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Parece difícil e é mesmo: sobre a dificuldade de falar sobre o trabalho docente na
                                          sala de aula1




                                             Ana Maria de Mattos Guimarães (UNISINOS)
                                            Rafaela Fetzner Drey (UNISINOS/IFRS/Osório)
                                                             Anderson Carnin (UNISINOS)



         O ponto de partida desta nossa discussão pode ser localizado em dois extratos de
interação professor-aluno em sala de aula de Língua Portuguesa. No primeiro caso,
estamos diante de uma professora municipal, com aproximadamente dez anos de
experiência. No segundo caso, temos uma aluna-professora, em seu primeiro estágio.
Duas realidades, dois quadros, duas dificuldades. Vamos a elas:

1   MH:              elaborar
2   ALUNO 1:         pera sora
3   MH:              um jornal.
4   ALUNO 2:         ai que legal sora (.) que emocionante.
5   MH:              elaborar um jornal
6   ALUNO 1:         um “jornalminho”.
7   MH:              com as seguintes partes (.) dois pontos.

786 L:                mais alguém? (3 seg) ta então vamo voltá ao nosso assunto aqui. qual é qual
                      foi o texto que a gente estudô? ele era um
                      ((L deixa as folhas sobre a mesa e começa a escrever no quadro a palavra artigo]
780    ALUNA1:        artigo
781    ALUNA2:        artigo
782    L:             artigo de? ((ela escreve de opinião))
783    ALUNA1:        °revistas°
784    ALUNA2:        <opinião>
785    ALUNA3:        [@@@]
786    ALUNA1:        [argumentação]
787    ALUNA4:        tu é tri inteligente
788    L:             artigo de <opinião> ((quando termina de escrever, volta-se para a turma e fala
                      opinião tal como se fosse uma separação silábica)) o que isso diz pra vocês? por
                      quê que o nome é artigo de opinião?
790                   ((diversos alunos respondem ao mesmo tempo))
791    L:             porque ele dá a opinião ((esperando a resposta dos alunos))
792    ALUNA1:        dele
793    ALUNA2:        dele
794    L:             do autor. o quê que vocês vão fazê (.) depois do intervalo?
795    ALUNA1:        dá a opinião nossa
796    ALUNA2:        UM TEXTO COM A NOSSA opinião sobre [xxx]
797    L:                                                           [um pequeno] artiguinho de
                      opinião.


1
  Agradecemos a Alessandra, Josiane, Silvana e Taiane, alunas da disciplina Linguagem e
Trabalho, do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada – Unisinos, pela leitura e
comentários atentos.

                                                                                                    1
((alunos voltam a conversar))
800 ALUNA 1:            pequeno
801 ALUNA2:             pode sê de três linhas?
802 L:                  pra que que serve um artigo de opinião?
                        ((ela aponta para um aluno que quer responder))


        Os dois exemplos mostram duas professoras tentando desenvolver com seus
alunos uma atividade de produção textual: a primeira propõe a produção de um jornal, a
segunda, de um artigo de opinião. O que parece difícil (e queremos mostrar que é
mesmo) é entender a dimensão das ações profissionais efetivamente concretizadas pelos
trabalhadores professores e, ao mesmo tempo, refletir sobre a importância das
interações verbais professor/aluno na configuração/reconfiguração dos objetos de
ensino2 quando desenvolvendo seu agir3 em sala de aula.
        Este trabalho nasceu de inquietações a respeito de como se pode avançar na
análise do trabalho real, do que estamos a seguir reconceitualizando como trabalho
real/concretizado. Observamos, mais detidamente, como o trabalho docente se
materializa, no contexto de diferentes práticas de ensino, e postulamos como categoria
central para a compreensão desse mesmo trabalho os modos como a linguagem medeia
a interação entre professor, aluno(s) e objeto de ensino no processo de ensino-
aprendizagem em sala de aula de língua portuguesa. Salientamos, como Bronckart
(2006), que as interações humanas orientam a aprendizagem, interações que dizem
respeito às atividades coletivas mediatizadas pela linguagem e às significações
socioculturais que elas produzem. Entendemos que, assim, poderemos iluminar as
reflexões acerca do trabalho docente que vêm sendo realizadas, especificamente em
suas dimensões linguística e didática, sob o ponto de vista da emergência da


2
  Objetos de ensino, no âmbito deste texto, são entendidos como unidades completas de instrução/ensino
planejadas e empregadas para o desenvolvimento de atividades específicas de/em aula. Nesse sentido, a
consecução de objetos de ensino em sala de aula se dá por meio daquilo que Dolz et al. (2004) conceituou
com “tarefa didática”. Nas palavras dos autores, uma tarefa didática é “constituída por um conjunto de
instruções que definem um objetivo suscetível de ser atingido na atividade em aula, assim como pelas
condições concretas de atingir esse objetivo e pelas ações a executar” (idem, p. 9). Assim, segundo os
autores, é por meio das tarefas didáticas que as capacidades e os conhecimentos dos alunos podem ser
transformados e que os objetos de ensino são co-construídos no espaço da sala de aula.
3
  No âmbito do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), os termos agir, ação e atividade assumem
significados relacionados ao construto teórico proposto por Bronckart (2008, p. 120), no qual uma
distinção entre os mesmos pode ser assim estabelecida: o termo agir (ou agir-referente) "denomina
qualquer forma de intervenção orientada de um ou de vários seres humanos no mundo". Ou seja, agir é o
“dado” das pesquisas antes de qualquer análise. Quando esta é realizada, invariavelmente por um viés
interpretativo, os termos ação e atividade aparecem como leituras do agir. A eles são imputados um
estatuto teórico ou interpretativo que os diferencia. Ação, na perspectiva do ISD, envolve as dimensões
motivacionais e intencionais no nível singular da pessoa em particular, ao passo que atividade designa as
mesmas dimensões citadas, mas no nível do coletivo.


                                                                                                       2
constituição da profissionalidade, buscando conhecer melhor aquilo que o
Interacionismo Sociodiscursivo – doravante ISD – chama de trabalho prescrito, real e
representado, do aluno-professor4 (BRONCKART, 2006).
       Essas dimensões que constituem o trabalho foram desenvolvidas, inicialmente,
por Daniellou, Laville & Teiger (1983), numa tentativa de descrever a composição de
uma profissão. O trabalho real designa a(s) atividade(s) realizada(s) em uma situação
concreta, como a atividade do professor em sala de aula, a aula em si. O trabalho
prescrito subentende os documentos que dão instruções e fundamentam “uma
representação do que deve ser o trabalho, que é anterior à sua realização efetiva”
(BRONCKART, 2006, p. 208). Já o trabalho representado, por sua vez, estabelece uma
relação de reflexão entre o planejamento e a prática do trabalhador – neste caso, o
docente.
       Na tentativa de melhor compreender como a profissão docente é constituída,
partimos da noção de Bronckart (2006, p. 226-7) de que


                        o que constitui a profissionalidade de um professor é a capacidade de
                        pilotar um projeto de ensino predeterminado, negociando permanentemente
                        com as reações, os interesses e as motivações dos alunos, mantendo ou
                        modificando a direção, em função de critérios de avaliação dos quais só ele é
                        senhor ou o único responsável, isto é, no quadro de ações das quais ele é o
                        único ator. De forma mais geral ainda, sua profissionalidade está na
                        capacidade de conduzir seu projeto didático, considerando múltiplos aspectos
                        (sociológicos, materiais, afetivos, disciplinantes, etc.), frequentemente
                        subestimados e que, entretanto, constituem o “real” mais concreto da vida de
                        uma classe.


       Considerando      os   dados      das    pesquisas      que     aqui    apresenta(re)mos,
compreendemos que o agir de um profissional professor se estabelece na interação, na
qual a tensão entre as dimensões individual/coletiva se materializa –, pois os
participantes produzem ações que podem ser interpretadas, concretamente, através dos
gestos (Drey, 2011)5 e da fala em uma perspectiva individual, mas sempre direcionados
a um outro, orientados por um contexto situacional co-construído entre um participante
e o outro, ou entre os demais participantes que constroem a interação.
       Sente-se a necessidade de olhar para a dimensão do trabalho que poderíamos
apresentar como o “real mais concreto”, para as interações que caracterizam o ambiente

4
  Como será visto a seguir, propomos ampliar o estudo de uma dimensão do trabalho real, que
estamos tratando como trabalho concretizado.
5
  A tese de Drey (2011) propõe uma análise multimodal das interações, a partir de uma análise
global entre o conteúdo discursivo das interações entre professora/alunos, a organização da
fala em interação e os gestos e expressões faciais.

                                                                                                   3
de sala de aula. A esta dimensão, estamos denominando de “trabalho concretizado”, e,
no caso do trabalho docente, busca-se verificar o agir profissional concretizado de fato
nas interações. Está-se afirmando, então, que o acesso a esse trabalho concretizado se dá
pela análise das interações nele ocorridas, pois é nelas que a ação docente se constitui.
Isto quer dizer que o trabalho efetivamente realizado/concretizado só pode ser acessado
através da análise da(s) interação(ões). Nessas interações podem emergir as relações
com o planejado/não efetivamente realizado, mas elas não constituem a preocupação de
base.
        Nesse caso, a proposta é que a análise busque as ações efetivamente
(co)construídas no decorrer do trabalho, daí a denominação trabalho concretizado6.
Dentro desta proposta, estuda-se ainda a possibilidade de ampliar o que se entende por
trabalho prescrito, trazendo não apenas as prescrições institucionais (governamentais, da
própria escola), mas incluindo também o planejamento do trabalho a ser realizado. Uma
vez planejado, tem-se, sob nova forma, a(s) prescrição(ões) para aquele determinado
momento do trabalho. O não-realizado pode ser apreendido através do trabalho
representado,    em    momentos      de    entrevista   ou    de   procedimentos      como     a
autoconfrontação e instrução ao sósia (CLOT, 2004). Vamos tentar refletir sobre o
trabalho real/concretizado docente a partir de dois projetos de pesquisa.
        O primeiro, já concluído e intitulado “Diversidade Social e Identidade do
Português Brasileiro nas Interações de Sala de Aula de Língua Portuguesa7”, teve
como objetivo explicitar as estratégias discursivas que o professor mobiliza para
construir uma ação que possa ser interpretada pelos alunos e que seja favorável para a
aprendizagem pretendida. Nesse contexto, observamos inicialmente a regulação entre as
situações do agir docente no cenário de sala de aula, particularmente quando o professor
se coloca no papel de mediador/facilitador, e questões de fundo linguístico, como a
variedade de língua, padrão ou não-padrão, de que se vale esse docente nessa situação


6
  Tanto Clot (1999/2006) quanto Bronckart (2006) tratam da dimensão das ações profissionais
efetivamente realizadas. No entanto, para Clot, o termo “trabalho real” inclui, também, o não-
realizado, as suspensões e impedimentos, compreendendo o trabalho em uma perspectiva
psicológica de análise ergonômica. O acesso a uma análise no plano psicológico do
desenvolvimento da atividade não está previsto, neste momento, em nossa análise. Assim,
partimos da denominação de trabalho real adotada pelo ISD para constituir o que, agora,
denominamos trabalho real/concretizado, que busca analisar os “comportamentos verbais e
não-verbais que são produzidos durante a realização de uma tarefa” (BRONCKART, 2006, p.
216).
7
   Este projeto teve apoio CNPq e FAPERGS. Agradeço a colaboração das bolsistas de
iniciação científica Daniela Deitos e Cristina Sperotto e da Mestra Angélica Scherer, bolsista de
auxílio técnico, pelo trabalho criterioso de transcrição dos dados.

                                                                                               4
de agir (GUIMARÃES, 2007). Nessa pesquisa, uma das conclusões diz respeito à forma
como se constitui a profissionalidade de duas professoras, MH e K, ambas docentes de
Língua Portuguesa de 5ª séries do Ensino Fundamental. Em Guimarães (2009), através
da análise do agir em sala de aula, do trabalho real/concretizado de MH e K, foi possível
perceber diferenças importantes na constituição da profissionalidade das duas docentes.
São dois estilos profissionais: o de uma professora que negocia o projeto
predeterminado com os alunos, ainda que o mantenha (K), e o de uma docente que se
fixa em seu projeto predeterminado e não modifica sua direção, independentemente das
reações dos alunos (MH). Enquanto 81% dos enunciados de MH se relacionam à pré-
determinação do conteúdo proposto, na sala de aula de K, são 70,8% dos enunciados8.
Outra grande diferença entre as docentes é o tempo do turno de fala: K faz longas
tomadas de turno, MH tem falas breves, sem alongar-se em explicações. Para este
capítulo, traremos exemplos de ambas docentes em sua sala de aula, no momento em
que introduziam suas tarefas didáticas em relação ao objeto de ensino “produção
textual”: elaboração de um jornal, na turma de MH, e de uma narrativa de detetive, na
turma de K.
       O segundo projeto em que nos apoiamos ainda se encontra em desenvolvimento.
Denominada: "Constituição da profissionalidade do professor de Língua Portuguesa: a
formação de futuros docentes em foco"9, esta pesquisa foi realizada com quatro alunas
regularmente matriculadas no Curso de Letras de uma universidade privada localizada
na região sul do país. Tendo em vista os limites deste capítulo, traremos os dados
gerados a partir do trabalho de uma dessas alunas, aqui nomeada de L.
       Em primeiro lugar, não podemos esquecer que estamos diante de falas
institucionalizadas (HERITAGE, 2004) do ambiente escolar. A organização da
interação em sala de aula já foi examinada por inúmeros autores, como eventos
instrucionais, em que ocorre, na maior parte do tempo, trocas de informação acadêmica
entre professor e alunos. A descrição clássica das sequências interativas que compõem
essa fase tem sua base em Sinclair e Coulthard (1975), como sequências de eliciação,
com três partes interconectadas: iniciação – resposta – avaliação, a sequência IRA. Tal
sequência é composta por dois pares adjacentes: o primeiro par, de iniciação-resposta,

8
  Esses dados/percentuais relacionam-se ao total de enunciados transcritos das aulas que
foram observadas e aqui analisadas, e equivalem a duas horas/aula.
9
  Este projeto tem apoio FAPERGS, através do Edital Pesquisador Gaúcho e de bolsa de
iniciação científica. Agradeço à FAPERGS pelas possibilidades que trouxe ao conceder este
apoio e, muito particularmente, à bolsista Carina Ben, pelo criterioso trabalho na transcrição
dos dados.

