SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 9
Baixar para ler offline
REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS



                        REFORMAS E REALIDADE
                        o caso do ensino das ciências




                                                        MYRIAM KRASILCHIK
                                  Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo



               Resumo: Este trabalho inclui uma revisão histórica das propostas de reforma do ensino de Ciências ao longo
               dos últimos anos. O caso descrito ilustra alguns dos caminhos percorridos por vários projetos desde a sua
               elaboração nos órgãos normativos como parte de políticas públicas até o dia-a-dia das salas de aula. A análise
               do processo compreendendo aspectos legais, modalidades e recursos didáticos, temáticas dos programas, e
               processos de avaliação contribui para o estudo de propostas de inovação.
               Palavras-chave: reforma educacional; didática e ensino das ciências; avaliação e pesquisa.




A
          palavra reforma, sempre presente no vocabulá-                 podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos das
          rio educacional, é definida em âmbito interna-                reformas educacionais.
          cional como “uma iniciativa do Estado que es-                    Um episódio muito significativo ocorreu durante a
tabelece objetivos e critérios claros e ambiciosos, recorre             “guerra fria”, nos anos 60, quando os Estados Unidos,
a todas as instâncias políticas para apoiá-la, estimulando              para vencer a batalha espacial, fizeram investimentos de
iniciativas no nível das escolas e mobilizando recursos                 recursos humanos e financeiros sem paralelo na história
humanos e financeiros para sustentar as mudanças pro-                   da educação, para produzir os hoje chamados projetos de
postas” (Timpane e White, 1998).                                        1ª geração do ensino de Física, Química, Biologia e Ma-
   Nossas escolas, como sempre, refletem as maiores                     temática para o ensino médio. A justificativa desse em-
mudanças na sociedade – política, econômica, social e                   preendimento baseava-se na idéia de que a formação de
culturalmente. A cada novo governo ocorre um surto re-                  uma elite que garantisse a hegemonia norte-americana na
formista que atinge principalmente os ensinos básico e mé-              conquista do espaço dependia, em boa parte, de uma es-
dio. O atual movimento de reforma da escola é um pro-                   cola secundária em que os cursos das Ciências identifi-
cesso de mudança nacional com uma forte tendência à                     cassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreiras
volta ao papel centralizador do Estado para emissão de                  científicas.
normas e regulamentos.                                                     Esse movimento, que teve a participação intensa das so-
   Tomando como marco inicial a década de 50, é pos-                    ciedades científicas, das Universidades e de acadêmicos
sível reconhecer nestes últimos 50 anos movimentos que                  renomados, apoiados pelo governo, elaboraram o que tam-
refletem diferentes objetivos da educação modificados                   bém é denominado na literatura especializada de “sopa al-
evolutivamente em função de transformações no âm-                       fabética”, uma vez que os projetos de Física (Physical Science
bito da política e economia, tanto nacional como inter-                 Study Commitee – PSSC), de Biologia (Biological Science
nacional.                                                               Curriculum Study – BSCS), de Química (Chemical Bond
   Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reco-                Approach – CBA) e (Science Mathematics Study Group –
nhecidas como essenciais no desenvolvimento econômi-                    SMSG) são conhecidos universalmente pelas suas siglas.
co, cultural e social, o ensino das Ciências em todos os                   Esse período marcante e crucial na história do ensino
níveis foi também crescendo de importância, sendo obje-                 de Ciências, que influi até hoje nas tendências curricula-
to de inúmeros movimentos de transformação do ensino,                   res das várias disciplinas tanto no ensino médio como no



                                                                   85
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000


                                                                      QUADRO 1
                                               Evolução da Situação Mundial, segundo Tendências no Ensino
                                                                       1950-2000


                                                                                          Situação Mundial
Tendências no                          1950                           1970                                          1990                                   2000
Ensino
                                              Guerra Fria                         Guerra Tecnológica                         Globalização

Objetivo do Ensino                     • Formar Elite                        • Formar Cidadão-trabalhador            • Formar Cidadão-trabalhador-estudante
                                       • Programas Rígidos                   • Propostas Curriculares Estaduais      • Parâmetros Curriculares Federais

Concepção de Ciência                   • Atividade Neutra                    • Evolução Histórica                    • Atividade com Implicações Sociais
                                                                             • Pensamento Lógico-crítico

Instituições Promotoras de Reforma     • Projetos Curriculares               • Centros de Ciências, Universidades    • Universidades e Associações Profissionais
                                       • Associações Profissionais

Modalidades Didáticas Recomendadas     • Aulas Práticas                      • Projetos e Discussões                 • Jogos: Exercícios no Computador

Fonte: Elaboração da autora.




fundamental, foi dando lugar, ao longo dessas últimas                           falta de matéria-prima e produtos industrializados duran-
décadas, a outras modificações em função de fatores po-                         te a 2ª Guerra Mundial e no período pós-guerra, buscava
líticos, econômicos e sociais que resultaram, por sua vez,                      superar a dependência e se tornar auto-suficiente, para o
em transformações das políticas educacionais, cumulati-                         que uma ciência autóctone era fundamental.
vas em função das quais ocorreram mudanças no ensino                                Paralelamente, à medida que o país foi passando por
de Ciências (Quadro 1).                                                         transformações políticas em um breve período de eleições
    Como já foi mencionado, o movimento dos grandes                             livres, houve uma mudança na concepção do papel da
projetos visava a formação e a identificação de uma elite                       escola que passava a ser responsável pela formação de
refletindo não só a política governamental, mas também                          todos os cidadãos e não mais apenas de um grupo privile-
uma concepção de escola e teve propagação ampla nas                             giado. A Lei 4.024 – Diretrizes e Bases da Educação, de
regiões sob influência cultural norte-americana, que re-                        21 de dezembro de 1961, ampliou bastante a participa-
percutiu de forma diferente em diversos países ecoando                          ção das ciências no currículo escolar, que passaram a fi-
as situações locais. Por exemplo, na Inglaterra, concor-                        gurar desde o 1º ano do curso ginasial. No curso colegial,
dou-se com os objetivos gerais do projeto de reforma do                         houve também substancial aumento da carga horária de
ensino de Ciências, mas foi decidido que se devia produ-                        Física, Química e Biologia.
zir seus próprios projetos consonantes com a organiza-                              Essas disciplinas passavam a ter a função de desen-
ção escolar de forma a preservar a influência acadêmica                         volver o espírito crítico com o exercício do método cien-
e científica de instituições inglesas. Foram elaborados                         tífico. O cidadão seria preparado para pensar lógica e cri-
também projetos de Física, Química e Biologia que fica-                         ticamente e assim capaz de tomar decisões com base em
ram conhecidos pelo nome da sua instituição patrocina-                          informações e dados.
dora, a Fundação Nuffield. Dada a importância da Ingla-                             Quando de novo houve transformações políticas no país
terra como núcleo cultural dos países da comunidade                             pela imposição da ditadura militar em 1964, também o
britânica, esses projetos tiveram também grande influên-                        papel da escola modificou-se, deixando de enfatizar a ci-
cia.                                                                            dadania para buscar a formação do trabalhador, conside-
    No Brasil, a necessidade de preparação dos alunos mais                      rado agora peça importante para o desenvolvimento eco-
aptos era defendida em nome da demanda de investiga-                            nômico do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
dores para impulsionar o progresso da ciência e tecnologia                      nº 5.692, promulgada em 1971, norteia claramente as
nacionais das quais dependia o país em processo de in-                          modificações educacionais e, conseqüentemente, as pro-
dustrialização. A sociedade brasileira, que se ressentia da                     postas de reforma no ensino de Ciências ocorridas neste



