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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo




               Reabilitação Urbana na região da Estação da Luz
uma proposta fundamentada no reconhecimento do patrimônio histórico nas quadras
         entre as ruas General Osório, Protestantes, Vitória e Andradas




                   Trabalho Final de Graduação . Dezembro 2010
         Flávia Taliberti Pereto . orientador. Prof. Artur Simões Rozestraten
Sumário

Dedicatória	 	                 	           	            	             	            	            	            	            	          7
Agradecimentos	                	           	            	             	            	            	            	            	          9
1.	Introdução																																																																																																																							 
	            1.1.	Apresentação	do	tema																																																																												                   
	            1.2.	Objetivo	e	método																																																																																												 4
2.	O	Patrimônio	histórico	e	os	Centros	históricos	urbanos																																										 5
3.	Processos	de	requalificação	de	centros	históricos																																																										 0
	            3.1.	Exemplos	internacionais																																																																																				0
	            	        3.1.1.	Centro	Histórico	de	Bologna,	Itália																																															 0
	            	        3.1.2.	Centro	Histórico	de	Madrid,	Espanha																																										 
	            	        3.1.3.	Malecón	de	Havana,	Cuba																																																						                           6
	            3.2.	Exemplos	brasileiros																																																																													       	          
	            	        3.2.1.	Centro	Histórico	de	Salvador,	Bahia																																																	                   
	            	        3.2.2.	Corredor	Cultural,	Rio	de	Janeiro	e	o	caso	da	região	da	Lapa							 6
	            	        	        3.2.2.1.	O	caso	da	Lapa																																																								                       40
4.	A	requalificação	urbana	em	São	Paulo																																																																	                             4
	            4.1. Histórico	do	centro	de	São	Paulo																																																							 	                          4
	            4.2. Agentes	que	viabilizam	intervenções	urbanas	em	São	Paulo															                                            45
	            	        4.2.1.	EMURB																																																																																		                 46
	            	        	        4.2.1.1.	Operações	Urbanas																																																								 46
	            	        4.2.2.	Programa	PROCENTRO																																																						                                49
																      4.2.3.	Viva	o	Centro																																																																										                 5
	            	        	        4.2.3.1.	Intervenções	da	Associação	Viva	o	Centro																                                     54
	            	        4.2.4. Programa	Monumenta																																																					 	                               57
	            4.3.	Intervenções	urbanas	no	centro	de	São	Paulo																																	 	                                     59
	            	        4.3.1. Corredor	Cultural																																																																														60																								
	            	        4.3.2.	Programa	Nova	Luz																																																																											6
4.3.2.1.	Zoneamento																																																											                   66
	       	        	        4.3.2.2.	Dados	importantes	sobre	a	Nova	Luz																					                                 70																		
5.	Projeto	de	reabilitação	urbana	para	um	trecho	da	cidade																																							                          7																																
	       5.1. Visitas	ao	centro	da	cidade																																																																																7																									
	       5.2.	Local	do	projeto																																																																																													 88
6.	Definição	e	diagnóstico	da	área	de	projeto		 	                         	            	            	            	         90
7. Desenvolvimento	do	projeto		    	            	            	            	            	            	            	         
	       7.1. Contextualização		 	               	            	            	            	            	            	         
	       7.2. Projeto		 	           	            	            	            	            	            	            	         5
	       7.3.	Comparativo	entre	usos	do	solo	atual	e	proposto		 	                                    	            	         8
	       7.4.	Análise	dos	usos	do	solo	propostos	em	cada	quadra		                                    	            	         
	       	        7.4.1.	Quadra				             	            	            	            	            	            	         
	       	        7.4.2.	Quadra			              	            	            	            	            	            	         4
	       	        7.4.3.	Quadra			              	            	            	            	            	            	         6
	       	        7.4.4.	Quadra	4		              	            	            	            	            	            	         8
	       7.5.	Análises	individuais		             	            	            	            	            	            	         4
8.		Projeto	dos	espaços	públicos	e	semi-público	                          	            	            	            	         8
	       	        8.1.	Quadra			 	              	            	            	            	            	            	         8
	       	        8.2.	Quadra			 	              	            	            	            	            	            	         9
	       	        8.3.	Quadra			 	              	            	            	            	            	            	         40
	       	        8.4.	Quadra	4		 	              	            	            	            	            	            	         4
9.Considerações	Finais		           	            	            	            	            	            	            	         4
10.	Bibliografia	e	sitiografia		 	              	            	            	            	            	            	         44




4
Flávia Taliberti Pereto
vista da Rua General Couto Magalhães - Nova Luz
                                                  5
6
Dedicatória




              Aos meus pais Carmen e Fernando e às minhas irmãs Adriana, Fernanda e Camila
                                                           por sempre estarem ao meu lado.




                                                                                        7
8
Agradecimentos




                          Ao meu dedicado orientador Prof. Dr. Artur Simões Rozestraten,
                 pelo entusiasmo, pelo conhecimento, pelo incentivo e por me animar cada
                                                   vez mais com o meu próprio trabalho.
                             Aos meus queridos amigos Luisa e Gabriel por toda a ajuda no
                 desenvolvimento do meu trabalho e por estarem ao meu lado também nos
                                                                   momentos de nervoso.
                         Um especial agradecimento ao Dr. Jorge Wilheim pela importante
                                 influência em despertar o meu interesse pelo urbanismo.



                                                                                      9
0
1. Introdução


1.1. Apresentação do tema


	        Atualmente	 a	 temática	 de	 questões	 urbanas	 quanto	 ao	 crescimento,	 o	 desenvolvimento	 e	 o	 futuro	
das	cidades	tem	sido	muito	discutida.	Um	importante	exemplo	da	representatividade	de	tais	assuntos	é	a	
Exposição	Mundial	(Expo)	de	00,	realizada	em	Xangai,	China,	que	tem	como	tema	“Cidade	Melhor,	Vida	
Melhor”	onde	a	vida	nas	cidades	é	discutida	a	partir	de	quatro	frentes:	“Cidades	Habitáveis”,	“Urbanização	
Sustentável”,	“Proteção	e	Patrimônio	Histórico”	e	“Inovação	Tecnológica”.	A	partir	desses	quatro	temas	da	
Expo	00,	expostos	no	jornal	“O	Estado	de	São	Paulo”	(5/04/00),	vê-se	que	as	questões	do	cuidado	com	
o	patrimônio	histórico	e	da	relação	entre	cidadão	e	cidade	são	de	grande	importância	para	o	desenvolvimento	
e	o	crescimento	das	cidades	atualmente,	assunto	que	será	bastante	discutido	nessa	pesquisa.
	        Na	cidade	de	São	Paulo	os	projetos	de	reabilitação	e	revalorização	urbana	propostos	e	desenvolvidos	
no	centro	da	cidade	também	vêm	gerando	grandes	discussões	sobre	o	tema	e	a	partir	da	representatividade	
do	assunto,	o	presente	trabalho	pretende	desenvolver	um	projeto	de	reabilitação	de	um	trecho	do	centro	da	
cidade	 de	 São	 Paulo,	 mais	 especificamente	 na	 região	 da	 Cracolândia,	 onde	 está	 sendo	 discutido	 o	 projeto	
Nova	Luz,	como	forma	de	identificar	e	desenvolver	questões	quanto	ao	papel	do	patrimônio	histórico	nessas	
políticas	de	revalorização	de	centros	urbanos	tomando	como	exemplo	o	caso	da	cidade	de	São	Paulo.
	        “Como	qualquer	organismo	vivo,	a	cidade	permanentemente	se	transforma	e	vai	se	tornando	o	registro	im-
placável	da	própria	sociedade”.	A	frase	de	Benedito	Lima	de	Toledo	mostra	que	a	preservação	do	patrimônio	
histórico	é	um	fator	essencial	para	a	sociedade	e	para	a	vida	da	cidade,	pois	resgata	a	sua	identidade	e	gera	
orgulho	para	os	seus	habitantes	ao	mesmo	tempo	em	que	explora	o	caráter	mutável	de	uma	cidade	em	desen-
volvimento,	fator	que	os	patrimônios	arquitetônicos	têm	que	acompanhar	para	poder	sobreviver.
	        É	muito	importante	que	os	cidadãos	tenham	um	relacionamento	saudável	com	o	centro	de	suas	ci-
dades,	pois	isso	os	atrai	de	volta	e	dinamiza	a	vida	da	região,	o	que	melhora	a	imagem	desses	centros	urbanos.	
“A	preservação	associou-se	à	necessidade	de	manter	a	diversidade	cultural	da	nação	e	inseriu	o	passado	ou	a	tradição	
como	referenciais	no	processo	de	desenvolvimento	econômico	e	cultural”	(CASTILHO,	998,	p.).	As	característi-
cas	únicas	e	próprias	de	cada	centro	histórico	são	a	base	para	a	melhoria	da	qualidade	de	vida	nesses	locais.		
	        De	 acordo	 com	 Vargas	 e	 Castilho	 (009)	 as	 políticas	 de	 recuperação	 de	 áreas	 centrais	 no	 Brasil	
começaram	a	ser	organizadas	no	ano	de	979,	a	partir	da	criação	de	duas	entidades	na	estrutura	do	Ministério	
de	Educação	e	Cultura:	a	Secretaria	de	Patrimônio	Histórico	e	Artístico	Nacional	e	a	Fundação	Pró-Memória.	           	
Nove	anos	depois	foi	realizado	no	Brasil	o	“°	Seminário	para	a	Revitalização	de	Centros	Históricos”	de	onde	
foi	 elaborada	 a	 “Carta	 de	 Petrópolis”,	 documento	 que	 organiza	 as	 premissas	 para	 a	 preservação	 de	 locais	
históricos	urbanos.	
	        Nesse	mesmo	período	estavam	sendo	desenvolvidos	na	Europa	projetos	de	Preservação	Urbana	dos	
centros	históricos,	como	no	caso	de	Bologna,	na	Itália	e	em	Madrid,	na	Espanha.	Essa	tipologia	de	intervenção	
inclui	a	preservação	e	a	restauração	de	edifícios	históricos,	incorporando-os	nos	projetos	de	reestruturação	
das	atividades	no	centro.	O	forte	significado	cultural	dos	centros	históricos	europeus	conseguiu	conter	o	pro-
cesso	de	deterioração	e	impedir	as	demolições	em	larga	escala,	resultando	em	idéias	contrárias	ao	que	estava	
sendo	realizado	na	década	anterior	(950/60),	principalmente	nos	centros	de	cidades	norte-americanas,	onde	
a	idéia	principal	era	a	de	Renovação	Urbana,	tipologia	de	intervenção	que	assumia	a	preferência	pelo	novo	e	

                                     	centro	de	cidade	nos	EUA,	anos	60.




                                                      edifício	Metropolis,	Madrid.	(996)
realizava	grandes	demolições	sem	nenhuma	preocupação	com	o	patrimônio	histórico	existente.
	       Segundo	a	historiadora	Françoise	Choay	(00),	até	o	século	XIX	pouco	se	discutia	quanto	ao	espaço	
urbano	e,	o	conceito	de	cidade	como	um	bem	patrimonial	só	começou	a	ser	discutido	depois	da	Segunda	
Guerra	Mundial.	Mas	foi	só	a	partir	da	década	de	990	que	essa	idéia	realmente	floresceu.	
                              “A	conversão	da	cidade	material	em	objeto	de	conhecimento	histórico	foi	motivada	
                              pela	 transformação	 do	 espaço	 urbano	 que	 se	 seguiu	 à	 revolução	 industrial:	 per-
                              turbação	traumática	do	meio	tradicional,	emergência	de	outras	escalas	viárias	e	
                              parcelares.	É,	então,	pelo	efeito	da	diferença	(...)	por	contraste,	que	a	cidade	antiga	
                              se	torna	objeto	de	investigação.”	(CHOAY,00,	p.79)	
	       Mais	adiante,	no	mesmo	texto,	Choay	discute	sobre	a	presença	do	patrimônio	histórico	nas	cidades:	

                                  “Quer	o	urbanismo	se	empenhasse	em	destruir	os	conjuntos	urbanos	antigos,	quer	
                                  procurasse	preservá-los,	 foi	 justamente	tornando-se	 um	 obstáculo	 ao	 livre	 desdo-
                                  bramento	de	novas	modalidades	de	organização	do	espaço	urbano	que	as	forma-
                                  ções	antigas	adquiriram	sua	identidade	conceitual.	A	noção	de	patrimônio	urbano	
                                  histórico	 constituiu-se	 na	 contramão	 do	 processo	 de	 urbanização	 dominante.”	
                                  (CHOAY,00,	p.79)	

	       A	partir	desse	pensamento	conclui-se	que	o	patrimônio	histórico	edificado	sempre	foi	um	ponto	dis-
cutido	nas	políticas	de	intervenção	urbana	e	fez	parte	do	processo	de	formação	dessas	políticas	agindo	como	
uma	resistência	ao	desenvolvimento	e	implantação	de	determinadas	intervenções.	
	       Com	essa	breve	contextualização	histórica,	observa-se	que	as	políticas	de	recuperação	de	áreas	cen-
trais	no	Brasil	foram	desenvolvidas	no	período	da	Preservação	Urbana,	aproximando-se	do	modo	de	inter-
venção	europeu	onde	as	estratégias	de	recuperação	de	áreas	urbanas	são	fundamentadas	na	preservação	do	
patrimônio	histórico.	Dessa	forma,	tanto	o	estudo	histórico	quanto	o	projeto	desenvolvidos	nesse	Trabalho	
Final	 de	 Graduação	 terão	 como	 base	 os	 ideais	 da	 Preservação	 Urbana,	 culminando	 na	 elaboração	 de	 um	
projeto	urbano	para	um	trecho	de	cidade	com	base	na	presença	e	na	preservação	do	patrimônio	histórico	e	
arquitetônico	existente.
1.2. Objetivo e método


	       Existem	diversos	projetos	de	reabilitação	de	centros	urbanos	onde	o	patrimônio	histórico	é	a	base	para	
o	seu	desenvolvimento	como,	por	exemplo,	o	projeto-piloto	de	Lina	Bo	Bardi	para	o	Pelourinho	em	Salvador	
e	o	projeto	elaborado	numa	cooperação	entre	Espanha	e	Cuba	para	a	região	da	Avenida	Malecón	em	Havana,	
Cuba.	Dessa	forma,	através	de	pesquisas	de	casos	de	requalificação	de	centros	históricos,	tanto	em	cidades	
estrangeiras	quanto	brasileiras,	foi	estudada	a	maneira	como	o	patrimônio	histórico	desses	locais	foi	levado	
em	consideração	para	a	realização	de	tais	projetos,	buscando	formar	uma	base	teórica	consistente	que	auxilie	
no	desenvolvimento	de	um	projeto	para	uma	pequena	área	do	centro	de	São	Paulo.	Além	disso,	também	foi	
estudada	a	forma	como	foi	tratada	a	população	e	a	vida	cotidiana	existente	nesses	centros	urbanos,	visando	
propor	um	projeto	que	respeite	e	inclua	a	população	residente	no	local	e	melhore	as	suas	condições	de	vida,	
atraindo	para	o	local	uma	dinâmica	saudável	no	dia-a-dia.	
	       Concomitantemente	a	essa	pesquisa	teórica,	foram	realizadas	visitas	ao	centro	da	cidade	de	São	Paulo,	
para	selecionar	locais	representativos	para	a	história	da	cidade	e	que	necessitem	de	uma	proposta	de	reabilita-
ção.	Essas	visitas	também	tiveram	a	intenção	de	vivenciar	esses	espaços	da	cidade	e	entender	a	sua	dinâmica	
quanto	ao	horário	de	funcionamento	de	seus	pontos	comerciais,	circulação	de	veículos,	utilização	das	calçadas	
e	os	focos	de	maior	movimentação	durante	o	dia	e	durante	a	noite	e	também	os	tipos	de	usos	do	solo.	Após	
a	escolha	definitiva,	foram	realizadas	outras	visitas	ao	centro	histórico	da	cidade,	dessa	vez	focadas	apenas	
no	local	escolhido,	com	a	intenção	de	estudar	detalhadamente	a	área	e	o	seu	entorno	próximo	para	que	fosse	
desenvolvido	um	projeto	coerente	para	o	local.		




vista	da	cidade	de	São	Paulo	a	partir	do	mirante	do	Edifício	Altino	Arantes.




4
2. O Patrimônio histórico e os Centros históricos urbanos



	       A	área	central	de	uma	cidade	abrange	um	bairro	ou	um	conjunto	de	bairros	consolidados	marcados	
por	possuírem	uma	infra-estrutura	urbana	rica	e	já	bem	estabelecida,	serviços	e	equipamentos	públicos,	mui-
tas	oportunidades	de	trabalho	e	grande	potencial	habitacional	já	que	é	geralmente	uma	região	densamente	
edificada.	Soma-se	a	isso	o	seu	importante	caráter	cultural	por	ser	o	local	onde	a	cidade	começou	e,	portanto	
onde	se	concentra	a	grande	maioria	do	seu	patrimônio	histórico	edificado.			
	       Apesar	de	todas	essas	características	é	muito	comum	nas	grandes	cidades	um	movimento	de	aban-
dono	dessa	área	devido	à	formação	de	novos	centros	na	cidade	que	atraem	o	interesse	tanto	dos	investimentos	
quanto	da	própria	população.		E	isso	se	aplica	à	cidade	de	São	Paulo.	De	acordo	com	o	que	será	exposto	mais	
adiante	nessa	pesquisa,	a	partir	da	década	de	950	tem	início	o	declínio	da	região	central	da	cidade	de	São	
Paulo	que	só	se	intensificou	nos	anos	seguintes	até	que,	no	final	da	década	de	80	e	principalmente	no	início	
dos	anos	90,	as	idéias	sobre	o	centro	da	cidade	começaram	a	se	modificar	o	que	deu	início	à	elaboração	de	
planos	para	a	reabilitação	dessa	área.	
	       A	partir	dos	anos	90,	muito	foi	desenvolvido	para	melhorar	o	centro	de	São	Paulo,	unindo	esforços	
municipais,	estaduais,	federais	e	da	população	da	cidade.	O	retorno	da	preocupação	com	o	centro	da	cidade	
pode	ser	conferido	em	um	trecho	da	Declaração	de	São	Paulo,	escrita	em	989	na	capital	paulista,	que	diz	o	
seguinte:	
                                “Que	populações	marginalizadas,	ocupantes	dos	centros	históricos	urbanos	de	to-
                                das	as	nações,	devem	poder	alcançar	melhoria	real	na	qualidade	de	vida	de	seu	co-
                                tidiano,	através	de	projetos	de	restauração	e	reciclagem	que	considerem,	também,	
                                sistemas	 habitacionais	 de	 padrão	 condizente	 com	 a	 dignidade	 e	 cidadania	 das	
                                populações.”	(989,	p.)

	       É	muito	importante	reabilitar	o	centro	das	cidades	e	atrair	os	interesses	de	volta	a	essa	região.	Os	
centros	urbanos	históricos	são	essenciais	para	marcar	a	identidade	da	cidade	frente	aos	visitantes	e	represen-
tam	uma	importante	referência	para	os	seus	cidadãos,	pois	eles	são	o	testemunho	da	cultura	e	do	passado	da	
cidade,	onde	se	concentra	grande	parte	do	seu	patrimônio	histórico	e	arquitetônico.	O	trecho	a	seguir,	reti-

                                                                                                                  5
rado	das	Normas	de	Quito	(967,	p.6)	demonstra	essa	significativa	relação	entre	a	população	e	o	seu	centro	
histórico:	“Um	monumento	restaurado	adequadamente,	um	conjunto	urbano	valorizado,	constituem	não	só	uma	
lição	viva	de	história	como	uma	legítima	razão	de	dignidade	nacional.”
	        Ainda	quanto	ao	caráter	cultural	desses	centros	existe	a	importante	questão	do	turismo	que	foi	muito	
discutida	em	algumas	cartas	patrimoniais	como	nas	Normas	de	Quito	(967)	e	no	Compromisso	de	Salvador	
(97),	tendo	inclusive	a	elaboração	de	um	documento	que	discorre	especificamente	sobre	esse	assunto,	a	
Carta	do	Turismo	Cultural	(Bruxelas,	976).	De	todos	esses	escritos	percebe-se	o	grande	interesse	em	fazer	
com	que	esse	patrimônio	histórico-arquitetônico	participe	do	desenvolvimento	econômico	dos	países	e	é	aí	
que	entra	a	ação	do	setor	turístico	o	qual	deve	localizar	os	pontos	fortes	e	aproveitar	o	potencial	dessas	locali-
dades.	A	idéia	é	que	o	turismo	cultural	“justifica,	de	fato,	os	esforços	que	tal	manutenção	e	proteção	exigem	da	
comunidade	humana,	devido	aos	benefícios	sócio-culturais	e	econômicos	que	comporta	para	toda	a	população	impli-
cada.”	(Carta	do	Turismo	Cultural,	976,	p.)
	        As	sentenças	a	seguir,	retiradas	do	Compromisso	de	Salvador,	expressam	a	participação	esperada	dos	
agentes	turísticos	nesses	centros	históricos:	

                             “Recomenda-se	a	convocação	dos	órgãos	responsáveis	pelo	planejamento	do	turismo,	no	
                             sentido	de	que	voltem	suas	atenções	para	os	problemas,	utilização	e	divulgação	dos	bens	
                             naturais	e	de	valor	cultural	especialmente	protegidos	por	lei.	(...)	Recomenda-se	que	os	
                             órgãos	responsáveis	pela	política	de	turismo	estudem	medidas	que	facilitem	a	implan-
                             tação	de	pousadas,	com	utilização	preferencial	de	imóveis	tombados”	(97,	p.)	

	        Naturalmente,	esses	documentos	também	discorrem	sobre	a	relação	entre	as	atividades	turísticas	e	
o	respeito	ao	patrimônio	histórico.	Projetar	e	utilizar	um	ambiente	composto	por	diversos	bens	patrimoniais	
exige	um	cuidado	não	só	com	o	próprio	edifício	como	também	com	o	seu	entorno,	pois	todo	o	contexto	onde	
estão	inseridas	tais	edificações	também	faz	parte	da	história	da	cidade.	A	Cartilha	do	IPTU	encontrada	no	
site	da	Prefeitura	de	São	Paulo	mostra	a	importância	desse	cuidado:	“Esta	área	(espaço	envoltório	de	um	bem	
tombado)	é	delimitada	com	o	objetivo	de	proteger	sua	visibilidade,	harmonia	e	ambiência.”
	        Além	disso,	é	interpretado	nas	cartas	patrimoniais	que	a	existência	de	monumentos	bem	cuidados	
e	utilizados	plenamente,	além	de	atrair	visitantes,	atrai	também	a	população	da	própria	cidade,	criando	um	
efeito	de	revitalização	do	seu	entorno	próximo,	como	pode	ser	conferido	no	parágrafo	das	Normas	de	Quito	
(967,	p.6):	“a	valorização	de	um	monumento	exerce	uma	benéfica	ação	reflexa	sobre	o	perímetro	urbano	em	que	se	

6
encontra	implantado	e	ainda	transborda	dessa	área	imediata,	estendendo	seus	efeitos	a	zonas	mais	distantes.”	
	       Outro	 ponto	 discutido	 nessas	 cartas	 é	 quanto	 à	 convivência	 entre	 as	 atividades	 turísticas	 e	 a	 vida	
cotidiana	desses	centros.	O	caso	de	reabilitação	do	Centro	Histórico	de	Salvador,	analisado	nessa	pesquisa,	
ilustra	uma	intervenção	que	não	se	preocupou	em	adotar	essas	medidas	reguladoras	o	que	resultou	numa	
descaracterização	do	que	realmente	era	o	centro	dessa	cidade.	Foi	dada	uma	importância	exacerbada	para	o	
uso	turístico	do	local	que	acabou	passando	por	cima	de	tudo	o	que	realmente	acontecia	naquele	lugar	criando	
um	cenário	habitado	apenas	pelos	visitantes	e	praticamente	inutilizado	pelos	próprios	soteropolitanos.	