                                                                                            5
torna-se a primeira parte do segundo par, que faz uma avaliação e pode trazer
comentários de completamento. Essas sequências interacionais são organizadas em
torno de tópicos (MEHAN, 1985), de forma que “a fase instrucional das lições de sala
de aula pode ser caracterizada como uma progressão de conjuntos relacionados de
tópicos de sequências interacionais”.
       Esta é a organização da sala de aula da professora K, desde a abertura da fase
instrucional, quando explora o gênero de texto narrativa de detetive:


1 K:                 um texto que tivesse alguma coisa de detetive. que tipo de coisa, de
                     característica, tem
2                    num texto de detetive? [iniciação]
3 ALUNOS:            um detetive. [resposta]
                     ((os alunos riem))
4 K:                 um detetive tudo bem. [avaliação]


       Este exemplo nos permite realizar uma breve análise da gestão de sala de aula da
professora K. A docente estrutura o desenvolvimento de sua aula em torno de
questionamentos aos alunos, com o objetivo de levantar as principais características do
gênero de texto que está enfocando.
       As descrições conhecidas para as rotinas de sala de aula não parecem dar conta,
entretanto, da sala de aula da professora MH, na qual não há presença de sequência
IRA. Há poucos pares adjacentes de pergunta/resposta. A professora dita a tarefa de
construção de um jornal, os alunos tomam os turnos através de violações, pois ela não
dá espaço para a troca de falantes na interação. Utiliza, quando muito, a expressão “tá?”,
ao final de seu turno, como em:


16 MH:               primero (.) a capa e o nome que vocês vão coloca (.) tá?



       A maior parte dos pares adjacentes de pergunta e resposta é iniciativa do aluno.
Assim, não se constitui a sequência clássica de sala de aula. Em nenhum momento,
ocorre avaliação explícita por parte da professora.

17 ALUNO:            primera parte é a capa? (Iniciação)
18 MH:               e nome (Resposta)
                     ((a professora escreve no quadro a palavra nome))

       As iniciativas dos alunos, muitas vezes, não são respondidas pela professora,
como em:


                                                                                        6
127 ALUNO 1:             o sora tá voando todas folha.



        Com a ausência de resposta da docente, outro aluno assume essa posição, mas
ainda se dirige a ela:


128 ALUNO 2:             é? O sora vô desligá esse ventilador.



        Como a professora continua sem dar resposta, outros alunos se sentem
autorizados a dar opinião, o que os acaba colocando no comando das interações e
afastando o tópico trazido pela professora:


129 ALUNO 3:             não (.) dexa ligado meu (.) dexa ligado (.) dexa ligado
130 ALUNO 4:             esse da frente xxx
131 ALUNO 3:             esse da frente só ligado

        Quando, finalmente, ocorre a manifestação da docente, é sob forma de
admoestação:


132 MH:                  [nome do aluno] senta
((os alunos continuam conversando todos ao mesmo tempo))



        O comentário do transcritor mostra que essa ação é insuficiente para fazer voltar
o domínio da interação à professora. Por outro lado, a professora, na maior parte do
tempo, se vale de atos de fala que mantêm o comando em suas mãos, através do ditado
das tarefas relacionadas ao conteúdo ou chamadas de atenção.
        Há, implícita, nas interações entre professor e aluno, uma relação de poder, de
dominância. Nas palavras de Andersen (apud KERBRAT-ORECCHIONI, 1992), o
professor apresenta domínio sobre três planos: dominância quantitativa, dominância de
conteúdo e dominância interacional (gestão dos turnos de fala e da estruturação das
trocas).
        Com relação à gestão dos turnos de fala, por exemplo, a análise dos dados revela
que na sala de aula de K, a professora é responsável por 88,8% das iniciativas, enquanto
que MH toma a iniciativa em apenas 34,8% das trocas. Na instituição escola, é esperado
que a professora tome a iniciativa dos turnos, à semelhança do que faz K. No caso da



                                                                                       7
sala de aula de MH, há frequentes violações de tomadas de turno, a partir dos alunos.
Na maior parte do tempo, mesmo quando toma o turno, a professora não tem sucesso:


13   MH:             primera parte (.) tá? Bote aí (.) primero: uma capa
14   ALUNO 1:        pera aí sora.
15   ALUNO 2:        o sora xxx
16   MH:             primero (.) a capa e o nome que vocês vão colocá tá?
17   ALUNO 1:        primera parte é a capa?
18   MH:             e nome


         Kerbrat-Orecchioni considera a existência de violação dos sistemas de turno,
interpretada por ela, em termos taxionômicos, como interrupção, e a intrusão, como
“golpes de força” (1992, p. 87), taxemas de posição alta, dominante, portanto. As
interrupções acontecem quando um falante toma a palavra, sem que o que estava com o
turno de fala tenha acabado. Essas interrupções podem demonstrar necessidade de
dominância ou controle ou de cooperação. A intrusão ocorre quando o falante toma a
palavra sem que tenha sido autorizado para tal. Em nossos dados, isso acontece, com
muita frequência na sala de aula de MH, quando os alunos tomam a palavra sem que
tenham sido autorizados para isso. Praticamente todas as tomadas de turno pelos alunos
podem ser tomadas como violações, como, no momento inicial da aula, quando a
professora se dispõe a ditar a tarefa:


1    MH:             elaborar
2    ALUNO 1:        pera sora
3    MH:             um jornal.
4    ALUNO 2:        ai que legal sora (.) que emocionante.
5    MH:             elaborar um jornal
6    ALUNO 1:        um “jornalminho”.
7    MH:             com as seguintes partes (.) dois pontos.


         Os alunos interrompem a professora a todo o instante, sem que tenham sido
autorizados para isso e sem a deixar terminar seu turno de fala. Também demonstram,
em outros segmentos, o controle que querem ter da ação escolar. Enfim, os alunos
empregam “golpes de força” para minimizar a ação da docente.


54 ALUNO 1:          vai pro cinco.
55 MH:               cinco (.) culinária tá?


         Ocorrem também violações na sala de aula de K, mas em número muito menor e
com a finalidade de corrigir um colega, não de interromper a professora.


                                                                                    8
9 K: um po(u)quinho de, de repente um po(u)quinho de terror, não <www>[>].
10 ALS: <www>[<].
11  ALU: mistério.
12  ALU: eu falei.
  ((K faz sinal para que o aluno levante o dedo para falar))
13 K: mãozinha [nome do aluno] # suspeitos também têm.


        A análise dos parâmetros propostos por Andersen revela que a professora K
apresenta dominância em três planos: quantitativo, de conteúdo e interacional. Sua sala
de aula corrobora a maior parte dos estudos sobre interações em meio escolar:


                          Todos os estudos [...] estão de acordo em reconhecer que o professor ocupa
                          quase sem dividir a posição alta (principais taxemas: quantidade de fala, atos
                          de fala efetuados, iniciativas, estrutura das trocas – de acordo com o modelo
                          do “sanduíche”: pergunta do professor/resposta do aluno/avaliação do
                          professor), sempre se esforçando, entretanto, em não rebaixar
                          demasiadamente o aluno (as avaliações são na maior parte positivas, e elas
                          quase nunca são francamente negativas) (KERBRAT-ORECCHIONI, 1992,
                          p. 114).


        Essa concordância dos estudos pode, entretanto, ser contra-argumentada pela
sala de aula de MH, onde não ocorre nem dominância quantitativa, nem interacional
pela professora, que preserva, entretanto, a dominância de conteúdo.
        Importante assinalar que não estamos tratando de avaliação da profissionalidade
das professoras, mas das diferenças de estilo demonstradas. A interação na sala de aula
de K se dá na forma tradicionalmente descrita pela maior parte dos trabalhos nessa área,
mas pode-se pensar que a sala de aula de MH está entrando em uma perspectiva a que
alguns autores vêm chamando de “nova sala de aula”. Nela, ocorre a presença de
participações exuberantes dos alunos, não entendidas no sentido clássico mostrado
anteriormente, como interrupções/violações, mas como manifestações de sua voz, de
seu direito de conduzir as atividades. Trabalhos contemporâneos têm mostrado essa
nova faceta da sala de aula (RAMPTON, 2006).
        Em estudo que o autor chama de etnografia-linguística, Rampton (2006)
estabelece comparação entre duas salas de aula, com adolescentes de 13 e 14 anos, de
escolas secundárias de Londres, uma considerada como “uma escola mais próspera no
subúrbio” (West Park), e outra localizada em região central (Central High),
acompanhadas quotidianamente entre 1997 e 1998. Na primeira, os professores podiam
falar por períodos razoavelmente longos, pouco interrompidos por seus alunos, de forma
que tinham pouca dificuldade em manter o padrão tradicional IRA. Já na segunda, era

                                                                                                      9
muito difícil o professor usar sua voz para desenvolver um tópico sem interrupção ou
distração, não sendo possível verificar a aderência à estrutura IRA convencional. A
partir desses dados, Rampton aponta uma nova organização de comunicação em sala de
aula, que estaria substituindo a organização tradicional. Nela, os alunos também tomam
a iniciativa e estabelecem suas preferências em relação ao que acontece em sala de aula.
          Nos dados apresentados, fica claro que não é mais possível o professor pensar a
classe como um todo homogêneo e ignorar as características individuais dos alunos.
Mostra que é errônea a tendência de representar a sala de aula urbana como “um pouco
mais do que o produto caótico de um ensino incompetente, amparado pelo decadente
„progressismo‟ centrado no aluno” (RAMPTON, 2006, p. 88). Seus dados apontam
também a influência da cultura midiática nos alunos, demonstrando, por exemplo, que a
música pop cantarolada pelos alunos em várias ocasiões não é vista como um ato de
rebeldia, mas constitui um modelo de adaptação e de busca de identidade e, muitas
vezes, responde a propostas do professor. No entanto, essa participação assume
dimensões bem diferentes daquela legitimada pela escola tradicional. Trata-se de uma
“participação exuberante”, como a rotula Rampton, que mostra que alguns alunos
estavam “hiperenvolvidos” nas atividades de sala de aula ao interromperem o professor
e completar suas frases, mesmo quando não solicitados, da mesma forma que ao
responderem com algum tipo de imitação de sotaques ou cantando ou ao darem, eles
mesmos, feedback ao que o professor dizia ou ao que os colegas respondiam. Eram
esses mesmos alunos que repreendiam os colegas que não participavam ou estavam
perturbando. Os alunos que se sentiam motivados a participar faziam isso de forma
“exuberante”, mas estavam ajudando o professor com suas contribuições. Olhar para a
sala de aula buscando compreender o ponto de vista dos alunos parece ser um passo
importante para entrar nessa nova ordem comunicativa.
          Voltando à sala de aula de MH, pode-se pensar na hipótese de que sua sala de
aula esteja apontando uma transição entre a estrutura comunicativa tradicional IRA e
uma nova ordem comunicativa. A professora não abre mão de seu domínio sobre o
conteúdo, por isso dita suas aulas, os alunos ainda não a contestam abertamente, mas
suas intervenções não podem ser simplesmente consideradas atos de indisciplina, pois,
na medida em que não conseguem a atenção da professora, recebem a de seus colegas e
estabelecem com eles o desenvolvimento do tema de seu interesse, como no extrato a
seguir:


                                                                                      10
55   ALUNO 1:        vai pro cinco.
56   MH:             cinco (.) culinária tá? eu tenho um livro de receita aí pra vocês pesquisá.
57   ALUNO 2:        TORTA DE BANANA
58   ALUNO 3:        EU SEI eu sei de uma torta de bolacha com sorvete (.) hum
59   ALUNOS:         xxx
60   ALUNO 3:        sora eu sei como é que se faz sorvete sora.
61   MH:             cinco receitas tá? em cada jornalzinho
62   ALUNO 3:        o sora (.) o sora.
63   MH:             hã.
64   ALUNO 3:        eu sei como se faz o sorvete. pega o pacote de sorvete, mistura os ingrediente
                     coloca na
65                   geladeira e pronto (.) tá ai o sorvete viu?
66 MH:               parte humorística (.) aí vocês vão colocá piadas que vocês conhecem tá?


        Parece que a professora MH refugia-se em uma posição autoritária (dita a tarefa,
não responde aos alunos, não negocia com eles) para não perder o que lhe resta de
poder: o do conhecimento. K, por outro lado, ao apresentar domínio sobre os três
planos, mantém a estrutura tradicional, rotinizada da sala de aula, tal como descrita
desde a década de 70.
        Voltando aos princípios analíticos do ISD, é preciso referenciar o contexto social
em que as duas salas de aula se encontram. Estamos diante de duas realidades sociais
diversas, questão muito presente na sociedade brasileira. A sala de aula de MH pertence
a uma escola pública, municipal, na periferia de uma cidade de região metropolitana. Os
alunos pertencem à classe social desfavorecida, poucos pais têm Ensino Médio, e
nenhum tem Ensino Superior. Ao contrário, a escola de K é uma instituição de ensino
particular, confessional, localizada no centro de outra cidade desta mesma região
metropolitana. Os alunos pertencem à classe média ou média alta, grande parte de seus
pais tem formação superior.
        Este não é um trabalho que acabe por aqui, mas mostra que, para a análise de
interação face-a-face, mesmo em contexto institucional, onde, pretensamente, as falas
seriam regradas, há muito que se fazer. Nessa caminhada, nossa proposta é que não se
desprezem aportes teóricos diversos que podem nos ajudar no foco da análise, desde que
não sejam esquecidos nela os pressupostos maiores do ISD:


                        A análise das condutas verbais e não verbais dos actantes observados nos
                        permite mostrar que a complexidade das situações de trabalho e das
                        interações que nelas se desenvolvem e, eventualmente, pode nos permitir
                        identificar segmentos da atividade que mostram o poder que os actantes têm
                        de intervir sobre (e de modificar) os processos em curso (BRONCKART,
                        2008, p. 127).


