinação de fanatic (fã) e magazine (revista), tendo emergido na década de 1930, nos Estados Unidos, remetendo às publicações de leitores de ficção que, não podendo participar do mercado profissional, criavam, editavam e distribuíam por conta própria suas próprias histórias. O primeiro fanzine publicado teria sido o The Comet, criado em 1930, por Ray Palmer, para o Science Correspondance Club, seguido do The Planet, publicado em junho do mesmo ano, editado por Allen Glasser para o The New York Scienceers. Outro fanzine, dentre os pioneiros, foi o The Time Traveler, criado por Julius 
9 “A base do conceito solipsista é a negação de tudo aquilo que esteja fora da experiência do indivíduo. Seria, no caso, um ceticismo extremado. Tão extremo que a concepção do termo leva em conta, até mesmo, a inexistência do mundo, caso não haja alguém para experimentá-lo. Dessa forma, a sustentação do solipsismo é o empirismo, ou seja, a prática do indivíduo” (FILOSOFANDO, 2011). 10 “O Queercore é considerado um movimento musical e cultural que teve início em meados da década de 80 e musicalmente protesta, grita, é pesado e “sujo” como o punk, mas gay em suas letras e atitudes: um braço do estilo punk que resolveu caminhar pelas ruas gays da música” (SOARES, 2007).
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Schwarts, em parceria com Mort Weisinger, futuro editor da DC Comics11 (MAGALHÃES, 2004). Os fanzines são, muitas vezes, chamados apenas de “zines” no Brasil, embora em lugares como os Estados Unidos e na Europa se evite o uso da partícula “fan” em publicações que não têm o objetivo de ser uma publicação de fã, ou seja, em publicações autorais de que acabam por não usarem a denominação de “fanzine”. Entretanto, no Brasil, os zineiros não veem problemas quanto à essa denominação. Desse modo, no presente trabalho utilizamos os termos “fanzine” e “zine” como sinônimos. Para Guimarães (2005) o termo fanzine disseminou-se de tal forma que, atualmente, engloba todo tipo de publicação que tenha caráter amador e seja feita sem intenção de lucro, motivada pela simples paixão sobre o assunto enfocado. Assim, são fanzines as publicações impressas que agregam textos diversos, histórias em quadrinhos do editor e dos leitores, reprodução de histórias em quadrinhos (HQs) antigas, poesias, divulgação de bandas independentes, contos, colagens, experimentações gráficas e tudo aquilo que o editor julgar interessante para sua publicação. Embora, em sua definição do termo, Guimarães (2005) afirme que os zines têm caráter amador, podemos visualizar muitos que apresentam caráter profissional, com anúncios de lojas e assinaturas, como a Maximumrocknroll, por exemplo, que tratamos a seguir. Já na visão de Oliveira (2006), os fanzines são publicações geralmente feitas em xerox, de pequenas tiragens, vendidas em lojas e distribuidoras especializadas e também pelos próprios editores. As publicações podem ser adquiridas em pontos de encontro, via correio ou em shows. Essas publicações se divulgam mutuamente, uma vez que, em quase todos os fanzines, é possível encontrar endereços de outras publicações, inclusive de outros estados e países. A variedade é vasta e difícil de ser classificada em estilos. Segundo Duncombe (1997), existem algumas categorias como: ficção científica, música, fanzines pessoais, fanzines de uma cena local (sobre uma cena musical ou literária), metazines (resenhas sobre outros), quadrinhos, poesia, arte, fotografia etc. 
Por não possuírem periodicidade, geralmente os zines são organizados de acordo com o tempo de que cada zineiro dispõe, que os utilizam como forma de expressão individual ou 
11 “A DC é uma editora dos EUA especializada na edição de histórias em quadrinhos, englobando também todos os veículos referentes à crítica e divulgação deste gênero narrativo. Além disso, tem em sua posse os direitos intelectuais de alguns dos mais renomados personagens das histórias em quadrinhos dos Estados Unidos. Entre eles constam os heróis Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Aquaman, e os grupos aos quais eles pertencem, como Liga da Justiça da América, Novos Titãs, Patrulha do Destino, Legião dos Super-Heróis, e outros mais” (SANTANA, 2013).
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de um grupo: são roqueiros falando de sua banda, criticando ou elogiando demais bandas; são jovens que ousam expor produções literárias ou, simplesmente, expressar seus conflitos, desabafos e questionamentos. Outros zines têm como expressão os quadrinhos, repletos de personagens inventados e jamais divulgados na mídia convencional (NASCIMENTO, 2010). Para Mello (2010), a utilização de qualquer recurso que esteja relativamente disponível é uma das forças evidentes na produção de fanzines quando o objetivo é proporcionar fluxo a uma necessidade de expressão. Um recurso bastante utilizado nestas produções caseiras e artesanais é a união de materiais escritos com materiais visuais de diversas origens, sem a necessidade de respeitar princípios estéticos na diagramação. Outras características importantes dos fanzines são interesses por assuntos estranhos ao grande público, a utilização do humor ácido, a criação de narrativas surreais, e a despreocupação com a autoria dos materiais empregados em sua composição. Potencializa-se, assim, uma ação limítrofe que não leva em conta a obrigatoriedade de respeito aos cânones da produção intelectual (MELLO, 2010, p. 29) As revistas alternativas, na maioria das vezes, são editadas por determinado grupo de artistas que têm como objetivo divulgar e discutir os trabalhos por eles produzidos. Os jornais, mesmo que tenham um foco, abordam vários assuntos e contam normalmente com um jornalista que assina como responsável pelo conteúdo publicado. Diferentemente dessas mídias, os fanzines são produtos de um grupo de aficionados por determinado assunto (entre os mais comuns estão o rock, até a metade da década de 1990, quando decai o número de publicações do gênero com a chegada da internet, os quadrinhos e a poesia), desprovidos de comprometimento jornalístico, representando outra forma de expressão e comunicação impressa. A falta de recursos financeiros, que resulta na forma de produção artesanal, a distribuição independente, a periodicidade irregular e a divulgação de trabalhos artísticos sem muito espaço na grande mídia são comuns nessas publicações (DEFAVARI, 2008). 
Nos fanzines, são experimentadas visões e formas de compreensão do mundo, que, às vezes, não possuem espaço em outras mídias. Ser um zineiro não deixa de ser uma forma de exprimir uma experiência, uma forma de potencializar maneiras de intervir e enxergar a experiência de estar inserido no mundo. Ao escrever uma crítica, desenhar, enaltecer um tema ou anunciar um horizonte expressivo, os zineiros dão vazão àquilo que está guardado em seus íntimos e que tem pressa para se libertar, colocando, muitas vezes, em xeque verdades
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instituídas e a própria vontade secretada por saberes hegemônicos que definem as estéticas dominantes do que dizer e de como dizer a respeito do mundo (NASCIMENTO, 2010). Foi graças ao acesso ao mimeógrafo, na década de 1970, e à popularização da fotocópia, ocorrida na década de 1980, que a produção e circulação dos fanzines impressos cresceu. Desde então, muitos catálogos e espécies de guias mostrando como produzir uma publicação independente foram lançados na intenção de popularizar a produção. De fato, muitos historiadores atribuem um crescimento do número de publicações a partir dos anos 1980 por causa da presença das máquinas fotocopiadoras, fato que permitiu a possibilidade de uma publicação mais barata (SILVA, 2002). Por falta de recursos financeiros e tecnológicos, no caso dos zines mais antigos, muitos tinham sua montagem concluída por meio de recortes, seguidos de colagens, de textos e matérias. Pelo mesmo motivo, a reprodução era feita pelo mimeógrafo, já que somente as mais estruturadas recorriam às gráficas (DEFAVARI, 2008). Os zines são publicações vinculadas à imprensa alternativa (DEFAVARI, 2008) pois são próprios dessa imprensa os trabalhos que não obedecem a um formato específico, não apresentam periodicidade regular, usam a linguagem coloquial, apresentam produção artesanal e que se valem de formas de divulgação diversas, tais como: via postal, pelas mãos dos editores, distribuição gratuita em pontos específicos, trocas de colecionadores, assinantes e fãs, e até a tradicional venda em bancas. Independentemente da posição que assumam em relação a temáticas ou modos de comunicação, um posicionamento destaca-se na história dessas práticas de linguagem intituladas fanzines: a liberdade de expressão (MUNIZ, 2010). No Brasil, o primeiro fanzine de que se tem registro é o Ficção, criado por Edson Rontani, em Piracicaba (SP), no ano de 1965. Na época, utilizava-se o termo “boletim” para designar as publicações amadoras. O termo fanzine só começou a ser usado a partir de meados da década de 1970. Nos anos seguintes a 1965, surgiram outras publicações, como: Boletim do Clube do Gibi, Na Era dos Quadrinhos, Focalizando os Quadrinhos, Boletim do Herói (que depois se chamou Boletim dos Quadrinhos) etc. Em 1970, em Porto Alegre, Oscar Kern lançou a primeira fase de Historieta, que seria lançada como revista alternativa em 1980. Historieta teve uma edição distribuída em bancas em 1986 e voltou a ser fanzine na década de 1990 (GUIMARÃES, 2005) 
Apesar do amadorismo, da experimentação e da distribuição feita de mão em mão, surgiram mudanças ocorridas no mundo dos zines. Primeiramente, houve uma explosão tanto em termos de quantidade quanto de popularidade. Grandes distribuidoras e redes de lojas em todo os Estados Unidos começaram a aceitar zines para venda e exposição em suas gôndolas de revistas e jornais. Para os zineiros, foi uma chance espetacular de alcançar um público
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maior, e, para outros, a oportunidade de conhecer a cultura underground. O lado negativo deste “boom” é que os zines foram pressionados para se tornarem mais “profissionais” ou mainstream, a fim de ganhar aceitação da massa (O‟HARA, 2005). Desenhados em estilo profissional e compostos inteiramente de anúncios, resenhas e entrevistas chatas, esses picaretas não demonstram a mesma criatividade e paixão dos seus antecessores mais toscos. Além disso, livros sobre zines tornaram-se lugar- comum, assim como livros em formato grande de zineiros compilando edições antigas de zines fora de circulação (O‟HARA, 2005, p. 70-71) Como veículos de opinião, os fanzines propagam as mais diversas linhas de pensamento. Aqueles voltados para a contestação política e social, que se colocavam contra o capitalismo e todo o sistema estabelecido, de modo geral, eram denominados de anarquistas. O anarquismo pregado nos fanzines quase sempre servia apenas como veículo para o extravasamento do protesto juvenil. As publicações vistas como anarquistas ficaram marcados pela caótica programação visual, fazendo um apelo à radicalização estética contra as já convencionais colagens de matérias das outras publicações. Entretanto, se, por um lado, pecavam pela falta de consistência ideológica, por outro, mostraram seu empenho militante, que era visto com desconfiança (MAGALHÃES, 2004). A quase completa ausência de mercado profissional para os artistas brasileiros levou- os a buscar o fanzine como forma de expressão (GUIMARÃES, 2005). A década de 1980 foi o período em que os movimentos preservacionistas ganharam espaço na imprensa a nível mundial e com eles, surgiram os fanzines voltados à ecologia. No Brasil, foram publicados os zines Esperma de Baleia e Xeiro de Terra, do Rio de Janeiro, promovendo um debate poético e militante. Temas inusitados e pouco enfocados pela imprensa convencional ganharam espaço nas páginas das publicações. As rádios livres, que entraram no ar nas grandes cidades brasileiras a partir de meados dos anos 1980, contaram com o fanzine Garrafa, de Poá (SP), para sua difusão. Decadance, um fanzine também dirigido um tema pouco enfocado, a questão homossexual, destacou-se pelo projeto gráfico bem elaborado e pela boa impressão, além, claro, de seu conteúdo considerado polêmico. Finalmente, os esportes radicais também tiveram seus fanzines, a exemplo do Pró-Skate, do SKT News e do Skatzine, todos do estado de São Paulo, de acordo com Magalhães (2004). 
Para editar um fanzine, o indivíduo precisa possuir a ânsia de expressar opiniões, ideias e pensamentos e ter acesso a uma copiadora barata, pois, geralmente, as lojas não se
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interessam por produtos com pequena margem de lucro e público irrisório, então são vendidos principalmente pelo correio (O‟HARA, 2005). De acordo com Guimarães (2005), a extinção de muitas publicações ocorre pela dificuldade de encontrar informações sobre a existência dos fanzines, pelos custos sempre crescentes, pela renúncia ao lucro e pelo considerável trabalho que é organizar novas edições de maneira sistemática. 
3.4 PUNK E FANZINES 
Com o crescimento das cenas punks em Nova York e Londres, em meados dos anos 1970, surgiram os fanzines. Os trabalhos que atingiram maior visibilidade foram o Sniffin’ Glue, da Inglaterra, e Punk, de Nova York. Como a maioria das publicações independentes, esses também tiveram vida curta, pequena tiragem e estética amadora, se comparada ao padrão das revistas profissionais e lustrosas (O‟HARA, 2005). Nesse período, milhares de fanzines foram escritos manifestando o ponto de vista dos autores sobre o que é o punk, sua política, sua música e sobre o objetivo dos autores ao se expressarem (O‟HARA, 2005). Os zines não disseminaram apenas o movimento punk, serviram também como grandes disseminadores de informações acerca de outros estilos musicais, como, por exemplo, o heavy metal, que teve suas revistas especializadas como um prolongamento dos zines, inspiradas nos punks dos anos 1970. As publicações zineiras costumavam circular entre os fãs do gênero que tinham o propósito de falar sobre as bandas e seus lançamentos, sendo instrumento que incitava a troca de fitas, fotos, discos e informações, como também ocorre no cenário independente do punk e do hardcore. O Brasil foi um dos países pioneiros na produção midiática metálica, com a revista Rock Brigade. A publicação começou como um fanzine, em 1982, e evoluiu até converter-se na “bíblia” dos headbangers nacionais, em 1985, quando ganhou status de revista. Gradualmente passou a ter a companhia de outras publicações, incluindo as já falecidas, Rock Hard, Metalhead e Valhalla, e as ainda ativas Roadie Crew e Comando Rock (DHEIN, 2012, p. 122). Os fanzines punks trouxeram ideias novas e contestadoras em relação à já desgastada contracultura da década de 1960. Sua importância deve-se não só pelo fato de terem criado uma onda irrefreável de novas publicações, mas também pelo fato de terem massificado o termo fanzine, que ganhou popularidade e passou a denominar, de forma definitiva, os boletins de fã-clubes ou grupos de fãs (GUIMARÃES, 2005).