                                    “É	evidente	que,	na	medida	em	que	um	monumento	atrai	a	atenção	do	visitante,	
                                    aumentará	a	demanda	de	comerciantes	interessados	em	instalar	estabelecimentos	
                                    apropriados	a	sua	sombra	protetora.	Essa	é	outra	conseqüência	previsível	da	valo-
                                    rização	e	implica	a	prévia	adoção	de	medidas	reguladoras	que,	ao	mesmo	tempo	
                                    em	que	facilitem	a	estimulem	a	iniciativa	privada,	impeçam	a	desnaturalização	
                                    do	lugar	e	a	perda	das	finalidades	primordiais	que	se	perseguem.“	(Normas	de	
                                    Quito,	967,	p.6)	

	        O	caso	do	Pelourinho,	mesmo	tendo	suas	intervenções	iniciadas	com	o	cuidadoso	projeto	da	arquiteta	
Lina	Bo	Bardi,	culminou	numa	área	voltada	quase	que	exclusivamente	ao	turismo.	Isso	mostra	a	fragilidade	
desse	tipo	de	projeto	e	justifica	a	preocupação	existente	nas	cartas	patrimoniais	de	que	as	atividades	turísticas	
são	positivas	à	economia	e	à	cultura	mundial,	mas	que	devem	respeitar	as	características,	a	história	e	o	cotidi-
ano	de	cada	local.	“É	possível	equipar	um	país	sem	desfigurá-lo;	preparar	e	servir	ao	futuro	sem	destruir	o	passado.	A	
elevação	do	nível	de	vida	não	deve	se	limitar	à	realização	de	um	bem	material	progressivo;	deve	ser	associado	à	criação	
de	um	quadro	de	vida	digno	do	homem.”	(Informe	Weiss,	Normas	de	Quito,	967,	p.).
	        Além	do	seu	caráter	cultural,	os	centros	urbanos	são	muito	importantes,	pois	geralmente	eles	pos-
suem	uma	grande	variedade	de	atividades	e	usos	convivendo	harmonicamente	que	geram	uma	dinâmica	bas-
tante	rica	que	garante	o	seu	uso	e	consequentemente	a	sua	preservação.	Graças	à	grande	variedade	de	usos	do	
centro	das	cidades	eles	se	tornaram	regiões	de	grande	oferta	de	empregos.	Essa	concentração	de	grande	parte	
dos	postos	de	trabalho	atrai	diariamente	milhares	de	pessoas	e	por	isso,	o	retorno	do	uso	residencial	para	o	
centro,	além	de	dinamizar	a	vida	da	região,	diminuiria	os	movimentos	pendulares	moradia-trabalho	trazendo	
melhor	qualidade	de	vida	para	os	cidadãos	e	também	melhorias	no	trânsito	de	toda	a	cidade.	
	        Essa	importante	qualidade	dos	centros	urbanos	foi	discutida	no	°	Seminário	Brasileiro	para	Preser-

                                                                                                                     7
vação	e	Revitalização	de	Centros	Históricos,	realizado	em	987,	evento	onde	foi	escrita	a	Carta	de	Petrópolis,	
como	se	observa	no	trecho	a	seguir:	

                              “Sendo	a	polifuncionalidade	uma	característica	do	SHU	(Sítio	Histórico	Urbano),	a	
                              sua	preservação	não	deve	dar-se	à	custa	de	exclusividade	de	usos,	nem	mesmo	daqueles	
                              ditos	culturais,	devendo,	necessariamente,	abrigar	os	universos	de	trabalho	e	do	cotidi-
                              ano,	onde	se	manifestam	 as	verdadeiras	 expressões	 de	uma	sociedade	 heterogênea	 e	
                              plural.	Guardando	essa	heterogeneidade,	deve	a	moradia	construir-se	na	função	pri-
                              mordial	do	espaço	edificado,	haja	vista	a	flagrante	carência	habitacional	brasileira.	
                              Desta	forma,	especial	atenção	deve	ser	dada	à	permanência	no	SHU	das	populações	
                              residentes	e	das	atividades	tradicionais,	desde	que	compatíveis	com	a	sua	ambiência.”	
                              (987,	p.)

	        Associada	 a	 sua	 funcionalidade	 variada,	 está	 a	 bem	 consolidada	 infra-estrutura	 urbana	 existente	
                                                                                                                   	
nesses	centros	formada	por	um	sistema	viário	estruturado,	saneamento	básico,	energia	e	serviços	de	telefo-
nia,	redes	de	transporte	coletivo	e	diversos	equipamentos	sociais	e	culturais	cujo	aproveitamento	resultaria	
em	melhorias	tanto	ambientais	quanto	econômicas	para	a	cidade.
	        Por	fim,	é	importante	destacar	que	a	participação	da	população	é	imprescindível	para	o	desenvolvi-
mento	desses	projetos	urbanos.	O	vínculo	entre	cidadãos	e	cidade,	além	de	resultar	em	respeito	e	orgulho,	
culmina	em	intervenções	bem	sucedidas	que	desenvolvem	o	potencial	da	região,	pois	ninguém	melhor	do	
que	os	próprios	moradores	e	usuários	para	saber	quais	são	as	reais	vocações	de	cada	lugar.	A	influência	da	
sociedade	nesses	projetos	é	muito	bem	exemplificada	com	o	caso	da	Lapa	no	Rio	de	Janeiro.	Os	processos	
de	tombamentos,	as	reformas	de	algumas	edificações	isoladas	e	a	elaboração	de	projetos	da	iniciativa	pública	
como	o	Corredor	Cultural	e	a	Quadra	Cultural	da	Lapa	atraíram	os	olhares	para	essa	região	e,	apesar	das	com-
plicações	de	implantação	desses	projetos,	a	sua	simples	existência	aumentou	a	auto-estima	dos	moradores	e	
usuários	criando	uma	dinâmica	efervescente	no	local	que	resultou	em	algumas	mudanças	significativas	na	
região.	
	        O	fenômeno	que	aconteceu	nesse	local	já	foi	observado	nas	Normas	de	Quito	no	seguinte	trecho:	




8
“Nada	pode	contribuir	melhor	para	a	tomada	de	consciência	desejada	do	que	a	
                                 contemplação	do	próprio	exemplo.	Uma	vez	que	se	apreciam	o	resultado	de	certas	
                                 obras	de	restauração	e	de	revitalização	de	edifícios,	praças	e	lugares,	costuma	ocor-
                                 rer	uma	reação	favorável	de	cidadania	que	paralisa	a	ação	destrutiva	e	permite	a	
                                 consecução	de	objetivos	mais	ambiciosos.”	(967,	p.9)

	        Pode-se	dizer	que	o	que	ocorreu	na	Lapa	carioca	foi	uma	revitalização	espontânea,	a	partir	de	algumas	
pequenas	reformas	e	tombamentos,	que	estimulou	a	realização	de	projetos	maiores;	as	ações	da	iniciativa	
privada	e	de	grupos	populares	acabaram	por	instigar	o	poder	público	a	realizar	obras	de	reurbanização.	A	par-
tir	dessas	intervenções,	consolidou-se	na	Lapa	uma	vida,	diurna	e	noturna,	muito	saudável	que	atrai	visitantes	
do	mundo	todo	que	estão	em	busca	de	uma	rica	experiência	cultural.
	        A	partir	dessa	análise,	entende-se	a	importância	econômica,	habitacional	e	cultural	de	se	intensificar	
o	uso	das	regiões	centrais	das	cidades.	A	elaboração	de	uma	intervenção	urbana	em	centros	históricos	é	bas-
tante	complexa	e	deve	ser	elaborada	a	partir	da	presença	dos	edifícios	de	valor	patrimonial	e	da	infra-estrutura	
urbana	já	bem	consolidada	da	região.	Além	disso,	a	participação	da	sociedade	que	mora	e	que	usa	esses	cen-
tros	é	imprescindível	em	todas	as	fases	do	projeto,	desde	a	sua	elaboração	até	a	sua	incorporação	na	vida	da	
cidade.	




                                                                                                                 9
3. Processos de requalificação de centros históricos


3.1. Exemplos internacionais


3.1.1. Centro Histórico de Bologna, Itália


	        As	grandes	destruições	da	Segunda	Guerra	Mundial	de-
ram	início	a	um	debate	sobre	a	reconstrução,	restauração	e	renova-
ção	das	cidades	européias.	Foi	nesse	momento	que	tiveram	início	
diversas	intervenções	de	renovação	urbana,	tipologia	de	projeto	
que	se	manteve	dominante	até	o	começo	dos	anos	70.	Devido	à	
agressividade	 desse	 tipo	 de	 intervenção	 na	 cidade,	 muitos	 cen-
tros	sofreram	com	a	degradação	tanto	física	quanto	social;	alguns	
foram	abandonados	e	outros	padeceram	com	a	especulação	imo-
biliária.	
	        A	 partir	 dessa	 decadência	 gerada	 pelos	 processos	 de	
                                                                                                centro	histórico	de	Bologna	
                                                                                                                           	
renovação	urbana,	começaram	a	se	desenvolver	na	Europa	políti-
cas	 públicas	 de	 revalorização	 urbana	 sendo	 a	 cidade	 de	 Bologna	 a	 pioneira	 nesse	 tipo	 de	 intervenção	 ao	
propor	e	dar	início	a	implantação	de	um	plano	já	na	década	de	960.	Esse	plano	originou	um	processo	de	
intervenção	conhecido	como	Conservação	Urbana	Integrada	(CI)	que	teve	os	seus	princípios	posteriormente	
sistematizados	na	“Declaração	de	Amsterdã”	em	975.	Entre	eles	um	dos	mais	importantes	é	a	consideração	
de	que	o	patrimônio	histórico	e	arquitetônico	é	uma	riqueza	social	e,	portanto,	a	sua	manutenção	deve	ser	
uma	responsabilidade	coletiva	e,	ainda	quanto	à	integridade	dos	bens	patrimoniais,	em	uma	CI	a	conservação	
do	patrimônio	deve	ser	considerada	como	o	objetivo	principal	do	planejamento	urbano.	Também	faz	parte	
dos	princípios	da	CI	a	manutenção	da	composição	social	dos	habitantes	nas	áreas	reabilitadas,	o	estímulo	à	
participação	da	população	no	processo	de	criação	do	projeto	e	o	incentivo	à	integração	de	órgãos	públicos	e	de	
iniciativas	privadas	no	desenvolvimento	e	financiamento	dos	projetos.

0
“O	plano,	implementado	pelo	governo	municipal	da	cidade,	ousou	recolocar	o	cen-
                                tro	histórico	de	Bolonha	como	o	definidor	da	política	urbana	da	cidade	como	um	
                                todo,	retomando	o	significado	da	área	central	como	elemento	irradiador	da	orde-
                                nação	urbana.	Desde	Bolonha,	a	política	traçada	para	os	centros	históricos	não	
                                pôde	 mais	 ser	 tratada	 de	 maneira	 autônoma	 e	 marginal	 à	 política	 territorial.”	
                                (BAYEUX	e	ARTIGAS,	004)
	        Foi	realizada	uma	acurada	análise	das	tipologias	arquitetônicas	e	urbanas	e	do	estado	de	conservação	
tanto	das	características	históricas	quanto	das	condições	estruturais	dos	edifícios.	Também	foi	executado	um	
minucioso	recenseamento	da	composição	demográfica	e	social	dos	habitantes,	o	que	permitiu	selecionar	as	
áreas	mais	degradas	e	necessitadas	de	um	projeto	de	recuperação.	A	partir	da	definição	das	áreas	de	interven-
ção	foi	elaborado	um	detalhado	projeto	que	buscava	garantir	condições	de	vida	dignas	às	famílias	de	baixa	
renda	que	habitavam	esses	locais.	Os	investimentos	para	a	realização	desses	projetos	foram	provenientes	dos	
fundos	destinados	à	construção	de	habitações	sociais.
	        As	áreas	que	foram	escolhidas	para	essas	intervenções	apresentam	um	conjunto	urban0	homogêneo	
o	que	facilitou	a	implantação	do	projeto.	São	núcleos	construídos	entre	os	anos	50-70	resultantes	de	antigos	
loteamentos,	altamente	fragmentados,	com	testadas	muito	estreitas,	compostos	por	habitações	unifamiliares	
de	um	a	três	andares,	dimensionadas	modularmente	e	com	medidas	constantes.	
Estavam	 dentro	dos	objetivos	desse	projeto	 de	recuperação	 a	consolidação	e	o	 restauro	 das	 estruturas	dos	
edifícios,	a	retirada	de	qualquer	construção	e	preenchimentos	adjacentes	(como	a	criação	de	mais	um	pavi-
mento	ou	a	ocupação	de	pátios	internos)	e	com	isso	a	reconstrução	das	áreas	internas	originalmente	livres	
(pátios	internos).	Também	fez	parte	do	projeto	a	implantação	de	infraestruturas	como	sistema	de	aquecimen-
to	e	instalações	sanitárias	e	a	criação	de	boas	condições	de	iluminação	e	ventilação	visando	deixar	o	imóvel	
funcional	para	o	uso	habitacional.	Quanto	aos	usos	desses	imóveis	foi	previsto	o	estabelecimento	de	lojas	ou	
oficinas	no	pavimento	térreo	e	de	habitação	nos	pavimentos	superiores,	assim	como	acontece	no	centro	da	
cidade	de	São	Paulo.
	        Esses	projetos	de	intervenção	nas	áreas	degradadas	mostram	que	o	plano	desenvolvido	para	o	centro	
de	Bologna	não	se	limitava	apenas	em	conservar	o	aspecto	externo	do	centro.	Fazia	parte	do	plano	identificar	
as	atividades	e	funções	compatíveis	com	o	delicado	tecido	urbano	e	social	do	centro	histórico	e	estimular	o	
seu	desenvolvimento	nessa	região	para	manter	a	dinâmica	pré-existente	do	local	e	devolver	essa	área	para	os
cidadãos	de	Bologna.	O	planejamento	baseado	nos	princípios	da	Conservação	Urbana	Integrada	desenvolve	
um	projeto	específico	para	determinada	área,	privilegiando	a	ação	localizada	para	potencializar	a	transforma-
ção	do	local.
	        Assim,	não	foram	realizadas	grandes	demolições	nem	alargamentos	de	ruas	ou	preenchimentos	de	
áreas	livres.	O	traçado	da	cidade,	o	caráter	do	conjunto	urbano	e	a	população	moradora	e	usuária	do	centro	
histórico	foram	mantidos.	Grandes	edifícios	como	conventos	e	edifícios	jurídicos,	geralmente	articulados	em	
espaços	fechados	e	pátios	abertos	e	ajardinados	passaram	a	abrigar	atividades	culturais.	Além	de	museus,	
bibliotecas,	teatros,	escolas,	e	também	locais	para	atividades	burocráticas	e	administrativas,	esses	edifícios	
também	foram	utilizados	para	e	particularmente	as	grandes	edificações	antigamente	ligadas	a	atividades	reli-
giosas	passaram	a	sediar	universidades.
	        O	crescente	desenvolvimento	do	setor	terciário	associado	à	considerável	expansão	da	universidade	
acabou	mudando	o	rumo	das	políticas	de	recuperação	do	centro	histórico	de	Bologna.	As	áreas	recuperadas	
se	mantiveram	residenciais	até	os	anos	80,	mas	logo	essa	região	foi	se	ligando	cada	vez	mais	à	vida	intelec-
tual	das	universidades.	O	aumento	no	preço	dos	imóveis	foi	notável	e	em	pouco	tempo	as	habitações	sociais	
foram	sendo	transformadas	em	residências	estudantis	ou	para	os	professores	das	universidades	e	os	espaços	
térreos	se	tornaram	livrarias,	bares,	restaurantes	e	até	galerias	de	arte.	Assim,	esse	sofisticado	centro	histórico	
da	cidade	foi	crescendo	sobre	os	bairros	residenciais	populares	próximos	ao	centro,	intensificando	ainda	mais	
o	processo	de	gentrificação	da	região.
	        O	centro	histórico	de	Bologna	nunca	mais	passou	por	um	processo	de	degradação	física	ou	social	e	
atualmente	a	política	de	recuperação	dessa	área	lida	com	o	fenômeno	da	gentrificação	de	forma	a	minimizar	
os	impactos	sobre	os	estratos	mais	fracos	da	sociedade	que	são	as	famílias	mais	pobres	e	os	idosos,	mas	a	
população	que	residia	ali	antes	da	implantação	do	plano	da	década	de	960	foi	sendo	gradativamente	substi-
tuída	por	uma	população	marcada	pelo	seu	caráter	temporário,	como	é	o	caso	de	estudantes	universitários.
3.1.2. Centro Histórico de Madrid, Espanha


	        Assim	como	o	centro	da	cidade	de	São	Paulo,	o	centro	histórico	de	Madrid	passou	por	um	processo	
de	esvaziamento	populacional.	Desde	os	anos	60,	graças	à	pressão	especulativa	imobiliária,	diversas	famílias	
abandonaram	o	centro	da	cidade	em	busca	de	habitações	menos	dispendiosas	localizadas	em	regiões	periféri-
cas	da	cidade	e,	mesmo	as	famílias	de	classe	média/alta	também	passaram	a	procurar	residências	distantes	
do	centro	a	procura	de	melhor	qualidade	de	vida	em	locais	de	menor	densidade.	Dessa	forma,	a	região	central	
da	capital	espanhola	foi	sendo	habitada	por	pessoas	sozinhas	e	por	casais	sem	filhos,	geralmente	já	em	idade	
avançada	e	com	baixo	poder	aquisitivo.
	        Essa	decadência	social	trouxe	a	decadência	econômica	e	ambiental	da	região	o	que	chamou	a	aten-
ção	das	administrações	do	Estado,	Regional	e	Local.	Então,	a	partir	de	994,	o	Governo	Central,	através	do	
Ministério	de	Obras	Públicas,	a	Prefeitura,	por	meio	da	“Empresa	Municipal	de	la	Vivienda”	e	a	Comunidade	
Autônoma	de	Madrid,	representada	pela	Diretoria	Geral	de	Arquitetura	e	Habitação	decidiram	agir	de	forma	
conjunta	para	frear	o	crescente	processo	de	degradação	física	e	social	da	região	e	desenvolver	um	plano	de	
reabilitação	para	o	Centro	Histórico	de	Madrid.	É	importante	ressaltar	que,	somada	a	essa	união	de	diferen-
tes	esferas	do	poder,	também	houve	a	união	de	todos	os	partidos	políticos	que	apoiaram	o	plano,	formando	
comissões	conjuntas	de	acompanhamento	dos	projetos	e	das	obras	no	local,	sendo	isso	um	fator	significativo	
para	a	implantação	do	projeto.
	        No	total,	foram	investidos	US$	5,5	milhões	dos	quais	6%	foi	bancado	pelo	Poder	Público	e	o	res-
tante	por	iniciativas	privadas	associadas	ao	centro.	Desse	investimento	público,	64%	foi	aplicado	em	projetos	
de	reabilitação	de	imóveis	e	o	restante	se	voltou	para	obras	de	urbanização	e	infraestrutura.	
	        O	plano	foi	produzido	de	forma	a	melhorar	a	qualidade	de	vida	dos	cidadãos	madrilenos,	que	tiveram	
uma	participação	importante	nesse	processo	através	de	reuniões	periódicas	entre	associações	de	moradores	
e	comerciantes	com	outras	entidades	sociais	e	de	administração	pública.	Assim,	o	intuito	primordial	dessa	
intervenção	era	devolver	essa	importante	área	da	cidade	de	Madrid	para	os	seus	cidadãos,	sendo	os	seus	prin-
cipais	objetivos	a	recuperação	da	característica	residencial	do	Centro	Histórico,	o	apoio	à	pequena	indústria	
artesanal	e	ao	pequeno	comércio,	a	incorporação	de	um	novo	desenho	urbano	mais	adequado	às	necessidades	
da	população	(por	meio	de	projetos	em	espaços	públicos	externos)	e	a	recuperação	do	patrimônio	histórico	
edificado.
A	questão	da	recuperação	e	do	restauro	do	patrimônio	histórico	e	arquitetônico	do	local	foi	tratada	
com	muito	cuidado	através	da	análise	particular	de	cada	caso.	Foram	feitas	desde	intervenções	nas	fachadas	
para	a	retirada	de	elementos	conflitantes,	como	pequenas	marquises,	toldos	e	letreiros	exagerados,	até	read-
equações	arquitetônicas	como	a	recuperação	interna	e	a	recomposição	dos	pátios	internos	para	viabilizar	o	
uso	residencial.	Associado	a	isso,	as	novas	construções	foram	inseridas	de	forma	a	respeitar	a	volumetria	
existente,	mas	sem	nenhuma	cópia	estilística,	para	evidenciar	os	edifícios	históricos	do	local.
	        Para	organizar	a	implantação	desse	projeto	foram	criadas	as	Áreas	de	Reabilitação	Preferencial	(ARP),	
zonas	em	processo	de	degradação	para	onde	foram	desenvolvidos	projetos	que	tratavam	de	forma	conjunta	
a	reabilitação	dos	espaços	públicos	e	dos	seus	edifícios.	Pode-se	dizer	que	as	ARPs	funcionaram	como	pro-
jetos-piloto	os	quais	se	tornaram	pontos	irradiadores	do	processo	de	recuperação	urbana	e	arquitetônica.	De	
acordo	com	Di	Blasi	(LIMA	e	MALEQUE,	004,	p.	64)	os	três	primeiros	irradiadores	de	qualificação	urbana	
foram	a	Plaza	del	Dos	de	Mayo,	a	Plaza	Mayor	III	Fase	(Arco	del	Triunfo)	e	as	Plazas	de	la	Paja,	de	los	Carros,	
del	Alamillo	e	de	la	Cruz	Verde.	Esse	plano,	pensado	a	partir	das	grandes	praças	do	centro	de	Madrid,	logo	se	
estendeu	para	as	ruas	envoltórias	constituindo-se	num	plano	geral	para	a	região.	




plaza	mayor																				   plaza	del	dos	de	mayo									   plaza	del	alamillo								   plaza	de	la	cruz	verde


	       É	 possível	 afirmar	 que	 praticamente	 todos	 os	 objetivos	 desse	 plano	 foram	 alcançados.	 O	 conjunto	
edificado	foi	reabilitado,	o	pedestre	foi	valorizado	nas	áreas	públicas	através	de	melhorias	de	acessibilidade	
e	também	graças	à	restrição	e	à	organização	do	tráfego	de	veículos	o	que	possibilitou	a	criação	de	muitos	
calçadões.	Ainda	para	melhorar	a	presença	dos	automóveis	na	região,	foram	construídos	estacionamentos	
subterrâneos	no	centro	e	adjacências.	