     Parece que os actantes alunos da sala de MH estão iniciando este movimento...

                                                                                                11
Temos, entretanto, outra realidade quando nos deparamos com a sala de aula de L,
uma aluna-professora10, participante do projeto de pesquisa que está em
desenvolvimento neste momento. O contexto é diverso, pois se trata de uma estagiária,
portanto, uma aluna em seu momento de prática com outros alunos. Voltemos ao
exemplo que abriu este capítulo. A análise mostra uma sequência de falas professor-
aluno, dentro do que se convencionou chamar de IRA (Iniciação/Resposta/Avaliação),
que, desde estudo de Sinclair e Coulthard de 1975, vem sendo apontada como a
sequência “clássica” de sala de aula. L pergunta, na linha 776, e recebe respostas, que
são retomadas, ratificadas em 782, já em forma de nova pergunta, uma vez que a
resposta recebida foi parcial. As alunas respondem nas linhas seguintes e a professora
ratifica a Aluna 2, na linha 788, formando nova questão, respondida por vários alunos
ao mesmo tempo e retomada por ela em 792. Trata-se de uma sequência interacional
canônica na fala-em-interação de salas de aula do mundo todo (GARCEZ, 2006, p. 68)
e que, em geral, é utilizada para a reprodução de conhecimento em sala de aula, pois
não exige um engajamento dos participantes que produzem a segunda posição da
sequência (a resposta) para construir conhecimento.
      Também a prática conhecida como revozeamento (O‟CONNOR; MICHAELS,
1996) pode ser assinalada na sala de aula de L. Constituída pela reprodução de um
enunciado de um aluno por outro participante, parece ter como objetivo principal a
construção conjunta de conhecimento, o que pode ser verificado nas linhas a seguir.


790                  ((diversos alunos respondem ao mesmo tempo))
791   L:             porque ele dá a opinião ((esperando a resposta dos alunos))
792   ALUNA1:        dele
793   ALUNA2:        dele
794   L:             do autor. o quê que vocês vão fazê (.) depois do intervalo?
795   ALUNA1:        dá a opinião nossa
796   ALUNA2:        UM TEXTO COM A NOSSA opinião sobre [xxx]
797   L:                                                           [um pequeno]    artiguinho   de
                     opinião.


        Ao revozear a aluna 2, L tenta, possivelmente, tornar a tarefa mais atrativa para
os alunos e se vale de um diminutivo. Neste momento, L encerra a fala, em tom
declarativo, não propondo continuidade, mas os alunos percebem a “hesitação” da

10
   O uso do termo “aluna-professora” justifica-se por uma opção do grupo de pesquisa, que
entende que, pelo seu uso, mostramos que nossas participantes ocupam um entre-espaço
social e discursivo muito peculiar, no qual são consideradas, no ambiente da academia, tanto
“alunas” de graduação quanto “professoras” responsáveis pela sua turma de estágio
supervisionado em Língua Portuguesa.


                                                                                                12
professora e interagem, comentando a partir da expressão artiguinho. Tomam o turno e
fazem duas inserções, sendo a última interrogativa.


                       ((alunos voltam a conversar))
           ALUNA1:     pequeno
           ALUNA2:     pode sê de três linhas?


           Ao não responder a pergunta da Aluna 2, nem discutir o comentário da Aluna 1,
L parece ratificar o dito por elas. E, embora retome o turno, assumindo novas
sequências de pergunta-resposta, deixa no ar a possibilidade de o texto ser pequeno, até
mesmo de três linhas. Aparentemente, a tomada de turno não autorizada desestabilizou
nossa estagiária, que acaba por não responder. No entanto, no turno seguinte, retoma a
pilotagem da tarefa, com a volta das sequências de pares pergunta-resposta.


803   L:               pra que que serve um artigo de opinião?
804                    ((ela aponta para um aluno que quer responder))
805   ALUNA 1:         pra o:: dá opinião
806   L:               pra dá opinião. pra dá opinião pra quê:?
807   ALUNA1:          pra dá opinião sora
808   ALUNA2:          pra convencê as pessoas xxx
809   L:               pra convencê
810   ALUNA 2:         convencê
811   ALUNA 3:         eu tava pronta pra dizê e veio uma pessoa xxx


           O objeto de ensino “produção textual”, especificamente do gênero “artigo de
opinião”, explorado em duas aulas pela aluna-professora, tratado a partir de leitura de
texto e até de filme sobre o tema, foi reconfigurado no decorrer das interações e passou
a ser um artiguinho de opinião.
           Segundo   Andersen      (apud     Kerbrat-Orecchioni,1992),   como   mostramos
anteriormente, o professor apresenta domínio sobre três planos: dominância
quantitativa, dominância de conteúdo e dominância interacional (gestão dos turnos de
fala e da estruturação das trocas). L apresenta dominância quantitativa e de conteúdo,
mas, por vezes, não tem a dominância interacional. Esta parece ser, aliás, uma
característica bastante comum de nossas salas de aula (como vimos na sala de aula de
MH, analisada anteriormente), quando o aluno viola os sistemas de turno, tomando a
palavra sem que tenha sido autorizado para tal, como demonstrado antes. Voltamos à
observação de Bronckart (2008, p. 127) de que os alunos, como actantes das interações,
também têm o poder de intervir “sobre (e de modificar) os processos em curso”. Essa
afirmação aponta uma dimensão pouco estudada nos cursos de formação de professores,

                                                                                      13
seja na formação inicial ou na continuada, mas bem observada por Dolz, Gagnon e
Decândio (2009, p. 25), ao considerarem “as interações verbais não só como um objeto
prioritário, mas como a principal ferramenta das aprendizagens”.
         É importante, entretanto, somarmos às análises de fala-em-interação análises
textuais como as propostas por Machado e Bronckart (2009)11. Valendo-nos do mesmo
corpus de dados das aulas da aluna-professora L, apresentamos agora uma análise de
viés textual, que, amparando-se em elementos linguísticos pré-determinados, objetiva
desvelar as relações entre as escolhas linguísticas/textuais realizadas por L e o
desenvolvimento do seu trabalho real/concretizado.
         A análise de unidades linguísticas sobre as quais incide a responsabilização
enunciativa do que é dito no/pelo texto pode ser delimitada a partir da ocorrência de
marcas de pessoa, de dêiticos de lugar e de espaço, de marcas de inserção de vozes, de
modalizadores do enunciado, de modalizadores subjetivos e de adjetivos, conforme
postulam Machado e Bronckart (2009. p. 58 e ss.). Definimos como base para esta
análise a observação da presença de marcas de pessoa, entendendo que podemos
desvelar,      a    partir     desses      índices,     elementos        singulares      (em      termos
enunciativos/interativos) que constituem o trabalho de L.
         A observação das marcas de pessoa (pronomes pessoais) presentes nos
segmentos relacionados à co-construção do objeto de ensino “produção textual” permite
que seja entendida a manutenção, progressão ou transformação do valor atribuído aos
índices que revelam o modo como o sujeito enunciador é representado no texto
produzido durante o curso de seu agir.
         Essa constatação é ratificada, em nossos dados, pela demonstração do emprego
de índices de pessoa que remetem unicamente a L enquanto professora da classe e
gestora do processo didático desenvolvido, como no exemplo a seguir:


928 L:                  °já falo° ((faz sinal de “pare” com a mão, dirigindo-se ao aluno que a
                        interrompeu)) depois disso a- eu vô levá eles pra casa, vô digitá e vô produzi
                        um jornal com eles


11
   Para Bronckart (2006, p. 167), “os textos, uma vez produzidos, estão disponíveis para alimentar o
trabalho permanente de compreensão dos desafios e das determinações do agir humano; são „figuras‟ a
partir das quais tentamos compreender os outros (agindo ou conhecendo), ao mesmo tempo em que
tentamos compreender a nós mesmos”. Para a identificação e interpretação das formas de agir, propõe
(MACHADO; BRONCKART, 2009) um conjunto de procedimentos linguístico-discursivos referentes à
identificação do contexto de produção do texto e à análise de três níveis: a) organizacional, composto pela
infraestrutura textual e pelos elementos de textualização; b) enunciativo, composto pelas vozes que
assumem o que é enunciado no texto, assim como pelas diversas avaliações que essas vozes formulam; e
c) semântico, que permite detectar os elementos da categoria do agir.

                                                                                                       14
((L volta-se para o quadro novamente e escreve jornal))



         Ou, ainda, quando ela compartilha com os alunos essa tarefa, co-construindo o
processo didático, ao valer-se de uma unidade pronominal que inclui tanto ela quanto os
alunos (a gente = L + alunos):


737 L:                  °então° assim ó NÃO a gente não tem como defini se a mentira ela é totalmente
                        certa ou totalmente errada. vai dependê de cada (.) situação. e é sobre Isso (.) que
                        depois do intervalo vocês vão <escrever> um pouquinho.



         Considerando, ainda, os índices de pessoa que implicam exclusivamente os
alunos na co-construção do objeto de ensino, observamos que esses índices revelaram
os modos como L relaciona seus alunos no discurso e no trabalho por ela conduzido.
Encontramos notoriedade no emprego do pronome “você”12, conforme ilustra o
segmento abaixo:


812 L:                  o quê que vocês vão fazê? vocês vão escrevê um artigo (.) pra convencer
                        alguém sobre (.) a mentira (1seg) mentira
                        ((ela escreve mentira no quadro))



         Nesse sentido, parece que há um forte índice de divisão da responsabilidade
enunciativa, demonstrado pelo menor índice de recursos pronominais que remetem
unicamente à L enquanto autora, em detrimento do maior índice de unidades
pronominais que implicam conjuntamente professora e alunos; ou ainda, do elevado
número de índices de pessoa que remetem unicamente aos alunos e às tarefas que eles
terão de realizar (para uma análise mais detalhada desse aspecto, ver Carnin, 2011).
Talvez essa disparidade na atribuição dos índices de pessoa em relação às ações a serem
desenvolvidas se justifique pelo propósito do trabalho desenvolvido em sala de aula: ao
mesmo tempo em que a professora se coloca como autora de seu dizer, estando
implicada na situação de produção do texto analisado, indica aos alunos que a
responsabilidade das ações que ela sugere discursivamente caberão apenas a eles. Ou
seja, quando apresenta/explica o objeto de ensino, L está implicada no agir-referente


12
   Embora o pronome você seja usualmente classificado como pronome de tratamento,
adotamos a possibilidade linguística que seu uso possa ser, também, referente a um pronome
pessoa do caso reto, quando exerce a função de sujeito da oração (Cf. MOURA-NEVES,
2000).

                                                                                                        15
proposto. No entanto, quando remete ao desenvolvimento específico desse agir, L
distancia-se, implicando exclusivamente os alunos na realização da produção textual.
       Selecionamos ainda um exemplo de análise efetivada por Drey (2011)13 em
outro momento da mesma aluna-professora, quando ela se propõe a reformular uma
tarefa para seus alunos. No final da primeira manhã de filmagens, L percebe que os
alunos não terminaram a tarefa formulada inicialmente e solicita atenção do grupo para
dar novas instruções. Ela explica que não será possível corrigir as questões na aula em
questão e, portanto, os alunos deverão terminar a tarefa em casa. A turma está bastante
agitada e se movimenta muito, guardando material e arrumando classes, enquanto L está
em pé, na frente da turma, fazendo gestos como levantar a mão para chamar a atenção
dos alunos para as instruções.
       Após a instrução inicial para que as questões sejam finalizadas em casa, muitos
alunos reclamam que não haverá tempo para fazer a tarefa, pois, no turno da tarde, eles
assistirão a um filme, como tarefa extra da disciplina, e a próxima aula ocorrerá no dia
seguinte. Em virtude do excesso de barulho e da dificuldade de negociar uma alternativa
com os alunos, L balança a cabeça, num gesto de impaciência e espera para conversar
com o grupo. Alguns alunos pedem silêncio ao restante da turma, enquanto L explica
que este tem que ser o andamento da tarefa, pois, na aula seguinte, há outras a serem
feitas. Ela enfatiza o prazo de entrega, visto que ela precisa realizar a correção dos
trabalhos. Uma aluna questiona qual será a tarefa seguinte, e a professora instiga a aluna
a retomar o tipo de texto que vem sendo estudado: o artigo de opinião. Alguns alunos
reclamam sobre a realização de uma produção de texto na aula seguinte. Logo depois,
alguns questionam sobre a confirmação da exibição do filme no turno da tarde, em
virtude da necessidade de realização das tarefas, e L lança a pergunta aos alunos, se eles
querem ou não assistir ao filme. Entre muito barulho e comentários paralelos, os alunos
confirmam que querem assistir ao filme. L pede silêncio novamente, avisando aos
alunos que não irão embora enquanto não definirem o que será feito. Diante da
afirmativa dos alunos para a exibição do filme, L dá as instruções finais em relação ao
horário do filme no turno da tarde, e também retoma a tarefa de realização das questões
em casa para correção na aula seguinte.


13
   Drey (2011), em sua tese de doutoramento, aponta a necessidade de expandir a análise
linguística, de forma a incluir elementos não-verbais, caracterizando uma análise multimodal.
Não trataremos dessa questão aqui, mas apontamos sua importância para a melhor
compreensão do trabalho concretizado.

                                                                                          16
A aula está em seus minutos finais e L parece estar preocupada em seguir seu
planejamento de estágio, no qual as atividades têm um tempo planejado, caso contrário,
a avaliação, por exemplo, não poderá ser feita. Como se observa na transcrição a seguir,
L tem dois objetivos centrais: expor aos alunos a tarefa que deve ser terminada em casa;
e dar-lhes poder de decisão sobre a exibição (ou não) de um filme no turno da tarde.