                                                                          86
REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS


período. Mais uma vez as disciplinas científicas foram             educacionais, desde o emissor das políticas até a realida-
afetadas, agora de forma adversa, pois passaram a ter ca-          de das salas de aula, que têm mudado muito mais em fun-
ráter profissionalizante, descaracterizando sua função no          ção da deterioração das condições de trabalho do que por
currículo. A nova legislação conturbou o sistema, mas as           injunções legais. Infelizmente, mantém-se um ensino pre-
escolas privadas continuaram a preparar seus alunos para           cário com professores que enfrentam nas escolas proble-
o curso superior e o sistema público também se reajustou           mas de sobrecarga, de falta de recursos e de determina-
de modo a abandonar as pretensões irrealistas de forma-            ções que deveriam seguir sobre as quais não foram
ção profissional no 1º e 2º graus por meio de disciplinas          ouvidos.
pretensamente preparatórias para o trabalho.                          As modificações promovidas por diferentes elemen-
   Em 1996, foi aprovada uma nova Lei de Diretrizes e              tos ao longo dos diversos patamares de decisões que atu-
Bases da Educação, nº 9.394/96, a qual estabelece, no              am nos componentes curriculares – temáticas e conteú-
parágrafo 2o do seu artigo 1o, que a educação escolar de-          do, modalidades didáticas e recursos e processos de
verá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.          avaliação – confluem para um cenário que raramente é o
O artigo 26 estabelece que “os currículos do ensino fun-           planejado pelos emissores do currículo teórico.
damental e médio devem ter uma base nacional comum,                   Na análise desse processo, tem papel fundamental a
a ser complementada pelos demais conteúdos curricula-              pesquisa feita no âmbito do ensino das ciências no Brasil
res especificados nesta Lei e em cada sistema de ensino”.          e que já constitui um significativo acervo de informações
A formação básica do cidadão na escola fundamental exige           e conhecimentos sobre o que acontece desde a elabora-
o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, a com-        ção de documentos normativos até a intimidade do ensi-
preensão do ambiente material e social, do sistema políti-         no das várias disciplinas científicas.
co, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fun-
damenta a sociedade. O ensino médio tem a função de                MODALIDADES DIDÁTICAS E RECURSOS
consolidação dos conhecimentos e a preparação para o
trabalho e a cidadania para continuar aprendendo.                     As modalidades didáticas usadas no ensino das disci-
   Esse aprendizado inclui a formação ética, a autonomia           plinas científicas dependem, fundamentalmente, da con-
intelectual e a compreensão dos fundamentos científico-            cepção de aprendizagem de Ciência adotada. A tendên-
tecnológicos dos processos produtivos. Embora a lei in-            cia de currículos tradicionalistas ou racionalistas-
dique precariamente os valores e objetivos da educação             acadêmicos, apesar de todas as mudanças, ainda prevale-
nacional, espera-se que a escola forme o cidadão-traba-            cem não só no Brasil, mas também nos sistemas educa-
lhador-estudante quando, por exemplo, determina em seu             cionais de países em vários níveis de desenvolvimento.
artigo 80: “O Poder Público incentivará o desenvolvimento          Assumindo que o objetivo dos cursos é basicamente trans-
e a veiculação de programas de ensino a distância, em              mitir informação, ao professor cabe apresentar a matéria
todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação             de forma atualizada e organizada, facilitando a aquisição
continuada.”                                                       de conhecimentos. Nos anos 60, o processo ensino-apren-
   Tenta-se colocar em prática essas prescrições legais por        dizagem era influenciado pelas idéias de educadores
meio de políticas centralizadas no MEC e que são deta-             comportamentalistas que recomendavam a apresentação
lhadas e especificadas em documentos oficias, abundan-             de objetivos do ensino na forma de comportamentos
temente distribuídos com os nomes de “parâmetros” e                observáveis, indicando formas de atingi-los e indicado-
“diretrizes curriculares”. Fazem parte ainda desses “indi-         res mínimos de desempenho aceitável. Foram elaboradas
cativos políticos” diversos instrumentos de avaliação em           classificações, das quais a mais conhecida, coordenada
que se explicitam as reais intenções da reforma proposta           por Benjamim Bloom, era a que dividia os objetivos edu-
pelo governo.                                                      cacionais em cognitivo-intelectuais, afetivo-emocionais
   No exame dessa proposta e de suas conseqüências na              e psicomotores-habilidades, organizados em escalas hie-
realidade da educação brasileira, é imprescindível anali-          rarquicamente mais complexas de comportamento.
sar em uma perspectiva histórica a evolução das concep-               Essa linha de trabalho teve papel significativo na edu-
ções curriculares preponderantes nesses últimos 50 anos,           cação brasileira e ainda hoje muitos dos processos de pla-
por meio dos quais foram expressos os desígnios dos go-            nejamento que ocorrem nas escolas constam apenas da
vernos e seus resultados nos vários níveis dos sistemas            redação de objetivos e metas, que em geral são esqueci-



                                                              87
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000


dos durante o ano por força da pressão das realidades do           de operações lógicas pelas quais o aluno passa em uma
dia-a-dia na classe.                                               ordem que vai do sensomotor (18 meses), pré-operacio-
    No final dos anos 60, as idéias de Jean Piaget sobre           nal (até 7 anos), concreta operacional (dos 7 aos 11 anos)
desenvolvimento intelectual começaram a ser conhecidas             até o formal operacional (dos 11 até os 15 anos), passou-
e discutidas. Passa assim a ter papel central no processo          se a encarar o laboratório como elemento de aferição do es-
ensino-aprendizagem da ciência uma perspectiva cogni-              tágio de desenvolvimento do aluno e de ativação do pro-
tivista, enfatizando o chamado construtivismo, usado nos           gresso ao longo desses estágios e do ciclo de aprendizado.
atuais documentos oficiais brasileiros de forma impositiva,           Na perspectiva construtivista, as pré-concepções dos
como um “slogan” que não chega a analisar o significado            alunos sobre os fenômenos e sua atuação nas aulas práti-
da discussão sobre mudança conceitual como um proces-              cas são férteis fontes de investigação para os pesquisado-
so individual de responsabilidade do aluno ou um pro-              res como elucidação do que pensam e como é possível
cesso social. “A primeira perspectiva vê concepções como           fazê-los progredir no raciocínio e análise dos fenômenos.
representações mentais (isto é, construções tangíveis na           As prescrições oficiais da expectativa de reforma em curso
cabeça dos alunos) enquanto a segunda perspectiva re-              tratam do assunto superficialmente, havendo uma grande
presenta as concepções como sendo caracterizações de               distância entre uma “proposta construtivista” e recomen-
categorias de descrições que refletem relações pessoa-             dações que permitam ao professor exercer plenamente o
mundo” (Duit e Treagust, 1998).                                    seu papel de catalisador da aprendizagem. Faltam discus-
    Essas idéias conflitantes em vários aspectos não são           sões que permitam ao próprio docente nas atuais condi-
apresentadas aos professores como controvérsias que de-            ções de trabalho criar um clima de liberdade intelectual,
vem ser discutidas e analisadas para orientar a escolha de         que não limite a sua atividade a exposições, leitura ou
modalidades didáticas baseadas em uma fundamentação                cópia de textos.
sólida.                                                               Por exemplo, a reação de alunos e professores ao uso
    Embora o conceito de processo ensino-aprendizagem              de perguntas em classe é uma área de pesquisa de ponta
tenha importância na escola em geral, no ensino das dis-           para os que pretendem mudar a escola e o ensino de Ciên-
ciplinas científicas tem conseqüências específicas em              cias em que a função da interação social e da exposição a
vários elementos curriculares. A solução de problemas é            diferentes idéias é elemento essencial. Como obstáculo a
um dos seus componentes essenciais, porque várias fases            essa transformação, é possível identificar as representa-
das reformas propostas com nomes variados de “ciência              ções sociais que prevalecem entre professor e alunos. O
posta em prática”, “método da redescoberta”, “método de            docente é autoridade que não corre o risco de ser questi-
projetos” trata-se de fazer questionamentos, encontrar             onada, ou que se permita ouvir diferentes opiniões. Se,
alternativas de resposta, planejar e organizar experimen-          por um lado, esse papel autoritário é prejudicial, o outro
tos que permitam optar por uma delas e daí produzir ou-            extremo cada vez mais freqüente por força do refrão de
tros questionamentos. No período 1950-70, prevaleceu a             que o “aluno constrói seu próprio conhecimento” leva o
idéia da existência de uma seqüência fixa e básica de com-         professor a abdicar da sua função de orientador do apren-
portamentos, que caracterizaria o método científico na             dizado. Nesses casos, o laboratório e as aulas práticas
identificação de problemas, elaboração de hipóteses e ve-          podem até ser divertidas mas não levam à formulação ou
rificação experimental dessas hipóteses, o que permitiria          reformulação de conceitos.
chegar a uma conclusão e levantar novas questões.                     Os novos recursos tecnológicos e, principalmente, o
    Com essas premissas, as aulas práticas no ensino de            uso do computador criam dilemas equivalentes, podendo
Ciências servem a diferentes funções para diversas con-            até ser uma fonte muito eficiente de fornecimento de in-
cepções do papel da escola e da forma de aprendizagem.             formações. No entanto, o seu potencial como desequi-
No caso de um currículo que focaliza primordialmente a             librador da vigente relação professor-aluno é ainda
transmissão de informações, o trabalho em laboratório é            subutilizado como instrumento que possa levar o aluno a
motivador da aprendizagem, levando ao desenvolvimen-               deixar o seu papel passivo de receptor de informações,
to de habilidades técnicas e principalmente auxiliando a           para ser o que busca, integra, cria novas informações. O
fixação, o conhecimento sobre os fenômenos e fatos.                professor passa a ser o que auxilia o aprendiz a procurar
    À medida que a influência cognitivista foi se amplian-         e coordenar o que aprende dentro de um esquema concei-
do em base dos estudos piagetianos considerando fases              tual mais amplo. Qualquer reforma deveria suscitar essas



