O pecuarista Carlos Alberto Loeff da Fazenda Kirei foi classificado como o melhor fornecedor de novilhas para o programa Garantia de Origem do Carrefour por dois anos consecutivos. Ele conseguiu isso por meio de uma combinação de técnicas, como a integração lavoura-pecuária para produzir pasto de alta qualidade, suplementação mineral cuidadosa, e compra de gado com base na oportunidade de preço. Isso permitiu que 99% de seus animais entregues atingissem a classificação desejada no programa.
1. Criação | Qualidade
Ao gosto do freguês
Combinação de
técnicas leva fazenda
a aproveitamento
ótimo na oferta de
novilhas em programa
do Carrefour
n Ariosto Mesquita
de Campo Grande, MS
O
Fotos Ariosto Mesquita
pecuarista Carlos Alberto Loeff,
dono da Fazenda Kirei, de Paraíso
das Águas, região norte do Mato Grosso
do Sul, conseguiu um feito extraordinário. Por dois anos consecutivos, ele foi
classificado como o melhor fornecedor
de novilhas, na categoria acima de 500
cabeças, para o Programa Garantia de
Origem (GO) da rede de hipermercados
francesa Carrefour. Simplesmente 99%
dos animais entregues para abate (624 em
2011 e 504 em 2012) obtiveram classificação dentro do programa.
Qual seria a receita para tal desempenho? Afinal de contas, o Garantia de Origem é um selo de expressão no mercado
brasileiro, criado pela rede há mais de 10
anos e que certifica a qualidade e a segurança dos alimentos ofertados em suas
lojas. Para a classificação são avaliados
itens como acabamento, idade, sanidade,
alimentação e manejo.
Carlos Alberto Loeff, o “Peco”: olho
bom para comprar e apoio técnico para
entregar produto adequado.
82 DBO novembro 2013
Milheto e capim sudão dão conta de novilhas e vacas
Novilhas da Fazenda Kirei, em Paraíso das Águas, MS:
boa conformação e bom acabamento.
Ao contrário do que se possa imaginar num primeiro momento, Peco,
como Loeff é conhecido, não é um selecionador, um estudioso de cruzamentos, um criador meticuloso. Com um
rebanho que gira em torno de 1.800 cabeças, ele faz recria e engorda de gado
Nelore e cruzados e seu critério de
aquisição é a oportunidade. “Se o animal me parece em ordem e com preço
bom, levo de bezerra a vaca parida. O
que estiver em conta eu compro”, afirma ele, que manda para abate entre 800
e 1.100 cabeças/ano.
Sua vantagem é estar a pouco mais
de 100 km de Camapuã, desde 2008
considerada a “capital do bezerro de
qualidade” do Mato Grosso do Sul. Mas
também compra animais jovens de propriedades próximas à sua, no município
de Costa Rica. Condição também desfrutada por boa parte dos mais de 100
pecuaristas que integram a Associação
de Novilho Precoce do MS, escolhida
pelo Carrefour para ser parceira no projeto Garantia de Origem.
Além do olho do dono e da qualidade
adquirida, o segredo está na alimentação
caprichada.
Pasto mais produtivo – Depois de um
primeiro ano (2010) com resultado pífio
– não conseguiu boa terminação nem cobertura de gordura adequadas –, Peco focou seu trabalho na alimentação e atacou
em duas frentes: conseguir pastos de melhor qualidade e dar uma suplementação
reforçada para o gado.
Para a primeira tarefa, buscou ajuda dos técnicos da Fundação de Apoio
à Pesquisa Agropecuária de Chapadão
(Fundação Chapadão). O objetivo: incrementar a produção de capim de qualidade a partir da integração lavoura-pecuária, técnica que a Kirei adotou em
2009 (desde 2005 já cultivava soja). Depois, investiu em suplementação, tanto nas águas quanto na seca, tomando o
cuidado para que o animal não reduzisse
o consumo de capim.
Com 2.000 ha de área total, a Fazenda Kirei reserva 1.060 ha para lavoura,
2. O que a Fazenda Kirei
conseguiu nos últimos
dois anos:
99% de classificação na categoria
acima de 500 novilhas no Programa
Garantia de Origem do Carrefour;
Premissas: idade entre 20 a 30 meses;
acabamento de gordura entre 3 e 10 mm;
peso acima de 12@.
lária
consorciada
com nabo forraMS
geiro. “A primeira é utilizada para
controle de nematoiCampo Grande
des e para dar suporte
de nitrogênio à terra. O
nabo, com sua raiz tuberosa,
auxilia na descompactação do
solo”, explica Marcelo Arf.