4
Os	espaços	públicos	também	foram	valorizados	com	a	criação	e	a	remodelação	de	algumas	praças	e,	
a	implantação	de	novo	mobiliário	urbano	e	arborização	nas	calçadas	contribuiu	para	que	todo	o	sistema	de	
circulação	e	de	espaços	públicos	externos	se	tornasse	agradável	e	plenamente	utilizado.	Com	isso	a	caracter-
ística	residencial	do	Centro	Histórico	de	Madrid	foi	retomada,	reduzindo	a	valores	residuais	o	número	de	
edificações	vazias	ou	subutilizadas.	
                                            	        Segundo	Figueiredo	(00)	o	aumento	de	moradores	na	
                                            região	estimulou	as	atividades	comerciais	desde	aquelas	volta-
                                            das	para	o	atendimento	local,	como	pequenas	mercearias	e	lojas	
                                            de	produtos	regionais	até	grandes	estabelecimentos	comerciais	
                                            como	o	“El	Corte	Inglês”	e	a	“Fnac”.	Esse	reaquecimento	com-
                                            ercial	melhorou	a	economia	da	região	que	hoje	atrai	milhares	de	
                                            turistas	do	mundo	todo,	sendo	essa	mais	uma	atividade	impor-
                                            tante	para	a	vida	social	e	econômica	desse	Centro	Histórico.


comércio	no	centro	histórico	de	Madrid




                                                                                                        5
3.1.3. Malecón de Havana, Cuba




	       Em	fevereiro	de	994	foi	criada	a	Oficina	
Técnica	do	Programa	de	Reabilitação	do	Malecón	
de	Havana,	Cuba.	Criada	para	colocar	em	prática	
um	 Programa	 de	 Cooperação	 entre	 instituições	
de	 Comunidades	 Autônomas	 da	 Espanha	 e	 o	
Governo	 da	 República	 de	 Cuba	 -	 representado	
pela	“Oficina	del	Historiador	de	la	Ciudad”-	a	sua	
atuação	se	deu	sobre	um	setor	de	,	km	de	exten-
são	da	região	de	Malecón	de	Havana.
	       Conhecida	 como	 “Portal	 de	 la	 Habana”,	
                                                                                  Av.	Antonio	Maceo,	o	“Portal	de	la	Habana”.
a	Frente	Marítima	de	Malecón	compõe	parte	do	
patrimônio	edificado	da	zona	central	da	cidade,	o	que	atrai	muitos	visitantes.	A	região	se	estende	por	7,	km	
no	lado	norte	de	Havana	e	foi	dividida	em	5	setores	urbanos.	A	atuação	da	Oficina	Técnica	se	limita	a	um	
desses	 setores,	 o	 Setor	 Prado-Belascoain,	 que	 contém	 4	 quarteirões	 onde	 existem	 .476	 casas	 com	 5.00	
habitantes,	representando	mais	de	80%	do	total	de	habitações	existentes	nessa	região	da	cidade.
	        O	perímetro	de	intervenção	do	projeto	engloba	os	4	quarteirões	e	os	espaços	públicos	a	eles	vincula-
dos,	totalizando	uma	área	de	5,75	ha.	Dessa	área,	,5	ha	correspondem	ao	setor	das	4	quadras,	incluindo	o	
espaço	público	do	sistema	viário	(6,	ha)	e	o	espaço	privado	dentro	das	quadras	(5,	ha).	A	área	das	quadras	
varia	de	000	a	8000	m²,	com	edifícios	que	variam	de	7	a	0/40	m	de	largura	e	de	0	a	40/50	m	de	profun-
didade.	As	suas	construções	são	bastante	homogêneas,	diferente	do	restante	do	Malecón,	aproximando-se	da	
tipologia	das	construções	da	região	central	da	cidade.																											
	       O	papel	da	Oficina	Técnica	é	desenvolver	os	projetos,	exercer	a	direção	das	obras	e	controlar	a	quali-
dade	de	sua	execução.	Ela	também	investiga,	desenha	e	elabora	os	principais	produtos	aplicados	em	obras	a	
partir	de	um	Laboratório	próprio.	Até	o	final	de	997,	mais	de	500	casas	foram	beneficiadas	com	seus	trabal-
hos	de	preservação	sendo	que	57	delas	foram	completamente	reabilitadas.

6
Nessa	região	o	uso	do	solo	é	predominantemente	residencial	ocupando	7%	dos	edifícios	e	80%	da	
área	construída	total.	O	restante	dos	edifícios	é	ocupado	por	usos	administrativos,	hotéis	ou	armazéns.	As-
sim	como	acontece	no	centro	de	São	Paulo,	também	em	Havana	os	pavimentos	térreos	geralmente	possuem	
funções	diferentes	do	restante	do	edifício.	Em	Havana	eles	são	ocupados	por	usos	administrativos,	armazéns	
e	 também	 por	 serviços	 básicos	 para	
a	 população,	 caracterizados	 por	 um	
pequeno	comércio	como	bares,	açou-
gues,	padarias	e	óticas.	É	importante	
destacar	 que	 essas	 ocupações	 do	
pequeno	comércio	estão	voltadas	para	
a	 Calzada	 de	 San	 Lázaro,	 enquanto	
que	 os	 usos	 hoteleiros,	 administra-
tivos	 e	 sociedades	 recreativas	 se	 vol-
tam	 para	 a	 Avenida	 Antonio	 Maceo	
(Malecón).                                                                           setor	Prado-Belascoain,	Malecón

	        A	Oficina	Técnica	do	Programa	de	Reabilitação	do	Malecón	teve	que	enfrentar	diversos	problemas	
para	melhorar	essa	área.	Quanto	ao	conjunto	edificado,	o	forte	estado	de	degradação	dos	bens	patrimoniais	
exige,	na	maioria	dos	casos,	obras	urgentes	de	reabilitação,	o	que	conseqüentemente	gera	a	questão	da	re-
alocação	das	famílias	moradoras	desses	locais	para	um	local	próximo,	aumentando	a	área	ocupada	pelo	uso	
residencial	e	também	a	necessidade	de	incorporar	usos	que	o	complementem.	Quanto	aos	espaços	públicos,	
além	de	áreas	livres	inadequadas,	os	problemas	giram	em	torno	da	Avenida	Malecón	como	o	seu	intenso	
tráfego	de	veículos,	a	sua	completa	falta	de	sinalização	e	os	constantes	avanços	do	mar,	que	quase	impos-
sibilitam	a	sua	utilização	por	pedestres.	Além	disso,	a	qualidade	das	águas	da	baía,	do	Rio	Almendares	e	do	
trecho	litorâneo	compreendido	entre	eles	é	muito	ruim,	o	que	também	dificulta	o	uso	balneário	e	turístico	da	
região.
	        Assim,	os	principais	objetivos	dessa	intervenção	urbana	são	a	reabilitação	dos	edifícios	e	do	espaço	ur-
bano,	a	melhora	das	condições	de	vida	da	população	ali	residente,	com	a	sua	manutenção	dentro	do	perímetro	
de	projeto,	e	o	desenvolvimento	da	vocação	turística	da	região,	caracterizando	a	Avenida	Malecón	como	um	
eixo	de	turismo	e	recreação	da	cidade.

                                                                                                               7
Atualmente	essa	avenida	 já	 é	o	principal	 eixo	vário	 da	 cidade	 por	onde	circula	 um	denso	fluxo	 de	
veículos	diariamente	e	assim	ela	possui	um	caráter	de	via	expressa	dificultando	a	sua	utilização	por	pedestres	
e	atividades	turísticas.	Dessa	forma,	esse	plano	propõe	a	redução	e	a	reestruturação	do	tráfego	dessa	avenida	
para	aumentar	e	qualificar	os	espaços	para	pedestres.	Como	não	é	possível	implantar	essas	medidas	em	toda	
a	cidade,	as	propostas	se	limitam	à	semaforização	e	à	implantação	de	faixas	de	pedestres	para	possibilitar	um	
acesso	mais	tranqüilo	e	seguro	ao	mar	do	outro	lado	da	via.	Para	proporcionar	mais	conforto	e	estimular	a	sua	
utilização,	os	espaços	públicos	tiveram	um	tratamento	unitário	dos	pavimentos	e	a	implantação	de	mobiliário	
urbano	e	áreas	de	sombra.
	        A	reabilitação	estrutural	e	funcional	do	conjunto	edificado	tem	a	intenção	de	recuperar	a	qualidade	
ambiental	do	entorno	urbano	e	melhorar	substancialmente	as	condições	de	habitabilidade	das	moradias	e	
por	isso	é	muito	interessante	observar	como	foram	organizadas	essas	intervenções.	Realizadas	em	função	
dos	graus	de	proteção,	do	estado	de	conservação	e	também	da	distribuição	funcional	dos	edifícios,	a	reabili-
tação	dos	edifícios	foi	organizada	em	prioridades	para	que	grande	parte	dos	edifícios	pudesse	ser	tratada	e	
reutilizada	adequadamente.	Primeiramente	a	atuação	se	deu	sobre	os	edifícios	com	problemas	graves	estru-
turais	onde	existia	a	necessidade	de	retirar	os	moradores	já	que	o	risco	de	danos	era	iminente.	Em	seguida,	
foram	realizadas	ações	prévias,	sem	a	retirada	dos	moradores,	em	edifícios	que	apresentavam	pequenos,	mas	
urgentes,	 problemas	 estruturais	 e	 funcionais	 para	 que	 assim	 eles	 pudessem	 esperar	 por	 uma	 intervenção	
definitiva.	Posteriormente	foram	realizadas	as	intervenções	estéticas	em	fachadas,	sempre	dando	prioridade	
para	aquelas	voltadas	para	a	Avenida	Malecón.




                                                                                                processo	de	reabilitação	
                                                                                                de	edifício	na	avenida.


8
Quanto	à	distribuição	de	moradias,	as	intervenções	foram	realizadas	de	forma	a	ter	o	aproveitamento	
máximo	dos	espaços.	A	pré-existente	distribuição	residencial	era	muito	densa,	com	um	elevado	número	de	
habitações	cujos	cômodos	eram	divididos	por	várias	famílias.	Para	proporcionar	condições	dignas	de	moradia	
era	necessário	aumentar	a	área	de	habitação	por	família,	ou	seja,	era	preciso	reduzir	a	densidade	populacional	
desses	edifícios.	Assim,	criou-se	a	necessidade	de	construir	mais	edifícios	para	moradia	e,	como	a	intenção	
desse	projeto	era	manter	a	sua	demanda	dentro	dos	limites	do	seu	perímetro,	foram	adotados	os	limites	míni-
mos	de	habitabilidade	para	criar	o	máximo	de	habitações	possíveis	dentro	de	um	padrão	digno.	
	        Algumas	medidas	tomadas	para	obter	mais	moradias	e	melhorar	as	suas	condições	nos	edifícios	exis-
tentes	foram	as	ampliações	baseadas	na	criação	de	mezaninos,	na	incorporação	de	novos	pavimentos	quando	
esses	não	estivessem	sendo	bem	aproveitados	e	também	na	readaptação	de	sótãos,	quando	a	estrutura	do	
edifício	e	os	regulamentos	urbanos	permitiam.




                          proposta	de	demolições	e	usos	do	solo

	        Além	disso,	para	alcançar	a	maior	quantidade	de	área	edificada	possível,	tendo	em	vista	que	existem	
grandes	parques	e	áreas	verdes	próximas	dessas	quadras,	todos	os	terrenos	livres	existentes	dentro	do	perí-
metro	de	intervenção	foram	destinados	à	construção	desses	novos	edifícios,	para	a	sua	utilização	tanto	para	
novos	equipamentos	como	para	novas	habitações.	São	4.000	m²	de	área	livre	que	somados	a	área	dos	edifí-
cios	que	devem	ser	demolidos,	totalizam	65.000	m².	Dessa	área,	.000	m²	serão	destinados	a	usos	residen-
ciais	resultando	num	total	de	04	moradias	em	novas	edificações.	




                                                                                                          9
levantamento	e	proposta	
                                                de	intervenção	em	uma	
                                                   das	quadras	do	setor	
                                                      Prado-Belascoain

	      Para	a	inserção	dos	novos	edifícios	foram	mantidos	os	ritmos	exteriores	das	fachadas,	respeitando	as	
proporções	dos	edifícios	da	“tipologia	tradicional”.	A	sua	arquitetura	deveria	respeitar	os	edifícios	existentes,	
evitando	os	excessos	formais,	mas	sempre	sem	deixar	de	mostrar	a	sua	contemporaneidade.	A	ocupação	des-
sas	novas	edificações	equilibrou-se	entre	novas	moradias	e	os	novos	usos	a	serem	incorporados	devido	ao	
aumento	da	área	habitacional.
	      Para	 a	 realização	 dessas	 intervenções	 foram	 firmados	 convênios	 entre	 diversas	 administrações	 es-
panholas	e	cubanas.	Até	o	ano	de	998	a	Espanha	investiu	mais	de	00	milhões	de	pesetas	em	materiais	e	
equipamentos	auxiliares	a	obra	e	também	em	ajuda	técnica	e	de	formação	do	pessoal	da	Oficina	Técnica	de	
Cuba.	




                                               levantamento	de	fachadas	e	propostas	para	inserção	de	novos	edifícios	na	Av.	Malecón




0
3.2. Exemplos brasileiros


3.2.1 Centro histórico de Salvador, Bahia


	        Lina	Bo	Bardi	foi	convidada	em	986,	pelo	
então	prefeito	de	Salvador,	Mário	Kertész,	para	de-
senvolver	um	projeto	de	recuperação	para	o	Centro	
Histórico	de	Salvador.	Segundo	Lina,	a	região	“havia	
sofrido	um	terremoto	voluntário”	e	apresentava	mui-
tas	edificações	em	ruínas.	Apesar	dessas	condições,	
o	bairro	era	densamente	habitado	por	uma	popula-
ção	de	baixa	renda,	que	mantinha	a	vida	urbana	do	
local,	diferente	do	que	acontece	com	algumas	ruas	
do	 Centro	 Histórico	 de	 São	 Paulo	 que	 acabaram	
morrendo	por	não	serem	habitadas.
	        Um	ano	antes,	o	Centro	Histórico	de	Salva-
dor	foi	classificado	pela	UNESCO	como	Patrimônio	                                                         croquis	de	Lina	Bo	Bardi	
da	 Humanidade.	 É	 importante	 destacar	 que	 não	                          “Aspectos	de	ruína	e	destruição	do	Centro	Histórico.”

foi	 pelo	 valor	 individual	 de	 determinadas	 edificações,	 mas	 pela	 representatividade	 do	 conjunto	 urbano	 do	
Pelourinho,	centro	da	primeira	capital	brasileira	e	exemplo	de	uma	adaptação	das	aldeias	portuguesas	a	uma	
geografia	distinta	de	encosta.	E	foi	a	partir	desse	valor	dado	ao	conjunto	urbano	que	Lina	baseou	o	seu	projeto,	
dando	importância	ao	contexto	pré-existente	no	local	e	as	relações	entre	as	pessoas	e	a	cidade.
	        De	986	a	990	foram	experimentados	alguns	projetos-pilotos	que	deveriam	servir	de	exemplo	para	
uma	“recuperação	rápida,	econômica	e	de	qualidade”	(FERRAZ,	008)	do	Centro	Histórico	de	Salvador.	Para	es-
sas	intervenções,	foi	utilizado	um	sistema	de	peças	pré-fabricadas	desenvolvido	pelo	arquiteto	João	Filgueiras	
Lima,	o	Lelé,	tornando	o	processo	muito	mais	eficiente	e	barato,	facilitando	a	sua	inserção	em	uma	área	cada	
vez	maior	e	em	menos	tempo.	Apesar	do	uso	de	peças	iguais,	cada	caso	foi	analisado	individualmente	sendo	
os	elementos	pré-fabricados	adaptados	in	loco	e	inseridos	de	forma	coerente	e	respeitosa	a	cada	patrimônio.
A	arquiteta	baseia-se	em	dois	princípios	para	o	desenvolvimento	de	sua	intervenção:	não	esquecer	que	
a	proposta	é	uma	ação	presente	e	respeitar	a	estrutura	existente	morfológica	e	de	uso.	E	quanto	a	isso	Lina	
esclarece:	
                                      “O	 que	 estamos	 procurando	 na	 recuperação	 do	 Centro	 Histórico	 da	 Bahia	 é	 justa-
                                      mente	 um	 marco	 moderno,	 respeitando	 rigorosamente	 os	 princípios	 da	 restauração	
                                      tradicional.	Para	isso,	pensamos	num	sistema	de	recuperação	que	deixe	perfeitamente	
                                      intacto	o	aspecto	não	somente	exterior,	mas	também	o	espírito,	a	alma	interna	de	cada	
                                      edifício.”	(OLIVEIRA,	008,	p.0)

	       Como	as	suas	intervenções	foram	feitas	com	peças	pré-fabricadas,	elas	não	causaram	o	aumento	do	
valor	imobiliário,	principal	motivo	do	êxodo	da	população	de	baixa	renda	residente	em	centros	urbanos.	Isso	
foi	imprescindível	para	reforçar	um	princípio	essencial	da	proposta	de	Lina	Bo	Bardi	que	era	manter	a	popu-
lação	que	vivia	nesse	centro	e	em	condições	dignas	de	moradia.	Marcelo	Ferraz,	arquiteto	que	participou	do	
desenvolvimento	das	intervenções	junto	com	Lina,	explica	o	que	era	feito	com	a	população	no	local:	

                                      “Nosso	projeto,	baseado	em	um	levantamento	sócio-econômico	de	todas	as	famílias,	
                                      previa	 uma	 logística	 de	 efeito	 dominó.	 Ou	 seja,	 recuperávamos	 uma	 ruína	 aban-
                                      donada	transformando-a	em	moradia	plurifamiliar	–	alguns	apartamentos	em	cada	
                                      casarão	antigo	recuperado	–,	transferindo	para	ali	os	moradores	vizinhos	das	casas	
                                      degradadas.	 Em	 seguida	 partíamos	 para	 a	 recuperação	 dessas	 casas	 degradadas	 já	
                                      desocupadas,	para	trazer	outras	famílias,	e	assim	por	adiante.”	(FERRAZ,	008)




peças	pré-fabricadas	e	sua	implantação	em	um	edifício	existente
Junto	 com	 a	 manutenção	 da	 população	 ali	 residente,	 essa	 intervenção	 também	 previa	 respeitar	 a	
dinâmica	da	vida	urbana	do	local.	Quanto	a	isso	Marcelo	Ferraz	esclarece:	

                               “Em	todos	os	casos,	o	térreo	dessas	casas	deveria	conter	um	pequeno	comércio	ou	serviço,	
                               a	ser	tocado	pelos	próprios	moradores.	Chegou-se	ali	a	levantar,	através	de	pesquisas,	
                               demandas	de	usos	e	capacidade	de	instalação	de	equipamentos	comerciais	e	públicos	
                               para	atender	a	estes	usos.	O	cadastro	de	cada	imóvel	ou	ruína	era	primoroso	e,	junto	
                               ao	programa	pré-estabelecido	do	futuro	uso	e	definição	das	famílias	que	iriam	ocupar	
                               cada	imóvel,	é	que	partíamos	para	o	projeto	arquitetônico.”	(FERRAZ,	008)
	        O	primeiro	projeto-piloto	foi	realizado	na	simbólica	Ladeira	da	Misericórdia	que	estava	bastante	aban-
donada.	Era	um	local	interessante	para	uma	intervenção	por	conter	elementos	muito	distintos	como	ruínas	
dos	séculos	XVIII,	XIX	e	XX,	terrenos	baldios,	muralhas	de	contenção	da	encosta	e	vegetação	exuberante	que	
geram	situações	e	problemas	diferentes,	o	que	possibilita	o	desenvolvimento	de	um	projeto	mais	rico	e	de	
programa	variado.	Para	o	local	foi	proposta	a	transformação	de	três	casarões	em	pequenos	“edifícios”	residen-
ciais,	com	pontos	comerciais	no	térreo,	um	bar	e	um	restaurante.	
	        Adotando	o	princípio	da	honestidade	de	propósitos	aconselhado	na	Carta	de	Veneza,	todas	as	inter-
venções	nas	ruínas	seriam	feitas	com	as	peças	pré-fabricadas,	o	que	exporia	claramente	a	união	do	novo	com	
o	antigo.	Segundo	Marcelo	Ferraz,	seria	possível	ler	na	arquitetura:	“aqui,	o	que	sobrou	de	uma	ruína	do	século	
XVIII,	em	alvenaria	mista;	aqui,	um	pedaço	de	casa	do	século	dezenove;	aqui,	uma	construção	contemporânea,	do	
século	XX;	todos	em	harmonia	e	prontos	para	uma	vida	nova”.	(FERRAZ,	008)
	        Infelizmente,	com	as	mudanças	na	administração	pública	de	Salvador	no	início	dos	anos	90,	o	cui-
dadoso	 e	 atencioso	 projeto	 de	 Lina	 Bo	 Bardi	 e	 Marcelo	 Ferraz	 foi	 abandonado	 e	 substituído	 por	 amplo	 e	
ambicioso	 plano	 de	 recuperação	 ciente	 do	 potencial	 turístico	 da	 região.	 Apesar	 de	 essa	 nova	 maneira	 de	
intervenção	ter	cessado	o	processo	de	ruína	do	Centro	Histórico	soteropolitano,	o	seu	resultado	é	bastante	
equivocado.
	        Um	 dos	 principais	 erros	 dessa	 nova	 intervenção	 foi	 quanto	 ao	 tratamento	 dos	 miolos	 de	 quadra.	
Enquanto	que	na	proposta	de	Lina	essas	áreas	seriam	pequenos	quintais	coletivos	das	famílias	ali	residentes	
conectados	às	vias	principais	por	pequenas	portadas,	situação	típica	de	antigas	aldeias	portuguesas	de	traçado	
medieval,	no	ambicioso	plano	de	recuperação	muitos	desses	miolos	foram	abertos	e	inseridos	no	contexto	
das	vias	principais	do	bairro,	por	meio	da	criação	de	novos	acessos	ou	mesmo	através	de	um	terreno	vazio
onde	 antes	 existia	 uma	 ruína.	 Essas	 intervenções	 foram	 feitas	
                                          sem	nenhum	rigor	histórico,	pois	ignoraram	a	tipologia	de	cheios	
                                          e	vazios	permeados	por	pequenos	pátios	surpresas,	e	alteraram	
                                          uma	das	principais	características	do	traçado	urbano	original,	que	
                                          foi	o	motivo	pelo	qual	o	Pelourinho	foi	tombado	em	985.	Para	
                                          reforçar	esse	equívoco	os	fundos	das	casas	que	passaram	a	ficar	
                                          expostos	tentaram	se	transfigurar,	sem	nenhum	respeito	ao	pat-
                                          rimônio,	em	fachadas	frontais,	criando	a	idéia	de	que	aquelas	ca-
                                          sas	se	voltam	para	uma	pequena	praça,	situação	que	nunca	ocor-
                                          reu	em	cidades	com	esse	tipo	de	traçado.
                                          	        Além	 disso,	 as	 casas	 começaram	 a	 ser	 pintadas	 de	 um	
                                          colorido	que	nunca	existiu	e	para	isso	foram	utilizadas	técnicas	e	
                                          materiais	mais	caros	que	expulsaram	a	população	de	baixa	renda,	
                                          residentes	originais	do	local.	Esses	habitantes	foram	“convidados”	
                                          a	sair	de	suas	casas	e	ir	morar	na	periferia	da	cidade,	para	que	os	
o	Pelourinho	atualmente	(00)            imóveis	fossem	restaurados.	Nessa	intervenção	realmente	houve	
                                          uma	recuperação	física	dos	edifícios	mas	que	dependeu	de	uma	
completa	modificação	dos	usos	anteriores,resultando	em	uma	“limpeza”	social	para	preparar	o	Pelourinho	
para	o	turismo.	As	tabelas	(NOBRE,	X	Anpur)	a	seguir	ilustram	esse	êxodo	populacional:		
									 	