                                                              88
REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS


questões que são básicas para uma mudança real na qua-                 reações adversas dos que defendiam a identidade das dis-
lidade de ensino.                                                      ciplinas tradicionais, mantendo segmentação de conteú-
                                                                       dos mesmo nos anos iniciais da escolaridade.
TEMÁTICAS                                                                  Concomitantemente aos processos que ocorriam nas
                                                                       escolas – o fim da “guerra fria” e o agravamento dos pro-
   Os conteúdos e grandes temas incluídos no currículo                 blemas sociais e econômicos – foi incorporada a compe-
das disciplinas científicas refletem as idéias correntes               tição tecnológica, levando a exigir que os estudantes ti-
sobre a Ciência. Na fase dos projetos de 1ª geração, a                 vessem preparo para compreender a natureza, o significado
Ciência era considerada uma atividade neutra, isentando                e a importância da tecnologia para sua vida como indiví-
os pesquisadores de julgamento de valores sobre o que                  duos e como membros responsáveis da sociedade. Para
estavam fazendo. É necessário lembrar que os cientistas                tanto, os cursos deveriam incluir temas relevantes que
tiveram uma atuação significativa na produção da bomba                 tornassem os alunos conscientes de suas responsabilida-
atômica e, de alguma forma, procuravam não assumir sua                 des como cidadãos, pudessem participar de forma inteli-
responsabilidade no conflito bélico. Pretendia-se desen-               gente e informada de decisões que iriam afetar não só sua
volver a racionalidade, a capacidade de fazer observações              comunidade mais próxima, mas que também teriam efei-
controladas, preparar e analisar estatísticas, respeitar a exi-        tos de amplo alcance.
gência de replicabilidade dos experimentos.                                A preocupação com a qualidade da “escola para todos”
   À medida que se avolumaram os problemas sociais no                  incluiu um novo componente no vocabulário e nas preo-
mundo, outros valores e outras temáticas foram incorpo-                cupações dos educadores, “a alfabetização científica”. A
radas aos currículos, sendo que mudanças substantivas                  relação ciência e sociedade provocou a intensificação de
tiveram repercussões nos programas vigentes. Entre 1960                estudos da história e filosofia da ciência, componentes
e 1980, as crises ambientais, o aumento da poluição, a                 sempre presentes nos programas com maior ou menor
crise energética e a efervescência social manifestada em               intensidade servindo em fases diferentes a objetivos di-
movimentos como a revolta estudantil e as lutas anti-se-               versos. O crescimento da influência construtivista como
gregação racial determinaram profundas transformações                  geradora de diretrizes para o ensino levou à maior inclu-
nas propostas das disciplinas científicas em todos os ní-              são de tópicos de história e filosofia da Ciência nos pro-
veis do ensino.                                                        gramas, principalmente para comparar linhas de raciocí-
   As implicações sociais da Ciência incorporam-se às                  nio historicamente desenvolvidas pelos cientistas e as
propostas curriculares nos cursos ginasiais da época e, em             concepções dos alunos.
seguida, nos cursos primários. Simultaneamente às trans-                   Fortalece essa linha o já mencionado movimento de-
formações políticas ocorreu a expansão do ensino públi-                nominado “Ciência para todos”, que relaciona o ensino
co que não mais pretendia formar cientistas, mas também                das Ciências à vida diária e experiência dos estudantes,
fornecer ao cidadão elementos para viver melhor e parti-               trazendo, por sua vez, novas exigências para compreen-
cipar do breve processo de redemocratização ocorrido no                são da interação estreita e complexa com problemas éticos,
período. A admissão das conexões entre a ciência e a so-               religiosos, ideológicos, culturais, étnicos e as relações com
ciedade implica que o ensino não se limite aos aspectos                o mundo interligado por sistemas de comunicação e
internos à investigação científica, mas à correlação des-              tecnologias cada vez mais eficientes com benefícios e ris-
tes com aspectos políticos, econômicos e culturais. Os                 cos no globalizado mundo atual. A exclusão social, a luta
alunos passam a estudar conteúdos científicos relevantes               pelos direitos humanos e a conquista da melhora da qua-
para sua vida, no sentido de identificar os problemas e                lidade de vida não podem ficar à margem dos currículos
buscar soluções para os mesmos. Surgem projetos que                    e, no momento, assumem uma importância cada vez mais
incluem temáticas como poluição, lixo, fontes de ener-                 evidente. Pela demanda de justiça social nos atuais parâ-
gia, economia de recursos naturais, crescimento popula-                metros curriculares, muitas das temáticas vinculadas no
cional, demandando tratamento interdisciplinar. Essas                  ensino de Ciências são hoje consideradas “temas trans-
demandas dependiam tanto dos temas abordados como da                   versais”: educação ambiental, saúde, educação sexual. No
organização escolar. É do período de 1950-70 o movi-                   entanto, a tradição escolar ainda determina que a respon-
mento de Ciência Integrada, que teve apoio de organis-                 sabilidade do seu ensino recaia basicamente nas discipli-
mos internacionais, principalmente a Unesco, e provocou                nas científicas, principalmente a Biologia.



