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Ética da imprensa e sigilo da fonte
Flavio Farah*


Em 14 de julho de 2003, o colunista norte-americano Robert Novak publicou um artigo no
qual ele, citando como fontes dois altos funcionários do governo, identificou Valerie Plame
Wilson, mulher do ex-embaixador Joseph C. Wilson, como agente secreta da CIA (CIA
operative). Ocorre, porém, que, nos Estados Unidos, a divulgação da identidade secreta de
funcionários da inteligência, de agentes e de informantes em geral é considerada crime em
virtude de uma lei de 1982 denominada Intelligence Identities Protection Act.

O embaixador Wilson acusou altos funcionários do governo Bush de terem deliberadamente
revelado a identidade secreta de sua mulher como vingança por sua acusação pública de que a
Casa Branca havia exagerado a ameaça nuclear do governo iraquiano, distorcendo os fatos ao
afirmar que o Iraque havia tentado comprar urânio enriquecido do país africano do Níger para
fabricar uma bomba atômica.

Em 30 de setembro desse mesmo ano, a pedido da CIA, o Departamento de Justiça instaurou
inquérito para investigar se funcionários do governo haviam vazado para a imprensa a identi-
dade de um agente secreto. O promotor Patrick Fitzgerald foi designado para conduzir a in-
vestigação.

Fitzgerald convocou um júri federal e começou a intimar para depor jornalistas que haviam
tido contato com funcionários do governo, como a repórter Judith Miller, do jornal The New
York Times, e o correspondente Matthew Cooper, da revista Time. Ambos, porém, se recusa-
ram a testemunhar para preservar o sigilo de suas fontes de informação.

Face à recusa em depor, o juiz federal Thomas F. Hogan, em 1 de outubro de 2004, condenou
ambos a uma pena de 18 meses de prisão por desacato. Os jornalistas entraram com recurso
junto a um tribunal de segunda instância. Em 15 de fevereiro de 2005, a corte de apelações
negou-lhes o recurso, sentenciando que eles deveriam colaborar com a Justiça porque talvez
tivessem testemunhado um crime federal. Miller e Cooper apelaram novamente, desta vez à
Suprema Corte dos Estados Unidos, e novamente perderam, pois, em 27 de junho, a mais alta
instância judiciária norte-americana negou-se a apreciar seu caso sob a justificativa de que
não se tratava de matéria constitucional. Em outras palavras, a Suprema Corte entendeu que o
sigilo da fonte não é protegido pela Constituição norte-americana.

Em 29 de junho, o juiz Hogan deu-lhes uma semana de prazo para revelarem suas fontes, sob
pena de prisão. Em 6 de julho, Cooper concordou em testemunhar, afirmando que, à última
hora, recebeu um telefonema de sua fonte liberando-o do compromisso de confidencialidade.
Nesse mesmo dia, Miller foi presa por ter mantido a recusa em depor.

A prisão de Judith Miller provocou um choque nos meios de comunicação nacionais e inter-
nacionais. No Brasil, não só os principais veículos impressos mas também entidades como a
ABI – Associação Brasileira de Imprensa, a ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo condenaram
o encarceramento da repórter, considerando-o como um sério atentado à liberdade de im-
prensa e ao princípio do sigilo da fonte. Miller, por seu lado, foi considerada uma espécie de
heroína e mártir da liberdade de imprensa.

Por estas terras, todavia, uma voz solitária ousou desafiar a unanimidade vigente. O jornalista
Argemiro Ferreira proclamou: “Poupem as lágrimas apressadas pela decisão da Suprema
Corte americana de não analisar o caso de repórteres do “New York Times” e da revista
“Time” que se negam a identificar fontes”.

Segundo Ferreira, Miller e Cooper circulavam pelos corredores do poder em Washington e
eram premiados com vazamentos. Mas recebiam esse prêmio não por serem profissionais
competentes ou honestos, por produzirem texto de qualidade, ou pela capacidade de análise.
Eram escolhidos porque se prestavam à manipulação. No caso, manipulação de funcionários
do governo que desejavam vingar-se do embaixador Wilson.