  589   L:                o pessoal
  590                     ((bate palmas três vezes para chamar a atenção, já se direcionando para
  591                     frente da sala))
  592   ALUNA:            o professo:ra
  593   L:                só um poquinho
  594   ALUNA:            o sora >daí não vai dá?<
  595   L:                pessoal todo mundo escutando aqui (.) ã:h >a gente não vai< consegui
  596                     corrigi (.) as questões hoje. vocês terminem elas em <casa>
  597   ALUNOS:           [ah sora]
  598   L:                [<que amanhã] no primero período> a gente vai corrigi elas
  599   ALUNA:            o sora não dá tempo (tem filme de tarde)
  600   L:                não (.) a gente vai te que transferi o filme porque amanhã a gente tem
  601                     ((os alunos protestam contra a decisão dela))
  602   L:                pessoal (2 seg) pessoa:l escuta aqui (1 seg) amanhã a gente tem
  603                     ((faz sinal com a cabeça de que está incomodada com os protestos))
  604   ALUNO:            [O ESCUTA]
  605   ALUNA:            [O SILENCIO:]
  606   L:                [tá difícil]
  607   L:                amanhã a gente tem que corrigi as questões e no segundo período vocês
  608                     vão (.) depois do intervalo vai sê feito uma produção de texto (.) que
  609                     vai valê os outros seis pontos
  610                     ((alunos ficam surpresos))
  611   L:                e amaNHÃ é o prazo MÁximo pra isso porque eu tenho que <corrigi>
  612                     pra entregá semana que vem. então (.) se não vai dá tempo da gente
  613                     terminá ho:je a gente vai tê que transferi o filme
  614   ALUNA:            que tipo de texto (pra entrega)?
  615   L:                (3 seg) o quê que vocês tão estudando?
  616   ALUNA:            mentira
  617   ALUNA:            a mentira
  618   L:                tipo de texto?
  619   ALUNAS:           ah
  620   L:                é um (.) artigo
  621                     ((todos conversam ao mesmo tempo e não se ouve muito bem o quê a
  622                     estagiária diz))
  623   L:                pra próxima aula eu quero xxx
  624   ALUNO:            o sora não vai mais te filme?
  625   ALUNA:            o sora vai te [filme hoje?]
  626   ALUNA:                           [que horas?]


                                                                                                    17
627   L:                   pessoal ((faz sinal para pedir-lhes silêncio)) (2 seg) confirma o filme pra
  628                        hoje de tarde ou [vocês querem]
  629   ALUNOS:                                [sim]
  630   L:                   transferi?
  631   ALUNA:               HOJE, HOJE, HOJE, HOJE
  632                        ((muitos alunos falam ao mesmo tempo))
  633   L:                   pessoal ((pede silêncio mais uma vez)) (6 seg) PESSOAL
  634                        ((faz sinal de desaprovação pela falta de atenção que lhe dão))
  635   ALUNO:               O A PROFESSORA QUÉ FALÁ AÍ MEU
  636   L:                   vocês só vão saí depois que a gente resolvê então não adianta vocês
  637                        arrumarem as coisas e eu não consegui falá
  638   ALUNA:               Sim
  639   L:                   <fica o filme pra hoje de tarde uma e meia aqui na sala de vídeo>
  640   ALUNA:               Ok
  641   L:                   a a- as questões vocês terminam e a gente corrige amanhã. tá?
  642   ALUNA:               ok então tá bom


        Como a exibição do filme não está no planejamento de L, este parece poder ser
negociado com os alunos. A partir dos objetivos traçados para este momento da aula –
formular a tarefa de continuidade do trabalho e definir a exibição de um filme extra no
turno oposto –, uma análise linguística no nível enunciativo parece apontar que L
demonstra estar engajada, ao menos num primeiro momento, na realização das tarefas,
visto que a expressão “a gente” é utilizada, neste trecho da aula, dez vezes pela aluna-
professora, com o mesmo efeito de sentido do pronome pessoal do plural “nós”. L faz
uso deste recurso especialmente no início da formulação da tarefa, e utilizando-o em
referência à correção da tarefa, como se observa na linha 595: “a gente não vai consegui
corrigi as questões hoje”.
        No entanto, em seguida, na mesma linha, quando L aponta a necessidade de
realização do restante da tarefa em casa, a responsabilidade pelo cumprimento da
mesma é dos alunos, o que fica evidente pelo uso do pronome “vocês”, em “vocês
terminem em casa”.
        Quando se refere à tarefa de correção dos trabalhos, porém, L assume
claramente a postura de professora da turma, o que se nota pelo uso do pronome pessoal
de primeira pessoa do singular “eu”, na linha 611, em “eu tenho que corrigi pra entregá
semana que vem”.
        O gestual de L condiz, boa parte do tempo, com a postura assumida pela aluna-
professora ao formular a tarefa, considerando a situação da turma naquele momento:
eles estão guardando o material, quase prontos para deixar a escola. L está de pé, em

                                                                                                       18
frente à turma, e passa boa parte do tempo com o braço esquerdo levantado, sinalizando
que deseja falar. A turma faz muito barulho e algazarra, e ela é interrompida pelas
conversas paralelas diversas vezes. No início da formulação da tarefa, L bate palmas
para conseguir chamar a atenção dos alunos para sua fala, e mantém a mão levantada
para demonstrar aos alunos, também de forma não verbal, que precisa da atenção do
grupo para dar as próximas instruções – como mostra a imagem a seguir:


Figura 1: L levanta a mão pedindo silêncio.




Fonte: Arquivo de vídeo L 2 – 27 out 09



        Em relação à resposta dos alunos, é possível perceber que, além da demora para
conseguir dar as instruções da tarefa, L sente dificuldades em construir uma interação
frutífera com a turma, do ponto de vista pedagógico. Desde a linha inicial do momento
de análise (linha 589) até a linha 607, a professora tenta chamar os alunos a prestarem
atenção à tarefa, repetindo o vocativo “pessoal” (referindo-se aos alunos) quatro vezes.
Na linha 606, L desabafa com o comentário “tá difícil!”. Além disso, ao dar as
instruções sobre o término da tarefa em casa, L precisa repetir o turno de formulação da
tarefa três vezes, pois, a cada vez que ela dá a instrução, os alunos protestam e
reclamam, argumentando que não haverá tempo para fazer a tarefa, como se observa nas
linhas 589 à 610, apresentadas anteriormente.
        Ela levanta um pouco a voz, na tentativa de ser ouvida, mas o barulho na sala de
aula continua. Mesmo assim, L mantém sua postura, sem alterar o tom de voz. As ações
de L, no que concerne ao seu tom de voz, assim como demonstrado no primeiro
momento de análise, parecem se concentrar em duas manobras: primeira, a pronúncia
pausada das palavras, como é visto na linha 598 da transcrição, quando L avisa ao grupo
“<que amanhã no primero período”, eles corrigirão as atividades; segunda, a pronúncia
crescente em sílabas das palavras “intervalo” (linha 608) e “tarde” (linha 639, abaixo).

                                                                                     19
Além disso, há a acentuação da voz em algumas sílabas das palavras “amanhã” e
“primero”, marcadas por sublinhado na linha 598. Notemos que os termos aos quais L
dá mais ênfase no volume da voz são aqueles que trazem as informações chave aos
alunos sobre as tarefas programadas: a frase da linha 598 explicita que as atividades
serão corrigidas no início da aula do dia seguinte, e que, após o intervalo dessa aula em
curso (linha 608), eles realizarão uma produção de texto.
       O aumento do volume da voz em certos elementos lexicais pode parecer um
detalhe muito pequeno em uma análise multimodal, mas parece revelar nuanças
importantes da profissionalidade de L. Apesar do barulho e das conversas intensas dos
alunos durante a formulação das tarefas, L prefere fazer uso de recursos como chamar o
grupo várias vezes (fazendo uso do termo “pessoal”), aumentando o volume da voz em
alguns termos ou enfatizando algumas sílabas, ou, ainda, falando de forma ainda mais
pausada algumas frases que trazem informações importantes, além de utilizar o gesto de
levantar a mão.
       Em virtude dos protestos nos alunos, segundos antes, por terem que finalizar a
tarefa em casa para entregá-la no dia seguinte, L pergunta se eles decidem ver o filme,
uma atividade extraclasse que não estava contemplada em seu planejamento de estágio
original. Os alunos, nas linhas subsequentes (625, 632, 638 e 640), manifestam-se
favoráveis à exibição do filme – mesmo tendo que realizar, também, o trabalho. Nesse
momento final da aula, os alunos fazem ainda mais barulho, o que se verifica das linhas
632 à 637, nas quais se verifica que os alunos falam muito alto e que há muito ruído na
sala, L solicita que a turma a escute (repetindo, na linha 633, a palavra “pessoal”,
aumentando o tom de voz na segunda repetição) e, gestualmente, balança a cabeça de
um lado para o outro, em sinal de negação, demonstrando reprovação pelo barulho
excessivo na sala de aula e pela falta de atenção dos alunos às suas instruções.
Novamente, é possível observar a conjuntura entre fala e gesto, juntos, na construção de
sentido na interação, exemplificada na imagem abaixo, que demonstra o momento em
que L consegue o silêncio dos alunos, mas demonstra sua irritação com a falta de
cooperação dos estudantes, colocando a mão na cintura enquanto afirma, nas linhas 636
e 637, que os alunos não irão embora se ela não puder dar as instruções referentes à
exibição do filme:




                                                                                      20
Figura 2: L com as mãos na cintura.




Fonte: Arquivo de vídeo L 2 – 27 out 09.



        Um ponto importante na análise deste momento da aula diz respeito à forma
como L se refere aos alunos ao oferecer-lhes a opção de cancelamento da exibição do
filme: “vocês querem transferir?” O uso do pronome “vocês” deixa clara a intenção de
L de oferecer aos alunos o poder de decisão sobre a realização (ou não) da atividade,
assim como a responsabilidade que os alunos têm de terminarem a tarefa em casa, como
se observa na linha 641, visto que a opção adotada pela turma em resposta à pergunta a
respeito da exibição do filme foi positiva. No entanto, ao tratar de ações que envolvem a
turma toda e que necessitam da presença da professora, L faz uso da expressão “a
gente”, como na correção da tarefa a ser realizada no dia seguinte (linha 641) e na
decisão a respeito da exibição do filme, na linha 636, quando L afirma que os alunos só
irão embora após solucionado o impasse.
        Se L, em dois momentos diferentes da aula, ora se inclui na construção conjunta
das tarefas, ora se posiciona singularmente apenas nas tarefas atribuídas,
tradicionalmente, à figura da professora, é possível que a aluna-professora esteja
enfrentando um dilema na constituição de sua figura profissional. Em alguns momentos,
L atua como aluna estagiária, tentando seguir o planejamento proposto e aprovado por
sua supervisora (como na tarefa de repetição da leitura oral, primeiro momento
analisado, que L parece realizar apenas para cumprir seu planejamento); enquanto isso,
em outros momentos, L ensaia uma tomada de consciência de sua profissionalidade
como professora, atribuindo a si mesma a responsabilidade por ações como a correção
dos trabalhos de produção textual que os alunos devem fazer. Além disso, o que está por
trás da decisão de L em dar voz aos alunos para optarem a respeito da exibição do filme,
considerando que esta tarefa não estava em seu planejamento? Seria este um momento


                                                                                      21
em que L permite a si mesma o controle das ações e decisões da sala de aula? É preciso
considerar que o filme não estava no planejamento de estágio, já constituindo uma
indicação de L como atora em sua sala de aula.
       Quando, sob a ótica da multimodalidade, são analisadas as ações realizadas em
sala de aula, temos um outro panorama sobre as ações efetivamente concretizadas.
Como vimos, muitas vezes as ações demonstradas pela análise textual-discursiva ou de
fala-em-interação encontram-se integradas ao gestual. E isso tudo, certamente, leva os
alunos, parte essencial do trabalho do professor, a interagirem no sentido da co-
construção do objeto de ensino, muitas vezes surpreendendo ou redirecionando o
trabalho concretizado em sala de aula.
       É sobre este aspecto que queremos deixar um grande alerta. Não se pode
pressupor que seja fácil ou “natural”, da mesma forma que se faz uma conversa
espontânea, interagir com grupos de crianças/adolescentes no papel de alunos. Esta
questão merece uma reflexão dos formadores tanto nos cursos de licenciatura em Letras
e Pedagogia, como naqueles de formação continuada, pois estamos diante de grandes
desafios:
   a) a consideração das interações multimodais como parte essencial do processo de
       ensino-aprendizagem e do trabalho do professor significa que a noção de
       trabalho concretizado como baseada em interações pode ajudar muito a
       preparação do aluno-professor ou de professores em formação continuada;

   b) a “instabilidade” das interações ao incorporarmos esta noção e o fato de que elas
       podem reconfigurar a proposta de ensino planejada;

   c) a manutenção da profissionalidade docente quando as interações são múltiplas,
       exuberantes e, ao mesmo tempo, únicas; tudo isso fazendo parte da pilotagem de
       um projeto de ensino.

   Não temos respostas para estes desafios, mas mantemos um alerta para a
necessidade de trazer o assunto da profissionalidade do docente e, mais especificamente,
das interações entre professor/aluno para dentro de nossos cursos de formação, pois,
como dissemos desde o título deste capítulo: parece fácil, mas não é...




                                                                                     22
REFERÊNCIAS


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Campinas: Mercado de Letras, 2006.

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trabalhadores. Campinas: Mercado de Letras, 2008.

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Trabalho Real: a (co)construção do objeto de ensino produção textual escrita.
Dissertação de Mestrado em Linguística Aplicada. Unisinos: São Leopoldo, 2011.

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SILVERMAN, D. (ed) Qualitative research: theory, method and practice. 2.ed.
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                                                                                        23
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1992.