                               variação da população residente. (fonte: IBGE 1982 e 2001)
                                                                   1980                  2001
                         cidade de Salvador                  1.501.981                 2.428.388
                         centro histórico                         9.853                  3.235
                                                                 							
                % de residentes de acordo com renda do chefe de família. Fonte: IBGE 1991 e 2000.
                                                     1991                                        2000
          salário mínimo       0-5          5 - 10      10 - 20            +20   0-5       5 - 10   10 - 20   +20
         cidade de Salvador    78%          %             7%             4%    76%       %          7%    5%
          centro histórico     90%           8%             %             0%    80%       4%          4%    %


4
De	 fato,	 essa	 reestruturação	 do	 Pelourinho	 voltada	 para	 o	 turismo	 trouxe	 um	 forte	 crescimento	
econômico	para	a	cidade	de	Salvador	e	para	o	Estado	da	Bahia,	mas	causou	um	grande	impacto	no	uso	do	
espaço	 urbano.	 No	 lugar	 de	 moradias	 e	 usos	 realmente	 necessários	 para	 a	 população	 de	 Salvador	 foram	
implantados	ali	“bares,	restaurantes	e	lojinhas	de	artesanatos	semelhantes	às	de	rodoviárias	de	qualquer	parte	do	
país”.	(FERRAZ,	008)	O	Estado	se	utilizou	dos	princípios	do	desenvolvimento	econômico	e	da	atração	de	
empregos	para	reabilitar	a	região	e	assim	foi	criada	uma	“cidade-cenário	para	turista	ver”	(FERRAZ,	008).		
	        Apesar	do	desenvolvimento	econômico	e	turístico	de	Salvador	graças	a	essa	intervenção	no	Pelourinho,	
não	é	essa	a	intenção	do	meu	projeto	no	Centro	Histórico	de	São	Paulo,	pois	pretendo,	além	de	manter	os	
pontos	saudáveis	existentes	na	dinâmica	urbana	do	local,	atrair	mais	população	para	morar	no	bairro.	Dessa	
forma,	o	importante	da	experiência	do	Pelourinho	para	o	desenvolvimento	do	meu	trabalho	é	a	intervenção	
realizada	por	Lina	Bo	Bardi	até	os	anos	90	e	a	análise	do	que	uma	intervenção	voltada	apenas	para	os	inter-
esses	turísticos	pode	causar	com	uma	saudável	e	cotidiana	vida	urbana.




                                                                                                                5
3.2.2. Corredor Cultural, Rio de Janeiro e o caso da região da Lapa


	        Em	janeiro	de	984	foi	instituída	a	lei	de	Preservação	Paisagística	e	Ambiental	do	Centro	da	Cidade	
do	Rio	de	Janeiro,	mais	conhecida	como	a	Lei	do	Corredor	Cultural.	A	instituição	dessa	lei	marca	um	momen-
to	importante	na	história	da	cidade,	pois	ela	inicia	o	período	das	intervenções	de	preservação	e	revitalização	
urbana,	pondo	fim	aos	projetos	de	renovação	urbana	que	vinham	acontecendo	até	então.	A	partir	da	criação	
desse	projeto	foram	definidas	as	condições	básicas	de	intervenção	em	grande	parte	da	área	central,	através	de	
leis	e	normas	para	proteger	o	conjunto	arquitetônico	histórico	e	também	para	orientar	a	construção	de	novos	
edifícios	na	região	de	forma	harmônica	com	as	edificações	e	o	contexto	existente.	
	        Uma	característica	muito	importante	no	desenvolvimento	desse	projeto	foi	a	sua	preocupação	quanto	
à	participação	da	sociedade	e,	principalmente	da	população	afetada,	fator	fundamental	para	a	sua	implanta-
ção	tendo	em	vista	que	o	sucesso	desse	tipo	de	intervenção	depende	também	da	aceitação	e	do	cumprimento	
dos	instrumentos	formais	e	legais	por	parte	dos	usuários	do	local.	Dessa	forma,	o	grupo	executivo	do	projeto	
(Grupo	 Executivo	 Corredor	 Cultural/	 RIOARTE)	 discutiu	 com	 a	 população	 os	 critérios	 a	 serem	 adotados	
nessa	intervenção,	desde	o	início,	em	979,	o	que	permitiu	que	o	projeto	fosse	desenvolvido	de	forma	lenta	e	
democrática	resultando	numa	maior	aceitação	e	apropriação	pelos	usuários	do	centro	do	Rio	de	Janeiro.
	        Essa	 relação	 entre	 o	 governo	 e	 a	
população	é	muito	bem	ilustrada	através	do	
Manual	“Corredor	Cultural:	Como	recuper-
ar,	 reformar	 ou	 construir	 seu	 imóvel.”	 que	
foi	elaborado	pela	Prefeitura	do	Rio	de	Janei-
ro	e	pelo	Grupo	Executivo	do	Corredor	Cul-
tural	 para	 ”informar	 e	 divulgar	 os	 novos	 pro-
cedimentos	e	normas	e	(...)	orientar	os	usuários	
sobre	 tramites	 administrativos	 e	 alternativas	
técnicas	na	solução	de	seus	problemas	de	obras,	
elaboração	de	letreiros,	toldos,	etc”.	
                                                                         auxílio	do	manual	“Corredor	Cultural:	Como	recu-
                                                                         perar,	reformar	ou	construir	seu	imóvel.”		



6
Além	disso,	o	Manual	também	se	preocupa	em	mostrar	para	a	população	a	importância	da	manuten-
ção	e	do	cuidado	que	se	deve	ter	com	o	acervo	arquitetônico	existente	na	região	central	do	Rio	de	Janeiro,	pois	
ele	faz	parte	da	identidade	da	cidade.	O	seguinte	trecho	retirado	do	manual	mostra	como	o	texto	se	desenvolve	
de	forma	a	incentivar	os	donos	de	imóveis	tombados	a	ter	orgulho	do	seu	próprio	imóvel	e	a	zelar	por	ele:	

                                  “se	o	seu	imóvel	está	em	área	de	preservação	do	Corredor	Cultural	significa	que	
                                  ele	faz	parte	do	patrimônio	da	Cidade	e	você	tem	nas	mãos	uma	obra	importante	
                                  para	a	história	do	Rio	de	Janeiro.	Isto,	entretanto,	não	significa	que	ele	perdeu	
                                  seu	valor	econômico.	Você	pode	alugá-lo	ou	vendê-lo,	se	quiser,	sem	nenhuma	re-
                                  strição.	Vale	a	pena	cuidar	do	seu	imóvel	e	para	isto	você	terá	todo	o	apoio	técnico	
                                  da	Prefeitura,	através	do	DED	e	do	Grupo	Executivo	do	Corredor	Cultural.	(...)	
                                  Do	ponto	de	vista	do	Corredor	Cultural	você	precisará	manter	a	fachada	e	o	
                                  telhado	em	suas	formas	originais.”	(RIOARTE,	IPLANRIO,	985)

	        Assim,	estão	contempladas	nesse	manual	algumas	ori-
entações	gerais	para	projetos	de	restauro	das	fachadas	e,	para	
evitar	um	processo	de	“fachadismo”,	o	projeto	e	o	seu	manu-
al	 estimulavam	 também	 a	 reabilitação	 dos	 espaços	 internos.	
Qualquer	 dúvida	 específica	 quanto	 ao	 seu	 projeto	 de	 reabili-
tação,	o	dono	do	imóvel	poderia	contar	com	a	ajuda	do	Grupo	
Executivo	do	Corredor	Cultural,	fato	que	colaborou	com	a	ma-
nutenção	das	características	próprias	de	cada	imóvel.	
	        O	 Manual	 se	 estrutura	 de	 forma	 bastante	 didática	 e	
abrange	uma	grande	quantidade	de	questões	como	a	regular-
ização	dos	letreiros	dos	estabelecimentos	comerciais,	interven-
ções	 estruturais	 em	 patrimônios	 degradados,	 propostas	 para	
layouts	internos	e	orientações	para	a	inserção	harmoniosa	de	
novas	 edificações.	 O	 mais	 importante	 é	 que,	 dentro	 de	 algu-
                                                                               proposta	de	reforma	dos	espaços	internos	de	um	
mas	normas	básicas	de	intervenções	em	centros	históricos,	são	                                   edifício	no	Corredor	Cultural.
sempre	sugestões	de	projetos,	não	existe	nada	imposto	sobre	a	
população.	

                                                                                                                          7
Para	 organizar	 as	 ações	 do	 programa	 a	 sua	 área	 de	 intervenção	 foi	 dividida	 em	 quatro	 partes	 de	
acordo	com	os	principais	usos	e	características	arquitetônicas	e	históricas	de	cada	perímetro.	São	elas:	Lapa-
Cinelândia,	Praça	XV,	Largo	de	São	Francisco	e	SAARA	(Sociedade	de	Amigos	das	Adjacências	da	Rua	da	
Alfândega).	
	        A	área	Lapa-Cinelândia	é	caracterizada	pelas	suas	intensas	atividades	culturais	e	políticas	graças	a	
presença	de	importantes	equipamentos	de	entretenimento	e	cultura,	como	o	Teatro	Municipal,	equipamen-
tos	de	importância	jurídica	como	o	antigo	Supremo	Tribunal	Federal	e	pelo	fato	de	que	essa	região	foi	palco	
de	 representativas	 manifestações	 políticas	 da	 história	 do	 país	 sendo	 até	 hoje	 o	 local	 preferido	 para	 esses	
movimentos.	Essa	região	exibe	uma	rica	diversidade	de	estilos	arquitetônicos	convivendo	harmonicamente	
ilustrando	um	pouco	da	história	da	cidade.	
	        O	perímetro	da	Praça	XV	ostenta	“um	certo	tom	de	nobreza”	(RIOARTE,	IPLANRIO,	985)	devido	a	
grande	quantidade	de	monumentos	históricos,	arquiteturas	religiosas	e	civis	intercaladas	ao	casario	antigo	
existentes	no	local,	pelo	fato	de	ter	sido	a	porta	de	entrada	do	Brasil	até	o	final	do	século	XIX,	segundo	a	de-
scrição	do	Manual	produzido	aos	usuários	e	moradores	do	local.	É	um	local	com	muita	variedade	de	usos	os	
quais	foram	mantidos	para	respeitar	o	cotidiano	pré-existente.		
	        As	regiões	do	Largo	de	São	Francisco	e	do	SAARA	contêm,	segundo	seus	comerciantes,	“o	maior	e	
mais	antigo	shopping	Center	do	Brasil”.	Nesse	local	existe	um	diversificado	comércio	de	rua,	especializado	em	
alguns	locais	(similar	ao	que	acontece	na	Rua	Santa	Ifigênia	no	centro	de	São	Paulo),	associado	a	atividades	
de	lazer	como	restaurantes,	cinemas,	gafieiras	e	bilhares	próximos	à	Praça	Tiradentes.	Nesse	local,	as	ações	
do	Corredor	Cultural	se	focaram	em	manter	essa	vivacidade	característica	e	nas	ações	de	padronização	de	
letreiros	e	revalorização	das	fachadas	e	interiores	foram	aplicadas,	para	devolver	à	cidade	o	conjunto	edificado	
de	grande	valor	histórico	e	arquitetônico.			
	        Apesar	da	grande	vitalidade	comercial	e	de	serviços,	assim	como	acontece	com	a	região	da	Rua	Santa	
Ifigênia	em	São	Paulo,	essas	regiões	do	centro	do	Rio	de	Janeiro	estavam	extremamente	degradadas	fisica-
mente,	 marcadas	 pela	 poluição	 visual	 decorrente	 da	 atividade	 comercial	 e	 pelas	 lastimáveis	 condições	 de	
conservação	da	arquitetura.		Assim,	a	intervenção	prevista	pelo	projeto	Corredor	Cultural	se	iniciou	com	uma	
padronização	dos	letreiros	nas	fachadas	a	partir	da	retirada	obrigatória	do	que	era	excessivo	e	também	das	
fachadas	falsas	(orientação	bastante	discutida	no	supracitado	Manual)	que	impediam	a	visualização	do	con-
junto	urbano	histórico	do	local.		
	        A	seguir,	as	ações	do	projeto	se	voltaram	para	melhorias	no	conjunto	edificado	do	local.	Essa	etapa	

8
se	baseou	em	isenções	de	IPTU	para	estimular	os	proprietários	a	aderirem	ao	programa	e	restaurar	os	seus	
imóveis	a	partir	de	recursos	próprios.	

                                        “O	alto	valor	de	IPTU,	bem	como	a	possibilidade	de	ostentar	uma	fachada	ad-
                                        equada	a	um	estabelecimento	que	depende	da	sedução	da	clientela	foram	fatores	
                                        que	motivaram	cerca	de	50%	dos	proprietários	de	imóveis	nas	áreas	do	Corredor	
                                        Cultural	a	aderir	ao	programa	desde	a	década	de	1980.”	(MARINS,	004)

	       Outra	 forma	 de	 estimular	 as	 obras	 de	 recuperação	 das	 fachadas	 foi	 o	 forte	 investimento	 do	 poder	
público	municipal	em	requalificações	do	espaço	público	(ruas,	largos	e	praças)	e	na	iluminação	dos	edifícios	
mais	significativos.	
	       O	projeto	Corredor	Cultural	também	não	previa	desapropriações	o	que	foi	muito	positivo	para	a	ma-
nutenção	da	dinâmica	local,	agora	com	mais	beleza	e	qualidade	de	vida	e	também	mais	atrativa.	Essas	novas	
qualidades	do	centro	da	cidade	atraíram	a	atenção	de	iniciativas	públicas	culturais	e	de	lazer	para	a	população	
do	Rio	de	Janeiro	como	os	centros	culturais	do	Banco	do	Brasil,	dos	Correios,	da	Light,	da	Justiça	Federal,	o	
Centro	de	Artes	Hélio	Oiticica	e	o	Espaço	Cultural	da	Marinha.	
	       Essas	áreas	mais	antigas	da	região	central	da	cidade,	protegidas	como	patrimônio	histórico,	buscaram	
manter	a	dinâmica	local	o	que	acabou	garantindo	a	preservação	dos	edifícios	residenciais,	fator	que	manteve	a	
porcentagem	de	unidades	habitacionais	maior	do	que	a	de	não-habitacionais.	Mas,	a	partir	da	tabela	a	seguir,	
observa-se	que	a	Área	de	Planejamento	(AP)	que	abrange	a	região	central	da	cidade	apresenta	a	menor	quan-
tidade	de	unidades	habitacionais	e	a	maior	quantidade	de	unidades	não-habitacionais	(comércio	e	serviços)	o	
que	mostra	que	o	centro	do	Rio	ainda	apresenta	problemas	habitacionais	assim	como	o	centro	de	São	Paulo:
				
                            unidades residenciais *         unidades não-residenciais *
 Rio de Janeiro                       86,78                             ,
                                                                                                                3
 AP 1 (área central)                   5,8                            48,7                    5                      1
 AP 2 (zona sul)                      88,97                             ,0                              4        2
 AP 3 (zona norte)                    90,48                              9,5
 AP 4 (zona sudoeste)                 88,0                             ,98
 AP5 (zona noroeste)                  9,89                              7,
Fonte: Projeto “Moradia é Central – inclusão, acesso e direito à cidade”Instituto Pólis, 2009.   * % de unidades construídas


                                                                                                                        9
A	partir	de	tudo	o	que	foi	explorado,	conclui-se	que	o	centro	do	Rio	de	Janeiro	ainda	precisa	atrair	
mais	moradores	à	região,	apostando	na	idéia	de	que	o	“binômio	patrimônio	cultural	e	habitação”	(LIMA,	007)	
também	é	uma	forma	real	de	reabilitar	o	bairro	para	os	próprios	cidadãos	cariocas	e	para	a	história	da	cidade.	
Quanto	ao	Corredor	Cultural,	tem-se	que	tudo	o	que	foi	implantado,	por	ter	sido	feito	com	a	participação	
maciça	da	sociedade	carioca	usuária	do	local	e	consequentemente	por	ter	suas	ações	voltadas	para	essa	popu-
lação,	foi	bem	sucedido	e	hoje	é	plenamente	utilizado	pelos	cariocas	e	por	visitantes	do	mundo	todo	ávidos	
por	conhecer	as	riquezas	arquitetônicas	do	local	e	a	sua	dinâmica	cotidiana	que	torna	o	bairro	significativa-
mente	único,	diferente	de	qualquer	cenário	montado	para	atrair	turistas.



3.2.2.1. O caso da Lapa

	         Um	 expressivo	 exemplo	 de	 como	 a	 par-
ticipação	da	sociedade	local	é	significativa	é	o	que	
aconteceu	na	região	da	Lapa.	Esse	local	central	da	
cidade	ficou	famoso	nas	décadas	de	90	e	90	
graças	 aos	 seus	 inúmeros	 restaurantes,	 bote-
quins,	cabarés,	clubes	de	jogos	e	hospedarias	que	
tomaram	conta	de	todo	o	espaço	o	qual	deixou	de	
ser	habitacional	para	se	dedicar	à	boemia.
	         A	partir	da	década	de	40,	a	repressão	do	
Estado	Novo	e	a	efervescente	vida	noturna	de	Co-
pacabana	tiraram	as	atenções	da	Lapa	que	entrou	
em	um	processo	de	declínio	o	qual	se	estendeu	
até	 o	 final	 dos	 anos	 70,	 quando	 começaram	 a	
                                                                                           vista	geral	da	Lapa	carioca
surgir	movimentações	voltadas	a	revitalização	da	
área.	Foram	feitas	ações	federais	de	tombamento,	em	busca	de	manter	os	bens	característicos	para	respeitar	
a	história	e	a	sociedade	do	local,	e	medidas	do	poder	público	do	Estado	voltadas	a	atividades	culturais	como	a	
recuperação	da	Sala	Cecília	Meireles,	importante	espaço	dedicado	à	música	de	concerto,	a	instalação	da	casa	
de	espetáculos	Circo	Voador	e	a	restauração	do	prédio	da	Fundição	Progresso,	hoje	uma	casa	de	shows.

40
Em	984,	a	aprovação	do	projeto	Corredor	Cultural	trouxe	a	idéia	da	preservação	de	trechos	da	cidade,	
ao	invés	de	apenas	monumentos	históricos	e	reconheceu	essas	áreas	como	zonas	especiais	do	centro	histórico	
carioca,	trazendo	uma	nova	noção	preservadora	baseada	na	importância	cultural	do	patrimônio	e	não	mais	
na	importância	histórica.	Assim,	a	preservação	dos	monumentos	se	voltou	também	para	o	contexto	no	qual	
estão	inseridos,	de	forma	a	se	relacionar	com	os	outros	projetos	que	estavam	sendo	desenvolvidos	na	região.
	       Em	busca	de	exaltar	o	caráter	cultural	da	Lapa,	foram	criados	dois	projetos:	a	Quadra	da	Cultura	na	
Lapa	e	o	Projeto	Distrito	Cultural	da	Lapa.	Ambos	estaduais,	esses	projetos	previam	a	destinação	de	imóveis	
próprios	do	Estado	para	atividades	culturais	de	uso	comum	do	povo	e,	no	caso	do	primeiro	projeto,	também	
para	residências,	buscando	manter	a	importante	dinâmica	cotidiana	local	associada	ao	seu	significativo	pat-
rimônio	 histórico	 e	 arquitetônico.	 Infelizmente,	 devido	 a	 mudanças	 ocorridas	 por	 problemas	 no	 governo	
estadual,	os	projetos	não	foram	implementados,	mas	produziram	uma	rica	discussão	sobre	a	região	reunindo	
diversos	representantes	da	sociedade	civil.	A	simples	existência	desses	projetos	constituiu-se	num	forte	im-
pulso	para	a	auto-estima	de	moradores	e	usuários	da	região	que,	animados,	se	organizaram	e	desenvolveram	
algumas	mudanças	significativas	na	área	da	Lapa.	
	       As	 idéias	 discutidas	 sobre	 o	 projeto	 na	 Lapa	 estimularam	 ações	 da	 iniciativa	 privada	 e	 de	 grupos	
populares	que,	por	sua	vez,	estimularam	algumas	obras	de	reurbanização	do	Poder	Público	e	assim	a	Lapa	
carioca	passou	por	um	processo	de	“revitalização	espontânea”.	Esse	processo	atraiu	uma	diversidade	de	novos	           	
estabelecimentos	e	usos	sempre	ligados	a	atividades	culturais,	como	grupos	teatrais,	de	dança,	restaurantes	
típicos	e	antiquários,	todos	com	horários	de	funcionamento	que	mantém	o	local	movimentado	de	dia	e	de	
noite,	os	quais	atraíram	usuários	também	muito	diversos,	potencializando	a	vivacidade	única	do	local.	“En-
quanto	a	cidade	dorme,	a	Lapa	fica	acordada,	acalentando	quem	vive	de	madrugada.”	(O	trecho	da	música	“A	
Lapa”,	composta	por	Herivelto	Martins	e	Benedito	Lacerda,	em	949.




                                                                                                                   4
A	partir	do	que	foi	exposto,	vê-se	a	importância	que	a	cultura	adquiriu	nas	políticas,	planos	e	proje-
tos	urbanos.	Atualmente,	os	projetos	de	intervenção	em	espaços	urbanos	seguem	a	linha	da	“regeneração	
cultural”	onde,	segundo	Vaz	e	Silveira	(VARGAS	e	CASTILHO,	009)	“a	cultura	se	destaca	como	estratégia	
principal	e	a	ênfase	das	políticas	urbanas	recaiu	sobre	as	políticas	culturais”.	Nessa	tipologia	de	projeto,	a	reabili-
tação	de	determinadas	áreas	acontece	por	meio	da	implantação	de	grandes	equipamentos	culturais	os	quais	
irradiam	a	sua	influência	no	seu	entorno	criando	os	seus	próprios	territórios	culturais,	zonas	que	associam	
as	suas	atividades	a	esse	grande	equipamento,	como	aconteceu	na	região	da	Lapa	do	Rio	de	Janeiro,	com	seus	
bares,	restaurantes	e	gafieiras	ligados	ao	funcionamento	dos	grandes	teatros	e	casas	de	espetáculos	do	local,	e	
que	infelizmente	não	aconteceu	em	São	Paulo	como,	por	exemplo,	no	caso	da	Sala	São	Paulo,	representativo	
espaço	de	cultura	da	cidade,		que	incapaz	de	espalhar	a	sua	influência	sobre	o	seu	entorno,	encontra-se	ilhado	
numa	das	regiões	mais	degradadas	do	centro	da	cidade.