Bonificação:
Novilha de 12 a 13@ = preço vaca (cotação
Cepea Campo Grande) mais 2%;
Novilha 13 a 15@ = média de preços boi e
vaca ou preço vaca mais 6%;
Novilha acima de 15@ acima = preço boi
380 ha para pastagem, 160 ha para reflorestamento e 400 ha para reserva legal. O
sistema funciona em rotação. O ciclo da
soja acontece no período das águas (outubro a abril), por um período de três a quatro anos; nos dois anos seguintes, uma
área equivalente à da pastagem é ocupada pelo gado, retornando depois com a
soja, de forma a se ter pasto novo todos
os anos.
“Além de adubação da área de soja
com fósforo e potássio, aplicamos também calcário e gesso, para permitir o
aprofundamento radicular, uma vez que
temos de trabalhar com a previsão de veranicos que podem durar
entre 10 e 20 dias”, informa o engenheiro agrônomo Marcelo Arf, pesquisador da Fundação
Chapadão.
Peco constata o fôlego que a integração dá à pecuária, através da elevação da fertilidade do solo,
via adubação residual da soja: “No primeiro ano de pasto a lotação fica entre 8
e 9 cabeças por hectare; no segundo, cai
para em torno de 5 cabeças/ha”. Quando o gado se instala na área, o sistema
de pastejo é o rotacionado, com subdivisão, com cerca elétrica, de cada 100 ha
em oito piquetes.
Periodicamente, 600 ha da área reservada para a soja recebem o consórcio
de capim sudão com braquiária ruziziensis e, eventualmente, milheto, enquanto
os 400 hectares restantes ainda recebem
um “reforço” com o plantio, durante
um ciclo, em alguns talhões, de crota-
Paraíso
das Águas
Com
uma pastagem revigorada pela adubação residual da soja, restou para a Fazenda Kirei cuidar do acabamento das novilhas, tarefa que exigiu um trato extra
através da suplementação mineral. Com
um detalhe: sem redução no consumo
de capim. Para tanto, Peco contou com a
assessoria da empresa Cerrado Alimentação Animal, de Chapadão do Sul, que estabeleceu o fornecimento de suplemento
proteinado de baixo consumo para as fêmeas na fase de recria-engorda, durante
um período de sete a nove meses (águas
e seca), e outro de proteinado-energético
de alto consumo para animais em acabamento, durante um período de 60 a 90
dias, também envolvendo águas e seca,
mas com variação no teor de proteína
bruta, de acordo com o período (veja tabela da pág. 84).
Os suplementos são ofertados aos animais na pastagem, em cochos plásticos
Suplemento é complemento –
Rentabilidade competitiva Custos/
cabeça/ano (em R$)
Aquisição de bezerros
715,00
Suplementação
111,50
Pastagem
153,00
Manejo (1)
133,20
Custo Total
397,70
(1) considera custos com mão de obra, medicamentos e outros.
Receita
Ganho de peso (1)
201,6 kg/cabeça
lotação
5 cabeças/ha
Produção
34,94@/ha
Receita do ganho
R$ 3.144,50
Custo total por hectare (2)
Lucro do sistema
R$ 1.988,50
R$ 1.156,00/ha
(1) média de 560 gramas/dia em 360 dias; (2) com
lotação de 5 cabeças/ha. Fonte: Cerrado Alimentação
Animal
DBO novembro 2013 83
3. Criação | Qualidade
Fase
Época
Custos da suplementação mineral
Produto
Consumo (1)
Custo (2)
Recria/engorda
240-270 dias
Águas
Proteinado baixo consumo (3)
25 a 30 g
4,00
Seca
Proteinado baixo consumo (4)
25 a 30 g
4,21
Acabamento
60-90 dias
Águas
Proteinado alto consumo (5)
250 a 300 g
25,65
Seca
Proteinado alto consumo (6)
250 a 300 g
28,05
Por cabeça = R$ 111,50 (7)
(1 )Por 100 kg peso vivo; (2) em R$/cabeça/mês; (3) com 25% de proteína bruta; (4) com 45% de proteína bruta; (5)
suplemento proteico-energético com 20% de proteína bruta; (6) suplemento proteico-energético com 25% de proteína
bruta; (7) média ponderada por cabeça/ano, que considera o equivalente a 11 meses de consumo (8,5 na recriaengorda e 2,5 no acabamento).