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construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In:
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                                                                                       24

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Parece difícil e é mesmo: sobre a dificuldade de falar sobre o trabalho docente na sala de aula

  • 1. Parece difícil e é mesmo: sobre a dificuldade de falar sobre o trabalho docente na sala de aula1 Ana Maria de Mattos Guimarães (UNISINOS) Rafaela Fetzner Drey (UNISINOS/IFRS/Osório) Anderson Carnin (UNISINOS) O ponto de partida desta nossa discussão pode ser localizado em dois extratos de interação professor-aluno em sala de aula de Língua Portuguesa. No primeiro caso, estamos diante de uma professora municipal, com aproximadamente dez anos de experiência. No segundo caso, temos uma aluna-professora, em seu primeiro estágio. Duas realidades, dois quadros, duas dificuldades. Vamos a elas: 1 MH: elaborar 2 ALUNO 1: pera sora 3 MH: um jornal. 4 ALUNO 2: ai que legal sora (.) que emocionante. 5 MH: elaborar um jornal 6 ALUNO 1: um “jornalminho”. 7 MH: com as seguintes partes (.) dois pontos. 786 L: mais alguém? (3 seg) ta então vamo voltá ao nosso assunto aqui. qual é qual foi o texto que a gente estudô? ele era um ((L deixa as folhas sobre a mesa e começa a escrever no quadro a palavra artigo] 780 ALUNA1: artigo 781 ALUNA2: artigo 782 L: artigo de? ((ela escreve de opinião)) 783 ALUNA1: °revistas° 784 ALUNA2: <opinião> 785 ALUNA3: [@@@] 786 ALUNA1: [argumentação] 787 ALUNA4: tu é tri inteligente 788 L: artigo de <opinião> ((quando termina de escrever, volta-se para a turma e fala opinião tal como se fosse uma separação silábica)) o que isso diz pra vocês? por quê que o nome é artigo de opinião? 790 ((diversos alunos respondem ao mesmo tempo)) 791 L: porque ele dá a opinião ((esperando a resposta dos alunos)) 792 ALUNA1: dele 793 ALUNA2: dele 794 L: do autor. o quê que vocês vão fazê (.) depois do intervalo? 795 ALUNA1: dá a opinião nossa 796 ALUNA2: UM TEXTO COM A NOSSA opinião sobre [xxx] 797 L: [um pequeno] artiguinho de opinião. 1 Agradecemos a Alessandra, Josiane, Silvana e Taiane, alunas da disciplina Linguagem e Trabalho, do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada – Unisinos, pela leitura e comentários atentos. 1
  • 2. ((alunos voltam a conversar)) 800 ALUNA 1: pequeno 801 ALUNA2: pode sê de três linhas? 802 L: pra que que serve um artigo de opinião? ((ela aponta para um aluno que quer responder)) Os dois exemplos mostram duas professoras tentando desenvolver com seus alunos uma atividade de produção textual: a primeira propõe a produção de um jornal, a segunda, de um artigo de opinião. O que parece difícil (e queremos mostrar que é mesmo) é entender a dimensão das ações profissionais efetivamente concretizadas pelos trabalhadores professores e, ao mesmo tempo, refletir sobre a importância das interações verbais professor/aluno na configuração/reconfiguração dos objetos de ensino2 quando desenvolvendo seu agir3 em sala de aula. Este trabalho nasceu de inquietações a respeito de como se pode avançar na análise do trabalho real, do que estamos a seguir reconceitualizando como trabalho real/concretizado. Observamos, mais detidamente, como o trabalho docente se materializa, no contexto de diferentes práticas de ensino, e postulamos como categoria central para a compreensão desse mesmo trabalho os modos como a linguagem medeia a interação entre professor, aluno(s) e objeto de ensino no processo de ensino- aprendizagem em sala de aula de língua portuguesa. Salientamos, como Bronckart (2006), que as interações humanas orientam a aprendizagem, interações que dizem respeito às atividades coletivas mediatizadas pela linguagem e às significações socioculturais que elas produzem. Entendemos que, assim, poderemos iluminar as reflexões acerca do trabalho docente que vêm sendo realizadas, especificamente em suas dimensões linguística e didática, sob o ponto de vista da emergência da 2 Objetos de ensino, no âmbito deste texto, são entendidos como unidades completas de instrução/ensino planejadas e empregadas para o desenvolvimento de atividades específicas de/em aula. Nesse sentido, a consecução de objetos de ensino em sala de aula se dá por meio daquilo que Dolz et al. (2004) conceituou com “tarefa didática”. Nas palavras dos autores, uma tarefa didática é “constituída por um conjunto de instruções que definem um objetivo suscetível de ser atingido na atividade em aula, assim como pelas condições concretas de atingir esse objetivo e pelas ações a executar” (idem, p. 9). Assim, segundo os autores, é por meio das tarefas didáticas que as capacidades e os conhecimentos dos alunos podem ser transformados e que os objetos de ensino são co-construídos no espaço da sala de aula. 3 No âmbito do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), os termos agir, ação e atividade assumem significados relacionados ao construto teórico proposto por Bronckart (2008, p. 120), no qual uma distinção entre os mesmos pode ser assim estabelecida: o termo agir (ou agir-referente) "denomina qualquer forma de intervenção orientada de um ou de vários seres humanos no mundo". Ou seja, agir é o “dado” das pesquisas antes de qualquer análise. Quando esta é realizada, invariavelmente por um viés interpretativo, os termos ação e atividade aparecem como leituras do agir. A eles são imputados um estatuto teórico ou interpretativo que os diferencia. Ação, na perspectiva do ISD, envolve as dimensões motivacionais e intencionais no nível singular da pessoa em particular, ao passo que atividade designa as mesmas dimensões citadas, mas no nível do coletivo. 2
  • 3. constituição da profissionalidade, buscando conhecer melhor aquilo que o Interacionismo Sociodiscursivo – doravante ISD – chama de trabalho prescrito, real e representado, do aluno-professor4 (BRONCKART, 2006). Essas dimensões que constituem o trabalho foram desenvolvidas, inicialmente, por Daniellou, Laville & Teiger (1983), numa tentativa de descrever a composição de uma profissão. O trabalho real designa a(s) atividade(s) realizada(s) em uma situação concreta, como a atividade do professor em sala de aula, a aula em si. O trabalho prescrito subentende os documentos que dão instruções e fundamentam “uma representação do que deve ser o trabalho, que é anterior à sua realização efetiva” (BRONCKART, 2006, p. 208). Já o trabalho representado, por sua vez, estabelece uma relação de reflexão entre o planejamento e a prática do trabalhador – neste caso, o docente. Na tentativa de melhor compreender como a profissão docente é constituída, partimos da noção de Bronckart (2006, p. 226-7) de que o que constitui a profissionalidade de um professor é a capacidade de pilotar um projeto de ensino predeterminado, negociando permanentemente com as reações, os interesses e as motivações dos alunos, mantendo ou modificando a direção, em função de critérios de avaliação dos quais só ele é senhor ou o único responsável, isto é, no quadro de ações das quais ele é o único ator. De forma mais geral ainda, sua profissionalidade está na capacidade de conduzir seu projeto didático, considerando múltiplos aspectos (sociológicos, materiais, afetivos, disciplinantes, etc.), frequentemente subestimados e que, entretanto, constituem o “real” mais concreto da vida de uma classe. Considerando os dados das pesquisas que aqui apresenta(re)mos, compreendemos que o agir de um profissional professor se estabelece na interação, na qual a tensão entre as dimensões individual/coletiva se materializa –, pois os participantes produzem ações que podem ser interpretadas, concretamente, através dos gestos (Drey, 2011)5 e da fala em uma perspectiva individual, mas sempre direcionados a um outro, orientados por um contexto situacional co-construído entre um participante e o outro, ou entre os demais participantes que constroem a interação. Sente-se a necessidade de olhar para a dimensão do trabalho que poderíamos apresentar como o “real mais concreto”, para as interações que caracterizam o ambiente 4 Como será visto a seguir, propomos ampliar o estudo de uma dimensão do trabalho real, que estamos tratando como trabalho concretizado. 5 A tese de Drey (2011) propõe uma análise multimodal das interações, a partir de uma análise global entre o conteúdo discursivo das interações entre professora/alunos, a organização da fala em interação e os gestos e expressões faciais. 3
  • 4. de sala de aula. A esta dimensão, estamos denominando de “trabalho concretizado”, e, no caso do trabalho docente, busca-se verificar o agir profissional concretizado de fato nas interações. Está-se afirmando, então, que o acesso a esse trabalho concretizado se dá pela análise das interações nele ocorridas, pois é nelas que a ação docente se constitui. Isto quer dizer que o trabalho efetivamente realizado/concretizado só pode ser acessado através da análise da(s) interação(ões). Nessas interações podem emergir as relações com o planejado/não efetivamente realizado, mas elas não constituem a preocupação de base. Nesse caso, a proposta é que a análise busque as ações efetivamente (co)construídas no decorrer do trabalho, daí a denominação trabalho concretizado6. Dentro desta proposta, estuda-se ainda a possibilidade de ampliar o que se entende por trabalho prescrito, trazendo não apenas as prescrições institucionais (governamentais, da própria escola), mas incluindo também o planejamento do trabalho a ser realizado. Uma vez planejado, tem-se, sob nova forma, a(s) prescrição(ões) para aquele determinado momento do trabalho. O não-realizado pode ser apreendido através do trabalho representado, em momentos de entrevista ou de procedimentos como a autoconfrontação e instrução ao sósia (CLOT, 2004). Vamos tentar refletir sobre o trabalho real/concretizado docente a partir de dois projetos de pesquisa. O primeiro, já concluído e intitulado “Diversidade Social e Identidade do Português Brasileiro nas Interações de Sala de Aula de Língua Portuguesa7”, teve como objetivo explicitar as estratégias discursivas que o professor mobiliza para construir uma ação que possa ser interpretada pelos alunos e que seja favorável para a aprendizagem pretendida. Nesse contexto, observamos inicialmente a regulação entre as situações do agir docente no cenário de sala de aula, particularmente quando o professor se coloca no papel de mediador/facilitador, e questões de fundo linguístico, como a variedade de língua, padrão ou não-padrão, de que se vale esse docente nessa situação 6 Tanto Clot (1999/2006) quanto Bronckart (2006) tratam da dimensão das ações profissionais efetivamente realizadas. No entanto, para Clot, o termo “trabalho real” inclui, também, o não- realizado, as suspensões e impedimentos, compreendendo o trabalho em uma perspectiva psicológica de análise ergonômica. O acesso a uma análise no plano psicológico do desenvolvimento da atividade não está previsto, neste momento, em nossa análise. Assim, partimos da denominação de trabalho real adotada pelo ISD para constituir o que, agora, denominamos trabalho real/concretizado, que busca analisar os “comportamentos verbais e não-verbais que são produzidos durante a realização de uma tarefa” (BRONCKART, 2006, p. 216). 7 Este projeto teve apoio CNPq e FAPERGS. Agradeço a colaboração das bolsistas de iniciação científica Daniela Deitos e Cristina Sperotto e da Mestra Angélica Scherer, bolsista de auxílio técnico, pelo trabalho criterioso de transcrição dos dados. 4
  • 5. de agir (GUIMARÃES, 2007). Nessa pesquisa, uma das conclusões diz respeito à forma como se constitui a profissionalidade de duas professoras, MH e K, ambas docentes de Língua Portuguesa de 5ª séries do Ensino Fundamental. Em Guimarães (2009), através da análise do agir em sala de aula, do trabalho real/concretizado de MH e K, foi possível perceber diferenças importantes na constituição da profissionalidade das duas docentes. São dois estilos profissionais: o de uma professora que negocia o projeto predeterminado com os alunos, ainda que o mantenha (K), e o de uma docente que se fixa em seu projeto predeterminado e não modifica sua direção, independentemente das reações dos alunos (MH). Enquanto 81% dos enunciados de MH se relacionam à pré- determinação do conteúdo proposto, na sala de aula de K, são 70,8% dos enunciados8. Outra grande diferença entre as docentes é o tempo do turno de fala: K faz longas tomadas de turno, MH tem falas breves, sem alongar-se em explicações. Para este capítulo, traremos exemplos de ambas docentes em sua sala de aula, no momento em que introduziam suas tarefas didáticas em relação ao objeto de ensino “produção textual”: elaboração de um jornal, na turma de MH, e de uma narrativa de detetive, na turma de K. O segundo projeto em que nos apoiamos ainda se encontra em desenvolvimento. Denominada: "Constituição da profissionalidade do professor de Língua Portuguesa: a formação de futuros docentes em foco"9, esta pesquisa foi realizada com quatro alunas regularmente matriculadas no Curso de Letras de uma universidade privada localizada na região sul do país. Tendo em vista os limites deste capítulo, traremos os dados gerados a partir do trabalho de uma dessas alunas, aqui nomeada de L. Em primeiro lugar, não podemos esquecer que estamos diante de falas institucionalizadas (HERITAGE, 2004) do ambiente escolar. A organização da interação em sala de aula já foi examinada por inúmeros autores, como eventos instrucionais, em que ocorre, na maior parte do tempo, trocas de informação acadêmica entre professor e alunos. A descrição clássica das sequências interativas que compõem essa fase tem sua base em Sinclair e Coulthard (1975), como sequências de eliciação, com três partes interconectadas: iniciação – resposta – avaliação, a sequência IRA. Tal sequência é composta por dois pares adjacentes: o primeiro par, de iniciação-resposta, 8 Esses dados/percentuais relacionam-se ao total de enunciados transcritos das aulas que foram observadas e aqui analisadas, e equivalem a duas horas/aula. 9 Este projeto tem apoio FAPERGS, através do Edital Pesquisador Gaúcho e de bolsa de iniciação científica. Agradeço à FAPERGS pelas possibilidades que trouxe ao conceder este apoio e, muito particularmente, à bolsista Carina Ben, pelo criterioso trabalho na transcrição dos dados. 5