                                                                  89
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000


   A reforma brasileira reforça um movimento equiva-                Sputnik provocou movimento de reforma dos anos 60, o
lente ao da “Ciência para todos”, sem, no entanto, incluir          desempenho dos alunos norte-americanos nos testes in-
cuidados para que excessos nessa postura tornem o currí-            ternacionais produziu em 1985 um documento de grande
culo pouco rigoroso, em nome da necessidade que se tor-             impacto “A Nation at Risk” que serviu de epicentro para
nou um estribilho nas publicações e avaliações oficiais             uma onda de críticas ao sistema educacional norte-ame-
de desenvolver “competências e habilidades”.                        ricano e tentativas de reformas que acabaram tendo re-
   O risco grave é de que se percam de vista os objetivos           percussões no mundo inteiro (Gross e Gross, 1985).
maiores do ensino de Ciências, que deve incluir a aquisi-              No Brasil, é parte das políticas governamentais no plano
ção do conhecimento científico por uma população que                federal ou estaduais um conjunto de exames que se desti-
compreenda e valorize a Ciência como empreendimento                 nam a descrever a situação nas várias unidades da federa-
social. Os alunos não serão adequadamente formados se               ção, no sentido de subsidiar decisões de políticas públi-
não correlacionarem as disciplinas escolares com a ativi-           cas. Instituições internacionais como o Banco Mundial,
dade científica e tecnológica e os problemas sociais con-           Banco Interamericano e a Unesco valem-se desses indi-
temporâneos. Paralelamente aos movimentos nas instân-               cadores para fomentar e financiar projetos que imple-
cias normativas dos sistemas escolares, os livros didáticos         mentem tendências que apóiam.
continuaram a servir de apoio e orientação aos professo-               O resultado e a validade desses exames para avaliar o
res para a apresentação dos conteúdos. Uma reforma que              aprendizado em Ciências são bastante contestados em
tenha pleno êxito depende da existência de bons materiais,          função dos instrumentos que os constituem. Discute-se
incluindo livros, manuais de laboratórios e guias de profes-        se as tradicionais questões de múltipla escolha são ade-
sores, docentes que sejam capazes de usá-los, bem como              quadas para aferir o que se pretende produzir dos alunos
condições na escola para o seu pleno desenvolvimento.               nas aulas de Ciências. A capacidade de resolver proble-
                                                                    mas e de demonstrar a compreensão conceitual e forma-
Avaliação                                                           ção exige que se busquem também outras formas de veri-
                                                                    ficar o aprendizado. Assim, provas dissertativas e redações
   A avaliação sempre teve um papel central na escola               teriam como função maior fazer com que os alunos es-
brasileira. Uma das influências preeminentes, com uma               crevam, demonstrando capacidade de organização lógica
função normativa mais poderosa do que os programas                  e de expressão temática.
oficiais, livros didáticos, propostas curriculares ou os               O reconhecimento das limitações dos instrumentos de
atuais parâmetros, sempre foi o exame vestibular. Assim,            avaliação mais freqüentemente usados não impede, no
essas provas, mais do que cumprir a função classificatória          entanto, que os dados numéricos sejam divulgados como
para decidir quais os alunos que podem entrar nas esco-             resultados confiáveis, exercendo considerável influência
las superiores, têm grande influência nos ensinos funda-            na opinião que a sociedade tem da escola. Os meios de
mental e médio. No entanto, os exames podem fornecer                comunicação de massa divulgam esses números com in-
dados sobre a população escolar cumprindo a maior fun-              terpretações que, muitas vezes, exigem análises mais de-
ção da avaliação, ou seja, a de informar à sociedade, às            tidas, mas são aceitos sem discussão pela população em
escolas, aos alunos, aos professores e aos pais sobre o             geral, tornando premente a necessidade de uma coleta sis-
aprendizado dos estudantes, da eficiência da escola em              temática de informações coerentes das variáveis que agem
função das políticas públicas e das relações contextuais            no aprendizado de Ciências e que refletiram os objetivos
entre os estabelecimentos de ensino e a comunidade nas              do currículo. Busca-se, assim, distinguir as diferenças
quais se situam.                                                    entre o currículo proposto, ideal, teórico e o seu resulta-
   Com a democratização do país e a disputa por verbas              do, ou seja, o currículo real ou obtido.
para manutenção dos sistemas escolares, aumenta a pres-                Por exemplo, na avaliação dos concluintes do ensino
são por dados que possam servir de indicadores que orien-           médio feita em 1997 em nove estados brasileiros, verifi-
tem decisões dos sistemas em todos o níveis de ensino.              ca-se que em Biologia os alunos do período da manhã
   A competição internacional na guerra tecnológica pro-            acertaram menos de 47% das questões, os da tarde, 35,5%,
duziu programas internacionais de avaliação que levaram             e os da noite, 29%. Em Física, foram 33% de acertos para
à comparação do resultado obtido pelos alunos em algu-              os alunos da manhã, 28% para os da tarde e 27,5% para
mas disciplinas, incluindo as Ciências. Assim como o                os da noite. Química evidenciou problemas com relação



                                                               90
REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS


a todos os conteúdos e habilidades. Os alunos da manhã              saram a se estruturar grupos de professores para preparar
tiveram 33% de acertos, os da tarde, 27,5%, e os da noite,          materiais e realizar pesquisas sobre o ensino de ciências.
25%. Apesar das pequenas variações e diferenças nos tur-            Com a expansão dos programas de pós-graduação e deli-
nos examinados, o desempenho dos alunos deixa muito a               neamento de uma área específica de pesquisa – Ensino
desejar.                                                            de Ciências –, as organizações acadêmicas assumiram a
   O Sistema Nacional de Educação Básica – Saeb (1997)              responsabilidade de investigar e procurar fatores e situa-
e o Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacio-             ções que melhorassem os processos de ensino-aprendi-
nais – Inep (1999) indicam que, nas séries iniciais, em             zado.
Ciências, os alunos até a 4ª série saem-se bem. Nos ou-                 Esse movimento ocorre agora nos Centros de Ciências
tros níveis, o desempenho esperado de alunos de 6ª série            ou nas Universidades e ganha atenção das autoridades
chega a ser atingido por 48% dos alunos, na 8ª série por            federais e instituições internacionais, estabelecendo pro-
10% e, no fim do ensino médio, apenas 3% alcançam o                 gramas como o Premem (Projeto de Melhoria do Ensino
nível desejado. Como se pode verificar por esses dados,             de Ciências e Matemática) e o SPEC (Subprograma de
há uma grande distância entre as propostas de reforma e             Educação para a Ciência), vinculado à Capes (Fundação
o resultado efetivo no aprendizado dos alunos.                      Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
                                                                    perior) e mais recentemente o pró-Ciências e os programas
Pesquisa                                                            de educação científica e ambiental do CNPq (Conselho Na-
                                                                    cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
   As discussões sobre o ensino de Ciências e tentativa                 No plano internacional o processo foi equivalente. Os
de transformá-lo foram promovidas e mantidas por inú-               núcleos catalisadores dos movimentos dos anos 60 foram
meras e diversas instituições a partir dos “projetos curri-         incorporados pelas universidades. Alguns centros perma-
culares” organizados nos anos 60. Na época, o Brasil já             necem como o Biological Science Curriculum Study, que
tinha uma história de promoção do ensino de Ciências –              até hoje está produzindo inovações no ensino de Biologia.
o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cul-               Nos Estados Unidos foram importantes as sociedades cien-
tura) em São Paulo, em que eram produzidos manuais de               tíficas ao longo das décadas consideradas neste trabalho,
laboratórios e textos, além de equipamentos para a expe-            especialmente a American Association for the Advancement
rimentação.                                                         of Science – AAAS, que teve persistente preocupação com
   Muitos trabalhos esparsos de iniciativas de docentes             o ensino elaborando seus próprios projetos curriculares. Nos
isolados ou em grupos passaram a se concentrar no IBECC             anos 70, influenciada pelas tendências comportamentalistas
e depois em instituições dele derivadas – Funbec e Cecisp –,        proeminentes na época, preparou material para ensino de
que, com o apoio do Ministério da Educação, das Funda-              Ciências para crianças de escola primária. Hoje está condu-
ções Ford e Rockfeller e da União Panamericana, promo-              zindo o chamado Project 2061, que reúne cientistas e edu-
veram intensos programas para a renovação do ensino de              cadores no sentido de estabelecer o que “todos os estudan-
Ciências. Especialmente significativa foi a iniciativa do           tes devem saber ou fazer em ciência, matemática e tecnologia
MEC, que criou em 1963 seis centros de ciências nas                 desde os primeiros anos de estudo até o final do curso mé-
maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro,            dio, de modo a promover a sua ‘alfabetização científica’”
Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. A es-              (AAAS, 1989). Outras associações científicas, como a
trutura institucional desses centros era variada. Alguns,           Unesco e a International Council of Scientific Unions – ICSU,
como o de Porto Alegre e Rio de Janeiro, tinham víncu-              além das sociedades internacionais de Física, Química e Ma-
los com Secretarias de Governo da Educação e de Ciên-               temática, realizam reuniões e promovem atividades visando
cia e Tecnologia, enquanto os de São Paulo, Pernambuco,             o desenvolvimento do ensino de Ciências.
Bahia e Minas Gerais eram ligados às Universidades. Essas               No Brasil, sociedades como a SBF (Sociedade Brasi-
instituições tiveram vidas e vocações diferentes, sendo que         leira de Física), a SBQ (Sociedade Brasileira de Quími-
algumas persistem até hoje, como a de Belo Horizonte,               ca) e a SBG (Sociedade Brasileira de Genética) têm ativi-
estreitamente associada à Faculdade de Educação da                  dades relacionadas ao ensino. A Associação Brasileira para
UFMG, e o centro do Rio, que hoje é mantido pela Secre-             Pesquisa em Ensino de Ciências e a Sociedade Brasileira
taria da Ciência e Tecnologia. Os outros ou desaparece-             para o Ensino de Biologia reúnem juntam centenas de
ram ou foram incorporados pelas universidades onde pas-             professores dos ensinos fundamental, médio e superior