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A existência de uma imprensa alternativa punk demonstrou que não era apenas a roupa ou a música que poderia ser imediatamente produzida e barateada a partir dos limites dos recursos à mão. Nesse sentido, Hebdige (1979, p. 111) afirma que “os fanzines são revistas editadas por um indivíduo ou um grupo, consistindo em comentários, editoriais e entrevistas com punks proeminentes, produzidos em pequena escala, o mais barato possível, grampeadas e distribuídas através de um pequeno número de lojas”). Essa crescente produção de fanzines é resultado de uma diferenciação do movimento punk em relação a outros movimentos: o punk dissolveu a produção de si em cada indivíduo pertencente a este movimento. É interessante também destacarmos que o hardcore foi “berço” para a formação de outras vertentes estético-políticas, como, por exemplo o grindcore, o raw punk, o straight edge, o noisecore e o anarcopunk (FERNANDES, 2013). 
3.4.1 Fanzines Punk e Sniffin’ Glue 
Segundo Duncombe (1997, tradução nossa), o primeiro fanzine punk (apropriadamente intitulado Punk) surgiu em Nova York no início de janeiro de 1976. Na edição de estreia, o zine incluía dados sobre bandas, como o Ramones, e seus integrantes, o proto-punk Lou Reed, além de uma entrevista fictícia, de histórias em quadrinhos e de uma canção de protesto. As entrevistas presentes nas outras edições, estas, verídicas, começaram bem, mas logo degeneram-se por causa da intoxicação do entrevistador e cofundador da Punk, Leggs McNeil, que, certa vez, vomitou ao entrevistar Richard Hell, da banda Television. A edição vendeu três mil edições locais e 25 mil edições no mundo todo. O zine foi editado por quatro anos. Segundo McCain e McNeil (2004), Legs McNeil batizou o movimento punk com este nome, em 1975, ao intitular o zine de música e cultura pop dos anos 1970 de punk. Sete meses depois, em setembro de 1976, o jovem Mark Perry, bancário de 19 anos, residente em South London, ao frequentar lojas de discos importados, comprou um disco do Ramones. Perry ficou empolgado com o quão diferente era tanto a banda, quanto sua música. Após procurar revistas em que pudesse ler críticas sobre esta e demais bandas e não encontrar, os vendedores de uma filial da loja Rock On sugeriram irreverentemente que o próprio Perry fizesse a sua “revista” e, assim, surgiu o famoso zine Sniffin’ Glue (EVERETT, 2013). Segue um trecho do depoimento dado por Perry em entrevista:
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Foi o que fiz. Consegui uma máquina de escrever, fiz toda a velha diagramação com o marcador com ponta de feltro. „Now I wanna Sniff Some Glue” é minha música favorita daquele álbum – e glue (cola) é também a droga mais punk, a que você escolhe se não tem dinheiro. Estava tão de acordo com o que eu pensava sobre a nova música (PERRY apud EVERETT, 2013, p. 92). Na terceira edição do zine (figura 1), Perry sugeriu que seus leitores saíssem e assistissem a todas as bandas punks que pudessem ver, pois se a demanda aumentasse, outras pessoas passariam a se interessar em abrir espaços para shows. Segundo Oliveira (2006), na edição de número quatro, a tiragem do zine já ultrapassava mais de mil cópias, e, na décima edição, o zine já tinha atingido o âmbito internacional, com oito mil cópias em off-set e sendo considerado a melhor publicação do momento, uma vez que refletia a realidade dos que a confeccionavam e daqueles a quem se dirigia. A empresária do Ramones na época, Linda Stein (apud EVERETT, 2013, p. 93), comentou sobre o cenário do surgimento dos zines na época: Deve ter havido por volta de vinte fanzines. Todo garoto tinha um fanzine. Nunca havia existido fanzines antes. Decidi fazer uma coletiva com eles em nosso apartamento em Gloucester Place, em Londres. Havia tanta gente bonita e interessante. Os fanzines eram mimeografados. Alguns dos editores eram na verdade muito brilhantes e academicamente astutos Na quinta edição do Sniffin’ Glue, o zineiro Perry (apud BIVAR, 1982, p. 55) direcionou-se novamente aos leitores: “Todos vocês, garotos que leem o Sniffin’ Glue, não se satisfaçam com o que nós escrevemos. Saiam e comecem seus próprios fanzines, ou mandem suas críticas para a imprensa do Sistema, vamos pegá-los pelos nervos e inundar o mercado com a escrita punk!”. De acordo com Duncombe (1997), parte da missão dos fanzines de punk rock, além de divulgar notícias e entrevistas sobre as bandas punks, era a de convencer seu leitor a sair do comodismo e fazer sozinho seus próprios shows, fanzines, bandas etc. Corajosamente ilustrando essa filosofia existia um zine britânico intitulado chamado Sideburns, que apresentava impresso em sua capa um desenho com três acordes de guitarra, seguido pelo mandamento: “Agora forme uma banda”.
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Figura 1 - Terceira edição do Sniffin’ Glue. Fonte: Masque of infamy (2013). 
3.4.2 Fanzines Flipside e Maximumrocknroll 
Depois do Sniffin’ Glue ter surgido na cena britânica, a febre do fanzine ganhou força nos Estados Unidos, apresentando diversas bandas e seus seguidores. O fanzine Flipside surgiu em Whittier, Califórnia, custando 25 centavos de dólar e apresentando um aspecto grosseiro, uma visão autenticamente adolescente da cena punk e de seus fãs. Embora ainda se concentrasse na cena local, o Flipside foi um dos primeiros a entrevistar punks de diferentes lugares da Europa. Apesar de rapidamente virar uma revista de “música nova”, menos interessada pelo punk, com o lema “be more than a witness” (seja mais do que uma testemunha), o zine mostrou ao mundo que qualquer um poderia e deveria fazer suas publicações por conta própria (O‟HARA, 2005). 
Com uma perspectiva diferente do Flipside e inserindo mais política e cenas diferentes em suas publicações, surgiu o Maximumrocknroll (figura 2), em São Francisco, proveniente de um próspero programa de rádio com o mesmo nome, em meados de 1982. Com foco muito
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mais abrangente que apenas o cenário da Califórnia, o zine publicava scene reports escritos por leitores de toda parte do mundo. Ao divulgar anúncios, bandas e endereços para leitores de todos os lugares da América do Sul, do Japão, da Europa (oriental e ocidental) e até da União Soviética, a Maximumrocknroll ajudou a montar uma comunidade punk mundial de verdade (O‟HARA, 2005 p. 67). Na edição de junho de 1994, o zine listou noventa e sete indivíduos como contribuintes. Mais da metade dessas pessoas eram chamadas de shitworkers, uma categoria que não costuma colaborar em manchetes de revistas renomadas. No entanto, a Maximumrocknroll é conhecida até hoje por sua grande produção e organização, por sua complexidade e por sua eficiência. Diferentemente de qualquer publicação comercial, grande ou pequena, a Maximumrocknroll não possui fins lucrativos (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). Embora Duncombe afirme isso, acreditamos ser questionável o caráter sem fins lucrativos, uma vez que, embora a Maximumrocknroll seja um zine, também funciona como uma revista, encaixando-se nas duas funções, inclusive com assinaturas e vendas de produtos. A Maximumrocknroll recebe críticas por promover políticas específicas, mas as críticas legítimas vêm daqueles que acreditam que o fanzine exerce muito poder sobre a cena punk mundial. Muitos punks dependem da Maximumrocknroll para serem informados quanto a quem apoiar ou boicotar, uma vez que esse zine publica boas resenhas de discos e fanzines de seus colaboradores voluntários, garantindo boas vendas (O‟HARA, 2005). O‟Hara (2005) concorda com parte das opiniões editoriais desse zine, embora acredite que seu poder recém- descoberto seja extremamente influente sobre os punks mais jovens, muitas vezes, levando-o a abusar deste empoderamento. Ainda que os zines Flipside e Maximumrocknroll não tenham sido os únicos lidos em toda a América do Norte e Europa, foram, certamente, os mais influentes. Não serviram apenas para repercutir as atitudes e os atos da cena punk, mas também para determinar o seu curso: cada país europeu passou a ter sua própria coleção de zines, grandes e pequenos, apesar de a maior parte ser escrita na língua do país e cobrir a cena local. Milhares de diferentes publicações foram produzidas nos últimos vinte anos, entretanto, Flipside e Maximumrocknroll são usados como as principais fontes de disponibilidade e aceitação que têm tido na cena punk (O‟HARA, 2005).
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Figura 2 - Primeira edição da Maximumrocknroll em 1982. Fonte: Degen Erik (2011). 
3.4.3 Fanzines punks no Brasil 
De acordo com Gallo (2010), o punk surgiu no Brasil por volta de 1977, na cidade de São Paulo e no ABC paulista. Logo depois, tomou vulto também nos estados do Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Rio Grande do Sul, Paraná e no Distrito Federal. A disseminação do punk para diversos países pronunciou-se de forma mais marcante a partir dos anos 1980, coincidindo com o momento da autorreflexão a respeito dos parâmetros que norteariam o punk e a sua crítica social desgastada pela mídia e pela moda. Segundo aponta Fernandes (2013), é neste momento que revistas de música como a Pop, a Música e a Somtrê, jornais, como a Folha de São Paulo, e a revista Veja ao publicarem matérias com imagens de sangue ou modelos que desfilavam nas passarelas com a dita, na época, “tendência punk apresentavam uma construção discursiva do punk ligado à moda ou à violência.
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  • 1. 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO Gabriela Cleveston Gelain CONSUMO DE MÍDIA E SUBCULTURA ZINEIRA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO SANTA MARIA, RS 2013
  • 2. 2
  • 3. 1 Gabriela Cleveston Gelain CONSUMO DE MÍDIA E SUBCULTURA ZINEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo. Orientadora: Profª. Drª. Veneza Mayora Ronsini SANTA MARIA, RS 2013
  • 4. 2
  • 5. 3 Gabriela Cleveston Gelain CONSUMO DE MÍDIA E SUBCULTURA ZINEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo. __________________________________________________ Profª Drª Veneza Mayora Ronsini (Orientadora) _________________________________________________ Profª Drª Rosane Rosa (UFSM) ____________________________________________ Ms. Gustavo Dhein (Cásper Líbero) Aprovado em:....... de............... de 2013
  • 6. 4
  • 7. 5 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço à professora Veneza, pelos ensinamentos, por me fazer crescer intelectualmente e despertar em mim o fascínio pela pesquisa. Agradeço a todos os zineiros entrevistados por terem colaborado com esta pesquisa e enviado seus fanzines impressos e suas cartas. À Jéssica Nakaema, por ser a amiga zineira mais talentosa. Aos amigos que encontrei na Faculdade de Comunicação Social (FACOS), no Estúdio 21 e na Rádio Universidade. Ao Renato Molina, pelos ensinamentos sobre a música e sobre a vida. Ao pessoal do Santa Demo, por me encherem de orgulho. À Bruna Homrich, amiga que ganhei neste percurso de quatro anos de graduação. À Flávia Amaral, por compartilhar comigo esta trajetória na pesquisa e na monografia. À Gisele Dotto Reginato, Sandra Depexe, Júlia Schnorr, Laura Wottrich e Laura Storch, por me inspirarem, pelos conselhos, pela amizade e pelos ensinamentos nesta trajetória. Aos meus pais, Ademir e Isabel, pelo apoio de sempre e pelo seu amor infinito.
  • 8. 6
  • 9. 7 “Na cena Do It Yourself, os zines são mais que uma prática de publicação, é uma forma de pensar, ser e criar. É a visão subterrânea que precisamos nutrir e compartilhar. Os zines fazem isso, e é o que importa. Eles são, ainda, as notícias do underground” (Duncombe, em Notes from Underground: Zines and Politics of Alternative Culture)
  • 10. 8
  • 11. 9 RESUMO Este trabalho tem por objetivo central compreender como o capital subcultural se articula à classe social na vida e nas publicações dos editores de fanzines impressos, os zineiros da cena punk hardcore. Realizamos um estudo de caso com onze zineiros de diferentes classes sociais: quatro de classe média alta, quatro de classe média e três de classe média baixa. Também realizamos a análise de conteúdo de trinta e quatro publicações impressas dos zineiros, que foram organizadas em seis categorias. A descrição e análise dos dados revelaram que os zineiros realizam um diferente consumo de mídia hegemônica como leitura de jornais, revistas, programação de canais de TV por assinatura e programas de rádio. A mídia preferida dos zineiros é o livro, assim como a internet, que é utilizada com alta frequência. O capital subcultural pode ser percebido nos fanzines pela questão estética e nos zineiros através das falas sobre bens culturais adquiridos, como coleções de CDs e discos de vinil de punk e hardcore, das tatuagens e da opção ou não pelo vegetarianismo. A observação dos “rituais” de criação dos fanzines revelou notórios contrastes de classe social entre a subcultura zineira. Palavras-chave: Mídia. Consumo. Capital Subcultural. Fanzines. Estudo De Caso. Análise De Conteúdo.
  • 12. 10
  • 13. 11 ABSTRACT This work has as main objective to understand how subcultural capital is linked to social class in reality and publications of the publishers of printed fanzines, zinesters of the hardcore punk scene. We conducted a case study with eleven zinesters from different social classes: four from the upper middle class, four from the middle class and three from lower-middle class. We also conducted a content analysis of thirty-four zinesters printed publications which have been organized into six categories. The description and analysis revealed that zinesters perform a different consumption of mainstream media as reading newspapers, magazines, cable TV channels and radio programs. The preferred media‟s subculture is the book, as well as the internet, which is used with high frequency. The subcultural capital can be perceived by the fanzines aesthetics and zinesters through the words of acquired cultural goods , such as collections of CDs and vinyl records from punk and hardcore , the tattoos and the option or not vegetarian . The observation of the “rituals” of creating fanzines revealed notable contrasts in social class between the zinester subculture. Keywords: Media. Consumption. Subcultural Capital. Fanzines. Case Study. Content Analysis.