4
4. A requalificação urbana em São Paulo


4.1. Histórico do centro de São Paulo
			

	        “Dentre	todas	as	colinas,	os	fundadores	escolheram	para	o	seu	colégio	as	que	dominam	de	um	lado	o	Taman-
duateí,	de	outro	as	barrancas	do	Anhangabaú.	Em	parte	alguma	a	escarpa	que	se	precipita	sobre	as	várzeas	é	tão	bem	
marcada,	e	em	parte	alguma	parece	haver	tantas	garantias	de	segurança.”	Foi	nessa	situação	descrita	pelo	geó-
grafo	francês	Pierre	Monbeig	(TOLEDO,	004,	p.4),	que	foi	fundada	a	vila	de	São	Paulo,	a	partir	da	fixação	
do	Pátio	do	Colégio	pelos	jesuítas.	Todas	as	suas	principais	funções	se	organizavam	num	triângulo	formado	
pela	Rua	Direita	de	Santo	Antônio	(atual	Direita),	Rua	do	Rosário	(atual	5	de	Novembro)	e	Rua	Direita	de	São	
Bento	(atual	São	Bento)	e	os	vértices	desse	triângulo	eram	marcados	pelos	Conventos	do	Carmo,	São	Bento	e	
São	Francisco.
	        Durante	o	período	colonial	São	Paulo,	conhecida	como	um	vilarejo	de	barro,	marcado	pelas	suas	con-
struções	em	taipa,	ficou	às	margens	dos	mais	importantes	fluxos	de	comércio	típicos	da	época,	pois	nessa	área	
nenhuma	produção	agrícola	de	exportação	ou	extração	de	metais	se	desenvolveu	de	forma	significativa.	Mas	
São	Paulo	participou	de	forma	suplementar	ao	crescimento	econômico	colonial	devido	a	sua	posição	geográ-
fica	que	se	mostrou	um	importante	elo	para	a	circulação	de	mercadorias,	sendo	um	centro	de	convergência	
de	caminhos	de	tropeiros,	ao	longo	dos	quais	se	desenvolveram	pequenos	sítios	e	chácaras.
	        Essa	 foi	 a	 feição	 de	 São	 Paulo	 até	 a	 chegada	 da	 ferrovia	 no	 final	 do	 século	 XVIII	 graças	 ao	 ciclo	
econômico	do	café.	O	ciclo	cafeeiro	estimulou	o	crescimento	da	cidade	em	direção	ao	“cinturão	das	chácaras”	
ultrapassando	as	fronteiras	da	época	colonial.	Em	867	foi	a	inaugurada	a	Estrada	de	Ferro	Santos-Jundiaí	
(denominada	São	Paulo	Railway	Company	até	946),	cujo	principal	ponto	de	passagem	era	a	cidade	de	São	
Paulo.	Com	isso	foi	construída	a	Estação	da	Luz	para	sediar	a	companhia,	senda	essa	a	principal	porta	de	
entrada	da	cidade	de	São	Paulo	no	começo	do	século	XX.	
	        No	começo	dos	anos	870	mais	uma	ferrovia	veio	movimentar	a	cidade	de	São	Paulo.	A	Estrada	de	
Ferro	Sorocabana,	concebida	inicialmente	para	o	comércio	de	algodão,	logo	passou	a	ser	fortemente	utilizada	
pelo	 comércio	 cafeeiro.	 A	 presença	 dessa	 nova	 ferrovia	 na	 cidade	 foi	 marcada	 pela	 construção	 da	 Estação	


                                                                                                                         4
São	Paulo	no	ano	de	87,	ao	lado	da	Estação	da	Luz	(o	que	unia	as	funções	das	duas	ferrovias).	Graças	ao	
enriquecimento	do	transporte	do	café,	decidiu-se	construir	uma	estação	maior	para	a	E.F.	Sorocabana	e	com	
isso	a	cidade	de	São	Paulo	ganhou,	em	98,	a	Estação	Júlio	Prestes.
	        Com	o	advento	da	ferrovia	a	facilidade	de	locomoção	atraiu	os	ricos	fazendeiros	de	café,	que	antes	re-
sidiam	nas	suas	propriedades	agrícolas	ou	em	pequenas	cidades	do	interior,	para	a	cidade	de	São	Paulo	o	que	
trouxe	novas	necessidades	à	região	como	bens	de	consumo	e	meios	de	transporte.	A	partir	de	então	se	inicia	
a	diversificação	das	atividades	econômicas	na	cidade,	mostrando	que	São	Paulo	não	estava	crescendo	apenas	
baseado	nas	suas	funções	dentro	da	economia	cafeeira,	mas	também	porque	havia	se	tornado	um	importante	
local	de	investimento	dos	montantes	acumulados	e	não	reinvestidos	na	produção	de	café.	
	        No	período	entre	o	final	do	século	XVIII	e	início	do	século	XX	a	cidade	passou	por	vários	processos	de	
embelezamento,	sempre	inspirados	em	cidades	européias.	Foi	nessa	época	que	se	iniciou	uma	preocupação	
de	construir	edificações	que	dessem	à	cidade	um	perfil	urbano	e	moderno.	Foram	planejadas	muitas	praças	
e	construídas	muitas	lojas	e	palacetes	para	receber	essa	rica	população	e	é	nesse	período	em	que	se	inicia	o	
transporte	por	automóveis.	A	cidade	também	oferecia	muitas	atividades	culturais	como	bailes	e	espetáculos,	
característica	muito	bem	ilustrada	com	a	inauguração	do	Teatro	Municipal	em	9.
	        Concomitantemente	a	tal	crescimento	e	diversificação	da	cidade,	São	Paulo	também	estava	começan-
do	a	se	afirmar	como	cidade	industrial.	A	Primeira	Guerra	Mundial	e	a	Crise	de	99	não	afetaram	substan-
cialmente	o	desenvolvimento	industrial	brasileiro	e	paulistano	que	se	mostrou	baseado	em	uma	dinâmica	
própria	não	mais	dependente	do	mercado	cafeeiro.	A	consolidação	de	São	Paulo	como	cidade	industrial	em	
90,	teve	como	conseqüência	o	início	da	verticalização	na	região	central	a	qual	começa	a	se	especializar	em	
funções	comerciais,	o	que	diminuiu	substancialmente	o	seu	uso	residencial.	Na	década	de	940,	durante	a	
gestão	do	prefeito	Francisco	Prestes	Maia,	originou-se	a	política	rodoviarista	na	cidade	de	São	Paulo,	marcada	
pelo	famoso	Plano	de	Avenidas,	que	definiu	o	crescimento	da	cidade,	abriu	importantes	avenidas	na	região	
central,	mas	se	focou	muito	na	questão	do	transporte	individual,	desestimulando	investimentos	em	trans-
portes	públicos	coletivos.
	        A	partir	da	década	de	950	tem	início	o	processo	de	decadência	da	região	central	de	São	Paulo	graças	
à	consolidação	da	região	da	Avenida	Paulista,	quando	o	centro	foi	sendo	progressivamente	abandonado	pelas	
classes	de	renda	alta	tornando-se,	em	970,	o	centro	das	camadas	populares.	Nas	décadas	seguintes,	o	esva-
ziamento	do	centro	foi	intensificado	com	o	desenvolvimento	da	Zona	Sudoeste	da	cidade,	próxima	à	marginal	
do	Rio	Pinheiros,	que	passou	a	atrair	grande	parte	dos	investimentos	públicos	e	privados.	

44
“Entre	1980	e	2000,	os	10	distritos	que	formam	a	coroa	central	perderam	juntos	
                                    cerca	de	180.000	residentes	(decréscimo	de	1,8%	a.a.)	em	função	da	falta	de	políti-
                                    cas	públicas	na	região	resultando	em	46.638	imóveis	inutilizados	(vagos	ou	fecha-
                                    dos).	Já	a	concentração	dos	investimentos	públicos	e	privados	do	desenvolvimento	
                                    do	“novo	centro“	na	Zona	Sudoeste	resultou	em	600	mil	m²	de	área	útil	comercial	
                                    vaga	no	centro.	Enquanto	isso,	na	última	década,	os	distritos	e	municípios	local-
                                    izados	em	áreas	ambientalmente	sensíveis	nas	proximidades	da	Serra	da	Cantar-
                                    eira,	Represa	de	Guarapiranga	e	APA	do	Carmo,	ganharam	360	mil	habitantes,	
                                    com	taxa	de	crescimento	de	6,3%	ao	ano,	muito	superior	à	média	da	metrópole	
                                    (1,6%a.a.)”	(NOBRE,	007)

	       Baseados	nessa	situação	de	degradação	e	de	fuga	da	área	central	foram	desenvolvidos	diversos	pro-
gramas	 e	 projetos	 para	 trazer	 a	 vida	 cotidiana	 de	 volta	 à	 região	 central	 da	 cidade	 de	 São	 Paulo.	 Algumas	
das	principais	intervenções	e	os	agentes	que	proporcionaram	a	realização	desses	projetos	serão	expostos	no	
próximo	capítulo.



4.2. Agentes que viabilizam intervenções urbanas em São Paulo


	       Atualmente	existem	diversos	programas,	associações	e	empresas	representantes	das	três	esferas	–	
municipal,	estadual	e	federal	–	e	também	organizações	sociais	que	procuram	realizar	melhorias	na	cidade	
de	São	Paulo,	especialmente	na	sua	região	central.	A	seguir	serão	expostas	uma	empresa	municipal,	dois	
programas,	um	municipal	e	um	federal,	e	uma	associação	não	governamental	que	lutam	por	diversas	frentes	
para	reabilitar	o	centro	de	São	Paulo.	É	importante	destacar	que	os	agentes	citados	trabalharam	em	conjunto	
em	alguns	momentos	para	viabilizar	a	concretização	dos	projetos.	
Também	 é	 importante	 informar	 que	 existem	 hoje	 em	 dia	 alguns	 pequenos	 movimentos	 voltados	 para	 a	
questão	da	moradia	na	área	central,	como	o	“Movimento	dos	sem-teto	do	Centro”	e	o	“Fórum	Centro	Vivo”	
que	atuam	de	forma	a	expor	a	opinião	e	as	idéias	da	população	residente	no	local,	procurando	garantir	a	sua	
participação	nos	projetos	realizados	no	centro	da	cidade.

                                                                                                                      45
4.2.1. EMURB


	        A	Empresa	Municipal	de	Urbanização	(EMURB)	de	São	Paulo	é	uma	companhia	pública	criada	pela	
lei	municipal	nº	7.670	no	dia	4	de	novembro	de	97	que	tem	como	propósito	a	execução	de	programas	
e	obras	de	desenvolvimento	urbano,	dando	suporte	à	Administração	Pública	Municipal.	A	EMURB	realiza	
projetos	em	edifícios	históricos	degradados,	desenvolve	planos	de	urbanização	para	áreas	ainda	não	ocupadas	
e	reabilitações	urbanas	em	algumas	áreas	consideradas	decadentes	da	cidade,	sempre	obedecendo	a	planos	
elaborados	de	acordo	com	os	órgãos	da	Prefeitura	e	que	foram	aprovados	pela	Câmara	Municipal.
Desde	a	sua	criação,	a	EMURB	tem	sido	responsável	por	grandes	transformações	na	paisagem	urbana	da	
cidade	 de	 São	 Paulo,	 participando	 de	 importantes	 intervenções	 na	 cidade	 como	 a	 execução	 das	 Avenidas	
Paulista	e	Faria	Lima,	a	renovação	do	Edifício	Martinelli	e	do	Palácio	das	Indústrias,	a	reurbanização	da	Praça	
da	Sé	e	do	Vale	do	Anhangabaú	e	a	criação	dos	“calçadões”,	projeto	que	transformou	algumas	vias	centrais	
em	ruas	de	pedestres.		Além	disso,	a	EMURB	já	participou	e	ainda	participa	de	importantes	intervenções	na	
cidade	de	São	Paulo,	as	quais	são	concretizadas	através	de	operações	urbanas.



4.2.1.1. Operações Urbanas ¹


	       Uma	das	formas	de	atuação	mais	representativas	da	EMURB	são	as	Operações	Urbanas	Consorcia-
das,	instrumentos	urbanísticos	previstos	no	Plano	Diretor	que	visam	promover	melhorias	em	determinadas	
regiões	da	cidade	através	de	parcerias	entre	o	Poder	Público	e	a	iniciativa	privada.	O	trecho	a	seguir,	retirado	
do	Estatuto	da	Cidade,	define	o	que	é	uma	Operação	Urbana:

                              “§	 1°	 Considera-se	 operação	 urbana	 consorciada	 o	 conjunto	 de	 intervenções	 e	 medi-
                              das	coordenadas	pelo	Poder	Público	municipal,	com	a	participação	dos	proprietários,	
                              moradores,	usuários	permanentes	e	investidores	privados,	com	o	objetivo	de	alcançar	
                              em	uma	área	transformações	urbanísticas	estruturais,	melhorias	sociais	e	valorização	
                              ambiental”.	(Estatuto	da	Cidade,	Lei	n°	0.57	de	0/07/00)


46
A	EMURB	já	desenvolveu	quatro	Operações	Urbanas:	Água	Branca,	Água	Espraiada,	Faria	Lima	e	
Centro	e	acabou	de	lançar	em	abril	de	00	mais	três	Operações	Urbanas,	Lapa/	Brás,	Mooca/	Vila	Carioca	
e	Jacu.	Cada	Operação	Urbana	é	criada	por	meio	de	uma	lei	municipal	específica	que	demarca	o	perímetro	
de	intervenção,	estabelece	as	metas	a	serem	cumpridas	e	também	os	mecanismos	de	incentivos	e	benefícios.	
Todas	as	Operações	Urbanas	procuram	aproveitar	ao	máximo	as	potencialidades	de	cada	região,	por	isso,	
esse	instrumento	urbanístico	é	capaz	de	excepcionar	a	Lei	de	Uso	e	Ocupação	do	Solo,	possibilitando	a	im-
plantação	e	a	ampliação	de	infra-estruturas	urbanas,	além	do	adensamento	dessas	regiões	da	cidade	quando	
possuírem	uma	demanda	imobiliária	maior	do	que	os	limites	estabelecidos	pela	lei	de	zoneamento.	
Para	viabilizar	o	adensamento	de	uma	região	existe	a	Outorga	Onerosa,	instrumento	urbanístico	que	permite	
a	ocupação	acima	do	limite	previsto	pela	lei	mediante	pagamento	realizado	à	Prefeitura	de	São	Paulo.	Por	
isso,	também	está	prevista	na	lei	de	criação	da	Operação	Urbana	o	estabelecimento	de	um	Programa	de	In-
vestimentos	que	direciona	o	montante	pago	à	Prefeitura	para	uma	conta	bancária	exclusiva	de	cada	Operação	
Urbana	para	que	esses	recursos	sejam	obrigatoriamente	reinvestidos	na	própria	Operação	Urbana.	
	         A	Operação	Urbana	Água	Branca	foi	instituída	em	995	com	a	intenção	de	trabalhar	com	uma	área	
originalmente	industrial,	localizada	em	pleno	centro	expandido	da	cidade,	marcada	pela	presença	de	grandes	
construções	industriais	associadas	a	grandes	áreas	não	urbanizadas.	Essa	Operação,	apesar	de	não	contem-
plar	um	projeto	urbanístico	conciso	para	o	perímetro	selecionado,	tinha	como	objetivo	a	realização	de	obras	
para	melhoramentos	viários,	melhorar	os	sistemas	de	drenagem	para	diminuir	os	problemas	de	inundação	
e	implantar	espaços	públicos	e	equipamentos	de	interesse	da	população	local.	Além	disso,	essa	operação	ur-
bana	visa	também	promover	um	crescimento	urbano	ordenado	para	aumentar	a	densidade	populacional	da	
região	por	meio	dos	novos	padrões	de	ocupação	do	solo.	
	         Também	instituída	em	995,	a	Operação	Urbana	Faria	Lima	tem	objetivos	similares	à	operação	an-
terior.	 Ela	 também	 visa	 implantar	 melhoramentos	 viários,	 equipamentos	 e	 áreas	 públicas	 na	 região	 para	
valorizar	 a	 paisagem,	 bem	 como	 aumentar	 a	 densidade	 local	 através	 do	 estímulo	 do	 aproveitamento	 dos	
imóveis	existentes	no	local,	para	otimizar	a	utilização	da	infra-estrutura	que	será	implantada.	Essa	operação	
também	funciona	através	de	exceções	da	Lei	de	Uso	e	Ocupação	do	Solo	e	com	os	recursos	adquiridos	através	
da	outorga	onerosa.	Alguns	dos	melhoramentos	viários	propostos	como	alargamentos	e	prolongamentos	de	
algumas	ruas	e	avenidas	já	foram	entregues	e	a	reurbanização	do	Largo	da	Batata,	uma	das	intervenções	mais	
expressivas	dessa	Operação	Urbana,	está	sendo	concluída	em	tem	previsão	para	ser	entregue	à	cidade	de	São	
Paulo	ainda	esse	ano.		

                                                                                                              47
Reabilitação Urbana na Estação da Luz
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Reabilitação Urbana na Estação da Luz