O jornalista afirmou existirem várias categorias de fontes anônimas. Uma dessas categorias é
constituída de pessoas que praticam ou praticaram crimes e que, por esse motivo, não devem
receber a proteção proporcionada pelo princípio do sigilo da fonte. Ferreira sustentava que
bons jornalistas têm que repelir o privilégio do sigilo quando este é usado para servir ao po-
der. Ele defendeu a tese de que, se qualquer cidadão tem o dever de testemunhar ao saber de
um crime, o mesmo vale para jornalistas, em especial para os privilegiados que têm acesso à
cúpula do governo. Para Ferreira, o bom profissional deve apurar a verdade sem assumir o
compromisso de proteger criminosos.(1)

De minha parte, tomo como ponto de partida o entendimento de que o direito de informar não
é autônomo nem se destina a beneficiar a própria imprensa, mas constitui um acessório do di-
reito principal, que é o direito que tem a sociedade de ser informada sobre os fatos. O direito
de informar só existe em função do direito de ser informado, de obter a informação.(2)

Dizer que a sociedade tem o direito de ser informada significa dizer que os cidadãos têm a
prerrogativa de abrir mão desse direito. Quer dizer, a sociedade pode decidir que não deseja
receber determinados tipos de informação para melhor resguardar seus próprios interesses.
Foi o que aconteceu no presente caso. A sociedade norte-americana decidiu, por meio de seus
legítimos representantes, que a identidade dos agentes secretos deveria ser mantida em sigilo.
E tão sério foi considerado esse sigilo que sua violação foi caracterizada como crime. Em tais
circunstâncias, tem a imprensa o direito de contrapor-se à vontade do povo? Pode um jorna-
lista norte-americano alegar interesse público para divulgar a identidade de um agente secreto
se, neste caso, o interesse público, por expressa determinação legal, reside justamente no
oposto, ou seja, na não veiculação da informação?

Em relação aos jornalistas que foram intimados a depor, não compreendo como a manutenção
do sigilo da fonte pode servir ao interesse público, pois, no caso, o sigilo só serve para prote-
ger a identidade de quem violou a lei. Ao proteger a identidade de um possível criminoso,
esses jornalistas não estão se tornando cúmplices do crime? Não estão impedindo a aplicação
da lei?
Em fevereiro de 2003, a revista Isto É publicou reportagem na qual o repórter Luiz Cláudio
Cunha revelava que o senador Antônio Carlos Magalhães (1927 – 2007) tinha sido o man-
dante de uma gigantesca operação de escuta telefônica executada ilegalmente pela Secretaria
de Segurança Pública da Bahia. Ocorre que o próprio senador tinha feito a confissão ao repór-
ter, pedindo a este que guardasse sigilo.

Cunha foi criticado de forma generalizada por seus colegas de imprensa por ter tornado públi-
ca uma declaração feita em caráter confidencial, violando, assim, o compromisso de manter o
sigilo de sua fonte. Em depoimento perante o Conselho de Ética do Senado, o repórter sus-
tentou que a confidencialidade foi quebrada por uma decisão da direção da revista, depois que
a Polícia Federal informou que a escuta tinha sido um crime praticado por um órgão estatal.
Cunha afirmou que, a partir desse momento, o senador deixou de ser fonte para se tornar alvo
de investigação policial como suspeito de uma ação criminosa.(3)

Comentando o assunto, a jornalista Dora Kramer opinou que, assim como é crime o uso jor-
nalístico de material obtido de forma ilícita, também é ilícito fazer uso do sigilo da fonte para
acobertar uma ilegalidade. “Uma coisa é o direito que resguarda o exercício profissional. Ou-
tra bem diferente é o dever de submissão à lei. Este dever implica a observância do discerni-
mento na revelação de fatos oriundos de ações criminosas, sob pena de criarmos uma catego-
ria de cúmplices profissionais.”(4)

Se os jornalistas norte-americanos Miller e Cooper fossem brasileiros, eles não teriam sofrido
qualquer penalidade, pois a Constituição Federal garante o sigilo da fonte. No Brasil, os jorna-
listas não podem ser obrigados a revelar o nome de seus informantes ou a fonte de suas infor-
mações.(5)