  • 14. 12
  • 15. 13 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Terceira edição do Sniffin’ Glue. ............................................................................. 51 Figura 2 - Primeira edição da Maximumrocknroll em 1982. ................................................... 53 Figura 3 - Trecho da carta enviada por Daniel Hogrefe (classe média alta), em maio de 2013. .................................................................................................................................................. 96 Figura 4 - Carta enviada por Rogério Alves (classe média alta), em abril de 2013. ............... 97 Figura 5 - Carta enviada por Renato Donisete (classe média), em abril de 2013. ................... 97 Figura 6 - Trecho de carta enviada por Flávio Grão (classe média alta), em abril de 2013. ... 98 Figura 7 - Carta de Jeison Placinsh (classe média baixa), escrita em maio de 2013. .............. 99 Figura 8 - Carta de Guilherme Gonçalves (classe média), postada em 26 de abril de 2013. 100 Figura 9 – Street Ground. ...................................................................................................... 103 Figura 10 – Manufatura. ........................................................................................................ 103 Figura 11 – Trecho sobre veganismo, do fanzine True Lies, de Carla Duarte (1). ................ 107 Figura 12 – Trecho sobre veganismo, do fanzine True Lies, de Carla Duarte (2). ................ 107 Figura 13 - Trecho do fanzine Conversas Paralelas, de Guilherme Gonçalves. ................... 108 Figura 14 – Fanzine Cortex, de Flávio Grão. ......................................................................... 113 Figura 15 - Classe média alta: Zines Cortex de Flávio Grão e zine Tralha 4 de Daniel Hogrefe................................................................................................................................... 113 Figura 16 – Classe média alta: Zine de Daniel Hogrefe 3M3M............................................. 114 Figura 17 - Classe média alta: Zine Street Ground de Rogério Alves. .................................. 114 Figura 18 – Marca da editora independente de Rogério Alves “Art Till Death”, presente em seus zines................................................................................................................................ 115 Figura 19 -Classe média: Zine Histérica de Carla Duarte ..................................................... 115 Figura 20 -Classe Média: Zine Aviso Final de Renato Donisete. .......................................... 116 Figura 21 - Classe média: Zine Paranóia e Cale a Boca de Júlio César Baron. ................... 116 Figura 22 -Classe Média: zine Seja Você Mesmo de Guilherme Gonçalves. ........................ 117 Figura 23 - Editorial e página 3 do fanzine Seja Você Mesmo, de Guilherme Gonçalves. ... 117 Figura 24 -Classe média: contracapa do zine feminista True Lies de Carla Duarte. ............. 118 Figura 25 -Classe média baixa: zine sobre vegetarianismo Linhaça de Wender Zanon. ...... 119 Figura 26 -Classe média baixa: fanzine Impasse #2, de Kamila Lin. .................................... 120
  • 16. 14 Figura 27 - Classe média baixa: fanzine Café Sem Açúcar, de Jeison Placinsch, com capa feita pelo amigo e colaborador Daniel Hogrefe (entrevistado zineiro de classe média alta). ........ 121 Figura 28 - Retirado do fanzine Café Sem Açúcar de Jeison Placinsch. ................................ 122 Figura 29 - Publicidade no fanzine Street Ground, de Rogério (classe média alta). ............. 122 Figura 30 - Exemplo de propaganda no fanzine Aviso Final ................................................. 123 Figura 31 – Publicidades no fanzine Outono ou Nada, de Guilherme Gonçalves 1. ............. 123 Figura 32 - Publicidades no fanzine Outono ou Nada, de Guilherme Gonçalves 2. .............. 124 Figura 33 – Fanzine Manufatura #2 de Flávio Grão. ............................................................. 126 Figura 34 – Fanzine Aviso Final #31 de Renato Donisete. .................................................... 126
  • 17. 15 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Zineiros de classes distintas e seus fanzines. ......................................................... 25 Tabela 2 – Edições dos fanzines impressos. ............................................................................ 27 Tabela 3 – Categorias de zines (classe média alta) ................................................................ 110 Tabela 4 – Categorias de zines (classe média) ....................................................................... 110 Tabela 5 – Categorias de zines (classe média baixa) ............................................................. 112
  • 18. 16
  • 19. 17 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 19 2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 25 3 MÍDIA E FANZINES ......................................................................................................... 33 3.1 RESISTÊNCIA E MÍDIA RADICAL ALTERNATIVA .................................................. 33 3.2 DO CONSUMO AO FAÇA VOCÊ MESMO (DO IT YOURSELF) ................................ 37 3.3 A HISTÓRIA DOS FANZINES ........................................................................................ 43 3.4 PUNK E FANZINES ......................................................................................................... 48 3.4.1 Fanzines Punk e Sniffin’ Glue ......................................................................................... 49 3.4.2 Fanzines Flipside e Maximumrocknroll .......................................................................... 51 3.4.3 Fanzines punks no Brasil................................................................................................. 53 4 SUBCULTURAS ................................................................................................................. 57 4.1 CLASSE E CAPITAL CULTURAL ................................................................................. 57 4.2 CLASSE E CAPITAL SUBCULTURAL ......................................................................... 61 4.2.1 Capital Subcultural .......................................................................................................... 61 4.2.2 Contracultura x Subcultura ............................................................................................. 63 4.2.3 Subculturas ...................................................................................................................... 66 4.2.4 Punk e hardcore .............................................................................................................. 70 4.2.5 Hardcore ......................................................................................................................... 74 5 ZINES E ZINEIROS .......................................................................................................... 77 5.1 PERFIS DOS ZINES E ZINEIRO ..................................................................................... 78 5.1.1 Zine Aviso Final .............................................................................................................. 78 5.1.2 Zines Manufatura e Cortex ............................................................................................. 78 5.1.3 Zine Acesso Público ........................................................................................................ 79 5.1.4 Zines Outono ou Nada, Seja Você Mesmo e Conversas Paralelas ................................ 80 5.1.5 Zine Paranóia e Cale a Boca .......................................................................................... 80 5.1.6 Zine Impasse ................................................................................................................... 81 5.1.7 Zines Histérica, True Lies e Dialética ............................................................................ 81 5.1.8 Zines Street Ground, Last Call e Isto Não é Um Fanzine .............................................. 83 5.1.9 Zine Linhaça ................................................................................................................... 83 5.1.10 Zines Tralha, The Rising, Quase e 3M3M (Três Mãos de Terceiro Mundo) ................ 84
  • 20. 18 5.1.11 Zine Café Sem Açúcar ................................................................................................... 85 6 CONSUMO DE MÍDIA ...................................................................................................... 87 7 CAPITAL SUBCULTURAL .............................................................................................. 95 7.1 FANZINES ......................................................................................................................... 95 7.2 EXPRESSÕES DA SUBCULTURA ZINEIRA .............................................................. 127 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 131 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 137 GLOSSÁRIO ........................................................................................................................ 143 APÊNDICE ........................................................................................................................... 147 ANEXO .................................................................................................................................. 155
  • 21. 19 1 INTRODUÇÃO Essa investigação visa analisar como o capital subcultural (Thornton, 1995), articula- se com a classe social na vida e nas publicações dos editores de fanzines impressos, os zineiros. Por capital subcultural entendemos os comportamentos e estilos que manifestam “autenticidade”, “diferença”, “singularidade” e “sofisticação”, os quais levam ao reconhecimento, à admiração e ao prestígio dentro de uma subcultura. Definidos e distribuídos pela mídia, tais saberes e competências podem ser materializados e corporalizados na aparência (através do corte de cabelo ou de tatuagens, por exemplo), na disposição de discos (coleções, discos raros), entre outros. Para Thornton (1995), a ideia de capital subcultural não está tão ligada à classe como o capital cultural proposto por Bourdieu. O que explicaria o ofuscamento das origens de classe no capital subcultural seria o fato de que ele é definido como um conhecimento extracurricular, não sendo ensinado na instituição escolar. Entretanto, nossa intenção é observar o consumo de mídia dos zineiros e perceber as temáticas e características recorrentes nas suas publicações, como elas são perpassadas pelo capital subcultural e por questões de classe. A investigação também apontará o consumo de mídia da subcultura zineira e sua relação com os meios de comunicação alternativos e hegemônicos, bem como a observação de indicadores do capital subcultural nos zines e nos sujeitos da pesquisa. Realizamos, então, um estudo de caso dos zineiros e uma análise de conteúdo de títulos de zines que englobam 34 edições produzidas por essa subcultura. As publicações foram organizadas em categorias. Nossa amostra compreende 11 zineiros (nove homens e duas mulheres), de 20 a 41 anos, de diferentes classes sociais (classes média alta, média e média baixa), segundo os grupos ocupacionais propostos por Quadros e Antunes (2001). São zineiros que, de alguma forma, vinculam-se à cena musical do punk e do hardcore e residem em diversos estados, como Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Alagoas e Rio Grande do Sul, onde residem seis dos sujeitos entrevistados. O contato com os zineiros ocorreu via facebook e e-mail. Foram selecionados aqueles que recentemente vêm publicando fanzines impressos e estão imersos no cenário musical do punk e do hardcore brasileiro (também chamado de “cena independente”), seja por distribuírem suas publicações em shows, por terem bandas que compartilham dessa ideologia e desse estilo de música ou por serem apreciadores do estilo musical, vivenciando, assim, de algum modo, o underground. Selecionamos uma ou mais publicações dos sujeitos
  • 22. 20 pesquisados, com títulos e temáticas distintas. Ressaltamos que as temáticas dos fanzines selecionados são variadas; há zines sobre feminismo, poesia, assuntos pessoais, artes e, claro, sobre música punk. Todos os zineiros têm algum vínculo com a cena do punk e do hardcore, mesmo que não abordem tais assuntos em suas produções zinísticas. Hoje, a música - a música especialmente do punk - compreende o maior gênero de zines. E até mesmo escritores cujas zines abrange outros temas que a música muitas vezes tem sua primeira experiência pelo mundo do punk rock (DUNCOMBE, 1997, p. 125). Nossa pesquisa justifica-se em função de os estudos acerca dos fanzines ainda estarem em processo de consolidação. De acordo com Sno (2012), registros apontam que os primeiros fanzines surgiram no Brasil na década de 1960, porém, as pesquisas sobre o assunto só começariam três décadas depois. Para quem hoje realiza pesquisas sobre o fanzine no Brasil, a primeira dificuldade encontrada refere-se às referências bibliográficas disponíveis, pois a produção sobre este tema é bastante recente; os primeiros títulos de pesquisas sobre fanzines datam de 1993, época em que a produção zineira atingiu sua melhor fase. Antes disso, não existiam publicações acadêmicas sobre os fanzines no país. Já na visão de Grão (2002), os fanzines têm sido bem recebidos e aplicados do ensino fundamental à pós-graduação. Grande parte dos trabalhos acadêmicos sobre fanzines encontram-se ainda na área de Educação, devido à possibilidade da aplicação destas publicações como recurso eficiente de aprendizagem dadas algumas características inerentes a elas, como o exercício da criatividade e o olhar crítico, a possibilidade de deslocamento da posição do aluno de mero consumidor a produtor ativo e autor de textos críticos. Uma das características principais dos fanzines é sua circulação restrita a nichos e culturas específicas. Esta restrição dificulta seu acesso a pessoas que não fazem parte destes círculos culturais e gera uma das maiores dificuldades relatadas pelos pesquisadores: a do acesso às publicações. Esta dificuldade soma-se ao fato de haver algum preconceito por parte do meio acadêmico em considerar os fanzines como publicações dignas de serem foco de estudo ou pesquisa. (GRÃO, 2002, p. 57,). Nossa preferência por zines impressos justifica-se pelo fato de, atualmente, serem raras as publicações feitas de papel em relação às publicações dos anos 90 no Brasil, quando a produção zineira era forte e possuía um outro objetivo principal, o de circular informações à respeito do underground. A necessidade de circulação de fanzines era muito maior, pois não existiam os blogs ou weblogs e as redes sociais para disseminar tais informações. A cultura zineira acabou por migrar para a internet devido ao surgimento da rede, na qual as
  • 23. 21 ferramentas disponibilizadas fizeram com que a criação e atualização, por exemplo, de um blog, para divulgar informações do cenário independente se tornasse mais fácil para os indivíduos expressarem-se. A maior vantagem de blogs e zines virtuais em relação às publicações impressas é que, além da audiência “global”, estão em constantes atualizações. Além disso, os fanzines impressos levam muito mais tempo para serem produzidos e distribuídos (SILVA, 2002). Embora as práticas de publicação e produção sejam completamente diferentes, a essência dos weblogs e dos fanzines impressos é a mesma. A função primária de ambos (comunicar) e seus ideais em torno expressão individual começou a tomar corpo a partir da década de 70 (em especial com o surgimento do movimento punk na Inglaterra). Blogs, assim como fanzines impressos, são uma deflagração da auto- expressão. Cada um deles é uma evidência de uma vertiginosa mudança de um tempo marcado pela difusão de informações controladas por autoridades, artistas e corporações sancionadas para uma oportunidade sem precedentes de expressão individual numa escala planetária (SILVA, 2002, p.10) Sobre as pesquisas relacionadas a fanzines no Brasil, Muniz (2010) ressalta que, no banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por exemplo, o tema dos fanzines e revistas alternativas é abordado em seis produções1, oficialmente cadastradas, em nível de mestrado. Na época (meados de 2010), houve o surgimento de comunidades virtuais em redes sociais cujo tema principal era o fanzine tradicional. No sítio de relações da rede social do Orkut, em 2007, por exemplo, constavam 266 comunidades relacionadas à palavra-chave “fanzine” e 423 à palavra “zines”. No facebook (conforme consulta realizada em 13 de novembro de 2013), foram encontrados 97 grupos ao pesquisarmos o termo “zine” e outros 98 grupos quando pesquisamos “fanzine”. Sendo assim, faz-se necessário pesquisar fanzines na comunicação para impulsionar o interesse sobre esta mídia. Não encontramos nenhum trabalho que trate de consumo cultural e classe social relacionado especificamente aos fanzines, tampouco aos fanzineiros do punk e do hardcore em específico. 1 “As dissertações mencionadas são: Fanzines de histórias em quadrinhos: o espaço crítico do quadrinho brasileiro, de Henrique Magalhães; Grupos de estilo jovens – o rock underground e as práticas (contra)culturais dos grupos punk e thrash em São Paulo, de Kenia Kemp; O Hip-Hop e a (in)visibilidade no cenário midiático, de Deisimer Gorczevski; Skinheads no Brasil: trajetória e nacionalismo, de Alessandro Bracht; Fanzine: expressão cultural de jovens de uma escola da periferia de São Paulo, de Hildebrando Cesário Penteado; e Fanzine Madame Satã: uma análise, de Arthur de Toledo Verga” (MUNIZ, 2010).