  • 1. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Reabilitação Urbana na região da Estação da Luz uma proposta fundamentada no reconhecimento do patrimônio histórico nas quadras entre as ruas General Osório, Protestantes, Vitória e Andradas Trabalho Final de Graduação . Dezembro 2010 Flávia Taliberti Pereto . orientador. Prof. Artur Simões Rozestraten
  • 2. Sumário Dedicatória 7 Agradecimentos 9 1. Introdução 1.1. Apresentação do tema 1.2. Objetivo e método 4 2. O Patrimônio histórico e os Centros históricos urbanos 5 3. Processos de requalificação de centros históricos 0 3.1. Exemplos internacionais 0 3.1.1. Centro Histórico de Bologna, Itália 0 3.1.2. Centro Histórico de Madrid, Espanha 3.1.3. Malecón de Havana, Cuba 6 3.2. Exemplos brasileiros 3.2.1. Centro Histórico de Salvador, Bahia 3.2.2. Corredor Cultural, Rio de Janeiro e o caso da região da Lapa 6 3.2.2.1. O caso da Lapa 40 4. A requalificação urbana em São Paulo 4 4.1. Histórico do centro de São Paulo 4 4.2. Agentes que viabilizam intervenções urbanas em São Paulo 45 4.2.1. EMURB 46 4.2.1.1. Operações Urbanas 46 4.2.2. Programa PROCENTRO 49 4.2.3. Viva o Centro 5 4.2.3.1. Intervenções da Associação Viva o Centro 54 4.2.4. Programa Monumenta 57 4.3. Intervenções urbanas no centro de São Paulo 59 4.3.1. Corredor Cultural 60 4.3.2. Programa Nova Luz 6
  • 3. 4.3.2.1. Zoneamento 66 4.3.2.2. Dados importantes sobre a Nova Luz 70 5. Projeto de reabilitação urbana para um trecho da cidade 7 5.1. Visitas ao centro da cidade 7 5.2. Local do projeto 88 6. Definição e diagnóstico da área de projeto 90 7. Desenvolvimento do projeto 7.1. Contextualização 7.2. Projeto 5 7.3. Comparativo entre usos do solo atual e proposto 8 7.4. Análise dos usos do solo propostos em cada quadra 7.4.1. Quadra 7.4.2. Quadra 4 7.4.3. Quadra 6 7.4.4. Quadra 4 8 7.5. Análises individuais 4 8. Projeto dos espaços públicos e semi-público 8 8.1. Quadra 8 8.2. Quadra 9 8.3. Quadra 40 8.4. Quadra 4 4 9.Considerações Finais 4 10. Bibliografia e sitiografia 44 4
  • 4. Flávia Taliberti Pereto vista da Rua General Couto Magalhães - Nova Luz 5
  • 5. 6
  • 6. Dedicatória Aos meus pais Carmen e Fernando e às minhas irmãs Adriana, Fernanda e Camila por sempre estarem ao meu lado. 7
  • 7. 8
  • 8. Agradecimentos Ao meu dedicado orientador Prof. Dr. Artur Simões Rozestraten, pelo entusiasmo, pelo conhecimento, pelo incentivo e por me animar cada vez mais com o meu próprio trabalho. Aos meus queridos amigos Luisa e Gabriel por toda a ajuda no desenvolvimento do meu trabalho e por estarem ao meu lado também nos momentos de nervoso. Um especial agradecimento ao Dr. Jorge Wilheim pela importante influência em despertar o meu interesse pelo urbanismo. 9
  • 9. 0
  • 10. 1. Introdução 1.1. Apresentação do tema Atualmente a temática de questões urbanas quanto ao crescimento, o desenvolvimento e o futuro das cidades tem sido muito discutida. Um importante exemplo da representatividade de tais assuntos é a Exposição Mundial (Expo) de 00, realizada em Xangai, China, que tem como tema “Cidade Melhor, Vida Melhor” onde a vida nas cidades é discutida a partir de quatro frentes: “Cidades Habitáveis”, “Urbanização Sustentável”, “Proteção e Patrimônio Histórico” e “Inovação Tecnológica”. A partir desses quatro temas da Expo 00, expostos no jornal “O Estado de São Paulo” (5/04/00), vê-se que as questões do cuidado com o patrimônio histórico e da relação entre cidadão e cidade são de grande importância para o desenvolvimento e o crescimento das cidades atualmente, assunto que será bastante discutido nessa pesquisa. Na cidade de São Paulo os projetos de reabilitação e revalorização urbana propostos e desenvolvidos no centro da cidade também vêm gerando grandes discussões sobre o tema e a partir da representatividade do assunto, o presente trabalho pretende desenvolver um projeto de reabilitação de um trecho do centro da cidade de São Paulo, mais especificamente na região da Cracolândia, onde está sendo discutido o projeto Nova Luz, como forma de identificar e desenvolver questões quanto ao papel do patrimônio histórico nessas políticas de revalorização de centros urbanos tomando como exemplo o caso da cidade de São Paulo. “Como qualquer organismo vivo, a cidade permanentemente se transforma e vai se tornando o registro im- placável da própria sociedade”. A frase de Benedito Lima de Toledo mostra que a preservação do patrimônio histórico é um fator essencial para a sociedade e para a vida da cidade, pois resgata a sua identidade e gera orgulho para os seus habitantes ao mesmo tempo em que explora o caráter mutável de uma cidade em desen- volvimento, fator que os patrimônios arquitetônicos têm que acompanhar para poder sobreviver. É muito importante que os cidadãos tenham um relacionamento saudável com o centro de suas ci- dades, pois isso os atrai de volta e dinamiza a vida da região, o que melhora a imagem desses centros urbanos. “A preservação associou-se à necessidade de manter a diversidade cultural da nação e inseriu o passado ou a tradição como referenciais no processo de desenvolvimento econômico e cultural” (CASTILHO, 998, p.). As característi-
  • 11. cas únicas e próprias de cada centro histórico são a base para a melhoria da qualidade de vida nesses locais. De acordo com Vargas e Castilho (009) as políticas de recuperação de áreas centrais no Brasil começaram a ser organizadas no ano de 979, a partir da criação de duas entidades na estrutura do Ministério de Educação e Cultura: a Secretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Fundação Pró-Memória. Nove anos depois foi realizado no Brasil o “° Seminário para a Revitalização de Centros Históricos” de onde foi elaborada a “Carta de Petrópolis”, documento que organiza as premissas para a preservação de locais históricos urbanos. Nesse mesmo período estavam sendo desenvolvidos na Europa projetos de Preservação Urbana dos centros históricos, como no caso de Bologna, na Itália e em Madrid, na Espanha. Essa tipologia de intervenção inclui a preservação e a restauração de edifícios históricos, incorporando-os nos projetos de reestruturação das atividades no centro. O forte significado cultural dos centros históricos europeus conseguiu conter o pro- cesso de deterioração e impedir as demolições em larga escala, resultando em idéias contrárias ao que estava sendo realizado na década anterior (950/60), principalmente nos centros de cidades norte-americanas, onde a idéia principal era a de Renovação Urbana, tipologia de intervenção que assumia a preferência pelo novo e centro de cidade nos EUA, anos 60. edifício Metropolis, Madrid. (996)
  • 12. realizava grandes demolições sem nenhuma preocupação com o patrimônio histórico existente. Segundo a historiadora Françoise Choay (00), até o século XIX pouco se discutia quanto ao espaço urbano e, o conceito de cidade como um bem patrimonial só começou a ser discutido depois da Segunda Guerra Mundial. Mas foi só a partir da década de 990 que essa idéia realmente floresceu. “A conversão da cidade material em objeto de conhecimento histórico foi motivada pela transformação do espaço urbano que se seguiu à revolução industrial: per- turbação traumática do meio tradicional, emergência de outras escalas viárias e parcelares. É, então, pelo efeito da diferença (...) por contraste, que a cidade antiga se torna objeto de investigação.” (CHOAY,00, p.79) Mais adiante, no mesmo texto, Choay discute sobre a presença do patrimônio histórico nas cidades: “Quer o urbanismo se empenhasse em destruir os conjuntos urbanos antigos, quer procurasse preservá-los, foi justamente tornando-se um obstáculo ao livre desdo- bramento de novas modalidades de organização do espaço urbano que as forma- ções antigas adquiriram sua identidade conceitual. A noção de patrimônio urbano histórico constituiu-se na contramão do processo de urbanização dominante.” (CHOAY,00, p.79) A partir desse pensamento conclui-se que o patrimônio histórico edificado sempre foi um ponto dis- cutido nas políticas de intervenção urbana e fez parte do processo de formação dessas políticas agindo como uma resistência ao desenvolvimento e implantação de determinadas intervenções. Com essa breve contextualização histórica, observa-se que as políticas de recuperação de áreas cen- trais no Brasil foram desenvolvidas no período da Preservação Urbana, aproximando-se do modo de inter- venção europeu onde as estratégias de recuperação de áreas urbanas são fundamentadas na preservação do patrimônio histórico. Dessa forma, tanto o estudo histórico quanto o projeto desenvolvidos nesse Trabalho Final de Graduação terão como base os ideais da Preservação Urbana, culminando na elaboração de um projeto urbano para um trecho de cidade com base na presença e na preservação do patrimônio histórico e arquitetônico existente.
  • 13. 1.2. Objetivo e método Existem diversos projetos de reabilitação de centros urbanos onde o patrimônio histórico é a base para o seu desenvolvimento como, por exemplo, o projeto-piloto de Lina Bo Bardi para o Pelourinho em Salvador e o projeto elaborado numa cooperação entre Espanha e Cuba para a região da Avenida Malecón em Havana, Cuba. Dessa forma, através de pesquisas de casos de requalificação de centros históricos, tanto em cidades estrangeiras quanto brasileiras, foi estudada a maneira como o patrimônio histórico desses locais foi levado em consideração para a realização de tais projetos, buscando formar uma base teórica consistente que auxilie no desenvolvimento de um projeto para uma pequena área do centro de São Paulo. Além disso, também foi estudada a forma como foi tratada a população e a vida cotidiana existente nesses centros urbanos, visando propor um projeto que respeite e inclua a população residente no local e melhore as suas condições de vida, atraindo para o local uma dinâmica saudável no dia-a-dia. Concomitantemente a essa pesquisa teórica, foram realizadas visitas ao centro da cidade de São Paulo, para selecionar locais representativos para a história da cidade e que necessitem de uma proposta de reabilita- ção. Essas visitas também tiveram a intenção de vivenciar esses espaços da cidade e entender a sua dinâmica quanto ao horário de funcionamento de seus pontos comerciais, circulação de veículos, utilização das calçadas e os focos de maior movimentação durante o dia e durante a noite e também os tipos de usos do solo. Após a escolha definitiva, foram realizadas outras visitas ao centro histórico da cidade, dessa vez focadas apenas no local escolhido, com a intenção de estudar detalhadamente a área e o seu entorno próximo para que fosse desenvolvido um projeto coerente para o local. vista da cidade de São Paulo a partir do mirante do Edifício Altino Arantes. 4
  • 14. 2. O Patrimônio histórico e os Centros históricos urbanos A área central de uma cidade abrange um bairro ou um conjunto de bairros consolidados marcados por possuírem uma infra-estrutura urbana rica e já bem estabelecida, serviços e equipamentos públicos, mui- tas oportunidades de trabalho e grande potencial habitacional já que é geralmente uma região densamente edificada. Soma-se a isso o seu importante caráter cultural por ser o local onde a cidade começou e, portanto onde se concentra a grande maioria do seu patrimônio histórico edificado. Apesar de todas essas características é muito comum nas grandes cidades um movimento de aban- dono dessa área devido à formação de novos centros na cidade que atraem o interesse tanto dos investimentos quanto da própria população. E isso se aplica à cidade de São Paulo. De acordo com o que será exposto mais adiante nessa pesquisa, a partir da década de 950 tem início o declínio da região central da cidade de São Paulo que só se intensificou nos anos seguintes até que, no final da década de 80 e principalmente no início dos anos 90, as idéias sobre o centro da cidade começaram a se modificar o que deu início à elaboração de planos para a reabilitação dessa área. A partir dos anos 90, muito foi desenvolvido para melhorar o centro de São Paulo, unindo esforços municipais, estaduais, federais e da população da cidade. O retorno da preocupação com o centro da cidade pode ser conferido em um trecho da Declaração de São Paulo, escrita em 989 na capital paulista, que diz o seguinte: “Que populações marginalizadas, ocupantes dos centros históricos urbanos de to- das as nações, devem poder alcançar melhoria real na qualidade de vida de seu co- tidiano, através de projetos de restauração e reciclagem que considerem, também, sistemas habitacionais de padrão condizente com a dignidade e cidadania das populações.” (989, p.) É muito importante reabilitar o centro das cidades e atrair os interesses de volta a essa região. Os centros urbanos históricos são essenciais para marcar a identidade da cidade frente aos visitantes e represen- tam uma importante referência para os seus cidadãos, pois eles são o testemunho da cultura e do passado da cidade, onde se concentra grande parte do seu patrimônio histórico e arquitetônico. O trecho a seguir, reti- 5
  • 15. rado das Normas de Quito (967, p.6) demonstra essa significativa relação entre a população e o seu centro histórico: “Um monumento restaurado adequadamente, um conjunto urbano valorizado, constituem não só uma lição viva de história como uma legítima razão de dignidade nacional.” Ainda quanto ao caráter cultural desses centros existe a importante questão do turismo que foi muito discutida em algumas cartas patrimoniais como nas Normas de Quito (967) e no Compromisso de Salvador (97), tendo inclusive a elaboração de um documento que discorre especificamente sobre esse assunto, a Carta do Turismo Cultural (Bruxelas, 976). De todos esses escritos percebe-se o grande interesse em fazer com que esse patrimônio histórico-arquitetônico participe do desenvolvimento econômico dos países e é aí que entra a ação do setor turístico o qual deve localizar os pontos fortes e aproveitar o potencial dessas locali- dades. A idéia é que o turismo cultural “justifica, de fato, os esforços que tal manutenção e proteção exigem da comunidade humana, devido aos benefícios sócio-culturais e econômicos que comporta para toda a população impli- cada.” (Carta do Turismo Cultural, 976, p.) As sentenças a seguir, retiradas do Compromisso de Salvador, expressam a participação esperada dos agentes turísticos nesses centros históricos: “Recomenda-se a convocação dos órgãos responsáveis pelo planejamento do turismo, no sentido de que voltem suas atenções para os problemas, utilização e divulgação dos bens naturais e de valor cultural especialmente protegidos por lei. (...) Recomenda-se que os órgãos responsáveis pela política de turismo estudem medidas que facilitem a implan- tação de pousadas, com utilização preferencial de imóveis tombados” (97, p.) Naturalmente, esses documentos também discorrem sobre a relação entre as atividades turísticas e o respeito ao patrimônio histórico. Projetar e utilizar um ambiente composto por diversos bens patrimoniais exige um cuidado não só com o próprio edifício como também com o seu entorno, pois todo o contexto onde estão inseridas tais edificações também faz parte da história da cidade. A Cartilha do IPTU encontrada no site da Prefeitura de São Paulo mostra a importância desse cuidado: “Esta área (espaço envoltório de um bem tombado) é delimitada com o objetivo de proteger sua visibilidade, harmonia e ambiência.” Além disso, é interpretado nas cartas patrimoniais que a existência de monumentos bem cuidados e utilizados plenamente, além de atrair visitantes, atrai também a população da própria cidade, criando um efeito de revitalização do seu entorno próximo, como pode ser conferido no parágrafo das Normas de Quito (967, p.6): “a valorização de um monumento exerce uma benéfica ação reflexa sobre o perímetro urbano em que se 6
  • 16. encontra implantado e ainda transborda dessa área imediata, estendendo seus efeitos a zonas mais distantes.” Outro ponto discutido nessas cartas é quanto à convivência entre as atividades turísticas e a vida cotidiana desses centros. O caso de reabilitação do Centro Histórico de Salvador, analisado nessa pesquisa, ilustra uma intervenção que não se preocupou em adotar essas medidas reguladoras o que resultou numa descaracterização do que realmente era o centro dessa cidade. Foi dada uma importância exacerbada para o uso turístico do local que acabou passando por cima de tudo o que realmente acontecia naquele lugar criando um cenário habitado apenas pelos visitantes e praticamente inutilizado pelos próprios soteropolitanos. “É evidente que, na medida em que um monumento atrai a atenção do visitante, aumentará a demanda de comerciantes interessados em instalar estabelecimentos apropriados a sua sombra protetora. Essa é outra conseqüência previsível da valo- rização e implica a prévia adoção de medidas reguladoras que, ao mesmo tempo em que facilitem a estimulem a iniciativa privada, impeçam a desnaturalização do lugar e a perda das finalidades primordiais que se perseguem.“ (Normas de Quito, 967, p.6) O caso do Pelourinho, mesmo tendo suas intervenções iniciadas com o cuidadoso projeto da arquiteta Lina Bo Bardi, culminou numa área voltada quase que exclusivamente ao turismo. Isso mostra a fragilidade desse tipo de projeto e justifica a preocupação existente nas cartas patrimoniais de que as atividades turísticas são positivas à economia e à cultura mundial, mas que devem respeitar as características, a história e o cotidi- ano de cada local. “É possível equipar um país sem desfigurá-lo; preparar e servir ao futuro sem destruir o passado. A elevação do nível de vida não deve se limitar à realização de um bem material progressivo; deve ser associado à criação de um quadro de vida digno do homem.” (Informe Weiss, Normas de Quito, 967, p.). Além do seu caráter cultural, os centros urbanos são muito importantes, pois geralmente eles pos- suem uma grande variedade de atividades e usos convivendo harmonicamente que geram uma dinâmica bas- tante rica que garante o seu uso e consequentemente a sua preservação. Graças à grande variedade de usos do centro das cidades eles se tornaram regiões de grande oferta de empregos. Essa concentração de grande parte dos postos de trabalho atrai diariamente milhares de pessoas e por isso, o retorno do uso residencial para o centro, além de dinamizar a vida da região, diminuiria os movimentos pendulares moradia-trabalho trazendo melhor qualidade de vida para os cidadãos e também melhorias no trânsito de toda a cidade. Essa importante qualidade dos centros urbanos foi discutida no ° Seminário Brasileiro para Preser- 7
  • 17. vação e Revitalização de Centros Históricos, realizado em 987, evento onde foi escrita a Carta de Petrópolis, como se observa no trecho a seguir: “Sendo a polifuncionalidade uma característica do SHU (Sítio Histórico Urbano), a sua preservação não deve dar-se à custa de exclusividade de usos, nem mesmo daqueles ditos culturais, devendo, necessariamente, abrigar os universos de trabalho e do cotidi- ano, onde se manifestam as verdadeiras expressões de uma sociedade heterogênea e plural. Guardando essa heterogeneidade, deve a moradia construir-se na função pri- mordial do espaço edificado, haja vista a flagrante carência habitacional brasileira. Desta forma, especial atenção deve ser dada à permanência no SHU das populações residentes e das atividades tradicionais, desde que compatíveis com a sua ambiência.” (987, p.) Associada a sua funcionalidade variada, está a bem consolidada infra-estrutura urbana existente nesses centros formada por um sistema viário estruturado, saneamento básico, energia e serviços de telefo- nia, redes de transporte coletivo e diversos equipamentos sociais e culturais cujo aproveitamento resultaria em melhorias tanto ambientais quanto econômicas para a cidade. Por fim, é importante destacar que a participação da população é imprescindível para o desenvolvi- mento desses projetos urbanos. O vínculo entre cidadãos e cidade, além de resultar em respeito e orgulho, culmina em intervenções bem sucedidas que desenvolvem o potencial da região, pois ninguém melhor do que os próprios moradores e usuários para saber quais são as reais vocações de cada lugar. A influência da sociedade nesses projetos é muito bem exemplificada com o caso da Lapa no Rio de Janeiro. Os processos de tombamentos, as reformas de algumas edificações isoladas e a elaboração de projetos da iniciativa pública como o Corredor Cultural e a Quadra Cultural da Lapa atraíram os olhares para essa região e, apesar das com- plicações de implantação desses projetos, a sua simples existência aumentou a auto-estima dos moradores e usuários criando uma dinâmica efervescente no local que resultou em algumas mudanças significativas na região. O fenômeno que aconteceu nesse local já foi observado nas Normas de Quito no seguinte trecho: 8
  • 18. “Nada pode contribuir melhor para a tomada de consciência desejada do que a contemplação do próprio exemplo. Uma vez que se apreciam o resultado de certas obras de restauração e de revitalização de edifícios, praças e lugares, costuma ocor- rer uma reação favorável de cidadania que paralisa a ação destrutiva e permite a consecução de objetivos mais ambiciosos.” (967, p.9) Pode-se dizer que o que ocorreu na Lapa carioca foi uma revitalização espontânea, a partir de algumas pequenas reformas e tombamentos, que estimulou a realização de projetos maiores; as ações da iniciativa privada e de grupos populares acabaram por instigar o poder público a realizar obras de reurbanização. A par- tir dessas intervenções, consolidou-se na Lapa uma vida, diurna e noturna, muito saudável que atrai visitantes do mundo todo que estão em busca de uma rica experiência cultural. A partir dessa análise, entende-se a importância econômica, habitacional e cultural de se intensificar o uso das regiões centrais das cidades. A elaboração de uma intervenção urbana em centros históricos é bas- tante complexa e deve ser elaborada a partir da presença dos edifícios de valor patrimonial e da infra-estrutura urbana já bem consolidada da região. Além disso, a participação da sociedade que mora e que usa esses cen- tros é imprescindível em todas as fases do projeto, desde a sua elaboração até a sua incorporação na vida da cidade. 9
  • 19. 3. Processos de requalificação de centros históricos 3.1. Exemplos internacionais 3.1.1. Centro Histórico de Bologna, Itália As grandes destruições da Segunda Guerra Mundial de- ram início a um debate sobre a reconstrução, restauração e renova- ção das cidades européias. Foi nesse momento que tiveram início diversas intervenções de renovação urbana, tipologia de projeto que se manteve dominante até o começo dos anos 70. Devido à agressividade desse tipo de intervenção na cidade, muitos cen- tros sofreram com a degradação tanto física quanto social; alguns foram abandonados e outros padeceram com a especulação imo- biliária. A partir dessa decadência gerada pelos processos de centro histórico de Bologna renovação urbana, começaram a se desenvolver na Europa políti- cas públicas de revalorização urbana sendo a cidade de Bologna a pioneira nesse tipo de intervenção ao propor e dar início a implantação de um plano já na década de 960. Esse plano originou um processo de intervenção conhecido como Conservação Urbana Integrada (CI) que teve os seus princípios posteriormente sistematizados na “Declaração de Amsterdã” em 975. Entre eles um dos mais importantes é a consideração de que o patrimônio histórico e arquitetônico é uma riqueza social e, portanto, a sua manutenção deve ser uma responsabilidade coletiva e, ainda quanto à integridade dos bens patrimoniais, em uma CI a conservação do patrimônio deve ser considerada como o objetivo principal do planejamento urbano. Também faz parte dos princípios da CI a manutenção da composição social dos habitantes nas áreas reabilitadas, o estímulo à participação da população no processo de criação do projeto e o incentivo à integração de órgãos públicos e de iniciativas privadas no desenvolvimento e financiamento dos projetos. 0
  • 20. “O plano, implementado pelo governo municipal da cidade, ousou recolocar o cen- tro histórico de Bolonha como o definidor da política urbana da cidade como um todo, retomando o significado da área central como elemento irradiador da orde- nação urbana. Desde Bolonha, a política traçada para os centros históricos não pôde mais ser tratada de maneira autônoma e marginal à política territorial.” (BAYEUX e ARTIGAS, 004) Foi realizada uma acurada análise das tipologias arquitetônicas e urbanas e do estado de conservação tanto das características históricas quanto das condições estruturais dos edifícios. Também foi executado um minucioso recenseamento da composição demográfica e social dos habitantes, o que permitiu selecionar as áreas mais degradas e necessitadas de um projeto de recuperação. A partir da definição das áreas de interven- ção foi elaborado um detalhado projeto que buscava garantir condições de vida dignas às famílias de baixa renda que habitavam esses locais. Os investimentos para a realização desses projetos foram provenientes dos fundos destinados à construção de habitações sociais. As áreas que foram escolhidas para essas intervenções apresentam um conjunto urban0 homogêneo o que facilitou a implantação do projeto. São núcleos construídos entre os anos 50-70 resultantes de antigos loteamentos, altamente fragmentados, com testadas muito estreitas, compostos por habitações unifamiliares de um a três andares, dimensionadas modularmente e com medidas constantes. Estavam dentro dos objetivos desse projeto de recuperação a consolidação e o restauro das estruturas dos edifícios, a retirada de qualquer construção e preenchimentos adjacentes (como a criação de mais um pavi- mento ou a ocupação de pátios internos) e com isso a reconstrução das áreas internas originalmente livres (pátios internos). Também fez parte do projeto a implantação de infraestruturas como sistema de aquecimen- to e instalações sanitárias e a criação de boas condições de iluminação e ventilação visando deixar o imóvel funcional para o uso habitacional. Quanto aos usos desses imóveis foi previsto o estabelecimento de lojas ou oficinas no pavimento térreo e de habitação nos pavimentos superiores, assim como acontece no centro da cidade de São Paulo. Esses projetos de intervenção nas áreas degradadas mostram que o plano desenvolvido para o centro de Bologna não se limitava apenas em conservar o aspecto externo do centro. Fazia parte do plano identificar as atividades e funções compatíveis com o delicado tecido urbano e social do centro histórico e estimular o seu desenvolvimento nessa região para manter a dinâmica pré-existente do local e devolver essa área para os