Operacional (1)
Custos da pastagem (em R$/ha/ano)
Semente (2)
Outros (3)
Terra (4)
Total (5)
42,80
92,00
660,00
729,80
15,00
Por cabeça = R$ 153,00 (6)
(1) tratos culturais para o plantio; (2) custo de aquisição; (3) manutenção de cerca elétrica, aguadas e cochos de sal;
(4) custo-oportunidade de um arrendamento na região, tendo como base o equivalente a 12 sacas de soja (R$ 55,00/
sc) por hectare; (5) considera uso da pastagem por dois anos, sendo o custo operacional e o de semente apenas no
primeiro ano; (6) considera lotação de 5 cabeças/ha. Fonte: Cerrado Alimentação Animal
tipo bombona. Segundo Airton Felini de
Aguiar, diretor da Cerrado e responsável
pelo acompanhamento do manejo nutricional da Kirei, o suplemento de alto consumo é o trunfo para o acabamento adequado das fêmeas, uma vez que aumenta
Milheto com braquiária ruziziensis
também entra no cardápio reforçado
84 DBO novembro 2013
a ingestão de energia mas
mantém o mesmo volume
de consumo de volumoso da pastagem. “O suplemento não permite que o
animal se sacie e deixe o
pasto. Isso é o que diferencia este sistema
do semiconfinamento, onde o gado acaba
comendo menos capim, pela maior preferência pela ração”, explica.
Pelos cálculos da Cerrado, as fêmeas
entram no sistema de suplementação com
220 kg de peso vivo, ganhando em média 560 gramas/dia, o que permite que sejam terminadas um ano depois com peso
médio de 421 kg (14,6@, rendimento de
carcaça de 52%). O custo compensa largamente o investimento. Incluindo custos
operacionais com a pastagem e com mão
de obra, a nutrição demanda R$ 398,00
por animal/ano, ante uma receita de R$
621,00 (6,9@ produzidas no mesmo período, cotadas a R$ 90,00/@).
Como consegue colocar até cinco novilhas por hectare, a Kirei projeta para
2013 um lucro excepcional na casa dos
R$ 1.000,00/hectare, bem próximo do da
soja, que, cotada a R$ 55,00 a saca lhe
rende R$ 1.400/ha.
Por essas razões é que a Fazenda Kirei tornou-se referência na região. Segundo Marcelo Arf, da Fundação Chapadão,
ela é hoje uma vitrine para as demais propriedades do leste e nordeste do Mato
Proteinado de alto consumo
na seca: trunfo para o acabamento
de gordura desejado.
Grosso do Sul. Confirmação disso foi a
presença de mais de 100 pessoas no último dia de campo realizado na propriedade, em 26 de fevereiro deste ano.
Além de pastos recuperados com a
integração lavoura-pecuária, os visitantes também puderam ver projeto de silvicultura e conceitos de agricultura de
precisão ali utilizados no manejo da soja.
“Instalamos esse conceito em 28.000 ha
da região nesta última safra”, informa
Arf, explicando que, por ele, cada setor
de plantio da fazenda recebe a quantidade
de fertilizante adequada ao perfil do solo,
evitando-se, assim, desperdícios. Para
Alexandre Scaff Raffi, presidente da Novilho MS, o fato de Peco adquirir animais
baseado fundamentalmente em oportunidade reflete uma tendência natural de invernistas que hoje tentam ganhar tanto na
compra como na venda. “O mais importante, no caso dele, é o sistema de produção baseado na ILP, uma vez que consegue colocar à disposição do animal um
capim de excelente qualidade, a um custo
muito baixo, uma vez que a soja paga a
conta”, comenta.
Satisfeito com os resultados obtidos,
Peco garante, porém, que não trabalha
para ganhar prêmios e sim para fechar
negócios. Além fornecer mais de 500 animais/ano para o programa do Carrefour,
também entrega novilhas e vacas pesadas
para o JBS, na mesma proporção.
n