  • 24. 22 Gallo (2010) ressalta que, na comparação dos rumos do punk entre a cidade de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, é percebida uma distinção de classes sociais, uma vez que o grupo de Brasília é formado, sobretudo, pela classe média e por filhos de diplomatas, enquanto que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, os grupos são predominantemente formados por filhos de operários que habitavam as periferias destes centros urbanos. É interessante pontuarmos que não há menção, por parte dos grupos punks, a desentendimentos ou confrontos dentro dos grupos provocados por dissidências ideológicas ou de classe com outros grupos cuja base é a etnia. Acreditamos, então, ser relevante em nosso trabalho a análise da subcultura zineira do punk e do hardcore vinculada à classe social e aos estilos de vida, bem a análise do capital subcultural dos indivíduos inseridos nessa subcultura e de seus fanzines impressos. Levamos em consideração as observações de Downing (2004) sobre mídia radical alternativa e hegemonia, para refletirmos sobre os fanzines como mídia radical. O autor refere-se a esta mídia como sendo uma mídia, em geral, de pequena escala e que se apresenta sob muitas formas diferentes, expressando uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas. Sua missão é a de não apenas de fornecer ao público os fatos que lhe são negados, mas também de pesquisar novas formas de desenvolver uma perspectiva de questionamento do processo hegemônico e fortalecer o sentimento de confiança do público em seu poder de engendrar mudanças construtivas. O rompimento das regras é a base comum dos meios alternativos, embora, raramente, os fanzines consigam quebrar todas elas, em todos os aspectos. De acordo com Quines (2013), nossas escolhas partem de motivações e gostos que são construídos ao longo de nossas trajetórias de vida e que, muitas vezes, parecem emergir naturalmente de indagações espontâneas, quando, na realidade, já estão sendo moldadas e cultivadas antes mesmo de reunirmos as questões dispersas em um mosaico que faça sentido. Cabe, então, uma breve retrospectiva para descrever como a pesquisadora chegou a esta investigação. A motivação maior para a realização deste trabalho, possivelmente, é proveniente do contato que estabeleci, via correspondência, a partir dos 13 anos de idade, com zineiros de todo o Brasil. Através de cartas, a pesquisadora cresceu observando as publicações, passando, então, a produzi-las, imersa nessa rede muito bem articulada e “subterrânea”, que é a cena independente, o underground. O contato intenso com os zineiros durante esses anos despertou, na pesquisadora, uma forte vontade de conhecer mais sobre a cultura dos zines e de estudá-la na academia, não somente como pesquisadora, mas como zineira e oficineira de fanzines. Sendo assim, o contato estabelecido com os entrevistados
  • 25. 23 aconteceu naturalmente, pois, já inserida no cenário independente, a pesquisadora pode observar detalhadamente e escolher os sujeitos que julgou serem relevantes e ativos atualmente neste meio, com publicações interessantes e diferentes entre si. No primeiro capítulo, assinalamos a relação entre os fanzines e a mídia. Alguns aspectos-chave serão descritos neste capítulo, como, por exemplo, o conceito de fanzine para diversos autores, um pouco da história das publicações (como a Punk Magazine, a Maximumrocknroll e a Sniffin’ Glue) e os fanzines punks no Brasil. Além disso, tratamos de conceitos de resistência, segundo João Freire Filho (2007), e os conceitos de mídia radical alternativa e contra-hegemonia – este último, derivado de Gramsci –, segundo a visão de Downing (2004). No segundo capítulo, explicamos o conceito de classe social e a teoria do capital cultural, proposta por Bourdieu (2008), para, assim, conceituarmos o capital subcultural postulado por Thornton (1995), expondo as diferenças entre esses capitais e a ausência da discussão de classe no trabalho da autora. Ademais, o capítulo apresenta uma introdução ao mundo das subculturas juvenis e os contrastes entre as definições de contracultura e subcultura, que são, muitas vezes, confundidos. Discorremos, ainda, sobre a história e o estilo de vida e de música do punk e do hardcore, cenários em que os sujeitos pesquisados, os zineiros, estão, de certa forma, imersos. No terceiro capítulo, descrevemos os perfis dos zineiros e seus fanzines. Realizamos o consumo de mídia desta subcultura para compreender com que frequência veem, assistem e ouvem determinada mídia, quais os contrastes existentes, na perspectiva dos editores de fanzines, entre os fanzines e as revistas, como observam o fanzine na grande mídia, o ritual de criação de suas publicações e suas formas de autenticidade e resistência. Além disso, através das metodologias de estudo de caso (quanto aos zineiros) e da análise de conteúdo (quanto aos 34 fanzines), observamos algumas características do capital subcultural nos zineiros e em seus zines, os quais foram divididos em seis categorias (musical, vegetariano, feminista, pessoal, artístico e literário). Assim, apontamos quais temáticas são mais recorrentes e o modo de abordagem das mesmas nas publicações.
  • 26. 24
  • 27. 25 2 METODOLOGIA Os pressupostos metodológicos que norteiam esta pesquisa são o estudo de caso e a análise de conteúdo. O primeiro foi escolhido em função de sua característica sobre estudar um caso particular, a partir do qual as respostas emergem de uma análise de dados particulares. Nesse caso, utilizamos a técnica de entrevista em profundidade, em que elaboramos um questionário com 74 perguntas que foram respondidas por 11 zineiros (nove homens e duas mulheres), que compõem a nossa amostra. A entrevista foi elaborada e aplicada com a finalidade de coletarmos as informações para analisar o consumo de mídia e o capital subcultural de quatro zineiros das classes média alta, quatro da classe média e três de média baixa, segundo a classificação dos grupos ocupacionais de Quadros e Antunes (2001). “O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas” (YIN apud DUARTE, 2005, p. 216). Abaixo (tabela 1), para melhor visualização, uma tabela que apresenta os 11 zineiros investigados, idade, classe social e seus fanzines: Tabela 1 – Zineiros de classes distintas e seus fanzines. (continua) ZINEIROS IDADE CLASSE SOCIAL FANZINES Daniel Hogrefe 25 anos Classe média alta Tralha, 3M3M, Quase e The Rising Flávio Grão 37 anos Classe média alta Manufatura e Cortex Rogério Alves 25 anos Classe média alta Street Ground, Last Call e Isto Não É Um Fanzine Gregory Debaco 22 anos Classe média alta Acesso Público Guilherme Gonçalves 30 anos Classe média Seja Você Mesmo, Conversas Paralelas e Outono ou Nada Carla Duarte 24 anos Classe média Histérica, True Lies e Dialética Júlio César Baron 23 anos Classe média Paranóia e Cale a Boca Renato Donisete 41 anos Classe média Aviso Final
  • 28. 26 (conclusão) Jeison Placinsch 26 anos Classe média baixa Café Sem Açúcar e Aonde Foi Parar Aquele Sorriso? Kamila Lin 20 anos Classe média baixa Impasse Wender Zanon 23 anos Classe média baixa Linhaça Fonte: Elaborado pela autora (2013). Observamos características do capital subcultural nos fanzines que compõem nosso corpus, por meio da análise de conteúdo. Segundo Moraes (1999), a análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados em um nível que vai além de uma leitura comum: essa metodologia de pesquisa faz parte de uma busca teórica e prática, com um significado especial no campo das investigações sociais e constitui-se em bem mais do que uma simples técnica de análise de dados, representando uma abordagem metodológica com características e possibilidades próprias. A análise de conteúdo, enquanto método, constitui-se em um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. As fases da análise de conteúdo organizam-se em torno de três polos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados: a inferência e interpretação (BARDIN, 2009, p. 27). Na sua evolução, a análise de conteúdo tem oscilado entre o rigor da suposta objetividade dos números e a fecundidade sempre questionada da subjetividade. Entretanto, ao longo do tempo, têm sido cada vez mais valorizadas as abordagens qualitativas, utilizando especialmente a indução e a intuição como estratégias para atingir níveis de compreensão mais aprofundados dos fenômenos que se propõe a investigar. Em qualquer de suas abordagens, a análise de conteúdo fornece informações complementares ao leitor crítico de uma mensagem, seja ele linguista, psicólogo, sociólogo, educador, crítico literário, historiador ou outro. A matéria-prima da análise de conteúdo pode constituir-se de qualquer material oriundo de comunicação verbal ou não verbal, como cartas, cartazes, jornais, revistas, informes, livros, relatos autobiográficos, discos, gravações, entrevistas, diários pessoais, filmes, fotografias, vídeos, etc. Contudo os dados advindos dessas diversificadas fontes chegam ao investigador em estado bruto, necessitando, então, serem processados para, dessa
  • 29. 27 maneira, facilitar o trabalho de compreensão, interpretação e inferência a que aspira a análise de conteúdo (MORAES, 1999). As edições dos fanzines analisadas totalizam 34 publicações impressas, que vão de 2006 até 2013. Porém, possuímos alguns fanzines não datados. Abaixo, a Tabela 2 apresenta o nome dos zines, o número, data e editor da publicação (zineiro): Tabela 2 – Edições dos fanzines impressos. (continua) ZINE NÚMERO DATA ZINEIRO The Rising #3 2006 Daniel Hogrefe Quase #3 “Verão” de 2008 Daniel Hogrefe Aviso Final #23 Agosto de 2008 Renato Donisete True Lies #5 “Verão” de 2009 Carla Duarte Last Call #03 2009 Rogério Alves Histérica #1 1º semestre 2009 Carla Duarte Seja Você Mesmo #1 Março de 2009 Guilherme Gonçalves Seja Você Mesmo #2 Maio de 2009 Guilherme Gonçalves Histérica #2 Janeiro 2011 Carla Duarte Aviso Final #28 Abril de 2011 Renato Donisete Conversas Paralelas #8 Maio de 2011 Guilherme Gonçalves Manufatura #02 2011 Flávio Grão Cortex #01 2011 Flávio Grão Aviso Final #29 Janeiro /Fevereiro de 2012 Renato Donisete Café Sem Açúcar #10 Fevereiro de 2012 Jeison Placinsch Street Ground #02 1º semestre 2012 Rogério Alves Tralha #2 Agosto de 2012 Daniel Hogrefe Tralha 04 Agosto de 2012 Daniel Hogrefe Aviso Final #30 Setembro de 2012 Renato Donisete
  • 30. 28 (conclusão) Outono ou Nada #1 Outubro de 2012 Guilherme Gonçalves Street Ground #03 2º semestre 2012 Rogério Alves 10M3M (Dez Mãos de Terceiro Mundo) #1 Dezembro de 2012 Daniel Hogrefe Aonde foi parar aquele sorriso? Sem número Dezembro de 2012 Jeison Placinsch Manufatura #03 2012 Flávio Grão Paranóia e Cale a Boca #01 2012 Júlio César Baron Linhaça #01 2012 Wender Zanon Aviso Final #31 Março/Abril de 2013 Renato Donisete Café Sem Açúcar #23 Maio de 2013 Jeison Plascinsch Impasse #02 Não datado Kamila Lin Dialética #1 Não datado Carla Duarte Conversas Paralelas #1 Não datado Guilherme Gonçalves Conversas Paraleas #5 Não datado Guilherme Gonçalves Acesso Público - Não datado Gregory Debaco Isto Não É Um Fanzine #01 Não datado Rogério Alves Fonte: Elaborado pela autora (2013). Dividimos as 34 publicações em seis categorias: fanzines que abordam assuntos pessoais ou mantém um caráter de diário (categoria “pessoal”); fanzines que tratam sobre vegetarianismo (categoria “vegetariano”); fanzines que exponham artes ou em que a arte seja uma das pautas principais (categoria “artístico”); fanzines que possuam poesias, contos ou textos literário (categoria “literário”); fanzines que abordem o feminismo como pauta principal (categoria “feminista”) e fanzines que coloquem como tema central a música (categoria “musical”). Em nossa tabela, visualizamos um total de quatro fanzines pessoais, um vegetariano, quatro feministas, sete de arte, três de poesia e 14 de música. Partindo disso, apontamos quais temáticas são mais recorrentes nos zines, bem como as características de capital subcultural e as diferenças nas publicações de editores de classes distintas. Pesquisamos suas redes sociais para descrever alguns detalhes, que não constavam
  • 31. 29 nas respostas do questionário, sobre os perfis deles (por exemplo, se pertenciam a alguma banda punk). Além do questionário aplicado com 74 perguntas, enviamos três questões abertas para explorarmos o que pensam os zineiros de diferentes classes sobre os objetivos do fazer zinístico, as suas temáticas preferidas nas publicações e a importância dos fanzines para cenário independente. Primeiramente pedimos que nos respondessem por cartas, mas, posteriormente, a maior parte dos zineiros respondeu via e-mail às perguntas. Mesmo antes da popularização da internet, os fanzines já funcionavam como uma espécie de comunidade virtual, reunindo através das publicações fãs geográfica e socialmente distantes uns dos outros (CARRIJO, 2012). Nossa investigação possui uma amostra composta por 11 zineiros de classes distintas: classes média alta, média e média baixa. Já a seleção do corpus (os fanzines) de nossa investigação ocorreu através de contatos estabelecidos com zineiros, que nos enviaram suas publicações. Já possuíamos fanzines mais antigos em nosso acervo pessoal. Após a coleta de dados da entrevista, composta por 74 questões e pelas três perguntas abertas, as questões foram divididas em duas categorias – o consumo de mídia e o capital subcultural –, que servem para articular melhor os resultados. Algumas questões sobre consumo midiático referem-se ao caráter quantitativo, ou seja, à frequência com que os zineiros assistem a, ouvem ou leem determinada mídia, já outras questões referem-se ao aspecto qualitativo ou aos modos de consumo da mídia, como são comprados e colecionados CDs, discos e DVDs de bandas e que lugares são frequentados para a realização destas compras. Entre as perguntas, não nos atemos apenas às mídias tradicionais como o rádio, a televisão e os jornais, mas também a mídias como os blogs, os sites e as redes sociais, que são um meio de manutenção de contato entre a subcultura zineira. O capital subcultural, proposto por Thornton (1995), considera a mídia um fator pertinente para entender as distinções culturais por meio do consumo de mídia, sendo impossível compreender tais diferenças sem alguma investigação desse consumo midiático, uma vez que a mídia é entendida como uma rede decisiva para o sentido e a distribuição de conhecimento cultural. Questionamos nossos entrevistados também sobre o canal televisivo MTV, que, por algum tempo, deu visibilidade para bandas independentes. A transmissão da MTV foi iniciada em 1º de outubro de 2013, surgindo após a devolução da marca MTV pelo Grupo Abril, que a manteve como canal de TV aberta no país por mais de 20 anos através da MTV Brasil. Hoje, a MTV é um canal de TV por assinatura e apresenta uma programação diferente da anterior.