  • 21. cidadãos de Bologna. O planejamento baseado nos princípios da Conservação Urbana Integrada desenvolve um projeto específico para determinada área, privilegiando a ação localizada para potencializar a transforma- ção do local. Assim, não foram realizadas grandes demolições nem alargamentos de ruas ou preenchimentos de áreas livres. O traçado da cidade, o caráter do conjunto urbano e a população moradora e usuária do centro histórico foram mantidos. Grandes edifícios como conventos e edifícios jurídicos, geralmente articulados em espaços fechados e pátios abertos e ajardinados passaram a abrigar atividades culturais. Além de museus, bibliotecas, teatros, escolas, e também locais para atividades burocráticas e administrativas, esses edifícios também foram utilizados para e particularmente as grandes edificações antigamente ligadas a atividades reli- giosas passaram a sediar universidades. O crescente desenvolvimento do setor terciário associado à considerável expansão da universidade acabou mudando o rumo das políticas de recuperação do centro histórico de Bologna. As áreas recuperadas se mantiveram residenciais até os anos 80, mas logo essa região foi se ligando cada vez mais à vida intelec- tual das universidades. O aumento no preço dos imóveis foi notável e em pouco tempo as habitações sociais foram sendo transformadas em residências estudantis ou para os professores das universidades e os espaços térreos se tornaram livrarias, bares, restaurantes e até galerias de arte. Assim, esse sofisticado centro histórico da cidade foi crescendo sobre os bairros residenciais populares próximos ao centro, intensificando ainda mais o processo de gentrificação da região. O centro histórico de Bologna nunca mais passou por um processo de degradação física ou social e atualmente a política de recuperação dessa área lida com o fenômeno da gentrificação de forma a minimizar os impactos sobre os estratos mais fracos da sociedade que são as famílias mais pobres e os idosos, mas a população que residia ali antes da implantação do plano da década de 960 foi sendo gradativamente substi- tuída por uma população marcada pelo seu caráter temporário, como é o caso de estudantes universitários.
  • 22. 3.1.2. Centro Histórico de Madrid, Espanha Assim como o centro da cidade de São Paulo, o centro histórico de Madrid passou por um processo de esvaziamento populacional. Desde os anos 60, graças à pressão especulativa imobiliária, diversas famílias abandonaram o centro da cidade em busca de habitações menos dispendiosas localizadas em regiões periféri- cas da cidade e, mesmo as famílias de classe média/alta também passaram a procurar residências distantes do centro a procura de melhor qualidade de vida em locais de menor densidade. Dessa forma, a região central da capital espanhola foi sendo habitada por pessoas sozinhas e por casais sem filhos, geralmente já em idade avançada e com baixo poder aquisitivo. Essa decadência social trouxe a decadência econômica e ambiental da região o que chamou a aten- ção das administrações do Estado, Regional e Local. Então, a partir de 994, o Governo Central, através do Ministério de Obras Públicas, a Prefeitura, por meio da “Empresa Municipal de la Vivienda” e a Comunidade Autônoma de Madrid, representada pela Diretoria Geral de Arquitetura e Habitação decidiram agir de forma conjunta para frear o crescente processo de degradação física e social da região e desenvolver um plano de reabilitação para o Centro Histórico de Madrid. É importante ressaltar que, somada a essa união de diferen- tes esferas do poder, também houve a união de todos os partidos políticos que apoiaram o plano, formando comissões conjuntas de acompanhamento dos projetos e das obras no local, sendo isso um fator significativo para a implantação do projeto. No total, foram investidos US$ 5,5 milhões dos quais 6% foi bancado pelo Poder Público e o res- tante por iniciativas privadas associadas ao centro. Desse investimento público, 64% foi aplicado em projetos de reabilitação de imóveis e o restante se voltou para obras de urbanização e infraestrutura. O plano foi produzido de forma a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos madrilenos, que tiveram uma participação importante nesse processo através de reuniões periódicas entre associações de moradores e comerciantes com outras entidades sociais e de administração pública. Assim, o intuito primordial dessa intervenção era devolver essa importante área da cidade de Madrid para os seus cidadãos, sendo os seus prin- cipais objetivos a recuperação da característica residencial do Centro Histórico, o apoio à pequena indústria artesanal e ao pequeno comércio, a incorporação de um novo desenho urbano mais adequado às necessidades da população (por meio de projetos em espaços públicos externos) e a recuperação do patrimônio histórico edificado.
  • 23. A questão da recuperação e do restauro do patrimônio histórico e arquitetônico do local foi tratada com muito cuidado através da análise particular de cada caso. Foram feitas desde intervenções nas fachadas para a retirada de elementos conflitantes, como pequenas marquises, toldos e letreiros exagerados, até read- equações arquitetônicas como a recuperação interna e a recomposição dos pátios internos para viabilizar o uso residencial. Associado a isso, as novas construções foram inseridas de forma a respeitar a volumetria existente, mas sem nenhuma cópia estilística, para evidenciar os edifícios históricos do local. Para organizar a implantação desse projeto foram criadas as Áreas de Reabilitação Preferencial (ARP), zonas em processo de degradação para onde foram desenvolvidos projetos que tratavam de forma conjunta a reabilitação dos espaços públicos e dos seus edifícios. Pode-se dizer que as ARPs funcionaram como pro- jetos-piloto os quais se tornaram pontos irradiadores do processo de recuperação urbana e arquitetônica. De acordo com Di Blasi (LIMA e MALEQUE, 004, p. 64) os três primeiros irradiadores de qualificação urbana foram a Plaza del Dos de Mayo, a Plaza Mayor III Fase (Arco del Triunfo) e as Plazas de la Paja, de los Carros, del Alamillo e de la Cruz Verde. Esse plano, pensado a partir das grandes praças do centro de Madrid, logo se estendeu para as ruas envoltórias constituindo-se num plano geral para a região. plaza mayor plaza del dos de mayo plaza del alamillo plaza de la cruz verde É possível afirmar que praticamente todos os objetivos desse plano foram alcançados. O conjunto edificado foi reabilitado, o pedestre foi valorizado nas áreas públicas através de melhorias de acessibilidade e também graças à restrição e à organização do tráfego de veículos o que possibilitou a criação de muitos calçadões. Ainda para melhorar a presença dos automóveis na região, foram construídos estacionamentos subterrâneos no centro e adjacências. 4
  • 24. Os espaços públicos também foram valorizados com a criação e a remodelação de algumas praças e, a implantação de novo mobiliário urbano e arborização nas calçadas contribuiu para que todo o sistema de circulação e de espaços públicos externos se tornasse agradável e plenamente utilizado. Com isso a caracter- ística residencial do Centro Histórico de Madrid foi retomada, reduzindo a valores residuais o número de edificações vazias ou subutilizadas. Segundo Figueiredo (00) o aumento de moradores na região estimulou as atividades comerciais desde aquelas volta- das para o atendimento local, como pequenas mercearias e lojas de produtos regionais até grandes estabelecimentos comerciais como o “El Corte Inglês” e a “Fnac”. Esse reaquecimento com- ercial melhorou a economia da região que hoje atrai milhares de turistas do mundo todo, sendo essa mais uma atividade impor- tante para a vida social e econômica desse Centro Histórico. comércio no centro histórico de Madrid 5
  • 25. 3.1.3. Malecón de Havana, Cuba Em fevereiro de 994 foi criada a Oficina Técnica do Programa de Reabilitação do Malecón de Havana, Cuba. Criada para colocar em prática um Programa de Cooperação entre instituições de Comunidades Autônomas da Espanha e o Governo da República de Cuba - representado pela “Oficina del Historiador de la Ciudad”- a sua atuação se deu sobre um setor de , km de exten- são da região de Malecón de Havana. Conhecida como “Portal de la Habana”, Av. Antonio Maceo, o “Portal de la Habana”. a Frente Marítima de Malecón compõe parte do patrimônio edificado da zona central da cidade, o que atrai muitos visitantes. A região se estende por 7, km no lado norte de Havana e foi dividida em 5 setores urbanos. A atuação da Oficina Técnica se limita a um desses setores, o Setor Prado-Belascoain, que contém 4 quarteirões onde existem .476 casas com 5.00 habitantes, representando mais de 80% do total de habitações existentes nessa região da cidade. O perímetro de intervenção do projeto engloba os 4 quarteirões e os espaços públicos a eles vincula- dos, totalizando uma área de 5,75 ha. Dessa área, ,5 ha correspondem ao setor das 4 quadras, incluindo o espaço público do sistema viário (6, ha) e o espaço privado dentro das quadras (5, ha). A área das quadras varia de 000 a 8000 m², com edifícios que variam de 7 a 0/40 m de largura e de 0 a 40/50 m de profun- didade. As suas construções são bastante homogêneas, diferente do restante do Malecón, aproximando-se da tipologia das construções da região central da cidade. O papel da Oficina Técnica é desenvolver os projetos, exercer a direção das obras e controlar a quali- dade de sua execução. Ela também investiga, desenha e elabora os principais produtos aplicados em obras a partir de um Laboratório próprio. Até o final de 997, mais de 500 casas foram beneficiadas com seus trabal- hos de preservação sendo que 57 delas foram completamente reabilitadas. 6
  • 26. Nessa região o uso do solo é predominantemente residencial ocupando 7% dos edifícios e 80% da área construída total. O restante dos edifícios é ocupado por usos administrativos, hotéis ou armazéns. As- sim como acontece no centro de São Paulo, também em Havana os pavimentos térreos geralmente possuem funções diferentes do restante do edifício. Em Havana eles são ocupados por usos administrativos, armazéns e também por serviços básicos para a população, caracterizados por um pequeno comércio como bares, açou- gues, padarias e óticas. É importante destacar que essas ocupações do pequeno comércio estão voltadas para a Calzada de San Lázaro, enquanto que os usos hoteleiros, administra- tivos e sociedades recreativas se vol- tam para a Avenida Antonio Maceo (Malecón). setor Prado-Belascoain, Malecón A Oficina Técnica do Programa de Reabilitação do Malecón teve que enfrentar diversos problemas para melhorar essa área. Quanto ao conjunto edificado, o forte estado de degradação dos bens patrimoniais exige, na maioria dos casos, obras urgentes de reabilitação, o que conseqüentemente gera a questão da re- alocação das famílias moradoras desses locais para um local próximo, aumentando a área ocupada pelo uso residencial e também a necessidade de incorporar usos que o complementem. Quanto aos espaços públicos, além de áreas livres inadequadas, os problemas giram em torno da Avenida Malecón como o seu intenso tráfego de veículos, a sua completa falta de sinalização e os constantes avanços do mar, que quase impos- sibilitam a sua utilização por pedestres. Além disso, a qualidade das águas da baía, do Rio Almendares e do trecho litorâneo compreendido entre eles é muito ruim, o que também dificulta o uso balneário e turístico da região. Assim, os principais objetivos dessa intervenção urbana são a reabilitação dos edifícios e do espaço ur- bano, a melhora das condições de vida da população ali residente, com a sua manutenção dentro do perímetro de projeto, e o desenvolvimento da vocação turística da região, caracterizando a Avenida Malecón como um eixo de turismo e recreação da cidade. 7
  • 27. Atualmente essa avenida já é o principal eixo vário da cidade por onde circula um denso fluxo de veículos diariamente e assim ela possui um caráter de via expressa dificultando a sua utilização por pedestres e atividades turísticas. Dessa forma, esse plano propõe a redução e a reestruturação do tráfego dessa avenida para aumentar e qualificar os espaços para pedestres. Como não é possível implantar essas medidas em toda a cidade, as propostas se limitam à semaforização e à implantação de faixas de pedestres para possibilitar um acesso mais tranqüilo e seguro ao mar do outro lado da via. Para proporcionar mais conforto e estimular a sua utilização, os espaços públicos tiveram um tratamento unitário dos pavimentos e a implantação de mobiliário urbano e áreas de sombra. A reabilitação estrutural e funcional do conjunto edificado tem a intenção de recuperar a qualidade ambiental do entorno urbano e melhorar substancialmente as condições de habitabilidade das moradias e por isso é muito interessante observar como foram organizadas essas intervenções. Realizadas em função dos graus de proteção, do estado de conservação e também da distribuição funcional dos edifícios, a reabili- tação dos edifícios foi organizada em prioridades para que grande parte dos edifícios pudesse ser tratada e reutilizada adequadamente. Primeiramente a atuação se deu sobre os edifícios com problemas graves estru- turais onde existia a necessidade de retirar os moradores já que o risco de danos era iminente. Em seguida, foram realizadas ações prévias, sem a retirada dos moradores, em edifícios que apresentavam pequenos, mas urgentes, problemas estruturais e funcionais para que assim eles pudessem esperar por uma intervenção definitiva. Posteriormente foram realizadas as intervenções estéticas em fachadas, sempre dando prioridade para aquelas voltadas para a Avenida Malecón. processo de reabilitação de edifício na avenida. 8
  • 28. Quanto à distribuição de moradias, as intervenções foram realizadas de forma a ter o aproveitamento máximo dos espaços. A pré-existente distribuição residencial era muito densa, com um elevado número de habitações cujos cômodos eram divididos por várias famílias. Para proporcionar condições dignas de moradia era necessário aumentar a área de habitação por família, ou seja, era preciso reduzir a densidade populacional desses edifícios. Assim, criou-se a necessidade de construir mais edifícios para moradia e, como a intenção desse projeto era manter a sua demanda dentro dos limites do seu perímetro, foram adotados os limites míni- mos de habitabilidade para criar o máximo de habitações possíveis dentro de um padrão digno. Algumas medidas tomadas para obter mais moradias e melhorar as suas condições nos edifícios exis- tentes foram as ampliações baseadas na criação de mezaninos, na incorporação de novos pavimentos quando esses não estivessem sendo bem aproveitados e também na readaptação de sótãos, quando a estrutura do edifício e os regulamentos urbanos permitiam. proposta de demolições e usos do solo Além disso, para alcançar a maior quantidade de área edificada possível, tendo em vista que existem grandes parques e áreas verdes próximas dessas quadras, todos os terrenos livres existentes dentro do perí- metro de intervenção foram destinados à construção desses novos edifícios, para a sua utilização tanto para novos equipamentos como para novas habitações. São 4.000 m² de área livre que somados a área dos edifí- cios que devem ser demolidos, totalizam 65.000 m². Dessa área, .000 m² serão destinados a usos residen- ciais resultando num total de 04 moradias em novas edificações. 9
  • 29. levantamento e proposta de intervenção em uma das quadras do setor Prado-Belascoain Para a inserção dos novos edifícios foram mantidos os ritmos exteriores das fachadas, respeitando as proporções dos edifícios da “tipologia tradicional”. A sua arquitetura deveria respeitar os edifícios existentes, evitando os excessos formais, mas sempre sem deixar de mostrar a sua contemporaneidade. A ocupação des- sas novas edificações equilibrou-se entre novas moradias e os novos usos a serem incorporados devido ao aumento da área habitacional. Para a realização dessas intervenções foram firmados convênios entre diversas administrações es- panholas e cubanas. Até o ano de 998 a Espanha investiu mais de 00 milhões de pesetas em materiais e equipamentos auxiliares a obra e também em ajuda técnica e de formação do pessoal da Oficina Técnica de Cuba. levantamento de fachadas e propostas para inserção de novos edifícios na Av. Malecón 0
  • 30. 3.2. Exemplos brasileiros 3.2.1 Centro histórico de Salvador, Bahia Lina Bo Bardi foi convidada em 986, pelo então prefeito de Salvador, Mário Kertész, para de- senvolver um projeto de recuperação para o Centro Histórico de Salvador. Segundo Lina, a região “havia sofrido um terremoto voluntário” e apresentava mui- tas edificações em ruínas. Apesar dessas condições, o bairro era densamente habitado por uma popula- ção de baixa renda, que mantinha a vida urbana do local, diferente do que acontece com algumas ruas do Centro Histórico de São Paulo que acabaram morrendo por não serem habitadas. Um ano antes, o Centro Histórico de Salva- dor foi classificado pela UNESCO como Patrimônio croquis de Lina Bo Bardi da Humanidade. É importante destacar que não “Aspectos de ruína e destruição do Centro Histórico.” foi pelo valor individual de determinadas edificações, mas pela representatividade do conjunto urbano do Pelourinho, centro da primeira capital brasileira e exemplo de uma adaptação das aldeias portuguesas a uma geografia distinta de encosta. E foi a partir desse valor dado ao conjunto urbano que Lina baseou o seu projeto, dando importância ao contexto pré-existente no local e as relações entre as pessoas e a cidade. De 986 a 990 foram experimentados alguns projetos-pilotos que deveriam servir de exemplo para uma “recuperação rápida, econômica e de qualidade” (FERRAZ, 008) do Centro Histórico de Salvador. Para es- sas intervenções, foi utilizado um sistema de peças pré-fabricadas desenvolvido pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, tornando o processo muito mais eficiente e barato, facilitando a sua inserção em uma área cada vez maior e em menos tempo. Apesar do uso de peças iguais, cada caso foi analisado individualmente sendo os elementos pré-fabricados adaptados in loco e inseridos de forma coerente e respeitosa a cada patrimônio.
  • 31. A arquiteta baseia-se em dois princípios para o desenvolvimento de sua intervenção: não esquecer que a proposta é uma ação presente e respeitar a estrutura existente morfológica e de uso. E quanto a isso Lina esclarece: “O que estamos procurando na recuperação do Centro Histórico da Bahia é justa- mente um marco moderno, respeitando rigorosamente os princípios da restauração tradicional. Para isso, pensamos num sistema de recuperação que deixe perfeitamente intacto o aspecto não somente exterior, mas também o espírito, a alma interna de cada edifício.” (OLIVEIRA, 008, p.0) Como as suas intervenções foram feitas com peças pré-fabricadas, elas não causaram o aumento do valor imobiliário, principal motivo do êxodo da população de baixa renda residente em centros urbanos. Isso foi imprescindível para reforçar um princípio essencial da proposta de Lina Bo Bardi que era manter a popu- lação que vivia nesse centro e em condições dignas de moradia. Marcelo Ferraz, arquiteto que participou do desenvolvimento das intervenções junto com Lina, explica o que era feito com a população no local: “Nosso projeto, baseado em um levantamento sócio-econômico de todas as famílias, previa uma logística de efeito dominó. Ou seja, recuperávamos uma ruína aban- donada transformando-a em moradia plurifamiliar – alguns apartamentos em cada casarão antigo recuperado –, transferindo para ali os moradores vizinhos das casas degradadas. Em seguida partíamos para a recuperação dessas casas degradadas já desocupadas, para trazer outras famílias, e assim por adiante.” (FERRAZ, 008) peças pré-fabricadas e sua implantação em um edifício existente
  • 32. Junto com a manutenção da população ali residente, essa intervenção também previa respeitar a dinâmica da vida urbana do local. Quanto a isso Marcelo Ferraz esclarece: “Em todos os casos, o térreo dessas casas deveria conter um pequeno comércio ou serviço, a ser tocado pelos próprios moradores. Chegou-se ali a levantar, através de pesquisas, demandas de usos e capacidade de instalação de equipamentos comerciais e públicos para atender a estes usos. O cadastro de cada imóvel ou ruína era primoroso e, junto ao programa pré-estabelecido do futuro uso e definição das famílias que iriam ocupar cada imóvel, é que partíamos para o projeto arquitetônico.” (FERRAZ, 008) O primeiro projeto-piloto foi realizado na simbólica Ladeira da Misericórdia que estava bastante aban- donada. Era um local interessante para uma intervenção por conter elementos muito distintos como ruínas dos séculos XVIII, XIX e XX, terrenos baldios, muralhas de contenção da encosta e vegetação exuberante que geram situações e problemas diferentes, o que possibilita o desenvolvimento de um projeto mais rico e de programa variado. Para o local foi proposta a transformação de três casarões em pequenos “edifícios” residen- ciais, com pontos comerciais no térreo, um bar e um restaurante. Adotando o princípio da honestidade de propósitos aconselhado na Carta de Veneza, todas as inter- venções nas ruínas seriam feitas com as peças pré-fabricadas, o que exporia claramente a união do novo com o antigo. Segundo Marcelo Ferraz, seria possível ler na arquitetura: “aqui, o que sobrou de uma ruína do século XVIII, em alvenaria mista; aqui, um pedaço de casa do século dezenove; aqui, uma construção contemporânea, do século XX; todos em harmonia e prontos para uma vida nova”. (FERRAZ, 008) Infelizmente, com as mudanças na administração pública de Salvador no início dos anos 90, o cui- dadoso e atencioso projeto de Lina Bo Bardi e Marcelo Ferraz foi abandonado e substituído por amplo e ambicioso plano de recuperação ciente do potencial turístico da região. Apesar de essa nova maneira de intervenção ter cessado o processo de ruína do Centro Histórico soteropolitano, o seu resultado é bastante equivocado. Um dos principais erros dessa nova intervenção foi quanto ao tratamento dos miolos de quadra. Enquanto que na proposta de Lina essas áreas seriam pequenos quintais coletivos das famílias ali residentes conectados às vias principais por pequenas portadas, situação típica de antigas aldeias portuguesas de traçado medieval, no ambicioso plano de recuperação muitos desses miolos foram abertos e inseridos no contexto das vias principais do bairro, por meio da criação de novos acessos ou mesmo através de um terreno vazio
  • 33. onde antes existia uma ruína. Essas intervenções foram feitas sem nenhum rigor histórico, pois ignoraram a tipologia de cheios e vazios permeados por pequenos pátios surpresas, e alteraram uma das principais características do traçado urbano original, que foi o motivo pelo qual o Pelourinho foi tombado em 985. Para reforçar esse equívoco os fundos das casas que passaram a ficar expostos tentaram se transfigurar, sem nenhum respeito ao pat- rimônio, em fachadas frontais, criando a idéia de que aquelas ca- sas se voltam para uma pequena praça, situação que nunca ocor- reu em cidades com esse tipo de traçado. Além disso, as casas começaram a ser pintadas de um colorido que nunca existiu e para isso foram utilizadas técnicas e materiais mais caros que expulsaram a população de baixa renda, residentes originais do local. Esses habitantes foram “convidados” a sair de suas casas e ir morar na periferia da cidade, para que os o Pelourinho atualmente (00) imóveis fossem restaurados. Nessa intervenção realmente houve uma recuperação física dos edifícios mas que dependeu de uma completa modificação dos usos anteriores,resultando em uma “limpeza” social para preparar o Pelourinho para o turismo. As tabelas (NOBRE, X Anpur) a seguir ilustram esse êxodo populacional: variação da população residente. (fonte: IBGE 1982 e 2001) 1980 2001 cidade de Salvador 1.501.981 2.428.388 centro histórico 9.853 3.235 % de residentes de acordo com renda do chefe de família. Fonte: IBGE 1991 e 2000. 1991 2000 salário mínimo 0-5 5 - 10 10 - 20 +20 0-5 5 - 10 10 - 20 +20 cidade de Salvador 78% % 7% 4% 76% % 7% 5% centro histórico 90% 8% % 0% 80% 4% 4% % 4
  • 34. De fato, essa reestruturação do Pelourinho voltada para o turismo trouxe um forte crescimento econômico para a cidade de Salvador e para o Estado da Bahia, mas causou um grande impacto no uso do espaço urbano. No lugar de moradias e usos realmente necessários para a população de Salvador foram implantados ali “bares, restaurantes e lojinhas de artesanatos semelhantes às de rodoviárias de qualquer parte do país”. (FERRAZ, 008) O Estado se utilizou dos princípios do desenvolvimento econômico e da atração de empregos para reabilitar a região e assim foi criada uma “cidade-cenário para turista ver” (FERRAZ, 008). Apesar do desenvolvimento econômico e turístico de Salvador graças a essa intervenção no Pelourinho, não é essa a intenção do meu projeto no Centro Histórico de São Paulo, pois pretendo, além de manter os pontos saudáveis existentes na dinâmica urbana do local, atrair mais população para morar no bairro. Dessa forma, o importante da experiência do Pelourinho para o desenvolvimento do meu trabalho é a intervenção realizada por Lina Bo Bardi até os anos 90 e a análise do que uma intervenção voltada apenas para os inter- esses turísticos pode causar com uma saudável e cotidiana vida urbana. 5