  • 6. torna-se a primeira parte do segundo par, que faz uma avaliação e pode trazer comentários de completamento. Essas sequências interacionais são organizadas em torno de tópicos (MEHAN, 1985), de forma que “a fase instrucional das lições de sala de aula pode ser caracterizada como uma progressão de conjuntos relacionados de tópicos de sequências interacionais”. Esta é a organização da sala de aula da professora K, desde a abertura da fase instrucional, quando explora o gênero de texto narrativa de detetive: 1 K: um texto que tivesse alguma coisa de detetive. que tipo de coisa, de característica, tem 2 num texto de detetive? [iniciação] 3 ALUNOS: um detetive. [resposta] ((os alunos riem)) 4 K: um detetive tudo bem. [avaliação] Este exemplo nos permite realizar uma breve análise da gestão de sala de aula da professora K. A docente estrutura o desenvolvimento de sua aula em torno de questionamentos aos alunos, com o objetivo de levantar as principais características do gênero de texto que está enfocando. As descrições conhecidas para as rotinas de sala de aula não parecem dar conta, entretanto, da sala de aula da professora MH, na qual não há presença de sequência IRA. Há poucos pares adjacentes de pergunta/resposta. A professora dita a tarefa de construção de um jornal, os alunos tomam os turnos através de violações, pois ela não dá espaço para a troca de falantes na interação. Utiliza, quando muito, a expressão “tá?”, ao final de seu turno, como em: 16 MH: primero (.) a capa e o nome que vocês vão coloca (.) tá? A maior parte dos pares adjacentes de pergunta e resposta é iniciativa do aluno. Assim, não se constitui a sequência clássica de sala de aula. Em nenhum momento, ocorre avaliação explícita por parte da professora. 17 ALUNO: primera parte é a capa? (Iniciação) 18 MH: e nome (Resposta) ((a professora escreve no quadro a palavra nome)) As iniciativas dos alunos, muitas vezes, não são respondidas pela professora, como em: 6
  • 7. 127 ALUNO 1: o sora tá voando todas folha. Com a ausência de resposta da docente, outro aluno assume essa posição, mas ainda se dirige a ela: 128 ALUNO 2: é? O sora vô desligá esse ventilador. Como a professora continua sem dar resposta, outros alunos se sentem autorizados a dar opinião, o que os acaba colocando no comando das interações e afastando o tópico trazido pela professora: 129 ALUNO 3: não (.) dexa ligado meu (.) dexa ligado (.) dexa ligado 130 ALUNO 4: esse da frente xxx 131 ALUNO 3: esse da frente só ligado Quando, finalmente, ocorre a manifestação da docente, é sob forma de admoestação: 132 MH: [nome do aluno] senta ((os alunos continuam conversando todos ao mesmo tempo)) O comentário do transcritor mostra que essa ação é insuficiente para fazer voltar o domínio da interação à professora. Por outro lado, a professora, na maior parte do tempo, se vale de atos de fala que mantêm o comando em suas mãos, através do ditado das tarefas relacionadas ao conteúdo ou chamadas de atenção. Há, implícita, nas interações entre professor e aluno, uma relação de poder, de dominância. Nas palavras de Andersen (apud KERBRAT-ORECCHIONI, 1992), o professor apresenta domínio sobre três planos: dominância quantitativa, dominância de conteúdo e dominância interacional (gestão dos turnos de fala e da estruturação das trocas). Com relação à gestão dos turnos de fala, por exemplo, a análise dos dados revela que na sala de aula de K, a professora é responsável por 88,8% das iniciativas, enquanto que MH toma a iniciativa em apenas 34,8% das trocas. Na instituição escola, é esperado que a professora tome a iniciativa dos turnos, à semelhança do que faz K. No caso da 7
  • 8. sala de aula de MH, há frequentes violações de tomadas de turno, a partir dos alunos. Na maior parte do tempo, mesmo quando toma o turno, a professora não tem sucesso: 13 MH: primera parte (.) tá? Bote aí (.) primero: uma capa 14 ALUNO 1: pera aí sora. 15 ALUNO 2: o sora xxx 16 MH: primero (.) a capa e o nome que vocês vão colocá tá? 17 ALUNO 1: primera parte é a capa? 18 MH: e nome Kerbrat-Orecchioni considera a existência de violação dos sistemas de turno, interpretada por ela, em termos taxionômicos, como interrupção, e a intrusão, como “golpes de força” (1992, p. 87), taxemas de posição alta, dominante, portanto. As interrupções acontecem quando um falante toma a palavra, sem que o que estava com o turno de fala tenha acabado. Essas interrupções podem demonstrar necessidade de dominância ou controle ou de cooperação. A intrusão ocorre quando o falante toma a palavra sem que tenha sido autorizado para tal. Em nossos dados, isso acontece, com muita frequência na sala de aula de MH, quando os alunos tomam a palavra sem que tenham sido autorizados para isso. Praticamente todas as tomadas de turno pelos alunos podem ser tomadas como violações, como, no momento inicial da aula, quando a professora se dispõe a ditar a tarefa: 1 MH: elaborar 2 ALUNO 1: pera sora 3 MH: um jornal. 4 ALUNO 2: ai que legal sora (.) que emocionante. 5 MH: elaborar um jornal 6 ALUNO 1: um “jornalminho”. 7 MH: com as seguintes partes (.) dois pontos. Os alunos interrompem a professora a todo o instante, sem que tenham sido autorizados para isso e sem a deixar terminar seu turno de fala. Também demonstram, em outros segmentos, o controle que querem ter da ação escolar. Enfim, os alunos empregam “golpes de força” para minimizar a ação da docente. 54 ALUNO 1: vai pro cinco. 55 MH: cinco (.) culinária tá? Ocorrem também violações na sala de aula de K, mas em número muito menor e com a finalidade de corrigir um colega, não de interromper a professora. 8
  • 9. 9 K: um po(u)quinho de, de repente um po(u)quinho de terror, não <www>[>]. 10 ALS: <www>[<]. 11 ALU: mistério. 12 ALU: eu falei. ((K faz sinal para que o aluno levante o dedo para falar)) 13 K: mãozinha [nome do aluno] # suspeitos também têm. A análise dos parâmetros propostos por Andersen revela que a professora K apresenta dominância em três planos: quantitativo, de conteúdo e interacional. Sua sala de aula corrobora a maior parte dos estudos sobre interações em meio escolar: Todos os estudos [...] estão de acordo em reconhecer que o professor ocupa quase sem dividir a posição alta (principais taxemas: quantidade de fala, atos de fala efetuados, iniciativas, estrutura das trocas – de acordo com o modelo do “sanduíche”: pergunta do professor/resposta do aluno/avaliação do professor), sempre se esforçando, entretanto, em não rebaixar demasiadamente o aluno (as avaliações são na maior parte positivas, e elas quase nunca são francamente negativas) (KERBRAT-ORECCHIONI, 1992, p. 114). Essa concordância dos estudos pode, entretanto, ser contra-argumentada pela sala de aula de MH, onde não ocorre nem dominância quantitativa, nem interacional pela professora, que preserva, entretanto, a dominância de conteúdo. Importante assinalar que não estamos tratando de avaliação da profissionalidade das professoras, mas das diferenças de estilo demonstradas. A interação na sala de aula de K se dá na forma tradicionalmente descrita pela maior parte dos trabalhos nessa área, mas pode-se pensar que a sala de aula de MH está entrando em uma perspectiva a que alguns autores vêm chamando de “nova sala de aula”. Nela, ocorre a presença de participações exuberantes dos alunos, não entendidas no sentido clássico mostrado anteriormente, como interrupções/violações, mas como manifestações de sua voz, de seu direito de conduzir as atividades. Trabalhos contemporâneos têm mostrado essa nova faceta da sala de aula (RAMPTON, 2006). Em estudo que o autor chama de etnografia-linguística, Rampton (2006) estabelece comparação entre duas salas de aula, com adolescentes de 13 e 14 anos, de escolas secundárias de Londres, uma considerada como “uma escola mais próspera no subúrbio” (West Park), e outra localizada em região central (Central High), acompanhadas quotidianamente entre 1997 e 1998. Na primeira, os professores podiam falar por períodos razoavelmente longos, pouco interrompidos por seus alunos, de forma que tinham pouca dificuldade em manter o padrão tradicional IRA. Já na segunda, era 9
  • 10. muito difícil o professor usar sua voz para desenvolver um tópico sem interrupção ou distração, não sendo possível verificar a aderência à estrutura IRA convencional. A partir desses dados, Rampton aponta uma nova organização de comunicação em sala de aula, que estaria substituindo a organização tradicional. Nela, os alunos também tomam a iniciativa e estabelecem suas preferências em relação ao que acontece em sala de aula. Nos dados apresentados, fica claro que não é mais possível o professor pensar a classe como um todo homogêneo e ignorar as características individuais dos alunos. Mostra que é errônea a tendência de representar a sala de aula urbana como “um pouco mais do que o produto caótico de um ensino incompetente, amparado pelo decadente „progressismo‟ centrado no aluno” (RAMPTON, 2006, p. 88). Seus dados apontam também a influência da cultura midiática nos alunos, demonstrando, por exemplo, que a música pop cantarolada pelos alunos em várias ocasiões não é vista como um ato de rebeldia, mas constitui um modelo de adaptação e de busca de identidade e, muitas vezes, responde a propostas do professor. No entanto, essa participação assume dimensões bem diferentes daquela legitimada pela escola tradicional. Trata-se de uma “participação exuberante”, como a rotula Rampton, que mostra que alguns alunos estavam “hiperenvolvidos” nas atividades de sala de aula ao interromperem o professor e completar suas frases, mesmo quando não solicitados, da mesma forma que ao responderem com algum tipo de imitação de sotaques ou cantando ou ao darem, eles mesmos, feedback ao que o professor dizia ou ao que os colegas respondiam. Eram esses mesmos alunos que repreendiam os colegas que não participavam ou estavam perturbando. Os alunos que se sentiam motivados a participar faziam isso de forma “exuberante”, mas estavam ajudando o professor com suas contribuições. Olhar para a sala de aula buscando compreender o ponto de vista dos alunos parece ser um passo importante para entrar nessa nova ordem comunicativa. Voltando à sala de aula de MH, pode-se pensar na hipótese de que sua sala de aula esteja apontando uma transição entre a estrutura comunicativa tradicional IRA e uma nova ordem comunicativa. A professora não abre mão de seu domínio sobre o conteúdo, por isso dita suas aulas, os alunos ainda não a contestam abertamente, mas suas intervenções não podem ser simplesmente consideradas atos de indisciplina, pois, na medida em que não conseguem a atenção da professora, recebem a de seus colegas e estabelecem com eles o desenvolvimento do tema de seu interesse, como no extrato a seguir: 10
  • 11. 55 ALUNO 1: vai pro cinco. 56 MH: cinco (.) culinária tá? eu tenho um livro de receita aí pra vocês pesquisá. 57 ALUNO 2: TORTA DE BANANA 58 ALUNO 3: EU SEI eu sei de uma torta de bolacha com sorvete (.) hum 59 ALUNOS: xxx 60 ALUNO 3: sora eu sei como é que se faz sorvete sora. 61 MH: cinco receitas tá? em cada jornalzinho 62 ALUNO 3: o sora (.) o sora. 63 MH: hã. 64 ALUNO 3: eu sei como se faz o sorvete. pega o pacote de sorvete, mistura os ingrediente coloca na 65 geladeira e pronto (.) tá ai o sorvete viu? 66 MH: parte humorística (.) aí vocês vão colocá piadas que vocês conhecem tá? Parece que a professora MH refugia-se em uma posição autoritária (dita a tarefa, não responde aos alunos, não negocia com eles) para não perder o que lhe resta de poder: o do conhecimento. K, por outro lado, ao apresentar domínio sobre os três planos, mantém a estrutura tradicional, rotinizada da sala de aula, tal como descrita desde a década de 70. Voltando aos princípios analíticos do ISD, é preciso referenciar o contexto social em que as duas salas de aula se encontram. Estamos diante de duas realidades sociais diversas, questão muito presente na sociedade brasileira. A sala de aula de MH pertence a uma escola pública, municipal, na periferia de uma cidade de região metropolitana. Os alunos pertencem à classe social desfavorecida, poucos pais têm Ensino Médio, e nenhum tem Ensino Superior. Ao contrário, a escola de K é uma instituição de ensino particular, confessional, localizada no centro de outra cidade desta mesma região metropolitana. Os alunos pertencem à classe média ou média alta, grande parte de seus pais tem formação superior. Este não é um trabalho que acabe por aqui, mas mostra que, para a análise de interação face-a-face, mesmo em contexto institucional, onde, pretensamente, as falas seriam regradas, há muito que se fazer. Nessa caminhada, nossa proposta é que não se desprezem aportes teóricos diversos que podem nos ajudar no foco da análise, desde que não sejam esquecidos nela os pressupostos maiores do ISD: A análise das condutas verbais e não verbais dos actantes observados nos permite mostrar que a complexidade das situações de trabalho e das interações que nelas se desenvolvem e, eventualmente, pode nos permitir identificar segmentos da atividade que mostram o poder que os actantes têm de intervir sobre (e de modificar) os processos em curso (BRONCKART, 2008, p. 127). Parece que os actantes alunos da sala de MH estão iniciando este movimento... 11