  • 32. 30 Para finalizar, outras questões abordadas referem-se aos primeiros contatos que os zineiros estabeleceram com o punk e o hardcore; à sua aparência, com relação a serem ou não tatuados; à autenticidade e atitude do fazer zinístico; à relação entre a mídia nacional e os fanzines; e aos meios de divulgação tradicionais e virtuais. É relevante assinalar que um dos trabalhos em destaque que aborda a temática de fanzines encontra-se na área da Antropologia, intitulado Grupos de Estilo Jovens: o Rock Underground e as práticas (contra)culturais dos grupos punk e trash de São Paulo, em que Kemp (1993) denomina os grupos de estilo underground2 como sendo grupos situados no meio de produções contraculturais, recusando o aspecto comercial com os bens simbólicos gerados; proposição com a qual concordamos. Em seu trabalho, a autora realizou o contato individual com os entrevistados zineiros através de observação participante e etnografia, visualizando que não existissem turmas constituídas apenas de editores de fanzines, e, sim, grupos de estilos que utilizam o fanzinato como uma das atividades, entre outras, das quais participam pessoas que fazem parte de um grupo de estilo, como, por exemplo, os punks e os thrashers3. Ainda que hoje visualizemos alguns encontros de zineiros e publicações alternativas anuais, grupos sobre zines fechados no facebook, trocas de publicações alternativas e eventos voltados apenas para o fanzinato (como a Fanzinada4, o Faça Você Mesmx Zine Fest5, por exemplo) voltados apenas ao fanzinato, encontramos os zineiros dentro desses grupos de estilo diferentes, como o gótico, o punk, o nerd, a cultura japonesa, ou, como pretendemos analisar aqui, os grupos que participam de alguma forma da cena punk/hardcore, levando o fanzine circunscrito à esfera do lazer mais do que um estilo de vida, sendo assim, enquadrado em uma subcultura. Durante as observações, Kemp (1993) constatou que é comum, nos fanzines e em conversas entre pessoas envolvidas com o estilo do rock underground, o uso constante da denominação “cena” para se referirem ao meio musical-social desse estilo em um lugar 2 Termo que designa o espaço não cooptado e/ou coberto pela grande mídia – jornais, rádios, TVs, revistas – onde circula uma produção artística mais comprometida com a arte do que com o comércio. 3 “Thrash significa açoitar, bater rapidamente. Inicialmente designou uma derivação do heavy metal tradicional, que pode ser entendida como uma radicalização da estética metal com músicas mais pesadas e muito mais rápidas do que o metal dos anos 70. Aos poucos, o thrash do metal influenciou bandas punk que deram origem ao crossover – mistura de hardcore com metal- e, finalmente já nos anos 90, com o fim das bandas de metal thrash e das bandas de crossover, o termo foi recuperado pelas bandas punks que resgatam a sonoridade mais crua, rápida e direta dos anos 80” (O‟HARA, 2005, p. 193). 4 “A fanzinada é um encontro nacional de fanzines e publicações independentes, uma celebração entre zineiros, organizado por Thina Curtis em São Paulo” (FANZINADA, 2013). 5 “Faça Você Mesmx Zine Fest é um encontro entre zineiros que acontece em Porto Alegre e está em sua segunda edição. O evento é organizado por Daniel Hogrefe, Jamer Mello, Jeison Platinsch e Wender Zanon” (FAÇA VOCÊ MESMX, 2013).
  • 33. 31 qualquer, sintetizando as significações que estão presentes na noção de estilos do universo da produção underground. A cena refere-se à produção musical ou a um público que divulga, edita fanzines e auxilia em espaços para performances musicais, de modo qualitativo e quantitativo, seguindo a filosofia do “faça você mesmo”. Em nosso trabalho, utilizamos a expressão “cena independente” para abordar o ambiente a que os sujeitos pesquisados estão, de alguma forma, vinculados.
  • 34. 32
  • 35. 33 3 MÍDIA E FANZINES 3.1 RESISTÊNCIA E MÍDIA RADICAL ALTERNATIVA Em nosso trabalho, ansiamos refletir sobre como os fanzines produzidos pela subcultura zineira – os zineiros ligados ao punk e ao hardcore, que editam zines impressos – podem ser avaliados como uma mídia radical alternativa, segundo as perspectivas de Downing (2004), bem como uma forma de resistência, segundo Freire Filho (2007). Além disso, no decorrer deste capítulo apresentamos a ideologia Do It Yourself e contamos a história dos fanzines, aprofundando-nos quanto aos zines e o punk e, mais especificamente, quanto aos zines punks no Brasil. Ao empregar a expressão mídia radical, Downing (2004) refere-se, como já pontuamos, à mídia que é, em geral, de pequena escala e que se apresenta sob muitas formas diferentes, ou seja, àquela que expressa uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas. “Não existe nenhuma alquimia instantânea, nenhum procedimento socioquímico inconteste, capaz de distinguir, num relance ou com resultados definitivos, a mídia verdadeiramente radical da mídia aparentemente radical ou mesmo não radical” (DOWNING, 2004, p. 24). Segundo Silva (2002), os fanzines são um veículo de livre expressão que ainda resistem à hegemonia cultural. Essa visão teve sua lógica originada a partir dos anos 70, quando os zines encontraram o movimento punk, em uma época em que o acesso aos bens culturais e aos meios de produção destes concentravam-se nas mãos de poucos. Para Oliveira (2006), o fanzine é uma mídia alternativa, com base na qual foi criado um movimento cultural alternativo internacional. É uma expressão viva, concreta e palpável de que os movimentos sociais também educam, inclusive e principalmente, os movimentos culturais juvenis. Transitar em um espaço “subterrâneo” (ou underground) pode ser uma forma de resistência do indivíduo ao convencional, uma forma de contestar ou, simplesmente, uma possibilidade de criação e exposição da própria prática social de um indivíduo. A cena underground constitui-se, assim, como uma atitude para sobreposição do pensar do indivíduo sobre a censura e o modismo da mídia comercial, que define modelos de acordo com o interesse financeiro do mercado. Apropriar-se de uma mídia, mesmo que de pouco alcance, para sentir-se menos domesticado pelo sistema, traduz, em parte, o desejo por emancipar-se do modismo, do incentivo ao consumismo proposto pela mídia consagrada, o que ganha
  • 36. 34 forças a cada vez que o fanzine encontra mais um leitor ou zineiro que se identifica com a mensagem dita (NASCIMENTO, 2010). O fanzinato é um mundo no qual a liberdade de expressão e a dedicação são as bases para a criação das publicações, principalmente das impressas, que demandam uma atenção diferenciada quanto à diagramação, que, muitas vezes, é feita com o auxílio de uma tesoura, sem recursos digitais, com a utilização do xerox e com o investimento financeiro pessoal. Nesse sentido, Silva (2002, p. 11-12) propõe que: Publicar um fanzine, na esfera coletiva ou individual, significa colocar para o mundo o que o zineiro pensa, o que é de suma importância para ele. Este objetivo está na essência dos fanzines impressos, que têm o poder de transformar ambos escritores e leitores de “audiência” em “público”, de “consumidor”, em “criador”, estejam seus leitores e editores conscientes disso ou não. Na perspectiva de Downing (2004), a mídia radical alternativa apresenta-se em uma enorme variedade de formatos. O autor centrou-se quase que exclusivamente na mídia impressa e de rádio e televisão, com o objetivo de entender como os ativistas da mídia, geralmente remunerados ou mal remunerados, conseguem persistir dia após dia, ano após ano. Ao se referir à diversidade de formas que a mídia radical pode tomar, foi empobrecedor, pois esses meios podem se ver inseridos em um contexto de mídia que lhes é estranho, exemplificando com os cartuns de esquerda que, muitas vezes, são alocados, desconfortavelmente, em jornais conservadores. Os meios alternativos têm em comum o fato de romperem com as regras, embora raramente quebrem todas elas, em todos os aspectos. Esses meios são tipicamente de pequena escala, dispondo de raros fundos, às vezes pouco conhecidos. “Às vezes têm vida curta, como uma espécie de epifenômeno; outras perduram por muitas décadas. Às vezes, são atraentes; às vezes entediantes e repletos de jargões; às vezes, alarmantes; e, às vezes, dotados de um humor inteligente” (DOWNING, 2004, p. 29). A mídia radical alternativa geralmente serve a dois propósitos precedentes: a) expressar verticalmente, a partir dos setores subordinados, oposição direta à estrutura de poder e seu comportamento; obter, horizontalmente, apoio e solidariedade e construir uma rede de relações contrária às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder. Qualquer exemplo pode incluir ambos os propósitos, vertical e horizontal (DOWNING, 2004, p. 29-30). Para utilizar o conceito de contra-hegemonia, Downing (2004) deriva de Gramsci a ideia de que, para resistir ao poder da classe capitalista, nas nações em que o poder desta é
  • 37. 35 avançado, é necessário desafiar e destronar o domínio cultural e a liderança (hegemonia) das classes dominantes, com uma visão alternativa coerente e convincente de como a sociedade poderia organizar-se. No decorrer de sua expansão, o capitalismo consolidado manteve e organizou sua liderança através de órgãos de informação e cultura. As perspectivas sobre a sociedade mais ampla, geradas no âmbito desses órgãos produziram, segundo Downing (2004), uma visão de mundo inconteste, que adquiriu o status quo de inevitável, do poder da classe dominante assentado na sua habilidade singular de dirigir a nação com sucesso. De acordo com Edgard e Sedgwick (2003), o termo hegemonia deriva do grego hegemon, que significa líder, guia ou designa aquele que dita as regras. No marxismo do século XX, esse termo foi desenvolvido por Gramsci, sendo de central importância para o desenvolvimento dos estudos britânicos, principalmente no trabalho do Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies, facilitando a análise das formas pelas quais os grupos subordinados respondem e resistem à dominação política e econômica. Com exceção dos projetos fascistas, essa hegemonia acabou surgindo após longos períodos, e não como algo imediato. A hegemonia socialista foi construída com o passar do tempo através do engajamento das massas. Esse movimento político majoritário foi, em grande parte, liderado, de forma não tirânica, por um partido comunista. Influenciados pelo teórico italiano, alguns escritores começaram a utilizar os termos contra-hegemonia e contra- hegemônico, embora Gramsci não tenha empregado os termos desta forma. Ainda assim, os conceitos de contra-hegemonia passaram a ser posteriormente empregados com frequência para classificar tentativas de suplantar a hegemonia com uma visão radical alternativa (DOWNING, 2004). Acreditamos que os zines, principalmente os vinculados ao punk, são uma forma de mídia radical alternativa, pois, segundo Downing (2004), a mídia radical tem o objetivo não apenas de mostrar ao público os fatos que lhe são negados, mas também de criar novas alternativas de pesquisar e desenvolver perspectivas de questionamento do processo hegemônico, fortalecendo, assim, o sentimento de confiança do público devido ao sentimento de mudança construtiva. O autor resume o modelo de contrainformação baseado em Gramsci, que apresenta uma nova perspectiva para entender a mídia radical, a qual tem um forte elemento de validade, especialmente sob regimes repressores e extremamente reacionários. O papel da mídia radical pode ser compreendido como o de tentar quebrar o silêncio e refutar as mentiras da sociedade, fornecendo-lhe a verdade.