  • 35. 3.2.2. Corredor Cultural, Rio de Janeiro e o caso da região da Lapa Em janeiro de 984 foi instituída a lei de Preservação Paisagística e Ambiental do Centro da Cidade do Rio de Janeiro, mais conhecida como a Lei do Corredor Cultural. A instituição dessa lei marca um momen- to importante na história da cidade, pois ela inicia o período das intervenções de preservação e revitalização urbana, pondo fim aos projetos de renovação urbana que vinham acontecendo até então. A partir da criação desse projeto foram definidas as condições básicas de intervenção em grande parte da área central, através de leis e normas para proteger o conjunto arquitetônico histórico e também para orientar a construção de novos edifícios na região de forma harmônica com as edificações e o contexto existente. Uma característica muito importante no desenvolvimento desse projeto foi a sua preocupação quanto à participação da sociedade e, principalmente da população afetada, fator fundamental para a sua implanta- ção tendo em vista que o sucesso desse tipo de intervenção depende também da aceitação e do cumprimento dos instrumentos formais e legais por parte dos usuários do local. Dessa forma, o grupo executivo do projeto (Grupo Executivo Corredor Cultural/ RIOARTE) discutiu com a população os critérios a serem adotados nessa intervenção, desde o início, em 979, o que permitiu que o projeto fosse desenvolvido de forma lenta e democrática resultando numa maior aceitação e apropriação pelos usuários do centro do Rio de Janeiro. Essa relação entre o governo e a população é muito bem ilustrada através do Manual “Corredor Cultural: Como recuper- ar, reformar ou construir seu imóvel.” que foi elaborado pela Prefeitura do Rio de Janei- ro e pelo Grupo Executivo do Corredor Cul- tural para ”informar e divulgar os novos pro- cedimentos e normas e (...) orientar os usuários sobre tramites administrativos e alternativas técnicas na solução de seus problemas de obras, elaboração de letreiros, toldos, etc”. auxílio do manual “Corredor Cultural: Como recu- perar, reformar ou construir seu imóvel.” 6
  • 36. Além disso, o Manual também se preocupa em mostrar para a população a importância da manuten- ção e do cuidado que se deve ter com o acervo arquitetônico existente na região central do Rio de Janeiro, pois ele faz parte da identidade da cidade. O seguinte trecho retirado do manual mostra como o texto se desenvolve de forma a incentivar os donos de imóveis tombados a ter orgulho do seu próprio imóvel e a zelar por ele: “se o seu imóvel está em área de preservação do Corredor Cultural significa que ele faz parte do patrimônio da Cidade e você tem nas mãos uma obra importante para a história do Rio de Janeiro. Isto, entretanto, não significa que ele perdeu seu valor econômico. Você pode alugá-lo ou vendê-lo, se quiser, sem nenhuma re- strição. Vale a pena cuidar do seu imóvel e para isto você terá todo o apoio técnico da Prefeitura, através do DED e do Grupo Executivo do Corredor Cultural. (...) Do ponto de vista do Corredor Cultural você precisará manter a fachada e o telhado em suas formas originais.” (RIOARTE, IPLANRIO, 985) Assim, estão contempladas nesse manual algumas ori- entações gerais para projetos de restauro das fachadas e, para evitar um processo de “fachadismo”, o projeto e o seu manu- al estimulavam também a reabilitação dos espaços internos. Qualquer dúvida específica quanto ao seu projeto de reabili- tação, o dono do imóvel poderia contar com a ajuda do Grupo Executivo do Corredor Cultural, fato que colaborou com a ma- nutenção das características próprias de cada imóvel. O Manual se estrutura de forma bastante didática e abrange uma grande quantidade de questões como a regular- ização dos letreiros dos estabelecimentos comerciais, interven- ções estruturais em patrimônios degradados, propostas para layouts internos e orientações para a inserção harmoniosa de novas edificações. O mais importante é que, dentro de algu- proposta de reforma dos espaços internos de um mas normas básicas de intervenções em centros históricos, são edifício no Corredor Cultural. sempre sugestões de projetos, não existe nada imposto sobre a população. 7
  • 37. Para organizar as ações do programa a sua área de intervenção foi dividida em quatro partes de acordo com os principais usos e características arquitetônicas e históricas de cada perímetro. São elas: Lapa- Cinelândia, Praça XV, Largo de São Francisco e SAARA (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega). A área Lapa-Cinelândia é caracterizada pelas suas intensas atividades culturais e políticas graças a presença de importantes equipamentos de entretenimento e cultura, como o Teatro Municipal, equipamen- tos de importância jurídica como o antigo Supremo Tribunal Federal e pelo fato de que essa região foi palco de representativas manifestações políticas da história do país sendo até hoje o local preferido para esses movimentos. Essa região exibe uma rica diversidade de estilos arquitetônicos convivendo harmonicamente ilustrando um pouco da história da cidade. O perímetro da Praça XV ostenta “um certo tom de nobreza” (RIOARTE, IPLANRIO, 985) devido a grande quantidade de monumentos históricos, arquiteturas religiosas e civis intercaladas ao casario antigo existentes no local, pelo fato de ter sido a porta de entrada do Brasil até o final do século XIX, segundo a de- scrição do Manual produzido aos usuários e moradores do local. É um local com muita variedade de usos os quais foram mantidos para respeitar o cotidiano pré-existente. As regiões do Largo de São Francisco e do SAARA contêm, segundo seus comerciantes, “o maior e mais antigo shopping Center do Brasil”. Nesse local existe um diversificado comércio de rua, especializado em alguns locais (similar ao que acontece na Rua Santa Ifigênia no centro de São Paulo), associado a atividades de lazer como restaurantes, cinemas, gafieiras e bilhares próximos à Praça Tiradentes. Nesse local, as ações do Corredor Cultural se focaram em manter essa vivacidade característica e nas ações de padronização de letreiros e revalorização das fachadas e interiores foram aplicadas, para devolver à cidade o conjunto edificado de grande valor histórico e arquitetônico. Apesar da grande vitalidade comercial e de serviços, assim como acontece com a região da Rua Santa Ifigênia em São Paulo, essas regiões do centro do Rio de Janeiro estavam extremamente degradadas fisica- mente, marcadas pela poluição visual decorrente da atividade comercial e pelas lastimáveis condições de conservação da arquitetura. Assim, a intervenção prevista pelo projeto Corredor Cultural se iniciou com uma padronização dos letreiros nas fachadas a partir da retirada obrigatória do que era excessivo e também das fachadas falsas (orientação bastante discutida no supracitado Manual) que impediam a visualização do con- junto urbano histórico do local. A seguir, as ações do projeto se voltaram para melhorias no conjunto edificado do local. Essa etapa 8
  • 38. se baseou em isenções de IPTU para estimular os proprietários a aderirem ao programa e restaurar os seus imóveis a partir de recursos próprios. “O alto valor de IPTU, bem como a possibilidade de ostentar uma fachada ad- equada a um estabelecimento que depende da sedução da clientela foram fatores que motivaram cerca de 50% dos proprietários de imóveis nas áreas do Corredor Cultural a aderir ao programa desde a década de 1980.” (MARINS, 004) Outra forma de estimular as obras de recuperação das fachadas foi o forte investimento do poder público municipal em requalificações do espaço público (ruas, largos e praças) e na iluminação dos edifícios mais significativos. O projeto Corredor Cultural também não previa desapropriações o que foi muito positivo para a ma- nutenção da dinâmica local, agora com mais beleza e qualidade de vida e também mais atrativa. Essas novas qualidades do centro da cidade atraíram a atenção de iniciativas públicas culturais e de lazer para a população do Rio de Janeiro como os centros culturais do Banco do Brasil, dos Correios, da Light, da Justiça Federal, o Centro de Artes Hélio Oiticica e o Espaço Cultural da Marinha. Essas áreas mais antigas da região central da cidade, protegidas como patrimônio histórico, buscaram manter a dinâmica local o que acabou garantindo a preservação dos edifícios residenciais, fator que manteve a porcentagem de unidades habitacionais maior do que a de não-habitacionais. Mas, a partir da tabela a seguir, observa-se que a Área de Planejamento (AP) que abrange a região central da cidade apresenta a menor quan- tidade de unidades habitacionais e a maior quantidade de unidades não-habitacionais (comércio e serviços) o que mostra que o centro do Rio ainda apresenta problemas habitacionais assim como o centro de São Paulo: unidades residenciais * unidades não-residenciais * Rio de Janeiro 86,78 , 3 AP 1 (área central) 5,8 48,7 5 1 AP 2 (zona sul) 88,97 ,0 4 2 AP 3 (zona norte) 90,48 9,5 AP 4 (zona sudoeste) 88,0 ,98 AP5 (zona noroeste) 9,89 7, Fonte: Projeto “Moradia é Central – inclusão, acesso e direito à cidade”Instituto Pólis, 2009. * % de unidades construídas 9
  • 39. A partir de tudo o que foi explorado, conclui-se que o centro do Rio de Janeiro ainda precisa atrair mais moradores à região, apostando na idéia de que o “binômio patrimônio cultural e habitação” (LIMA, 007) também é uma forma real de reabilitar o bairro para os próprios cidadãos cariocas e para a história da cidade. Quanto ao Corredor Cultural, tem-se que tudo o que foi implantado, por ter sido feito com a participação maciça da sociedade carioca usuária do local e consequentemente por ter suas ações voltadas para essa popu- lação, foi bem sucedido e hoje é plenamente utilizado pelos cariocas e por visitantes do mundo todo ávidos por conhecer as riquezas arquitetônicas do local e a sua dinâmica cotidiana que torna o bairro significativa- mente único, diferente de qualquer cenário montado para atrair turistas. 3.2.2.1. O caso da Lapa Um expressivo exemplo de como a par- ticipação da sociedade local é significativa é o que aconteceu na região da Lapa. Esse local central da cidade ficou famoso nas décadas de 90 e 90 graças aos seus inúmeros restaurantes, bote- quins, cabarés, clubes de jogos e hospedarias que tomaram conta de todo o espaço o qual deixou de ser habitacional para se dedicar à boemia. A partir da década de 40, a repressão do Estado Novo e a efervescente vida noturna de Co- pacabana tiraram as atenções da Lapa que entrou em um processo de declínio o qual se estendeu até o final dos anos 70, quando começaram a vista geral da Lapa carioca surgir movimentações voltadas a revitalização da área. Foram feitas ações federais de tombamento, em busca de manter os bens característicos para respeitar a história e a sociedade do local, e medidas do poder público do Estado voltadas a atividades culturais como a recuperação da Sala Cecília Meireles, importante espaço dedicado à música de concerto, a instalação da casa de espetáculos Circo Voador e a restauração do prédio da Fundição Progresso, hoje uma casa de shows. 40
  • 40. Em 984, a aprovação do projeto Corredor Cultural trouxe a idéia da preservação de trechos da cidade, ao invés de apenas monumentos históricos e reconheceu essas áreas como zonas especiais do centro histórico carioca, trazendo uma nova noção preservadora baseada na importância cultural do patrimônio e não mais na importância histórica. Assim, a preservação dos monumentos se voltou também para o contexto no qual estão inseridos, de forma a se relacionar com os outros projetos que estavam sendo desenvolvidos na região. Em busca de exaltar o caráter cultural da Lapa, foram criados dois projetos: a Quadra da Cultura na Lapa e o Projeto Distrito Cultural da Lapa. Ambos estaduais, esses projetos previam a destinação de imóveis próprios do Estado para atividades culturais de uso comum do povo e, no caso do primeiro projeto, também para residências, buscando manter a importante dinâmica cotidiana local associada ao seu significativo pat- rimônio histórico e arquitetônico. Infelizmente, devido a mudanças ocorridas por problemas no governo estadual, os projetos não foram implementados, mas produziram uma rica discussão sobre a região reunindo diversos representantes da sociedade civil. A simples existência desses projetos constituiu-se num forte im- pulso para a auto-estima de moradores e usuários da região que, animados, se organizaram e desenvolveram algumas mudanças significativas na área da Lapa. As idéias discutidas sobre o projeto na Lapa estimularam ações da iniciativa privada e de grupos populares que, por sua vez, estimularam algumas obras de reurbanização do Poder Público e assim a Lapa carioca passou por um processo de “revitalização espontânea”. Esse processo atraiu uma diversidade de novos estabelecimentos e usos sempre ligados a atividades culturais, como grupos teatrais, de dança, restaurantes típicos e antiquários, todos com horários de funcionamento que mantém o local movimentado de dia e de noite, os quais atraíram usuários também muito diversos, potencializando a vivacidade única do local. “En- quanto a cidade dorme, a Lapa fica acordada, acalentando quem vive de madrugada.” (O trecho da música “A Lapa”, composta por Herivelto Martins e Benedito Lacerda, em 949. 4
  • 41. A partir do que foi exposto, vê-se a importância que a cultura adquiriu nas políticas, planos e proje- tos urbanos. Atualmente, os projetos de intervenção em espaços urbanos seguem a linha da “regeneração cultural” onde, segundo Vaz e Silveira (VARGAS e CASTILHO, 009) “a cultura se destaca como estratégia principal e a ênfase das políticas urbanas recaiu sobre as políticas culturais”. Nessa tipologia de projeto, a reabili- tação de determinadas áreas acontece por meio da implantação de grandes equipamentos culturais os quais irradiam a sua influência no seu entorno criando os seus próprios territórios culturais, zonas que associam as suas atividades a esse grande equipamento, como aconteceu na região da Lapa do Rio de Janeiro, com seus bares, restaurantes e gafieiras ligados ao funcionamento dos grandes teatros e casas de espetáculos do local, e que infelizmente não aconteceu em São Paulo como, por exemplo, no caso da Sala São Paulo, representativo espaço de cultura da cidade, que incapaz de espalhar a sua influência sobre o seu entorno, encontra-se ilhado numa das regiões mais degradadas do centro da cidade. 4
  • 42. 4. A requalificação urbana em São Paulo 4.1. Histórico do centro de São Paulo “Dentre todas as colinas, os fundadores escolheram para o seu colégio as que dominam de um lado o Taman- duateí, de outro as barrancas do Anhangabaú. Em parte alguma a escarpa que se precipita sobre as várzeas é tão bem marcada, e em parte alguma parece haver tantas garantias de segurança.” Foi nessa situação descrita pelo geó- grafo francês Pierre Monbeig (TOLEDO, 004, p.4), que foi fundada a vila de São Paulo, a partir da fixação do Pátio do Colégio pelos jesuítas. Todas as suas principais funções se organizavam num triângulo formado pela Rua Direita de Santo Antônio (atual Direita), Rua do Rosário (atual 5 de Novembro) e Rua Direita de São Bento (atual São Bento) e os vértices desse triângulo eram marcados pelos Conventos do Carmo, São Bento e São Francisco. Durante o período colonial São Paulo, conhecida como um vilarejo de barro, marcado pelas suas con- struções em taipa, ficou às margens dos mais importantes fluxos de comércio típicos da época, pois nessa área nenhuma produção agrícola de exportação ou extração de metais se desenvolveu de forma significativa. Mas São Paulo participou de forma suplementar ao crescimento econômico colonial devido a sua posição geográ- fica que se mostrou um importante elo para a circulação de mercadorias, sendo um centro de convergência de caminhos de tropeiros, ao longo dos quais se desenvolveram pequenos sítios e chácaras. Essa foi a feição de São Paulo até a chegada da ferrovia no final do século XVIII graças ao ciclo econômico do café. O ciclo cafeeiro estimulou o crescimento da cidade em direção ao “cinturão das chácaras” ultrapassando as fronteiras da época colonial. Em 867 foi a inaugurada a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (denominada São Paulo Railway Company até 946), cujo principal ponto de passagem era a cidade de São Paulo. Com isso foi construída a Estação da Luz para sediar a companhia, senda essa a principal porta de entrada da cidade de São Paulo no começo do século XX. No começo dos anos 870 mais uma ferrovia veio movimentar a cidade de São Paulo. A Estrada de Ferro Sorocabana, concebida inicialmente para o comércio de algodão, logo passou a ser fortemente utilizada pelo comércio cafeeiro. A presença dessa nova ferrovia na cidade foi marcada pela construção da Estação 4
  • 43. São Paulo no ano de 87, ao lado da Estação da Luz (o que unia as funções das duas ferrovias). Graças ao enriquecimento do transporte do café, decidiu-se construir uma estação maior para a E.F. Sorocabana e com isso a cidade de São Paulo ganhou, em 98, a Estação Júlio Prestes. Com o advento da ferrovia a facilidade de locomoção atraiu os ricos fazendeiros de café, que antes re- sidiam nas suas propriedades agrícolas ou em pequenas cidades do interior, para a cidade de São Paulo o que trouxe novas necessidades à região como bens de consumo e meios de transporte. A partir de então se inicia a diversificação das atividades econômicas na cidade, mostrando que São Paulo não estava crescendo apenas baseado nas suas funções dentro da economia cafeeira, mas também porque havia se tornado um importante local de investimento dos montantes acumulados e não reinvestidos na produção de café. No período entre o final do século XVIII e início do século XX a cidade passou por vários processos de embelezamento, sempre inspirados em cidades européias. Foi nessa época que se iniciou uma preocupação de construir edificações que dessem à cidade um perfil urbano e moderno. Foram planejadas muitas praças e construídas muitas lojas e palacetes para receber essa rica população e é nesse período em que se inicia o transporte por automóveis. A cidade também oferecia muitas atividades culturais como bailes e espetáculos, característica muito bem ilustrada com a inauguração do Teatro Municipal em 9. Concomitantemente a tal crescimento e diversificação da cidade, São Paulo também estava começan- do a se afirmar como cidade industrial. A Primeira Guerra Mundial e a Crise de 99 não afetaram substan- cialmente o desenvolvimento industrial brasileiro e paulistano que se mostrou baseado em uma dinâmica própria não mais dependente do mercado cafeeiro. A consolidação de São Paulo como cidade industrial em 90, teve como conseqüência o início da verticalização na região central a qual começa a se especializar em funções comerciais, o que diminuiu substancialmente o seu uso residencial. Na década de 940, durante a gestão do prefeito Francisco Prestes Maia, originou-se a política rodoviarista na cidade de São Paulo, marcada pelo famoso Plano de Avenidas, que definiu o crescimento da cidade, abriu importantes avenidas na região central, mas se focou muito na questão do transporte individual, desestimulando investimentos em trans- portes públicos coletivos. A partir da década de 950 tem início o processo de decadência da região central de São Paulo graças à consolidação da região da Avenida Paulista, quando o centro foi sendo progressivamente abandonado pelas classes de renda alta tornando-se, em 970, o centro das camadas populares. Nas décadas seguintes, o esva- ziamento do centro foi intensificado com o desenvolvimento da Zona Sudoeste da cidade, próxima à marginal do Rio Pinheiros, que passou a atrair grande parte dos investimentos públicos e privados. 44
  • 44. “Entre 1980 e 2000, os 10 distritos que formam a coroa central perderam juntos cerca de 180.000 residentes (decréscimo de 1,8% a.a.) em função da falta de políti- cas públicas na região resultando em 46.638 imóveis inutilizados (vagos ou fecha- dos). Já a concentração dos investimentos públicos e privados do desenvolvimento do “novo centro“ na Zona Sudoeste resultou em 600 mil m² de área útil comercial vaga no centro. Enquanto isso, na última década, os distritos e municípios local- izados em áreas ambientalmente sensíveis nas proximidades da Serra da Cantar- eira, Represa de Guarapiranga e APA do Carmo, ganharam 360 mil habitantes, com taxa de crescimento de 6,3% ao ano, muito superior à média da metrópole (1,6%a.a.)” (NOBRE, 007) Baseados nessa situação de degradação e de fuga da área central foram desenvolvidos diversos pro- gramas e projetos para trazer a vida cotidiana de volta à região central da cidade de São Paulo. Algumas das principais intervenções e os agentes que proporcionaram a realização desses projetos serão expostos no próximo capítulo. 4.2. Agentes que viabilizam intervenções urbanas em São Paulo Atualmente existem diversos programas, associações e empresas representantes das três esferas – municipal, estadual e federal – e também organizações sociais que procuram realizar melhorias na cidade de São Paulo, especialmente na sua região central. A seguir serão expostas uma empresa municipal, dois programas, um municipal e um federal, e uma associação não governamental que lutam por diversas frentes para reabilitar o centro de São Paulo. É importante destacar que os agentes citados trabalharam em conjunto em alguns momentos para viabilizar a concretização dos projetos. Também é importante informar que existem hoje em dia alguns pequenos movimentos voltados para a questão da moradia na área central, como o “Movimento dos sem-teto do Centro” e o “Fórum Centro Vivo” que atuam de forma a expor a opinião e as idéias da população residente no local, procurando garantir a sua participação nos projetos realizados no centro da cidade. 45
  • 45. 4.2.1. EMURB A Empresa Municipal de Urbanização (EMURB) de São Paulo é uma companhia pública criada pela lei municipal nº 7.670 no dia 4 de novembro de 97 que tem como propósito a execução de programas e obras de desenvolvimento urbano, dando suporte à Administração Pública Municipal. A EMURB realiza projetos em edifícios históricos degradados, desenvolve planos de urbanização para áreas ainda não ocupadas e reabilitações urbanas em algumas áreas consideradas decadentes da cidade, sempre obedecendo a planos elaborados de acordo com os órgãos da Prefeitura e que foram aprovados pela Câmara Municipal. Desde a sua criação, a EMURB tem sido responsável por grandes transformações na paisagem urbana da cidade de São Paulo, participando de importantes intervenções na cidade como a execução das Avenidas Paulista e Faria Lima, a renovação do Edifício Martinelli e do Palácio das Indústrias, a reurbanização da Praça da Sé e do Vale do Anhangabaú e a criação dos “calçadões”, projeto que transformou algumas vias centrais em ruas de pedestres. Além disso, a EMURB já participou e ainda participa de importantes intervenções na cidade de São Paulo, as quais são concretizadas através de operações urbanas. 4.2.1.1. Operações Urbanas ¹ Uma das formas de atuação mais representativas da EMURB são as Operações Urbanas Consorcia- das, instrumentos urbanísticos previstos no Plano Diretor que visam promover melhorias em determinadas regiões da cidade através de parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada. O trecho a seguir, retirado do Estatuto da Cidade, define o que é uma Operação Urbana: “§ 1° Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medi- das coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental”. (Estatuto da Cidade, Lei n° 0.57 de 0/07/00) 46
  • 46. A EMURB já desenvolveu quatro Operações Urbanas: Água Branca, Água Espraiada, Faria Lima e Centro e acabou de lançar em abril de 00 mais três Operações Urbanas, Lapa/ Brás, Mooca/ Vila Carioca e Jacu. Cada Operação Urbana é criada por meio de uma lei municipal específica que demarca o perímetro de intervenção, estabelece as metas a serem cumpridas e também os mecanismos de incentivos e benefícios. Todas as Operações Urbanas procuram aproveitar ao máximo as potencialidades de cada região, por isso, esse instrumento urbanístico é capaz de excepcionar a Lei de Uso e Ocupação do Solo, possibilitando a im- plantação e a ampliação de infra-estruturas urbanas, além do adensamento dessas regiões da cidade quando possuírem uma demanda imobiliária maior do que os limites estabelecidos pela lei de zoneamento. Para viabilizar o adensamento de uma região existe a Outorga Onerosa, instrumento urbanístico que permite a ocupação acima do limite previsto pela lei mediante pagamento realizado à Prefeitura de São Paulo. Por isso, também está prevista na lei de criação da Operação Urbana o estabelecimento de um Programa de In- vestimentos que direciona o montante pago à Prefeitura para uma conta bancária exclusiva de cada Operação Urbana para que esses recursos sejam obrigatoriamente reinvestidos na própria Operação Urbana. A Operação Urbana Água Branca foi instituída em 995 com a intenção de trabalhar com uma área originalmente industrial, localizada em pleno centro expandido da cidade, marcada pela presença de grandes construções industriais associadas a grandes áreas não urbanizadas. Essa Operação, apesar de não contem- plar um projeto urbanístico conciso para o perímetro selecionado, tinha como objetivo a realização de obras para melhoramentos viários, melhorar os sistemas de drenagem para diminuir os problemas de inundação e implantar espaços públicos e equipamentos de interesse da população local. Além disso, essa operação ur- bana visa também promover um crescimento urbano ordenado para aumentar a densidade populacional da região por meio dos novos padrões de ocupação do solo. Também instituída em 995, a Operação Urbana Faria Lima tem objetivos similares à operação an- terior. Ela também visa implantar melhoramentos viários, equipamentos e áreas públicas na região para valorizar a paisagem, bem como aumentar a densidade local através do estímulo do aproveitamento dos imóveis existentes no local, para otimizar a utilização da infra-estrutura que será implantada. Essa operação também funciona através de exceções da Lei de Uso e Ocupação do Solo e com os recursos adquiridos através da outorga onerosa. Alguns dos melhoramentos viários propostos como alargamentos e prolongamentos de algumas ruas e avenidas já foram entregues e a reurbanização do Largo da Batata, uma das intervenções mais expressivas dessa Operação Urbana, está sendo concluída em tem previsão para ser entregue à cidade de São Paulo ainda esse ano. 47