Parece que, do ponto de vista legal, os profissionais de imprensa brasileiros estão perfeita-
mente amparados. Suponham-se, porém, as seguintes hipóteses. Um jornalista: (1) divulga a
ocorrência de um crime mas omite o nome do criminoso, pois este lhe pediu sigilo;
(2) publica o conteúdo de uma escuta telefônica feita com autorização judicial, conteúdo que
lhe foi vazado por um agente público; (3) divulga informações de um processo protegido pelo
segredo de justiça. Note-se que, embora a lei defina como crime a quebra do sigilo das
comunicações telefônicas sem autorização judicial ou a violação do segredo de justiça, não se
costuma processar criminalmente o jornalista por essas ocorrências em virtude do entendi-
mento de que a responsabilidade por manter o sigilo cabe exclusivamente ao agente público; o
jornalista não é, portanto, co-autor do delito. No campo da moral, porém, será ética a publi-
cação da informação? Se o profissional pensasse, ainda que de forma equivocada, estar cum-
prindo um dever, poder-se-ia desculpá-lo. Ocorre que os órgãos de imprensa usam rotineira-
mente esses vazamentos de informação para produzir “furos” de reportagem que lhes rendem
prestígio. Existe, assim, forte suspeita de que tais vazamentos não são publicados apenas e tão
somente por dever, mas por interesse. Por outro lado, o auxílio dos meios de comunicação
tem sido decisivo para que os agentes públicos cometam os crimes de quebra de sigilo de co-
municações telefônicas e de violação de segredo de justiça. Esses fatos me levam a concluir
que a publicação dessas informações é imoral.
Notas

(1) FERREIRA, Argemiro. “Porque dona Judith Miller não é vítima nem heroína”. Disponível em:
   www.tribuna.inf.br/anteriores/2005/junho/29/coluna.asp?coluna=argemiro. Acesso em 16.08.05.
(2) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores,
   2001. p. 250.
(3) CUNHA, Luiz Cláudio. “A hora de quebrar o off”, Jornal O Globo, 10.04.03. Disponível em:
   http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp1604200391.htm.
(4) KRAMER, Dora. “Entre o dever e o direito”, Jornal O Estado de S. Paulo, 04.04.03. Disponível
   em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp0904200391.htm. Acesso em 28.07.05 .
(5) BARRETTO, Carlos Roberto. “Sigilo da fonte”, Jus Navigandi. Disponível em:
   http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7167. Acesso em 16.08.05 .

* Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na
gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com .

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Ética da Imprensa e sigilo da fonte