  • 38. 36 Afirmo que o uso dos fanzines e seus elementos inconstantes e mutáveis, não como fórmula, mas como estratégia fugidia e suporte volátil, não-durável, pode provocar algum tipo de desgaste iconológico em oposição aos símbolos transformados em clichês, de forma experimental de disseminação e distribuição da contra-informação. Uma tática de disseminação de um pensamento não científico, acadêmico, erudito, formal. Tais estratégias foram bastante utilizadas na cultura underground, na arte marginal, na contracultura, na literatura independente, na ficção científica, nos quadrinhos, no punk e em diversas outras instâncias da cultura – quando utilizada como experimento e intensidade – no decorrer das últimas décadas (MELLO, 2010, p. 28). A noção de resistência passou a ser frequentemente relacionada, desde os anos 1980, às ações das mais prosaicas ou sutis e aos gestos menos tipicamente heroicos da vida cotidiana, não vinculados a derrubadas de regimes políticos ou mesmo a discursos emancipatórios, nos quais eram tradicionalmente associados a protestos organizados ou a insurreições coletivas de larga escala contra instituições e ideologias expressivas (FREIRE FILHO, 2007). Podemos visualizar, no subcapítulo a seguir, intitulado Punk e Zines, que o fanzine punk surgiu com força no Brasil a partir da década de 1980, podendo ser considerado também um elemento de resistência. Nesse sentido: Dependendo, pois, da formação cultural, da posição social e das inclinações teóricas e políticas do analista, uma mesma atividade pode ser descrita como “resistente”, “rebelde”, “rude”, “anômica”, “desviante”, “diversionista”, “delinqüente” ou “patológica”, conforme atestam as copiosas pesquisas sobre o comportamento juvenil, realizadas no âmbito das ciências humanas e sociais (FREIRE FILHO, 2007 p. 19). A amplitude das ações e dos comportamentos qualificados como “resistentes” em todos os níveis da vida social (individual, coletiva e institucional) e em diferentes cenários (partidos políticos, cultura popular, entretenimento massivo, escola, prisão, rua, local de trabalho, quarto de dormir) é bastante grande. Nos registros pródigos dos dicionários, o vocábulo “resistência” e seus correlatos remetem a um desnorteamento de modos ativos e dinâmicos ou mais passivos e estáticos de lidar com situações e manobras julgadas adversas ou opressivas. O principal ponto de controvérsia entre as discrepantes abordagens dos parâmetros conceituais do termo “resistência” é a necessidade ou não de intencionalidade por parte de quem resiste e o reconhecimento de determinada ação como de resistência por parte dos alvos desta e dos demais membros da sociedade. Para alguns autores, determinar a intenção de indivíduos e grupos é uma tarefa difícil ou mesmo impossível, devido não só às dificuldades de acesso às motivações internas dos atores sociais como também a diferenças culturais. Indivíduos, comunidades, subculturas e categorias sociais inteiras são flagradas
  • 39. 37 resistindo (de variadas formas, manifestas ou tácitas) à exploração, à marginalização, à frustração pessoal e ao imperialismo cultural (FREIRE FILHO, 2007). De acordo com Freire Filho (2007, p. 19), uma amostra das inúmeras atividades e condutas realçadas como expressão de resistência são: os estilos de vida “alternativos” ou “antimaterialistas”; o não votar; a interpretação a contrapelo de mensagens reacionárias, patriarcais ou infamantes da mídia; a assimilação de mensagens de caráter progressista ou “empoderador” latentes na mídia; o uso, de maneira desfigurada ou customizada, de peças de roupas da moda; a incorporação de trajes e cortes de cabelo ligados a tradições culturais ou religiosas; a fala ou a escrita na língua nativa; o rompimento com o discurso de vítima; e o silenciamento deliberado. 3.2 DO CONSUMO AO FAÇA VOCÊ MESMO (DO IT YOURSELF) Conforme salientado Bauman (2008), a sociedade de consumidores interpela seus membros, dirigindo-se a eles e questionando-os na condição de consumidores. Essa sociedade representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e de uma estratégia existencial consumista, rejeitando todas as opções culturais alternativas. Em contraposição, os zineiros modernos utilizam suas publicações para propor outras perspectivas à cultura de consumo. Enquanto a relação de consumo é compreendida como uma relação de passividade (o consumidor paga com o seu dinheiro, recebe o produto e vai para casa seguindo as instruções para seu uso), os zineiros insistem em interagir com o produto de maneiras que vão muito além destes limites (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). O potencial do consumo como resistência política surgiu, primeiramente, em associação com a teoria subcultural, pois as subculturas dos anos 50 em diante eram vistas como consumidoras dos produtos do capitalismo, mas não de acordo com as expectativas dos produtores. Ao consumidor foi, então, atribuída a habilidade de fazer seu valor de uso da mercadoria (EDGARD; SEDGWICK, 2003). Para Duncombe (1997), em uma sociedade construída com base no consumo, como podemos perceber pelos alimentos que comemos, pelas roupas que vestimos, pela cultura com que nos identificamos, o ideal de ser “o artista de mim mesmo” é desafiador. Esse ideal é também compartilhado pelos zineiros em suas vidas. Se os fanzines são a expressão de uma cultura underground, que marca sua identidade em
  • 40. 38 oposição a de um mundo à parte, hoje a onipresença do consumo de massa caracteriza a sociedade em geral tão distintamente como qualquer outra característica. Qualquer crítica ao consumismo e qualquer nova visão de mundo deve incluir uma nova perspectiva sobre como a cultura e os produtos serão produzidos e consumidos. No entanto, há algo sobre a crítica e sobre resistência ao consumo que não consegue se sustentar. Ao contrário dos desafios em relação à quantidade e qualidade do trabalho – que têm uma história longa e nobre inserida na luta da classe operária – a crítica do consumo parece um privilégio dos privilegiados. Com tanta demanda de produtos para, rapidamente, tornarem-se parte do público consumidor, a ideia de criticar o consumismo parece absurda. Entretanto, vivemos em um mundo estranho, no qual, nos Estados Unidos, por exemplo, ser pobre não significa estar fora do mundo de consumo. As pessoas podem não ser capazes de manter uma habitação decente, educação ou cuidados de saúde, mas os tênis e os jogos de vídeo que são lançamentos e os refrigerantes, por exemplo, estão ao alcance de todos, mesmo dos cidadãos mais pobres: o consumo foi democratizado (DUNCOMBE, 1997). Ao escreverem comentários, resenhas ou darem entrevistas sobre suas bandas favoritas, falando sobre a sua cena local, os zineiros que publicam zines musicais estão tomando um produto que é comprado e vendido como uma mercadoria e posicionando-o em um relacionamento íntimo: em vez de depender dos mediadores sancionados como a Revista Rolling Stone e a Spin, estes editores afirmam seu próprio direito de abordar com autoridade a música que amam, tornando esta a sua própria cultura. O maior gênero de zines que existiu, e existe, é o vinculado à música (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). Se a cultura dominante é comercial, no entanto, de muitas maneiras os zineiros estão fazendo a mesma coisa que as pessoas têm feito há anos: utilizar a cultura dominante e recriar a sua relação com ela, e, consequentemente, com o mundo. Um dos exemplos mais interessantes deste fenômeno, segundo Duncombe (1997), é o descrito por Camille Bacon- Smith em sua excelente etnografia da comunidade predominantemente feminina de fãs de mídia nos Estados Unidos. Saindo da cena de fãs de ficção científica, Bacon-Smith descreve o seu interesse na televisão dramática e mostra Star Trek6 como o elemento definidor de sua comunidade, a qual se reúne através de uma série de convenções e comunica-se através de fanzines. O que é particularmente interessante sobre esta comunidade é o que as fãs fazem com a matéria de mídia massiva: através de vídeos de músicas editados em casa, poemas e 6 “Em 1966 era exibido o primeiro episódio de Jornada nas Estrelas (Star Trek) série de ficção científica criada por Gene Roddenberry que marcou época e tornou-se uma das mais cultuadas franquias da cultura pop de todos os tempos” (OMELETE, 2011).
  • 41. 39 histórias, elas literalmente recriam as narrativas desses programas. Além disso, redesenham as fronteiras de mundos dos personagens, dando a eles histórias, famílias, emoções e relacionamentos que fogem ao previsto pelos programas originais. As histórias, que circulam através de fanzines, tornam-se a base para outras, resultando na construção de um universo alternativo de Star Trek, atraindo outros fãs. A mediação, no entanto, não é o único tipo de relacionamento que os zineiros cultivam com a cultura de consumo. Enquanto alguns questionam implicitamente a separação entre si mesmo e o consumo de cultura, tentando preencher essa lacuna, outros explicitamente criticam todo o sistema, tentando demolir as pontes entre si e o mundo de consumidores. Os zineiros anticonsumistas utilizam seus zines para destruir a ilusão reconfortante posta pelo consumismo, ressaltando que a “casca” brilhante deste esconde as realidades de má-fé do sistema capitalista (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). A filosofia que abarca a ideia de simplesmente “sair e fazer”, ou, como popularmente é expresso no mundo underground, a ideia do “Faça Você Mesmo”, ou a ética Do It Youserlf, surgiu da necessidade de construir, de criar algo dentro do movimento punk. Apesar de o punk rock ter se tornado um grande – e rentável – movimento musical na Inglaterra e nos Estados Unidos, na década de 1970, as indústrias fonográficas e revistas demonstraram pouco interesse nele. Voltadas para as estrelas do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 e da nova música de dança em discotecas, tais indústrias e revistas não consideraram o punk como algo que merecesse investimento. Assim, um músico punk, se quisesse ter um público, teria de alugar com o próprio dinheiro os salões para se apresentar. Se quisesse fazer um registro (gravar um show, uma demo-tape), teria de financiá-lo sozinho. Se quisesse falar sobre sua música, teria de criar um fanzine. Na cena musical e cultural cujos sucessos incluem canções como Blank Generation de Richard Hell, os zines eram um esforço para preencher esse vazio (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). “Eu pertenço à geração em branco (geração vazia) Eu posso levá-la ou deixá-la” (Blank Generation, de Richard Hell, tradução nossa) (LETRAS, 2013). Na obra Mate-me Por Favor, de McCain e Mcneil (2004), Richard Hell afirma que “quando qualquer coisa chegava à análise final não me interessava mais” e que a canção Blank Generation foi escrita porque o autor tinha uma visão oposta a das pessoas que estava
  • 42. 40 tentando analisar. A canção passava a ideia de pertencimento a uma geração vazia e de que isto era como “uma lacuna” (HELL apud MCCAIN; MCNEIL, 2004, p. 77). Para Mary Harron, escritora de reportagens especiais para o fanzine punk da época, era niilismo: Eu não gostava da cultura hippie, achava nauseante, afetada, sentimental e com carinha de smiley. Aí Richard Hell chegou e disse: “É isso que somos, a geração vazia. Acabou”. Foi muito excitante. O que foi tão emocionante é que a gente estava indo em direção ao futuro e não fazia idéia de que futuro era. Senti como se fosse tudo novo – não havia definições, ou limites, era ir em frente, em direção à luz, era o futuro, tudo novo, sem regras, sem nada, sem definições. Levou anos para perceber que era niilismo, ou coisa que o valha (HARRON apud MCCAIN e MCNEIL, 2004, p. 77). Ao longo dos anos 1970 e 1980, uma geração inteira foi, em grande parte, ignorada pela indústria da cultura comercial. A hegemonia cultural da geração baby boomer7 (o locus do qual havia se mudado da contracultura para a indústria de cultura mainstream8) – estava segura de que tudo no “mundo-de-acordo-com-a-cultura-de-massa” voltava-se para as suas experiências ou para a sua geração. O fato de que esta geração também compôs o maior grupo demográfico em termos de poder de compra garantia sua representação consistente. Ter pertencido ao período pós-anos 1960, sendo um punk rocker ou não – significava ter pertencido a um mundo cultural que foi sufocante, no qual se escutava “fizemos tudo isso antes e melhor nos anos sessenta”' e sentir-se em um vácuo, em uma geração vazia. Zines e outras formas de cultura underground tornaram-se o espaço em que os membros da geração pós-anos 1960 – ou alguém revoltado ou deixado de fora da releitura mainstream da década de sessenta – poderiam trabalhar na definição de quem eles eram e do que eles acreditavam ou do porquê, quando eles fizeram, fizeram horrivelmente errado. “Faça Você Mesmo” era também uma reação ao modo como a mídia massiva estava trabalhando (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). 7 “A Geração Baby Boomer surgiu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Hoje, estas pessoas estão com mais de 45 anos e se caracterizam por gostarem de um emprego fixo e estável. No trabalho seus valores estão fortemente embasados no tempo de serviço, e preferem ser reconhecidas pela sua experiência à sua capacidade de inovação. O termo em inglês „Baby Boomer‟ pode ser traduzido livremente para o português como „explosão de bebês‟, fenômeno social ocorrido nos Estados unidos no final da Segunda Guerra, ocasião em que os soldados voltaram para suas casas e conceberam filhos em uma mesma época. Os Boomers também são identificados como inventores da era „paz e amor‟, pois tinham aversão aos conflitos armados. Preferiam a música, as artes e todas as outras formas de cultura como instrumentos para evolução humana do que as guerras” (COISA & TALE, 2012). 8 “A corrente de pensamento e ideologia predominante e, por extensão, o que é transmitido e divulgado pela grande mídia como relevante cultural e artisticamente. Forma par em oposição a underground” (O‟HARA, 2005, p. 188).