  • 12. Temos, entretanto, outra realidade quando nos deparamos com a sala de aula de L, uma aluna-professora10, participante do projeto de pesquisa que está em desenvolvimento neste momento. O contexto é diverso, pois se trata de uma estagiária, portanto, uma aluna em seu momento de prática com outros alunos. Voltemos ao exemplo que abriu este capítulo. A análise mostra uma sequência de falas professor- aluno, dentro do que se convencionou chamar de IRA (Iniciação/Resposta/Avaliação), que, desde estudo de Sinclair e Coulthard de 1975, vem sendo apontada como a sequência “clássica” de sala de aula. L pergunta, na linha 776, e recebe respostas, que são retomadas, ratificadas em 782, já em forma de nova pergunta, uma vez que a resposta recebida foi parcial. As alunas respondem nas linhas seguintes e a professora ratifica a Aluna 2, na linha 788, formando nova questão, respondida por vários alunos ao mesmo tempo e retomada por ela em 792. Trata-se de uma sequência interacional canônica na fala-em-interação de salas de aula do mundo todo (GARCEZ, 2006, p. 68) e que, em geral, é utilizada para a reprodução de conhecimento em sala de aula, pois não exige um engajamento dos participantes que produzem a segunda posição da sequência (a resposta) para construir conhecimento. Também a prática conhecida como revozeamento (O‟CONNOR; MICHAELS, 1996) pode ser assinalada na sala de aula de L. Constituída pela reprodução de um enunciado de um aluno por outro participante, parece ter como objetivo principal a construção conjunta de conhecimento, o que pode ser verificado nas linhas a seguir. 790 ((diversos alunos respondem ao mesmo tempo)) 791 L: porque ele dá a opinião ((esperando a resposta dos alunos)) 792 ALUNA1: dele 793 ALUNA2: dele 794 L: do autor. o quê que vocês vão fazê (.) depois do intervalo? 795 ALUNA1: dá a opinião nossa 796 ALUNA2: UM TEXTO COM A NOSSA opinião sobre [xxx] 797 L: [um pequeno] artiguinho de opinião. Ao revozear a aluna 2, L tenta, possivelmente, tornar a tarefa mais atrativa para os alunos e se vale de um diminutivo. Neste momento, L encerra a fala, em tom declarativo, não propondo continuidade, mas os alunos percebem a “hesitação” da 10 O uso do termo “aluna-professora” justifica-se por uma opção do grupo de pesquisa, que entende que, pelo seu uso, mostramos que nossas participantes ocupam um entre-espaço social e discursivo muito peculiar, no qual são consideradas, no ambiente da academia, tanto “alunas” de graduação quanto “professoras” responsáveis pela sua turma de estágio supervisionado em Língua Portuguesa. 12
  • 13. professora e interagem, comentando a partir da expressão artiguinho. Tomam o turno e fazem duas inserções, sendo a última interrogativa. ((alunos voltam a conversar)) ALUNA1: pequeno ALUNA2: pode sê de três linhas? Ao não responder a pergunta da Aluna 2, nem discutir o comentário da Aluna 1, L parece ratificar o dito por elas. E, embora retome o turno, assumindo novas sequências de pergunta-resposta, deixa no ar a possibilidade de o texto ser pequeno, até mesmo de três linhas. Aparentemente, a tomada de turno não autorizada desestabilizou nossa estagiária, que acaba por não responder. No entanto, no turno seguinte, retoma a pilotagem da tarefa, com a volta das sequências de pares pergunta-resposta. 803 L: pra que que serve um artigo de opinião? 804 ((ela aponta para um aluno que quer responder)) 805 ALUNA 1: pra o:: dá opinião 806 L: pra dá opinião. pra dá opinião pra quê:? 807 ALUNA1: pra dá opinião sora 808 ALUNA2: pra convencê as pessoas xxx 809 L: pra convencê 810 ALUNA 2: convencê 811 ALUNA 3: eu tava pronta pra dizê e veio uma pessoa xxx O objeto de ensino “produção textual”, especificamente do gênero “artigo de opinião”, explorado em duas aulas pela aluna-professora, tratado a partir de leitura de texto e até de filme sobre o tema, foi reconfigurado no decorrer das interações e passou a ser um artiguinho de opinião. Segundo Andersen (apud Kerbrat-Orecchioni,1992), como mostramos anteriormente, o professor apresenta domínio sobre três planos: dominância quantitativa, dominância de conteúdo e dominância interacional (gestão dos turnos de fala e da estruturação das trocas). L apresenta dominância quantitativa e de conteúdo, mas, por vezes, não tem a dominância interacional. Esta parece ser, aliás, uma característica bastante comum de nossas salas de aula (como vimos na sala de aula de MH, analisada anteriormente), quando o aluno viola os sistemas de turno, tomando a palavra sem que tenha sido autorizado para tal, como demonstrado antes. Voltamos à observação de Bronckart (2008, p. 127) de que os alunos, como actantes das interações, também têm o poder de intervir “sobre (e de modificar) os processos em curso”. Essa afirmação aponta uma dimensão pouco estudada nos cursos de formação de professores, 13
  • 14. seja na formação inicial ou na continuada, mas bem observada por Dolz, Gagnon e Decândio (2009, p. 25), ao considerarem “as interações verbais não só como um objeto prioritário, mas como a principal ferramenta das aprendizagens”. É importante, entretanto, somarmos às análises de fala-em-interação análises textuais como as propostas por Machado e Bronckart (2009)11. Valendo-nos do mesmo corpus de dados das aulas da aluna-professora L, apresentamos agora uma análise de viés textual, que, amparando-se em elementos linguísticos pré-determinados, objetiva desvelar as relações entre as escolhas linguísticas/textuais realizadas por L e o desenvolvimento do seu trabalho real/concretizado. A análise de unidades linguísticas sobre as quais incide a responsabilização enunciativa do que é dito no/pelo texto pode ser delimitada a partir da ocorrência de marcas de pessoa, de dêiticos de lugar e de espaço, de marcas de inserção de vozes, de modalizadores do enunciado, de modalizadores subjetivos e de adjetivos, conforme postulam Machado e Bronckart (2009. p. 58 e ss.). Definimos como base para esta análise a observação da presença de marcas de pessoa, entendendo que podemos desvelar, a partir desses índices, elementos singulares (em termos enunciativos/interativos) que constituem o trabalho de L. A observação das marcas de pessoa (pronomes pessoais) presentes nos segmentos relacionados à co-construção do objeto de ensino “produção textual” permite que seja entendida a manutenção, progressão ou transformação do valor atribuído aos índices que revelam o modo como o sujeito enunciador é representado no texto produzido durante o curso de seu agir. Essa constatação é ratificada, em nossos dados, pela demonstração do emprego de índices de pessoa que remetem unicamente a L enquanto professora da classe e gestora do processo didático desenvolvido, como no exemplo a seguir: 928 L: °já falo° ((faz sinal de “pare” com a mão, dirigindo-se ao aluno que a interrompeu)) depois disso a- eu vô levá eles pra casa, vô digitá e vô produzi um jornal com eles 11 Para Bronckart (2006, p. 167), “os textos, uma vez produzidos, estão disponíveis para alimentar o trabalho permanente de compreensão dos desafios e das determinações do agir humano; são „figuras‟ a partir das quais tentamos compreender os outros (agindo ou conhecendo), ao mesmo tempo em que tentamos compreender a nós mesmos”. Para a identificação e interpretação das formas de agir, propõe (MACHADO; BRONCKART, 2009) um conjunto de procedimentos linguístico-discursivos referentes à identificação do contexto de produção do texto e à análise de três níveis: a) organizacional, composto pela infraestrutura textual e pelos elementos de textualização; b) enunciativo, composto pelas vozes que assumem o que é enunciado no texto, assim como pelas diversas avaliações que essas vozes formulam; e c) semântico, que permite detectar os elementos da categoria do agir. 14
  • 15. ((L volta-se para o quadro novamente e escreve jornal)) Ou, ainda, quando ela compartilha com os alunos essa tarefa, co-construindo o processo didático, ao valer-se de uma unidade pronominal que inclui tanto ela quanto os alunos (a gente = L + alunos): 737 L: °então° assim ó NÃO a gente não tem como defini se a mentira ela é totalmente certa ou totalmente errada. vai dependê de cada (.) situação. e é sobre Isso (.) que depois do intervalo vocês vão <escrever> um pouquinho. Considerando, ainda, os índices de pessoa que implicam exclusivamente os alunos na co-construção do objeto de ensino, observamos que esses índices revelaram os modos como L relaciona seus alunos no discurso e no trabalho por ela conduzido. Encontramos notoriedade no emprego do pronome “você”12, conforme ilustra o segmento abaixo: 812 L: o quê que vocês vão fazê? vocês vão escrevê um artigo (.) pra convencer alguém sobre (.) a mentira (1seg) mentira ((ela escreve mentira no quadro)) Nesse sentido, parece que há um forte índice de divisão da responsabilidade enunciativa, demonstrado pelo menor índice de recursos pronominais que remetem unicamente à L enquanto autora, em detrimento do maior índice de unidades pronominais que implicam conjuntamente professora e alunos; ou ainda, do elevado número de índices de pessoa que remetem unicamente aos alunos e às tarefas que eles terão de realizar (para uma análise mais detalhada desse aspecto, ver Carnin, 2011). Talvez essa disparidade na atribuição dos índices de pessoa em relação às ações a serem desenvolvidas se justifique pelo propósito do trabalho desenvolvido em sala de aula: ao mesmo tempo em que a professora se coloca como autora de seu dizer, estando implicada na situação de produção do texto analisado, indica aos alunos que a responsabilidade das ações que ela sugere discursivamente caberão apenas a eles. Ou seja, quando apresenta/explica o objeto de ensino, L está implicada no agir-referente 12 Embora o pronome você seja usualmente classificado como pronome de tratamento, adotamos a possibilidade linguística que seu uso possa ser, também, referente a um pronome pessoa do caso reto, quando exerce a função de sujeito da oração (Cf. MOURA-NEVES, 2000). 15
  • 16. proposto. No entanto, quando remete ao desenvolvimento específico desse agir, L distancia-se, implicando exclusivamente os alunos na realização da produção textual. Selecionamos ainda um exemplo de análise efetivada por Drey (2011)13 em outro momento da mesma aluna-professora, quando ela se propõe a reformular uma tarefa para seus alunos. No final da primeira manhã de filmagens, L percebe que os alunos não terminaram a tarefa formulada inicialmente e solicita atenção do grupo para dar novas instruções. Ela explica que não será possível corrigir as questões na aula em questão e, portanto, os alunos deverão terminar a tarefa em casa. A turma está bastante agitada e se movimenta muito, guardando material e arrumando classes, enquanto L está em pé, na frente da turma, fazendo gestos como levantar a mão para chamar a atenção dos alunos para as instruções. Após a instrução inicial para que as questões sejam finalizadas em casa, muitos alunos reclamam que não haverá tempo para fazer a tarefa, pois, no turno da tarde, eles assistirão a um filme, como tarefa extra da disciplina, e a próxima aula ocorrerá no dia seguinte. Em virtude do excesso de barulho e da dificuldade de negociar uma alternativa com os alunos, L balança a cabeça, num gesto de impaciência e espera para conversar com o grupo. Alguns alunos pedem silêncio ao restante da turma, enquanto L explica que este tem que ser o andamento da tarefa, pois, na aula seguinte, há outras a serem feitas. Ela enfatiza o prazo de entrega, visto que ela precisa realizar a correção dos trabalhos. Uma aluna questiona qual será a tarefa seguinte, e a professora instiga a aluna a retomar o tipo de texto que vem sendo estudado: o artigo de opinião. Alguns alunos reclamam sobre a realização de uma produção de texto na aula seguinte. Logo depois, alguns questionam sobre a confirmação da exibição do filme no turno da tarde, em virtude da necessidade de realização das tarefas, e L lança a pergunta aos alunos, se eles querem ou não assistir ao filme. Entre muito barulho e comentários paralelos, os alunos confirmam que querem assistir ao filme. L pede silêncio novamente, avisando aos alunos que não irão embora enquanto não definirem o que será feito. Diante da afirmativa dos alunos para a exibição do filme, L dá as instruções finais em relação ao horário do filme no turno da tarde, e também retoma a tarefa de realização das questões em casa para correção na aula seguinte. 13 Drey (2011), em sua tese de doutoramento, aponta a necessidade de expandir a análise linguística, de forma a incluir elementos não-verbais, caracterizando uma análise multimodal. Não trataremos dessa questão aqui, mas apontamos sua importância para a melhor compreensão do trabalho concretizado. 16
  • 17. A aula está em seus minutos finais e L parece estar preocupada em seguir seu planejamento de estágio, no qual as atividades têm um tempo planejado, caso contrário, a avaliação, por exemplo, não poderá ser feita. Como se observa na transcrição a seguir, L tem dois objetivos centrais: expor aos alunos a tarefa que deve ser terminada em casa; e dar-lhes poder de decisão sobre a exibição (ou não) de um filme no turno da tarde. 589 L: o pessoal 590 ((bate palmas três vezes para chamar a atenção, já se direcionando para 591 frente da sala)) 592 ALUNA: o professo:ra 593 L: só um poquinho 594 ALUNA: o sora >daí não vai dá?< 595 L: pessoal todo mundo escutando aqui (.) ã:h >a gente não vai< consegui 596 corrigi (.) as questões hoje. vocês terminem elas em <casa> 597 ALUNOS: [ah sora] 598 L: [<que amanhã] no primero período> a gente vai corrigi elas 599 ALUNA: o sora não dá tempo (tem filme de tarde) 600 L: não (.) a gente vai te que transferi o filme porque amanhã a gente tem 601 ((os alunos protestam contra a decisão dela)) 602 L: pessoal (2 seg) pessoa:l escuta aqui (1 seg) amanhã a gente tem 603 ((faz sinal com a cabeça de que está incomodada com os protestos)) 604 ALUNO: [O ESCUTA] 605 ALUNA: [O SILENCIO:] 606 L: [tá difícil] 607 L: amanhã a gente tem que corrigi as questões e no segundo período vocês 608 vão (.) depois do intervalo vai sê feito uma produção de texto (.) que 609 vai valê os outros seis pontos 610 ((alunos ficam surpresos)) 611 L: e amaNHÃ é o prazo MÁximo pra isso porque eu tenho que <corrigi> 612 pra entregá semana que vem. então (.) se não vai dá tempo da gente 613 terminá ho:je a gente vai tê que transferi o filme 614 ALUNA: que tipo de texto (pra entrega)? 615 L: (3 seg) o quê que vocês tão estudando? 616 ALUNA: mentira 617 ALUNA: a mentira 618 L: tipo de texto? 619 ALUNAS: ah 620 L: é um (.) artigo 621 ((todos conversam ao mesmo tempo e não se ouve muito bem o quê a 622 estagiária diz)) 623 L: pra próxima aula eu quero xxx 624 ALUNO: o sora não vai mais te filme? 625 ALUNA: o sora vai te [filme hoje?] 626 ALUNA: [que horas?] 17