  • 1. Ética da imprensa e sigilo da fonte Flavio Farah* Em 14 de julho de 2003, o colunista norte-americano Robert Novak publicou um artigo no qual ele, citando como fontes dois altos funcionários do governo, identificou Valerie Plame Wilson, mulher do ex-embaixador Joseph C. Wilson, como agente secreta da CIA (CIA operative). Ocorre, porém, que, nos Estados Unidos, a divulgação da identidade secreta de funcionários da inteligência, de agentes e de informantes em geral é considerada crime em virtude de uma lei de 1982 denominada Intelligence Identities Protection Act. O embaixador Wilson acusou altos funcionários do governo Bush de terem deliberadamente revelado a identidade secreta de sua mulher como vingança por sua acusação pública de que a Casa Branca havia exagerado a ameaça nuclear do governo iraquiano, distorcendo os fatos ao afirmar que o Iraque havia tentado comprar urânio enriquecido do país africano do Níger para fabricar uma bomba atômica. Em 30 de setembro desse mesmo ano, a pedido da CIA, o Departamento de Justiça instaurou inquérito para investigar se funcionários do governo haviam vazado para a imprensa a identi- dade de um agente secreto. O promotor Patrick Fitzgerald foi designado para conduzir a in- vestigação. Fitzgerald convocou um júri federal e começou a intimar para depor jornalistas que haviam tido contato com funcionários do governo, como a repórter Judith Miller, do jornal The New York Times, e o correspondente Matthew Cooper, da revista Time. Ambos, porém, se recusa- ram a testemunhar para preservar o sigilo de suas fontes de informação. Face à recusa em depor, o juiz federal Thomas F. Hogan, em 1 de outubro de 2004, condenou ambos a uma pena de 18 meses de prisão por desacato. Os jornalistas entraram com recurso junto a um tribunal de segunda instância. Em 15 de fevereiro de 2005, a corte de apelações negou-lhes o recurso, sentenciando que eles deveriam colaborar com a Justiça porque talvez tivessem testemunhado um crime federal. Miller e Cooper apelaram novamente, desta vez à Suprema Corte dos Estados Unidos, e novamente perderam, pois, em 27 de junho, a mais alta instância judiciária norte-americana negou-se a apreciar seu caso sob a justificativa de que não se tratava de matéria constitucional. Em outras palavras, a Suprema Corte entendeu que o sigilo da fonte não é protegido pela Constituição norte-americana. Em 29 de junho, o juiz Hogan deu-lhes uma semana de prazo para revelarem suas fontes, sob pena de prisão. Em 6 de julho, Cooper concordou em testemunhar, afirmando que, à última hora, recebeu um telefonema de sua fonte liberando-o do compromisso de confidencialidade. Nesse mesmo dia, Miller foi presa por ter mantido a recusa em depor. A prisão de Judith Miller provocou um choque nos meios de comunicação nacionais e inter- nacionais. No Brasil, não só os principais veículos impressos mas também entidades como a ABI – Associação Brasileira de Imprensa, a ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo condenaram o encarceramento da repórter, considerando-o como um sério atentado à liberdade de im-
  • 2. prensa e ao princípio do sigilo da fonte. Miller, por seu lado, foi considerada uma espécie de heroína e mártir da liberdade de imprensa. Por estas terras, todavia, uma voz solitária ousou desafiar a unanimidade vigente. O jornalista Argemiro Ferreira proclamou: “Poupem as lágrimas apressadas pela decisão da Suprema Corte americana de não analisar o caso de repórteres do “New York Times” e da revista “Time” que se negam a identificar fontes”. Segundo Ferreira, Miller e Cooper circulavam pelos corredores do poder em Washington e eram premiados com vazamentos. Mas recebiam esse prêmio não por serem profissionais competentes ou honestos, por produzirem texto de qualidade, ou pela capacidade de análise. Eram escolhidos porque se prestavam à manipulação. No caso, manipulação de funcionários do governo que desejavam vingar-se do embaixador Wilson. O jornalista afirmou existirem várias categorias de fontes anônimas. Uma dessas categorias é constituída de pessoas que praticam ou praticaram crimes e que, por esse motivo, não devem receber a proteção proporcionada pelo princípio do sigilo da fonte. Ferreira sustentava que bons jornalistas têm que repelir o privilégio do sigilo quando este é usado para servir ao po- der. Ele defendeu a tese de que, se qualquer cidadão tem o dever de testemunhar ao saber de um crime, o mesmo vale para jornalistas, em especial para os privilegiados que têm acesso à cúpula do governo. Para Ferreira, o bom profissional deve apurar a verdade sem assumir o compromisso de proteger criminosos.(1) De minha parte, tomo como ponto de partida o entendimento de que o direito de informar não é autônomo nem se destina a beneficiar a própria imprensa, mas constitui um acessório do di- reito principal, que é o direito que tem a sociedade de ser informada sobre os fatos. O direito de informar só existe em função do direito de ser informado, de obter a informação.