  • 43. 41 A filosofia do Do It Yourself, a corporificação do espírito punk, ocupa uma posição de liderança no mundo dos zineiros. O “Faça Você Mesmo” é, ao mesmo tempo, uma crítica ao modo dominante de cultura do consumidor passivo e a criação ativa de uma cultura alternativa, que não implica apenas criticar o presente, mas também fazer algo diferente; velho ideal no mundo dos fanzines. Além de fazer exigências quanto à cultura comercial, fãs de ficção científica criaram a sua própria cultura. Enquanto a noção de participação de estar “fazendo você mesmo” e criando sua própria publicação remonta ao começo da cultura fan fiction. Entretanto, abraçou outra ideia, além da ficção científica, no mundo dos fanzines: o punk rock (DUNCOMBE, 1997). Para Silva (2002), entre as discussões que sempre permearam o universo dos fanzines estão, juntamente à filosofia do “Faça Você Mesmo”, a busca de canais bidirecionais de comunicação, de acesso mais democrático aos meios para experimentação estética sem comprometimento comercial e de ambientes para a formação de comunidades virtuais. De modo geral, todos esses problemas sempre estiveram no cerne das questões levantadas pela “ideologia” de produção, circulação, distribuição e de conteúdo dos fanzines. Nesse sentido, o Do It Yourself vai além do impulso de resgate da autonomia de se fazer coisas e escolhas por si próprio, representando algo mais profundo: uma independência conquistada em virtude de não se dever nada a ninguém. A obra intitulada Não devemos nada a você, de Sinker (2009), da editora Edições Ideal, apresenta entrevistas em que o Do It Yourself é tido como base para os entrevistados. A publicação é originada do zine Punk Planet, de Daniel Sinker, que o editou por um período de treze anos, antes de extinção do zine em 2007. No seu ápica, circularam 20 mil do zine cópias eu seu ápice. A motivação por trás do punk é, quase que sem pensar, atribuída ao DIY hoje em dia. Isso significa: faça você mesmo. É algo subestimado no punk rock, mas é a base sobre a qual a cultura inteira foi construída. Escritores punks não estão sentados em casa esperando que seus artigos sejam publicados, eles mesmos os publicam. Os fãs não estão esperando alguém lançar um disco de sua banda predileta, eles mesmos os lançam. Não estamos esperando um clube abrir e realizar shows que atendam ao público com menos de 21 anos, nós mesmos o abrimos. O punk nunca esperou aprovação de ninguém para fazer algo por conta própria. DIY é a resposta para “por quê?” (SINKER, 2009, p. 9). As entrevistas selecionadas por Sinker (2009) apresentam questões interessantes, trazendo personagens atuantes nos primórdios do punk, como Ian Mackaye, do Fugazi. Na entrevista, Mackaye relata sua relação com o straight edge – filosofia punk totalmente livre de
  • 44. 42 drogas –, com o Do It Yourself e com a música; relação que se dá de tal forma que o trabalho não se dissocie de suas próprias opções de vida. Outras surpresas nos são reveladas por Sinker na entrevista com Kathleen Hanna (vocalista do Bikini Kill) quando nos deparamos com o relato da discriminação feminina no universo de bandas majoritariamente masculinas. Com certa mágoa, ela relata como as garotas da banda eram agredidas, nas suas apresentações, pela plateia, maltratadas por pessoas do meio punk e hardcore e oprimidas pela concorrência, experiências traumáticas que a fez desistir da banda e partir em busca de outras experiências (GALLO, 2010). Mesmo para jovens com pouco afinidade com a música ou o visual punk, a índole antiestabelecimento e a filosofia do “Faça Você Mesmo” do movimento têm encorajado a constituição de novas comunidades instáveis de dissenso artístico, social e político (FREIRE FILHO, 2007). Na Inglaterra, há manifestações da contrapartida urbana da florescente subcultura do Do It Youserlf, como o Reclaim The Streets, movimento anárquico de cunho ecológico que ocupa coletivamente espaços públicos, colocando-se contra o automóvel como meio de transporte principal na vida urbana. Colocados à margem da economia por décadas de governo conservador e com poucos motivos para responder às políticas de centro-direita do Novo Trabalhismo de Tony Blair, uma infraestrutura muito autoconfiante de cooperativas de alimentos, ocupação ilegal de terras, mídia independente e festivais gratuitos de música surgiu em todo o país. A ocorrência de festas espontâneas na rua, por exemplo, é uma extensão do estilo de vida do “Faça Você Mesmo”, pois demonstra que as pessoas podem criar sua própria diversão sem pedir permissão a nenhum Estado ou depender da generosidade de nenhuma corporação (KLEIN, 2002). Ao contrário dos eventos anuais sancionados pelo Estado como válvula de escape para as tensões sociais e a sensaboria cotidiana, os carnavais anticapitalistas animados pelo Reclaim The Streets são claramente ilegais: um ato de desobediência civil. Sob a ameaça constante da repressão policial, os participantes do movimento desenvolveram estratégias inovadoras para as suas ocupações de ruas, cruzamentos ou trechos de rodovias. Milhares de participantes são convocados (via internet ou panfletos) para se reunirem em determinado lugar da cidade, de onde partem em massa para o local da manifestação, conhecido apenas por alguns dos organizadores, onde o trânsito é bloqueado com uma performance teatral ou uma marcha de bicicletas (FREIRE FILHO, 2007). O underground não consegue transcender o individualismo que dilacera a sociedade da qual os indivíduos estão tentando se distanciar. Entretanto, o prazer que os zineiros sentem
  • 45. 43 em controlar o produto de seu trabalho não é totalmente solipsista9. O fato de que zines são um meio de comunicação garante a interação entre os indivíduos, reforçando algo que se aproxima de uma norma comunitária implícita. A função “em rede” do underground e o compromisso que os produtores individuais de zines têm de participar neste “subterrâneo”, atenua um isolamento pessoal debilitante. Repletos de queixas sobre a distorção, por parte dos meios de comunicação e de fundamentos para uma representação justa de queers10, punks, mulheres, geração X, fãs de futebol, entre outros, os zineiros, baseados nas tradições da imprensa alternativa, almejam criar sua própria expressão e fabricar sua própria identidade através das páginas de um zine. Zines, como expressões físicas de seus criadores, isto é, como mídia impressa, transformam representação em apresentação. Os zineiros criticam o consumo e os valores da sociedade de consumo, mas não abandonam o prazer trazido pelo ato de consumir. Em vez disso, têm imenso prazer na própria prática de criticar a cultura de consumo e produzir – assim como consumir – a sua própria cultura (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). 3.3 A HISTÓRIA DOS FANZINES É importante aprofundarmo-nos nas origens e na história dos fanzines para compreendermos o que, de fato, são as publicações desenvolvidas pela subcultura zineira, pois ambos, zineiros e zines, são analisados no presente trabalho. Para Muniz (2010), o termo fanzine surgiu da aglutinação de fanatic (fã) e magazine (revista), tendo emergido na década de 1930, nos Estados Unidos, remetendo às publicações de leitores de ficção que, não podendo participar do mercado profissional, criavam, editavam e distribuíam por conta própria suas próprias histórias. O primeiro fanzine publicado teria sido o The Comet, criado em 1930, por Ray Palmer, para o Science Correspondance Club, seguido do The Planet, publicado em junho do mesmo ano, editado por Allen Glasser para o The New York Scienceers. Outro fanzine, dentre os pioneiros, foi o The Time Traveler, criado por Julius 9 “A base do conceito solipsista é a negação de tudo aquilo que esteja fora da experiência do indivíduo. Seria, no caso, um ceticismo extremado. Tão extremo que a concepção do termo leva em conta, até mesmo, a inexistência do mundo, caso não haja alguém para experimentá-lo. Dessa forma, a sustentação do solipsismo é o empirismo, ou seja, a prática do indivíduo” (FILOSOFANDO, 2011). 10 “O Queercore é considerado um movimento musical e cultural que teve início em meados da década de 80 e musicalmente protesta, grita, é pesado e “sujo” como o punk, mas gay em suas letras e atitudes: um braço do estilo punk que resolveu caminhar pelas ruas gays da música” (SOARES, 2007).
  • 46. 44 Schwarts, em parceria com Mort Weisinger, futuro editor da DC Comics11 (MAGALHÃES, 2004). Os fanzines são, muitas vezes, chamados apenas de “zines” no Brasil, embora em lugares como os Estados Unidos e na Europa se evite o uso da partícula “fan” em publicações que não têm o objetivo de ser uma publicação de fã, ou seja, em publicações autorais de que acabam por não usarem a denominação de “fanzine”. Entretanto, no Brasil, os zineiros não veem problemas quanto à essa denominação. Desse modo, no presente trabalho utilizamos os termos “fanzine” e “zine” como sinônimos. Para Guimarães (2005) o termo fanzine disseminou-se de tal forma que, atualmente, engloba todo tipo de publicação que tenha caráter amador e seja feita sem intenção de lucro, motivada pela simples paixão sobre o assunto enfocado. Assim, são fanzines as publicações impressas que agregam textos diversos, histórias em quadrinhos do editor e dos leitores, reprodução de histórias em quadrinhos (HQs) antigas, poesias, divulgação de bandas independentes, contos, colagens, experimentações gráficas e tudo aquilo que o editor julgar interessante para sua publicação. Embora, em sua definição do termo, Guimarães (2005) afirme que os zines têm caráter amador, podemos visualizar muitos que apresentam caráter profissional, com anúncios de lojas e assinaturas, como a Maximumrocknroll, por exemplo, que tratamos a seguir. Já na visão de Oliveira (2006), os fanzines são publicações geralmente feitas em xerox, de pequenas tiragens, vendidas em lojas e distribuidoras especializadas e também pelos próprios editores. As publicações podem ser adquiridas em pontos de encontro, via correio ou em shows. Essas publicações se divulgam mutuamente, uma vez que, em quase todos os fanzines, é possível encontrar endereços de outras publicações, inclusive de outros estados e países. A variedade é vasta e difícil de ser classificada em estilos. Segundo Duncombe (1997), existem algumas categorias como: ficção científica, música, fanzines pessoais, fanzines de uma cena local (sobre uma cena musical ou literária), metazines (resenhas sobre outros), quadrinhos, poesia, arte, fotografia etc. Por não possuírem periodicidade, geralmente os zines são organizados de acordo com o tempo de que cada zineiro dispõe, que os utilizam como forma de expressão individual ou 11 “A DC é uma editora dos EUA especializada na edição de histórias em quadrinhos, englobando também todos os veículos referentes à crítica e divulgação deste gênero narrativo. Além disso, tem em sua posse os direitos intelectuais de alguns dos mais renomados personagens das histórias em quadrinhos dos Estados Unidos. Entre eles constam os heróis Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Aquaman, e os grupos aos quais eles pertencem, como Liga da Justiça da América, Novos Titãs, Patrulha do Destino, Legião dos Super-Heróis, e outros mais” (SANTANA, 2013).
  • 47. 45 de um grupo: são roqueiros falando de sua banda, criticando ou elogiando demais bandas; são jovens que ousam expor produções literárias ou, simplesmente, expressar seus conflitos, desabafos e questionamentos. Outros zines têm como expressão os quadrinhos, repletos de personagens inventados e jamais divulgados na mídia convencional (NASCIMENTO, 2010). Para Mello (2010), a utilização de qualquer recurso que esteja relativamente disponível é uma das forças evidentes na produção de fanzines quando o objetivo é proporcionar fluxo a uma necessidade de expressão. Um recurso bastante utilizado nestas produções caseiras e artesanais é a união de materiais escritos com materiais visuais de diversas origens, sem a necessidade de respeitar princípios estéticos na diagramação. Outras características importantes dos fanzines são interesses por assuntos estranhos ao grande público, a utilização do humor ácido, a criação de narrativas surreais, e a despreocupação com a autoria dos materiais empregados em sua composição. Potencializa-se, assim, uma ação limítrofe que não leva em conta a obrigatoriedade de respeito aos cânones da produção intelectual (MELLO, 2010, p. 29) As revistas alternativas, na maioria das vezes, são editadas por determinado grupo de artistas que têm como objetivo divulgar e discutir os trabalhos por eles produzidos. Os jornais, mesmo que tenham um foco, abordam vários assuntos e contam normalmente com um jornalista que assina como responsável pelo conteúdo publicado. Diferentemente dessas mídias, os fanzines são produtos de um grupo de aficionados por determinado assunto (entre os mais comuns estão o rock, até a metade da década de 1990, quando decai o número de publicações do gênero com a chegada da internet, os quadrinhos e a poesia), desprovidos de comprometimento jornalístico, representando outra forma de expressão e comunicação impressa. A falta de recursos financeiros, que resulta na forma de produção artesanal, a distribuição independente, a periodicidade irregular e a divulgação de trabalhos artísticos sem muito espaço na grande mídia são comuns nessas publicações (DEFAVARI, 2008). Nos fanzines, são experimentadas visões e formas de compreensão do mundo, que, às vezes, não possuem espaço em outras mídias. Ser um zineiro não deixa de ser uma forma de exprimir uma experiência, uma forma de potencializar maneiras de intervir e enxergar a experiência de estar inserido no mundo. Ao escrever uma crítica, desenhar, enaltecer um tema ou anunciar um horizonte expressivo, os zineiros dão vazão àquilo que está guardado em seus íntimos e que tem pressa para se libertar, colocando, muitas vezes, em xeque verdades
  • 48. 46 instituídas e a própria vontade secretada por saberes hegemônicos que definem as estéticas dominantes do que dizer e de como dizer a respeito do mundo (NASCIMENTO, 2010). Foi graças ao acesso ao mimeógrafo, na década de 1970, e à popularização da fotocópia, ocorrida na década de 1980, que a produção e circulação dos fanzines impressos cresceu. Desde então, muitos catálogos e espécies de guias mostrando como produzir uma publicação independente foram lançados na intenção de popularizar a produção. De fato, muitos historiadores atribuem um crescimento do número de publicações a partir dos anos 1980 por causa da presença das máquinas fotocopiadoras, fato que permitiu a possibilidade de uma publicação mais barata (SILVA, 2002). Por falta de recursos financeiros e tecnológicos, no caso dos zines mais antigos, muitos tinham sua montagem concluída por meio de recortes, seguidos de colagens, de textos e matérias. Pelo mesmo motivo, a reprodução era feita pelo mimeógrafo, já que somente as mais estruturadas recorriam às gráficas (DEFAVARI, 2008). Os zines são publicações vinculadas à imprensa alternativa (DEFAVARI, 2008) pois são próprios dessa imprensa os trabalhos que não obedecem a um formato específico, não apresentam periodicidade regular, usam a linguagem coloquial, apresentam produção artesanal e que se valem de formas de divulgação diversas, tais como: via postal, pelas mãos dos editores, distribuição gratuita em pontos específicos, trocas de colecionadores, assinantes e fãs, e até a tradicional venda em bancas. Independentemente da posição que assumam em relação a temáticas ou modos de comunicação, um posicionamento destaca-se na história dessas práticas de linguagem intituladas fanzines: a liberdade de expressão (MUNIZ, 2010). No Brasil, o primeiro fanzine de que se tem registro é o Ficção, criado por Edson Rontani, em Piracicaba (SP), no ano de 1965. Na época, utilizava-se o termo “boletim” para designar as publicações amadoras. O termo fanzine só começou a ser usado a partir de meados da década de 1970. Nos anos seguintes a 1965, surgiram outras publicações, como: Boletim do Clube do Gibi, Na Era dos Quadrinhos, Focalizando os Quadrinhos, Boletim do Herói (que depois se chamou Boletim dos Quadrinhos) etc. Em 1970, em Porto Alegre, Oscar Kern lançou a primeira fase de Historieta, que seria lançada como revista alternativa em 1980. Historieta teve uma edição distribuída em bancas em 1986 e voltou a ser fanzine na década de 1990 (GUIMARÃES, 2005) Apesar do amadorismo, da experimentação e da distribuição feita de mão em mão, surgiram mudanças ocorridas no mundo dos zines. Primeiramente, houve uma explosão tanto em termos de quantidade quanto de popularidade. Grandes distribuidoras e redes de lojas em todo os Estados Unidos começaram a aceitar zines para venda e exposição em suas gôndolas de revistas e jornais. Para os zineiros, foi uma chance espetacular de alcançar um público