  • 18. 627 L: pessoal ((faz sinal para pedir-lhes silêncio)) (2 seg) confirma o filme pra 628 hoje de tarde ou [vocês querem] 629 ALUNOS: [sim] 630 L: transferi? 631 ALUNA: HOJE, HOJE, HOJE, HOJE 632 ((muitos alunos falam ao mesmo tempo)) 633 L: pessoal ((pede silêncio mais uma vez)) (6 seg) PESSOAL 634 ((faz sinal de desaprovação pela falta de atenção que lhe dão)) 635 ALUNO: O A PROFESSORA QUÉ FALÁ AÍ MEU 636 L: vocês só vão saí depois que a gente resolvê então não adianta vocês 637 arrumarem as coisas e eu não consegui falá 638 ALUNA: Sim 639 L: <fica o filme pra hoje de tarde uma e meia aqui na sala de vídeo> 640 ALUNA: Ok 641 L: a a- as questões vocês terminam e a gente corrige amanhã. tá? 642 ALUNA: ok então tá bom Como a exibição do filme não está no planejamento de L, este parece poder ser negociado com os alunos. A partir dos objetivos traçados para este momento da aula – formular a tarefa de continuidade do trabalho e definir a exibição de um filme extra no turno oposto –, uma análise linguística no nível enunciativo parece apontar que L demonstra estar engajada, ao menos num primeiro momento, na realização das tarefas, visto que a expressão “a gente” é utilizada, neste trecho da aula, dez vezes pela aluna- professora, com o mesmo efeito de sentido do pronome pessoal do plural “nós”. L faz uso deste recurso especialmente no início da formulação da tarefa, e utilizando-o em referência à correção da tarefa, como se observa na linha 595: “a gente não vai consegui corrigi as questões hoje”. No entanto, em seguida, na mesma linha, quando L aponta a necessidade de realização do restante da tarefa em casa, a responsabilidade pelo cumprimento da mesma é dos alunos, o que fica evidente pelo uso do pronome “vocês”, em “vocês terminem em casa”. Quando se refere à tarefa de correção dos trabalhos, porém, L assume claramente a postura de professora da turma, o que se nota pelo uso do pronome pessoal de primeira pessoa do singular “eu”, na linha 611, em “eu tenho que corrigi pra entregá semana que vem”. O gestual de L condiz, boa parte do tempo, com a postura assumida pela aluna- professora ao formular a tarefa, considerando a situação da turma naquele momento: eles estão guardando o material, quase prontos para deixar a escola. L está de pé, em 18
  • 19. frente à turma, e passa boa parte do tempo com o braço esquerdo levantado, sinalizando que deseja falar. A turma faz muito barulho e algazarra, e ela é interrompida pelas conversas paralelas diversas vezes. No início da formulação da tarefa, L bate palmas para conseguir chamar a atenção dos alunos para sua fala, e mantém a mão levantada para demonstrar aos alunos, também de forma não verbal, que precisa da atenção do grupo para dar as próximas instruções – como mostra a imagem a seguir: Figura 1: L levanta a mão pedindo silêncio. Fonte: Arquivo de vídeo L 2 – 27 out 09 Em relação à resposta dos alunos, é possível perceber que, além da demora para conseguir dar as instruções da tarefa, L sente dificuldades em construir uma interação frutífera com a turma, do ponto de vista pedagógico. Desde a linha inicial do momento de análise (linha 589) até a linha 607, a professora tenta chamar os alunos a prestarem atenção à tarefa, repetindo o vocativo “pessoal” (referindo-se aos alunos) quatro vezes. Na linha 606, L desabafa com o comentário “tá difícil!”. Além disso, ao dar as instruções sobre o término da tarefa em casa, L precisa repetir o turno de formulação da tarefa três vezes, pois, a cada vez que ela dá a instrução, os alunos protestam e reclamam, argumentando que não haverá tempo para fazer a tarefa, como se observa nas linhas 589 à 610, apresentadas anteriormente. Ela levanta um pouco a voz, na tentativa de ser ouvida, mas o barulho na sala de aula continua. Mesmo assim, L mantém sua postura, sem alterar o tom de voz. As ações de L, no que concerne ao seu tom de voz, assim como demonstrado no primeiro momento de análise, parecem se concentrar em duas manobras: primeira, a pronúncia pausada das palavras, como é visto na linha 598 da transcrição, quando L avisa ao grupo “<que amanhã no primero período”, eles corrigirão as atividades; segunda, a pronúncia crescente em sílabas das palavras “intervalo” (linha 608) e “tarde” (linha 639, abaixo). 19
  • 20. Além disso, há a acentuação da voz em algumas sílabas das palavras “amanhã” e “primero”, marcadas por sublinhado na linha 598. Notemos que os termos aos quais L dá mais ênfase no volume da voz são aqueles que trazem as informações chave aos alunos sobre as tarefas programadas: a frase da linha 598 explicita que as atividades serão corrigidas no início da aula do dia seguinte, e que, após o intervalo dessa aula em curso (linha 608), eles realizarão uma produção de texto. O aumento do volume da voz em certos elementos lexicais pode parecer um detalhe muito pequeno em uma análise multimodal, mas parece revelar nuanças importantes da profissionalidade de L. Apesar do barulho e das conversas intensas dos alunos durante a formulação das tarefas, L prefere fazer uso de recursos como chamar o grupo várias vezes (fazendo uso do termo “pessoal”), aumentando o volume da voz em alguns termos ou enfatizando algumas sílabas, ou, ainda, falando de forma ainda mais pausada algumas frases que trazem informações importantes, além de utilizar o gesto de levantar a mão. Em virtude dos protestos nos alunos, segundos antes, por terem que finalizar a tarefa em casa para entregá-la no dia seguinte, L pergunta se eles decidem ver o filme, uma atividade extraclasse que não estava contemplada em seu planejamento de estágio original. Os alunos, nas linhas subsequentes (625, 632, 638 e 640), manifestam-se favoráveis à exibição do filme – mesmo tendo que realizar, também, o trabalho. Nesse momento final da aula, os alunos fazem ainda mais barulho, o que se verifica das linhas 632 à 637, nas quais se verifica que os alunos falam muito alto e que há muito ruído na sala, L solicita que a turma a escute (repetindo, na linha 633, a palavra “pessoal”, aumentando o tom de voz na segunda repetição) e, gestualmente, balança a cabeça de um lado para o outro, em sinal de negação, demonstrando reprovação pelo barulho excessivo na sala de aula e pela falta de atenção dos alunos às suas instruções. Novamente, é possível observar a conjuntura entre fala e gesto, juntos, na construção de sentido na interação, exemplificada na imagem abaixo, que demonstra o momento em que L consegue o silêncio dos alunos, mas demonstra sua irritação com a falta de cooperação dos estudantes, colocando a mão na cintura enquanto afirma, nas linhas 636 e 637, que os alunos não irão embora se ela não puder dar as instruções referentes à exibição do filme: 20
  • 21. Figura 2: L com as mãos na cintura. Fonte: Arquivo de vídeo L 2 – 27 out 09. Um ponto importante na análise deste momento da aula diz respeito à forma como L se refere aos alunos ao oferecer-lhes a opção de cancelamento da exibição do filme: “vocês querem transferir?” O uso do pronome “vocês” deixa clara a intenção de L de oferecer aos alunos o poder de decisão sobre a realização (ou não) da atividade, assim como a responsabilidade que os alunos têm de terminarem a tarefa em casa, como se observa na linha 641, visto que a opção adotada pela turma em resposta à pergunta a respeito da exibição do filme foi positiva. No entanto, ao tratar de ações que envolvem a turma toda e que necessitam da presença da professora, L faz uso da expressão “a gente”, como na correção da tarefa a ser realizada no dia seguinte (linha 641) e na decisão a respeito da exibição do filme, na linha 636, quando L afirma que os alunos só irão embora após solucionado o impasse. Se L, em dois momentos diferentes da aula, ora se inclui na construção conjunta das tarefas, ora se posiciona singularmente apenas nas tarefas atribuídas, tradicionalmente, à figura da professora, é possível que a aluna-professora esteja enfrentando um dilema na constituição de sua figura profissional. Em alguns momentos, L atua como aluna estagiária, tentando seguir o planejamento proposto e aprovado por sua supervisora (como na tarefa de repetição da leitura oral, primeiro momento analisado, que L parece realizar apenas para cumprir seu planejamento); enquanto isso, em outros momentos, L ensaia uma tomada de consciência de sua profissionalidade como professora, atribuindo a si mesma a responsabilidade por ações como a correção dos trabalhos de produção textual que os alunos devem fazer. Além disso, o que está por trás da decisão de L em dar voz aos alunos para optarem a respeito da exibição do filme, considerando que esta tarefa não estava em seu planejamento? Seria este um momento 21
  • 22. em que L permite a si mesma o controle das ações e decisões da sala de aula? É preciso considerar que o filme não estava no planejamento de estágio, já constituindo uma indicação de L como atora em sua sala de aula. Quando, sob a ótica da multimodalidade, são analisadas as ações realizadas em sala de aula, temos um outro panorama sobre as ações efetivamente concretizadas. Como vimos, muitas vezes as ações demonstradas pela análise textual-discursiva ou de fala-em-interação encontram-se integradas ao gestual. E isso tudo, certamente, leva os alunos, parte essencial do trabalho do professor, a interagirem no sentido da co- construção do objeto de ensino, muitas vezes surpreendendo ou redirecionando o trabalho concretizado em sala de aula. É sobre este aspecto que queremos deixar um grande alerta. Não se pode pressupor que seja fácil ou “natural”, da mesma forma que se faz uma conversa espontânea, interagir com grupos de crianças/adolescentes no papel de alunos. Esta questão merece uma reflexão dos formadores tanto nos cursos de licenciatura em Letras e Pedagogia, como naqueles de formação continuada, pois estamos diante de grandes desafios: a) a consideração das interações multimodais como parte essencial do processo de ensino-aprendizagem e do trabalho do professor significa que a noção de trabalho concretizado como baseada em interações pode ajudar muito a preparação do aluno-professor ou de professores em formação continuada; b) a “instabilidade” das interações ao incorporarmos esta noção e o fato de que elas podem reconfigurar a proposta de ensino planejada; c) a manutenção da profissionalidade docente quando as interações são múltiplas, exuberantes e, ao mesmo tempo, únicas; tudo isso fazendo parte da pilotagem de um projeto de ensino. Não temos respostas para estes desafios, mas mantemos um alerta para a necessidade de trazer o assunto da profissionalidade do docente e, mais especificamente, das interações entre professor/aluno para dentro de nossos cursos de formação, pois, como dissemos desde o título deste capítulo: parece fácil, mas não é... 22
  • 23. REFERÊNCIAS BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006. BRONCKART, J.P. O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. Campinas: Mercado de Letras, 2008. CARNIN, A. Entre a Formação Inicial de Professores de Língua Portuguesa e o Trabalho Real: a (co)construção do objeto de ensino produção textual escrita. Dissertação de Mestrado em Linguística Aplicada. Unisinos: São Leopoldo, 2011. CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. Petrópolis: Vozes, 2006 [1999]. _____. 2004. Uma psicologia histórico-cultural para a compreensão das políticas educativas. Curso ministrado na PUCSP, no LAEL, em setembro de 2004. (mimeo). DANIELLOU, F. LAVILLE, A. TEIGER, C. Fiction et réalité du travail ouvrier. Documentation française: les cahiers français, 209, p. 39-45, 1983. DOLZ, J. et al. As tarefas e suas ambiências em aula de francês. CD-ROM Colóquio DFLM 2001 (Didática do Francês Língua Materna). Tradução de Ana Maria de Mattos Guimarães, 2004. Texto digitado. DOLZ. J.; GAGNON, R.; DECÂNDIO, F. Uma disciplina emergente: a didática das línguas. In.: Nascimento, E. L. (Org.). Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino. São Carlos: Claraluz, 2009, v. 1, p. 19-50. DREY, R. F. O processo inicial de competência profissional docente: por uma análise multimodal do trabalho real/concretizado. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Unisinos: São Leopoldo, 2011. GARCEZ, Pedro M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. In: Calidoscópio, vol. 4, nº 1, p. 66-80, 2006. GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos. O agir educacional nas representações de professores de língua materna. In: GUIMARAES, A.M.M.; MACHADO, A.R; COUTINHO, A. (Org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007, v. 1, p. 201-219. ______. Diversidade social e variedades de língua: variáveis a serem consideradas na interpretação do agir do professor. Estudos Linguísticos/Linguistic Studies, v. 3, p. 269- 286, 2009. HERITAGE, J. Conversation analysis and instituctional talk: analysing data. In: SILVERMAN, D. (ed) Qualitative research: theory, method and practice. 2.ed. London: Sabe Publ. 2004. p.222-245 23
  • 24. KERBRAT-ORECCHIONI, C. Les interactions verbales: tome II. Paris: Armand Colin, 1992. MACHADO, A. R.; BRONCKART, J. P. (Re-)configurações do trabalho do professor construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In: Machado, A.R.; Cristovão, V. L. L.; Abreu-Tardelli, L. S. (Org.). Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas: Mercado de Letras, 2009. MEHAN, H. The structure of classroom discourse. In: T. V. DIJK (org.), Handbook of Discourse Analysis (Vol. 3). Londres, Academic Press, p. 119-131, 1985. NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000. O‟CONNOR, M.C. e MICHAELS, S. Shifting participant frameworks: Orchestrating thinking practices in group discussion. IN: D. HICKS (org.), Discourse, learning and schooling. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 63-103. RAMPTON, B. Language in late modernity: interaction in a urban school. Cambridge: Cambridge Un. Press, 2006. SINCLAIR, J. M.; COULTHARD, R.M. Towards and Analysis of Discourse: The English Used by Teachers and Pupils. London: Oxford University Press, 1975. 24