                                                               91
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000


para discutir problemas, apresentar trabalhos e atualizar          desse esforço que levou à criação de grupos de pesquisa
informações.                                                       em vários pontos do país, a maioria deles gerada pelos
   Incorporam-se também ao movimento de renovação                  pesquisadores formados nos núcleos iniciais, os resulta-
instituições como museus de ciências que estabelecem               dos das pesquisas ainda não atingiram os centros de deci-
pontes com um público preponderantemente, mas não                  são, nos âmbitos federal, estadual e municipal, para in-
exclusivamente, escolar a quem apresentam a ciência por            fluir decisivamente na preparação e avaliação de
meio de exposições e outras instalações interativas.               currículos, nos projetos de aperfeiçoamento de docentes
   Há intensa atividade de investigação nos cursos de pós-         e nas relações entre os elementos que interagem nas es-
graduação, acumulando um considerável acervo de co-                colas. Os professores em classe ficam cada vez mais afas-
nhecimento. Investigações sobre as relações professor-             tados tanto do centro de decisões políticas como dos cen-
alunos, enfatizando vários aspectos do trabalho em                 tros de pesquisa.
laboratório, discussão de problemas e o papel das pergun-             Sem usar as informações de pesquisas prospectivas que
tas em classe, efeito de atividades para aperfeiçoamento           coletem dados para evitar esforços e desperdícios, as pro-
de professores na mudança de atitude e aquisição de co-            postas de reforma têm sido irrealistas ou inaceitáveis pe-
nhecimentos e o papel dos centros e museus da Ciência              los professores que finalmente são os responsáveis pelas
são algumas das questões em que os mestrandos e douto-             ocorrências em sala de aula. É tarefa urgente encontrar
randos vêm trabalhando.                                            um meio termo adequado entre os dois extremos: um das
   A pesquisa em ensino de Ciências levou também à for-            organizações centrais trabalhando de forma isolada e ou-
mação de grupos interdisciplinares, congregando profes-            tro que deixa a responsabilidade sobre as decisões curri-
sores de institutos de Física, Química, Biologia e das Fa-         culares exclusivamente à escola e aos docentes. Se, por
culdades e Centros de Educação. O primeiro programa                um lado, é imprescindível a intensificação das relações
de mestrado em ensino de Ciências interunidades que                entre a escola e a comunidade para a formação de cida-
subsiste até hoje foi instalado na Universidade de São Pau-        dãos atuantes, por outro, é absurdo ignorar o que têm a
lo, em que a partir dessa iniciativa formaram-se grupos            dizer os cientistas e pesquisadores e o que se conhece hoje
de ensino nos Institutos de Física e Química, além do de-          sobre os processos de reforma curricular.
senvolvimento de uma área temática de Ensino de Ciên-                 Os parâmetros curriculares fartamente distribuídos, na
cias e Matemática para mestrado e doutorado na Facul-              tentativa de produzir mudanças, usaram muito pouco o
dade de Educação.                                                  considerável montante de informações existentes sobre
   Assim como ocorreram mudanças nos objetivos e ên-               mudanças do ensino de Ciências. Os cientistas e pesqui-
fase das propostas curriculares, também a pesquisa foi             sadores foram alijados da produção de documentos que
evoluindo no transcorrer do período considerado neste              vêm levantando controvérsias entre os especialistas e di-
trabalho. No início do período, foi dada ênfase para ava-          ficuldades para os docentes. Caberá aos cientistas influir
liação dos resultados dos projetos curriculares. O cresci-         colaborando para formular propostas curriculares atua-
mento das críticas ao modelo experimental, quantitativo,           lizadas, relevantes e realistas, não só indicando as impro-
influenciado pela linha psicometrista, gradualmente le-            priedades, omissões e propostas discutíveis, mas também
vou à adoção de novos paradigmas de pesquisa. Passou-              propondo linhas de trabalho, sugestões para reformula-
se a obter dados com observação direta, estudo de docu-            ção, mudanças e substituição. Merecem também uma aná-
mentos, entrevistas com os componentes e usuários dos              lise detida para uso mais profundo e abrangente dos da-
projetos curriculares, alunos, professores, administrado-          dos obtidos nos inúmeros processos de avaliação
res em projetos de pesquisa quantitativa. Dentro dessa li-         empreendidos pelo Inep e pelos sistemas de várias unida-
nha básica, foram usadas medidas qualitativo-fenomeno-             des da federação para que sejam identificados os pontos
lógicas, processos etnográficos, naturalísticos, pesquisa          necessitados de intervenção como orientação para melho-
participante, estudos de caso, entre outros.                       rar o processo educativo em todos os níveis e a confec-
   O debate entre os que defendem a linha por muitos cha-          ção dos planos nacional e estaduais de educação. Não cabe
mada experimental, que exige dados quantitativos, e os             mais um trabalho isolado, de gabinete dos legisladores
que preferem uma linha naturalística, que apresenta o              oficiais. Ao contrário, será necessário angariar a participa-
processo educacional em toda a sua complexidade de                 ção e adesão da sociedade em seus múltiplos segmentos, para
intrincadas relações, está longe de ser encerrado. Apesar          que as declarações de intenção propostas não soneguem a



                                                              92
REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS


liberdade de ação das instituições, deixando o sistema à mercê                             __________ . Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares na-
                                                                                              cionais. Brasília, MEC, v.10, 1997.
dos slogans em voga que refletem as políticas vigentes.                                   DUIT, R. e TREAGUST, D. “Learning in science: from behaviourism towards
                                                                                             social constructivism and beyond”. International Handbook of Science
                                                                                             Education. Boston, Kluwer Academic Publisher, 1998.
                                                                                          GROSS, B. e GROSS, R. (eds.). The great schools debate. New York, Simon &
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                                                                   Schuster Inc., 1985.
                                                                                          INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS.
AAAS – American Association for the Advancement of Science. Project 2061 –                    Avaliação de concluintes do ensino médio em nove estados, 1997: relató-
                                                                                              rio final. Brasília, 1998 (Anexo 2).
   Science for all americans. Washington, 1989.
                                                                                           __________ . Avaliação de concluintes do ensino médio em nove estados, 1997:
ALVES, N. (org.). Múltiplas leituras da nova LDB: Lei de Diretrizes e Bases da
                                                                                              relatório síntese. Brasília, 1998.
   Educação Nacional (Lei n. 9.394/96). Rio de Janeiro, Quality Mark, 1997.
                                                                                          KNAPP, M.S. “Between systemic reform and the mathematics and science
BRASIL. Lei n. 4.024 de 20/12/1961: fixa as diretrizes e bases da Educação                   classroom: the dynamics of innovation, implementation and professional
   Nacional. São Paulo, FFCL, 1963.                                                          learning”. Review of Educational Research. New York, v.67, n.2, 1997,
 __________ . Diretrizes e bases da educação nacional: Lei n. 5.692, de 11/8/1971,           p.227-226.
    Lei n. 4.024, de 20/12/1961. São Paulo, Imesp, 1981.                                  KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo, EPU/Edusp,
 __________ . Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fun-                1987.
    damental. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental:                PESTANA, M.I. de S. et alii. SAEB 97: primeiros resultados. Brasília, Inep, 1999.
    documento introdutório. Brasília, MEC, 1995.
                                                                                          TIMPANE, M. e WHITE, L.S. (eds.). “Reforming science, mathematics and
 __________ . Lei n. 9.394 Diretrizes e bases da educação nacional: promulga-                technology education”. Higher education and school reform. San Francis-
    da em 20/12/1996. Brasília, Editora do Brasil, 1996.                                     co, Jossey – Bass publishers, 1998.