  • 49. 47 maior, e, para outros, a oportunidade de conhecer a cultura underground. O lado negativo deste “boom” é que os zines foram pressionados para se tornarem mais “profissionais” ou mainstream, a fim de ganhar aceitação da massa (O‟HARA, 2005). Desenhados em estilo profissional e compostos inteiramente de anúncios, resenhas e entrevistas chatas, esses picaretas não demonstram a mesma criatividade e paixão dos seus antecessores mais toscos. Além disso, livros sobre zines tornaram-se lugar- comum, assim como livros em formato grande de zineiros compilando edições antigas de zines fora de circulação (O‟HARA, 2005, p. 70-71) Como veículos de opinião, os fanzines propagam as mais diversas linhas de pensamento. Aqueles voltados para a contestação política e social, que se colocavam contra o capitalismo e todo o sistema estabelecido, de modo geral, eram denominados de anarquistas. O anarquismo pregado nos fanzines quase sempre servia apenas como veículo para o extravasamento do protesto juvenil. As publicações vistas como anarquistas ficaram marcados pela caótica programação visual, fazendo um apelo à radicalização estética contra as já convencionais colagens de matérias das outras publicações. Entretanto, se, por um lado, pecavam pela falta de consistência ideológica, por outro, mostraram seu empenho militante, que era visto com desconfiança (MAGALHÃES, 2004). A quase completa ausência de mercado profissional para os artistas brasileiros levou- os a buscar o fanzine como forma de expressão (GUIMARÃES, 2005). A década de 1980 foi o período em que os movimentos preservacionistas ganharam espaço na imprensa a nível mundial e com eles, surgiram os fanzines voltados à ecologia. No Brasil, foram publicados os zines Esperma de Baleia e Xeiro de Terra, do Rio de Janeiro, promovendo um debate poético e militante. Temas inusitados e pouco enfocados pela imprensa convencional ganharam espaço nas páginas das publicações. As rádios livres, que entraram no ar nas grandes cidades brasileiras a partir de meados dos anos 1980, contaram com o fanzine Garrafa, de Poá (SP), para sua difusão. Decadance, um fanzine também dirigido um tema pouco enfocado, a questão homossexual, destacou-se pelo projeto gráfico bem elaborado e pela boa impressão, além, claro, de seu conteúdo considerado polêmico. Finalmente, os esportes radicais também tiveram seus fanzines, a exemplo do Pró-Skate, do SKT News e do Skatzine, todos do estado de São Paulo, de acordo com Magalhães (2004). Para editar um fanzine, o indivíduo precisa possuir a ânsia de expressar opiniões, ideias e pensamentos e ter acesso a uma copiadora barata, pois, geralmente, as lojas não se
  • 50. 48 interessam por produtos com pequena margem de lucro e público irrisório, então são vendidos principalmente pelo correio (O‟HARA, 2005). De acordo com Guimarães (2005), a extinção de muitas publicações ocorre pela dificuldade de encontrar informações sobre a existência dos fanzines, pelos custos sempre crescentes, pela renúncia ao lucro e pelo considerável trabalho que é organizar novas edições de maneira sistemática. 3.4 PUNK E FANZINES Com o crescimento das cenas punks em Nova York e Londres, em meados dos anos 1970, surgiram os fanzines. Os trabalhos que atingiram maior visibilidade foram o Sniffin’ Glue, da Inglaterra, e Punk, de Nova York. Como a maioria das publicações independentes, esses também tiveram vida curta, pequena tiragem e estética amadora, se comparada ao padrão das revistas profissionais e lustrosas (O‟HARA, 2005). Nesse período, milhares de fanzines foram escritos manifestando o ponto de vista dos autores sobre o que é o punk, sua política, sua música e sobre o objetivo dos autores ao se expressarem (O‟HARA, 2005). Os zines não disseminaram apenas o movimento punk, serviram também como grandes disseminadores de informações acerca de outros estilos musicais, como, por exemplo, o heavy metal, que teve suas revistas especializadas como um prolongamento dos zines, inspiradas nos punks dos anos 1970. As publicações zineiras costumavam circular entre os fãs do gênero que tinham o propósito de falar sobre as bandas e seus lançamentos, sendo instrumento que incitava a troca de fitas, fotos, discos e informações, como também ocorre no cenário independente do punk e do hardcore. O Brasil foi um dos países pioneiros na produção midiática metálica, com a revista Rock Brigade. A publicação começou como um fanzine, em 1982, e evoluiu até converter-se na “bíblia” dos headbangers nacionais, em 1985, quando ganhou status de revista. Gradualmente passou a ter a companhia de outras publicações, incluindo as já falecidas, Rock Hard, Metalhead e Valhalla, e as ainda ativas Roadie Crew e Comando Rock (DHEIN, 2012, p. 122). Os fanzines punks trouxeram ideias novas e contestadoras em relação à já desgastada contracultura da década de 1960. Sua importância deve-se não só pelo fato de terem criado uma onda irrefreável de novas publicações, mas também pelo fato de terem massificado o termo fanzine, que ganhou popularidade e passou a denominar, de forma definitiva, os boletins de fã-clubes ou grupos de fãs (GUIMARÃES, 2005).
  • 51. 49 A existência de uma imprensa alternativa punk demonstrou que não era apenas a roupa ou a música que poderia ser imediatamente produzida e barateada a partir dos limites dos recursos à mão. Nesse sentido, Hebdige (1979, p. 111) afirma que “os fanzines são revistas editadas por um indivíduo ou um grupo, consistindo em comentários, editoriais e entrevistas com punks proeminentes, produzidos em pequena escala, o mais barato possível, grampeadas e distribuídas através de um pequeno número de lojas”). Essa crescente produção de fanzines é resultado de uma diferenciação do movimento punk em relação a outros movimentos: o punk dissolveu a produção de si em cada indivíduo pertencente a este movimento. É interessante também destacarmos que o hardcore foi “berço” para a formação de outras vertentes estético-políticas, como, por exemplo o grindcore, o raw punk, o straight edge, o noisecore e o anarcopunk (FERNANDES, 2013). 3.4.1 Fanzines Punk e Sniffin’ Glue Segundo Duncombe (1997, tradução nossa), o primeiro fanzine punk (apropriadamente intitulado Punk) surgiu em Nova York no início de janeiro de 1976. Na edição de estreia, o zine incluía dados sobre bandas, como o Ramones, e seus integrantes, o proto-punk Lou Reed, além de uma entrevista fictícia, de histórias em quadrinhos e de uma canção de protesto. As entrevistas presentes nas outras edições, estas, verídicas, começaram bem, mas logo degeneram-se por causa da intoxicação do entrevistador e cofundador da Punk, Leggs McNeil, que, certa vez, vomitou ao entrevistar Richard Hell, da banda Television. A edição vendeu três mil edições locais e 25 mil edições no mundo todo. O zine foi editado por quatro anos. Segundo McCain e McNeil (2004), Legs McNeil batizou o movimento punk com este nome, em 1975, ao intitular o zine de música e cultura pop dos anos 1970 de punk. Sete meses depois, em setembro de 1976, o jovem Mark Perry, bancário de 19 anos, residente em South London, ao frequentar lojas de discos importados, comprou um disco do Ramones. Perry ficou empolgado com o quão diferente era tanto a banda, quanto sua música. Após procurar revistas em que pudesse ler críticas sobre esta e demais bandas e não encontrar, os vendedores de uma filial da loja Rock On sugeriram irreverentemente que o próprio Perry fizesse a sua “revista” e, assim, surgiu o famoso zine Sniffin’ Glue (EVERETT, 2013). Segue um trecho do depoimento dado por Perry em entrevista:
  • 52. 50 Foi o que fiz. Consegui uma máquina de escrever, fiz toda a velha diagramação com o marcador com ponta de feltro. „Now I wanna Sniff Some Glue” é minha música favorita daquele álbum – e glue (cola) é também a droga mais punk, a que você escolhe se não tem dinheiro. Estava tão de acordo com o que eu pensava sobre a nova música (PERRY apud EVERETT, 2013, p. 92). Na terceira edição do zine (figura 1), Perry sugeriu que seus leitores saíssem e assistissem a todas as bandas punks que pudessem ver, pois se a demanda aumentasse, outras pessoas passariam a se interessar em abrir espaços para shows. Segundo Oliveira (2006), na edição de número quatro, a tiragem do zine já ultrapassava mais de mil cópias, e, na décima edição, o zine já tinha atingido o âmbito internacional, com oito mil cópias em off-set e sendo considerado a melhor publicação do momento, uma vez que refletia a realidade dos que a confeccionavam e daqueles a quem se dirigia. A empresária do Ramones na época, Linda Stein (apud EVERETT, 2013, p. 93), comentou sobre o cenário do surgimento dos zines na época: Deve ter havido por volta de vinte fanzines. Todo garoto tinha um fanzine. Nunca havia existido fanzines antes. Decidi fazer uma coletiva com eles em nosso apartamento em Gloucester Place, em Londres. Havia tanta gente bonita e interessante. Os fanzines eram mimeografados. Alguns dos editores eram na verdade muito brilhantes e academicamente astutos Na quinta edição do Sniffin’ Glue, o zineiro Perry (apud BIVAR, 1982, p. 55) direcionou-se novamente aos leitores: “Todos vocês, garotos que leem o Sniffin’ Glue, não se satisfaçam com o que nós escrevemos. Saiam e comecem seus próprios fanzines, ou mandem suas críticas para a imprensa do Sistema, vamos pegá-los pelos nervos e inundar o mercado com a escrita punk!”. De acordo com Duncombe (1997), parte da missão dos fanzines de punk rock, além de divulgar notícias e entrevistas sobre as bandas punks, era a de convencer seu leitor a sair do comodismo e fazer sozinho seus próprios shows, fanzines, bandas etc. Corajosamente ilustrando essa filosofia existia um zine britânico intitulado chamado Sideburns, que apresentava impresso em sua capa um desenho com três acordes de guitarra, seguido pelo mandamento: “Agora forme uma banda”.
  • 53. 51 Figura 1 - Terceira edição do Sniffin’ Glue. Fonte: Masque of infamy (2013). 3.4.2 Fanzines Flipside e Maximumrocknroll Depois do Sniffin’ Glue ter surgido na cena britânica, a febre do fanzine ganhou força nos Estados Unidos, apresentando diversas bandas e seus seguidores. O fanzine Flipside surgiu em Whittier, Califórnia, custando 25 centavos de dólar e apresentando um aspecto grosseiro, uma visão autenticamente adolescente da cena punk e de seus fãs. Embora ainda se concentrasse na cena local, o Flipside foi um dos primeiros a entrevistar punks de diferentes lugares da Europa. Apesar de rapidamente virar uma revista de “música nova”, menos interessada pelo punk, com o lema “be more than a witness” (seja mais do que uma testemunha), o zine mostrou ao mundo que qualquer um poderia e deveria fazer suas publicações por conta própria (O‟HARA, 2005). Com uma perspectiva diferente do Flipside e inserindo mais política e cenas diferentes em suas publicações, surgiu o Maximumrocknroll (figura 2), em São Francisco, proveniente de um próspero programa de rádio com o mesmo nome, em meados de 1982. Com foco muito
  • 54. 52 mais abrangente que apenas o cenário da Califórnia, o zine publicava scene reports escritos por leitores de toda parte do mundo. Ao divulgar anúncios, bandas e endereços para leitores de todos os lugares da América do Sul, do Japão, da Europa (oriental e ocidental) e até da União Soviética, a Maximumrocknroll ajudou a montar uma comunidade punk mundial de verdade (O‟HARA, 2005 p. 67). Na edição de junho de 1994, o zine listou noventa e sete indivíduos como contribuintes. Mais da metade dessas pessoas eram chamadas de shitworkers, uma categoria que não costuma colaborar em manchetes de revistas renomadas. No entanto, a Maximumrocknroll é conhecida até hoje por sua grande produção e organização, por sua complexidade e por sua eficiência. Diferentemente de qualquer publicação comercial, grande ou pequena, a Maximumrocknroll não possui fins lucrativos (DUNCOMBE, 1997, tradução nossa). Embora Duncombe afirme isso, acreditamos ser questionável o caráter sem fins lucrativos, uma vez que, embora a Maximumrocknroll seja um zine, também funciona como uma revista, encaixando-se nas duas funções, inclusive com assinaturas e vendas de produtos. A Maximumrocknroll recebe críticas por promover políticas específicas, mas as críticas legítimas vêm daqueles que acreditam que o fanzine exerce muito poder sobre a cena punk mundial. Muitos punks dependem da Maximumrocknroll para serem informados quanto a quem apoiar ou boicotar, uma vez que esse zine publica boas resenhas de discos e fanzines de seus colaboradores voluntários, garantindo boas vendas (O‟HARA, 2005). O‟Hara (2005) concorda com parte das opiniões editoriais desse zine, embora acredite que seu poder recém- descoberto seja extremamente influente sobre os punks mais jovens, muitas vezes, levando-o a abusar deste empoderamento. Ainda que os zines Flipside e Maximumrocknroll não tenham sido os únicos lidos em toda a América do Norte e Europa, foram, certamente, os mais influentes. Não serviram apenas para repercutir as atitudes e os atos da cena punk, mas também para determinar o seu curso: cada país europeu passou a ter sua própria coleção de zines, grandes e pequenos, apesar de a maior parte ser escrita na língua do país e cobrir a cena local. Milhares de diferentes publicações foram produzidas nos últimos vinte anos, entretanto, Flipside e Maximumrocknroll são usados como as principais fontes de disponibilidade e aceitação que têm tido na cena punk (O‟HARA, 2005).
  • 55. 53 Figura 2 - Primeira edição da Maximumrocknroll em 1982. Fonte: Degen Erik (2011). 3.4.3 Fanzines punks no Brasil De acordo com Gallo (2010), o punk surgiu no Brasil por volta de 1977, na cidade de São Paulo e no ABC paulista. Logo depois, tomou vulto também nos estados do Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Rio Grande do Sul, Paraná e no Distrito Federal. A disseminação do punk para diversos países pronunciou-se de forma mais marcante a partir dos anos 1980, coincidindo com o momento da autorreflexão a respeito dos parâmetros que norteariam o punk e a sua crítica social desgastada pela mídia e pela moda. Segundo aponta Fernandes (2013), é neste momento que revistas de música como a Pop, a Música e a Somtrê, jornais, como a Folha de São Paulo, e a revista Veja ao publicarem matérias com imagens de sangue ou modelos que desfilavam nas passarelas com a dita, na época, “tendência punk apresentavam uma construção discursiva do punk ligado à moda ou à violência.