(2) Dizer que a sociedade tem o direito de ser informada significa dizer que os cidadãos têm a prerrogativa de abrir mão desse direito. Quer dizer, a sociedade pode decidir que não deseja receber determinados tipos de informação para melhor resguardar seus próprios interesses. Foi o que aconteceu no presente caso. A sociedade norte-americana decidiu, por meio de seus legítimos representantes, que a identidade dos agentes secretos deveria ser mantida em sigilo. E tão sério foi considerado esse sigilo que sua violação foi caracterizada como crime. Em tais circunstâncias, tem a imprensa o direito de contrapor-se à vontade do povo? Pode um jorna- lista norte-americano alegar interesse público para divulgar a identidade de um agente secreto se, neste caso, o interesse público, por expressa determinação legal, reside justamente no oposto, ou seja, na não veiculação da informação? Em relação aos jornalistas que foram intimados a depor, não compreendo como a manutenção do sigilo da fonte pode servir ao interesse público, pois, no caso, o sigilo só serve para prote- ger a identidade de quem violou a lei. Ao proteger a identidade de um possível criminoso, esses jornalistas não estão se tornando cúmplices do crime? Não estão impedindo a aplicação da lei?
  • 3. Em fevereiro de 2003, a revista Isto É publicou reportagem na qual o repórter Luiz Cláudio Cunha revelava que o senador Antônio Carlos Magalhães (1927 – 2007) tinha sido o man- dante de uma gigantesca operação de escuta telefônica executada ilegalmente pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Ocorre que o próprio senador tinha feito a confissão ao repór- ter, pedindo a este que guardasse sigilo. Cunha foi criticado de forma generalizada por seus colegas de imprensa por ter tornado públi- ca uma declaração feita em caráter confidencial, violando, assim, o compromisso de manter o sigilo de sua fonte. Em depoimento perante o Conselho de Ética do Senado, o repórter sus- tentou que a confidencialidade foi quebrada por uma decisão da direção da revista, depois que a Polícia Federal informou que a escuta tinha sido um crime praticado por um órgão estatal. Cunha afirmou que, a partir desse momento, o senador deixou de ser fonte para se tornar alvo de investigação policial como suspeito de uma ação criminosa.(3) Comentando o assunto, a jornalista Dora Kramer opinou que, assim como é crime o uso jor- nalístico de material obtido de forma ilícita, também é ilícito fazer uso do sigilo da fonte para acobertar uma ilegalidade. “Uma coisa é o direito que resguarda o exercício profissional. Ou- tra bem diferente é o dever de submissão à lei. Este dever implica a observância do discerni- mento na revelação de fatos oriundos de ações criminosas, sob pena de criarmos uma catego- ria de cúmplices profissionais.”(4) Se os jornalistas norte-americanos Miller e Cooper fossem brasileiros, eles não teriam sofrido qualquer penalidade, pois a Constituição Federal garante o sigilo da fonte. No Brasil, os jorna- listas não podem ser obrigados a revelar o nome de seus informantes ou a fonte de suas infor- mações.(5) Parece que, do ponto de vista legal, os profissionais de imprensa brasileiros estão perfeita- mente amparados. Suponham-se, porém, as seguintes hipóteses. Um jornalista: (1) divulga a ocorrência de um crime mas omite o nome do criminoso, pois este lhe pediu sigilo; (2) publica o conteúdo de uma escuta telefônica feita com autorização judicial, conteúdo que lhe foi vazado por um agente público; (3) divulga informações de um processo protegido pelo segredo de justiça. Note-se que, embora a lei defina como crime a quebra do sigilo das comunicações telefônicas sem autorização judicial ou a violação do segredo de justiça, não se costuma processar criminalmente o jornalista por essas ocorrências em virtude do entendi- mento de que a responsabilidade por manter o sigilo cabe exclusivamente ao agente público; o jornalista não é, portanto, co-autor do delito. No campo da moral, porém, será ética a publi- cação da informação? Se o profissional pensasse, ainda que de forma equivocada, estar cum- prindo um dever, poder-se-ia desculpá-lo. Ocorre que os órgãos de imprensa usam rotineira- mente esses vazamentos de informação para produzir “furos” de reportagem que lhes rendem prestígio. Existe, assim, forte suspeita de que tais vazamentos não são publicados apenas e tão somente por dever, mas por interesse. Por outro lado, o auxílio dos meios de comunicação tem sido decisivo para que os agentes públicos cometam os crimes de quebra de sigilo de co- municações telefônicas e de violação de segredo de justiça. Esses fatos me levam a concluir que a publicação dessas informações é imoral.
  • 4. Notas (1) FERREIRA, Argemiro. “Porque dona Judith Miller não é vítima nem heroína”. Disponível em: www.tribuna.inf.br/anteriores/2005/junho/29/coluna.asp?coluna=argemiro. Acesso em 16.08.05. (2) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 250. (3) CUNHA, Luiz Cláudio. “A hora de quebrar o off”, Jornal O Globo, 10.04.03. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp1604200391.htm. (4) KRAMER, Dora. “Entre o dever e o direito”, Jornal O Estado de S. Paulo, 04.04.03. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp0904200391.htm. Acesso em 28.07.05 . (5) BARRETTO, Carlos Roberto. “Sigilo da fonte”, Jus Navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7167. Acesso em 16.08.05 . * Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com .