                                                                                     93

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Alfabetização científica
Alfabetização científicaAlfabetização científica
Alfabetização científicavieiraemoraes
 
04. ciências naturais
04. ciências naturais04. ciências naturais
04. ciências naturaiscelikennedy
 
Considerações sobre a área de ciências naturais
Considerações sobre a área de ciências naturaisConsiderações sobre a área de ciências naturais
Considerações sobre a área de ciências naturaisfamiliaestagio
 
A.Ensino.Ciencias.Ppoint
A.Ensino.Ciencias.PpointA.Ensino.Ciencias.Ppoint
A.Ensino.Ciencias.PpointAlbano Novaes
 
A prática de ensino nas licenciaturas e
A prática de ensino nas licenciaturas eA prática de ensino nas licenciaturas e
A prática de ensino nas licenciaturas epibidbio
 
41ae1f55da98d0.pdfmet ciencias
41ae1f55da98d0.pdfmet ciencias41ae1f55da98d0.pdfmet ciencias
41ae1f55da98d0.pdfmet cienciasEGLANTINE Andrade
 
Ciências naturais no quarto ciclo
Ciências naturais no quarto cicloCiências naturais no quarto ciclo
Ciências naturais no quarto ciclopibidbio
 
CURSO 1 - Ciências no Ensino Fundamental
CURSO 1 - Ciências no Ensino FundamentalCURSO 1 - Ciências no Ensino Fundamental
CURSO 1 - Ciências no Ensino FundamentalSANTINA CÉLIA BORDINI
 
Tecnologias PCN- Ciências Naturais
Tecnologias PCN- Ciências NaturaisTecnologias PCN- Ciências Naturais
Tecnologias PCN- Ciências NaturaisJuliiana Tavares
 
A evolução das ciências na escola
A evolução das ciências na escolaA evolução das ciências na escola
A evolução das ciências na escolaAlessandro Werneck
 
Seminário ac 19 pdf
Seminário ac 19 pdfSeminário ac 19 pdf
Seminário ac 19 pdfAndreus Cruz
 

Mais procurados (17)

PCNs Ciencias
PCNs CienciasPCNs Ciencias
PCNs Ciencias
 
Alfabetização científica
Alfabetização científicaAlfabetização científica
Alfabetização científica
 
3 metodologia e-instrumentacao
3 metodologia e-instrumentacao3 metodologia e-instrumentacao
3 metodologia e-instrumentacao
 
04. ciências naturais
04. ciências naturais04. ciências naturais
04. ciências naturais
 
Considerações sobre a área de ciências naturais
Considerações sobre a área de ciências naturaisConsiderações sobre a área de ciências naturais
Considerações sobre a área de ciências naturais
 
A.Ensino.Ciencias.Ppoint
A.Ensino.Ciencias.PpointA.Ensino.Ciencias.Ppoint
A.Ensino.Ciencias.Ppoint
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
 
A prática de ensino nas licenciaturas e
A prática de ensino nas licenciaturas eA prática de ensino nas licenciaturas e
A prática de ensino nas licenciaturas e
 
41ae1f55da98d0.pdfmet ciencias
41ae1f55da98d0.pdfmet ciencias41ae1f55da98d0.pdfmet ciencias
41ae1f55da98d0.pdfmet ciencias
 
Ciências naturais no quarto ciclo
Ciências naturais no quarto cicloCiências naturais no quarto ciclo
Ciências naturais no quarto ciclo
 
6610 20088-1-pb
6610 20088-1-pb6610 20088-1-pb
6610 20088-1-pb
 
CURSO 1 - Ciências no Ensino Fundamental
CURSO 1 - Ciências no Ensino FundamentalCURSO 1 - Ciências no Ensino Fundamental
CURSO 1 - Ciências no Ensino Fundamental
 
Pcn
PcnPcn
Pcn
 
Tecnologias PCN- Ciências Naturais
Tecnologias PCN- Ciências NaturaisTecnologias PCN- Ciências Naturais
Tecnologias PCN- Ciências Naturais
 
A evolução das ciências na escola
A evolução das ciências na escolaA evolução das ciências na escola
A evolução das ciências na escola
 
Pcn ciências
Pcn   ciênciasPcn   ciências
Pcn ciências
 
Seminário ac 19 pdf
Seminário ac 19 pdfSeminário ac 19 pdf
Seminário ac 19 pdf
 

Semelhante a Reformas no ensino de ciências

Reforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasReforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasbiusp
 
Reforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasReforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasbiusp
 
Reforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasReforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasbiusp
 
Aula a constituição da disciplina escolar ciências
Aula a constituição da disciplina escolar ciênciasAula a constituição da disciplina escolar ciências
Aula a constituição da disciplina escolar ciênciasLeonardo Kaplan
 
1 Resumo: Ciências e a Educação Ambiental
1 Resumo:  Ciências e a Educação Ambiental 1 Resumo:  Ciências e a Educação Ambiental
1 Resumo: Ciências e a Educação Ambiental Israel serique
 
Didática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdf
Didática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdfDidática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdf
Didática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdfZoraideVieiraCruz
 
Emergencia da Disciplina Escolar Biologia
Emergencia da Disciplina Escolar BiologiaEmergencia da Disciplina Escolar Biologia
Emergencia da Disciplina Escolar BiologiaSued Oliveira
 
Didática escola nova e escola contemporânea
Didática   escola nova e escola contemporâneaDidática   escola nova e escola contemporânea
Didática escola nova e escola contemporâneaKárpio Márcio Siqueira
 
Didática De 1549 Ate Atualidade
Didática De 1549 Ate AtualidadeDidática De 1549 Ate Atualidade
Didática De 1549 Ate AtualidadeJulio Siqueira
 
Histórico do PCN
Histórico do PCNHistórico do PCN
Histórico do PCNpibidbio
 
Hist e ens ciencia pereira e silva
Hist e ens ciencia   pereira e silvaHist e ens ciencia   pereira e silva
Hist e ens ciencia pereira e silvaryanfilho
 
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização CientíficaMPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científicaprofamiriamnavarro
 

Semelhante a Reformas no ensino de ciências (20)

Reforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasReforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciências
 
Reforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasReforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciências
 
Reforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciênciasReforma e a realidade do ensino de ciências
Reforma e a realidade do ensino de ciências
 
Aula a constituição da disciplina escolar ciências
Aula a constituição da disciplina escolar ciênciasAula a constituição da disciplina escolar ciências
Aula a constituição da disciplina escolar ciências
 
1 Resumo: Ciências e a Educação Ambiental
1 Resumo:  Ciências e a Educação Ambiental 1 Resumo:  Ciências e a Educação Ambiental
1 Resumo: Ciências e a Educação Ambiental
 
artigo 1.pdf
artigo 1.pdfartigo 1.pdf
artigo 1.pdf
 
Revista historia
Revista historiaRevista historia
Revista historia
 
Didática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdf
Didática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdfDidática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdf
Didática das Ciências Naturais_Parte 10_Ensino de Ciências no Brasil.pdf
 
Didaticgeoaula4
Didaticgeoaula4Didaticgeoaula4
Didaticgeoaula4
 
Emergencia da Disciplina Escolar Biologia
Emergencia da Disciplina Escolar BiologiaEmergencia da Disciplina Escolar Biologia
Emergencia da Disciplina Escolar Biologia
 
Temas controversos 1
Temas controversos 1Temas controversos 1
Temas controversos 1
 
Didática escola nova e escola contemporânea
Didática   escola nova e escola contemporâneaDidática   escola nova e escola contemporânea
Didática escola nova e escola contemporânea
 
Projeto c..
Projeto c..Projeto c..
Projeto c..
 
Didatica
DidaticaDidatica
Didatica
 
Didática De 1549 Ate Atualidade
Didática De 1549 Ate AtualidadeDidática De 1549 Ate Atualidade
Didática De 1549 Ate Atualidade
 
Histórico do PCN
Histórico do PCNHistórico do PCN
Histórico do PCN
 
Hist e ens ciencia pereira e silva
Hist e ens ciencia   pereira e silvaHist e ens ciencia   pereira e silva
Hist e ens ciencia pereira e silva
 
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização CientíficaMPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
 
Apresentação
Apresentação Apresentação
Apresentação
 
Aula 5_IEEC_2015.pptx
Aula 5_IEEC_2015.pptxAula 5_IEEC_2015.pptx
Aula 5_IEEC_2015.pptx
 

Mais de fimepecim

Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09
Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09
Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09fimepecim
 
Pcn ciencias naturais
Pcn ciencias naturaisPcn ciencias naturais
Pcn ciencias naturaisfimepecim
 
Curriculares Nacionais - Área de Ciências
Curriculares Nacionais - Área de CiênciasCurriculares Nacionais - Área de Ciências
Curriculares Nacionais - Área de Ciênciasfimepecim
 
Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...
Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...
Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...fimepecim
 
PCN e Ensino de Ciências
PCN e Ensino de CiênciasPCN e Ensino de Ciências
PCN e Ensino de Ciênciasfimepecim
 
PCN Ciências Naturais
PCN Ciências NaturaisPCN Ciências Naturais
PCN Ciências Naturaisfimepecim
 
Educ e ciencias no brasil schwartzma
Educ e ciencias no brasil   schwartzmaEduc e ciencias no brasil   schwartzma
Educ e ciencias no brasil schwartzmafimepecim
 

Mais de fimepecim (7)

Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09
Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09
Apresentacao do grupo de estudos do dia 14 09
 
Pcn ciencias naturais
Pcn ciencias naturaisPcn ciencias naturais
Pcn ciencias naturais
 
Curriculares Nacionais - Área de Ciências
Curriculares Nacionais - Área de CiênciasCurriculares Nacionais - Área de Ciências
Curriculares Nacionais - Área de Ciências
 
Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...
Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...
Algumas Observações sobre os Parâmetros r Curriculares Nacionais - Área de Ci...
 
PCN e Ensino de Ciências
PCN e Ensino de CiênciasPCN e Ensino de Ciências
PCN e Ensino de Ciências
 
PCN Ciências Naturais
PCN Ciências NaturaisPCN Ciências Naturais
PCN Ciências Naturais
 
Educ e ciencias no brasil schwartzma
Educ e ciencias no brasil   schwartzmaEduc e ciencias no brasil   schwartzma
Educ e ciencias no brasil schwartzma
 

Reformas no ensino de ciências

  • 1. REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS REFORMAS E REALIDADE o caso do ensino das ciências MYRIAM KRASILCHIK Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Resumo: Este trabalho inclui uma revisão histórica das propostas de reforma do ensino de Ciências ao longo dos últimos anos. O caso descrito ilustra alguns dos caminhos percorridos por vários projetos desde a sua elaboração nos órgãos normativos como parte de políticas públicas até o dia-a-dia das salas de aula. A análise do processo compreendendo aspectos legais, modalidades e recursos didáticos, temáticas dos programas, e processos de avaliação contribui para o estudo de propostas de inovação. Palavras-chave: reforma educacional; didática e ensino das ciências; avaliação e pesquisa. A palavra reforma, sempre presente no vocabulá- podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos das rio educacional, é definida em âmbito interna- reformas educacionais. cional como “uma iniciativa do Estado que es- Um episódio muito significativo ocorreu durante a tabelece objetivos e critérios claros e ambiciosos, recorre “guerra fria”, nos anos 60, quando os Estados Unidos, a todas as instâncias políticas para apoiá-la, estimulando para vencer a batalha espacial, fizeram investimentos de iniciativas no nível das escolas e mobilizando recursos recursos humanos e financeiros sem paralelo na história humanos e financeiros para sustentar as mudanças pro- da educação, para produzir os hoje chamados projetos de postas” (Timpane e White, 1998). 1ª geração do ensino de Física, Química, Biologia e Ma- Nossas escolas, como sempre, refletem as maiores temática para o ensino médio. A justificativa desse em- mudanças na sociedade – política, econômica, social e preendimento baseava-se na idéia de que a formação de culturalmente. A cada novo governo ocorre um surto re- uma elite que garantisse a hegemonia norte-americana na formista que atinge principalmente os ensinos básico e mé- conquista do espaço dependia, em boa parte, de uma es- dio. O atual movimento de reforma da escola é um pro- cola secundária em que os cursos das Ciências identifi- cesso de mudança nacional com uma forte tendência à cassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreiras volta ao papel centralizador do Estado para emissão de científicas. normas e regulamentos. Esse movimento, que teve a participação intensa das so- Tomando como marco inicial a década de 50, é pos- ciedades científicas, das Universidades e de acadêmicos sível reconhecer nestes últimos 50 anos movimentos que renomados, apoiados pelo governo, elaboraram o que tam- refletem diferentes objetivos da educação modificados bém é denominado na literatura especializada de “sopa al- evolutivamente em função de transformações no âm- fabética”, uma vez que os projetos de Física (Physical Science bito da política e economia, tanto nacional como inter- Study Commitee – PSSC), de Biologia (Biological Science nacional. Curriculum Study – BSCS), de Química (Chemical Bond Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reco- Approach – CBA) e (Science Mathematics Study Group – nhecidas como essenciais no desenvolvimento econômi- SMSG) são conhecidos universalmente pelas suas siglas. co, cultural e social, o ensino das Ciências em todos os Esse período marcante e crucial na história do ensino níveis foi também crescendo de importância, sendo obje- de Ciências, que influi até hoje nas tendências curricula- to de inúmeros movimentos de transformação do ensino, res das várias disciplinas tanto no ensino médio como no 85
  • 2. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000 QUADRO 1 Evolução da Situação Mundial, segundo Tendências no Ensino 1950-2000 Situação Mundial Tendências no 1950 1970 1990 2000 Ensino Guerra Fria Guerra Tecnológica Globalização Objetivo do Ensino • Formar Elite • Formar Cidadão-trabalhador • Formar Cidadão-trabalhador-estudante • Programas Rígidos • Propostas Curriculares Estaduais • Parâmetros Curriculares Federais Concepção de Ciência • Atividade Neutra • Evolução Histórica • Atividade com Implicações Sociais • Pensamento Lógico-crítico Instituições Promotoras de Reforma • Projetos Curriculares • Centros de Ciências, Universidades • Universidades e Associações Profissionais • Associações Profissionais Modalidades Didáticas Recomendadas • Aulas Práticas • Projetos e Discussões • Jogos: Exercícios no Computador Fonte: Elaboração da autora. fundamental, foi dando lugar, ao longo dessas últimas falta de matéria-prima e produtos industrializados duran- décadas, a outras modificações em função de fatores po- te a 2ª Guerra Mundial e no período pós-guerra, buscava líticos, econômicos e sociais que resultaram, por sua vez, superar a dependência e se tornar auto-suficiente, para o em transformações das políticas educacionais, cumulati- que uma ciência autóctone era fundamental. vas em função das quais ocorreram mudanças no ensino Paralelamente, à medida que o país foi passando por de Ciências (Quadro 1). transformações políticas em um breve período de eleições Como já foi mencionado, o movimento dos grandes livres, houve uma mudança na concepção do papel da projetos visava a formação e a identificação de uma elite escola que passava a ser responsável pela formação de refletindo não só a política governamental, mas também todos os cidadãos e não mais apenas de um grupo privile- uma concepção de escola e teve propagação ampla nas giado. A Lei 4.024 – Diretrizes e Bases da Educação, de regiões sob influência cultural norte-americana, que re- 21 de dezembro de 1961, ampliou bastante a participa- percutiu de forma diferente em diversos países ecoando ção das ciências no currículo escolar, que passaram a fi- as situações locais. Por exemplo, na Inglaterra, concor- gurar desde o 1º ano do curso ginasial. No curso colegial, dou-se com os objetivos gerais do projeto de reforma do houve também substancial aumento da carga horária de ensino de Ciências, mas foi decidido que se devia produ- Física, Química e Biologia. zir seus próprios projetos consonantes com a organiza- Essas disciplinas passavam a ter a função de desen- ção escolar de forma a preservar a influência acadêmica volver o espírito crítico com o exercício do método cien- e científica de instituições inglesas. Foram elaborados tífico. O cidadão seria preparado para pensar lógica e cri- também projetos de Física, Química e Biologia que fica- ticamente e assim capaz de tomar decisões com base em ram conhecidos pelo nome da sua instituição patrocina- informações e dados. dora, a Fundação Nuffield. Dada a importância da Ingla- Quando de novo houve transformações políticas no país terra como núcleo cultural dos países da comunidade pela imposição da ditadura militar em 1964, também o britânica, esses projetos tiveram também grande influên- papel da escola modificou-se, deixando de enfatizar a ci- cia. dadania para buscar a formação do trabalhador, conside- No Brasil, a necessidade de preparação dos alunos mais rado agora peça importante para o desenvolvimento eco- aptos era defendida em nome da demanda de investiga- nômico do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação dores para impulsionar o progresso da ciência e tecnologia nº 5.692, promulgada em 1971, norteia claramente as nacionais das quais dependia o país em processo de in- modificações educacionais e, conseqüentemente, as pro- dustrialização. A sociedade brasileira, que se ressentia da postas de reforma no ensino de Ciências ocorridas neste 86
  • 3. REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS período. Mais uma vez as disciplinas científicas foram educacionais, desde o emissor das políticas até a realida- afetadas, agora de forma adversa, pois passaram a ter ca- de das salas de aula, que têm mudado muito mais em fun- ráter profissionalizante, descaracterizando sua função no ção da deterioração das condições de trabalho do que por currículo. A nova legislação conturbou o sistema, mas as injunções legais. Infelizmente, mantém-se um ensino pre- escolas privadas continuaram a preparar seus alunos para cário com professores que enfrentam nas escolas proble- o curso superior e o sistema público também se reajustou mas de sobrecarga, de falta de recursos e de determina- de modo a abandonar as pretensões irrealistas de forma- ções que deveriam seguir sobre as quais não foram ção profissional no 1º e 2º graus por meio de disciplinas ouvidos. pretensamente preparatórias para o trabalho. As modificações promovidas por diferentes elemen- Em 1996, foi aprovada uma nova Lei de Diretrizes e tos ao longo dos diversos patamares de decisões que atu- Bases da Educação, nº 9.394/96, a qual estabelece, no am nos componentes curriculares – temáticas e conteú- parágrafo 2o do seu artigo 1o, que a educação escolar de- do, modalidades didáticas e recursos e processos de verá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. avaliação – confluem para um cenário que raramente é o O artigo 26 estabelece que “os currículos do ensino fun- planejado pelos emissores do currículo teórico. damental e médio devem ter uma base nacional comum, Na análise desse processo, tem papel fundamental a a ser complementada pelos demais conteúdos curricula- pesquisa feita no âmbito do ensino das ciências no Brasil res especificados nesta Lei e em cada sistema de ensino”. e que já constitui um significativo acervo de informações A formação básica do cidadão na escola fundamental exige e conhecimentos sobre o que acontece desde a elabora- o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, a com- ção de documentos normativos até a intimidade do ensi- preensão do ambiente material e social, do sistema políti- no das várias disciplinas científicas. co, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fun- damenta a sociedade. O ensino médio tem a função de MODALIDADES DIDÁTICAS E RECURSOS consolidação dos conhecimentos e a preparação para o trabalho e a cidadania para continuar aprendendo. As modalidades didáticas usadas no ensino das disci- Esse aprendizado inclui a formação ética, a autonomia plinas científicas dependem, fundamentalmente, da con- intelectual e a compreensão dos fundamentos científico- cepção de aprendizagem de Ciência adotada. A tendên- tecnológicos dos processos produtivos. Embora a lei in- cia de currículos tradicionalistas ou racionalistas- dique precariamente os valores e objetivos da educação acadêmicos, apesar de todas as mudanças, ainda prevale- nacional, espera-se que a escola forme o cidadão-traba- cem não só no Brasil, mas também nos sistemas educa- lhador-estudante quando, por exemplo, determina em seu cionais de países em vários níveis de desenvolvimento. artigo 80: “O Poder Público incentivará o desenvolvimento Assumindo que o objetivo dos cursos é basicamente trans- e a veiculação de programas de ensino a distância, em mitir informação, ao professor cabe apresentar a matéria todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação de forma atualizada e organizada, facilitando a aquisição continuada.” de conhecimentos. Nos anos 60, o processo ensino-apren- Tenta-se colocar em prática essas prescrições legais por dizagem era influenciado pelas idéias de educadores meio de políticas centralizadas no MEC e que são deta- comportamentalistas que recomendavam a apresentação lhadas e especificadas em documentos oficias, abundan- de objetivos do ensino na forma de comportamentos temente distribuídos com os nomes de “parâmetros” e observáveis, indicando formas de atingi-los e indicado- “diretrizes curriculares”. Fazem parte ainda desses “indi- res mínimos de desempenho aceitável. Foram elaboradas cativos políticos” diversos instrumentos de avaliação em classificações, das quais a mais conhecida, coordenada que se explicitam as reais intenções da reforma proposta por Benjamim Bloom, era a que dividia os objetivos edu- pelo governo. cacionais em cognitivo-intelectuais, afetivo-emocionais No exame dessa proposta e de suas conseqüências na e psicomotores-habilidades, organizados em escalas hie- realidade da educação brasileira, é imprescindível anali- rarquicamente mais complexas de comportamento. sar em uma perspectiva histórica a evolução das concep- Essa linha de trabalho teve papel significativo na edu- ções curriculares preponderantes nesses últimos 50 anos, cação brasileira e ainda hoje muitos dos processos de pla- por meio dos quais foram expressos os desígnios dos go- nejamento que ocorrem nas escolas constam apenas da vernos e seus resultados nos vários níveis dos sistemas redação de objetivos e metas, que em geral são esqueci- 87
  • 4. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000 dos durante o ano por força da pressão das realidades do de operações lógicas pelas quais o aluno passa em uma dia-a-dia na classe. ordem que vai do sensomotor (18 meses), pré-operacio- No final dos anos 60, as idéias de Jean Piaget sobre nal (até 7 anos), concreta operacional (dos 7 aos 11 anos) desenvolvimento intelectual começaram a ser conhecidas até o formal operacional (dos 11 até os 15 anos), passou- e discutidas. Passa assim a ter papel central no processo se a encarar o laboratório como elemento de aferição do es- ensino-aprendizagem da ciência uma perspectiva cogni- tágio de desenvolvimento do aluno e de ativação do pro- tivista, enfatizando o chamado construtivismo, usado nos gresso ao longo desses estágios e do ciclo de aprendizado. atuais documentos oficiais brasileiros de forma impositiva, Na perspectiva construtivista, as pré-concepções dos como um “slogan” que não chega a analisar o significado alunos sobre os fenômenos e sua atuação nas aulas práti- da discussão sobre mudança conceitual como um proces- cas são férteis fontes de investigação para os pesquisado- so individual de responsabilidade do aluno ou um pro- res como elucidação do que pensam e como é possível cesso social. “A primeira perspectiva vê concepções como fazê-los progredir no raciocínio e análise dos fenômenos. representações mentais (isto é, construções tangíveis na As prescrições oficiais da expectativa de reforma em curso cabeça dos alunos) enquanto a segunda perspectiva re- tratam do assunto superficialmente, havendo uma grande presenta as concepções como sendo caracterizações de distância entre uma “proposta construtivista” e recomen- categorias de descrições que refletem relações pessoa- dações que permitam ao professor exercer plenamente o mundo” (Duit e Treagust, 1998). seu papel de catalisador da aprendizagem. Faltam discus- Essas idéias conflitantes em vários aspectos não são sões que permitam ao próprio docente nas atuais condi- apresentadas aos professores como controvérsias que de- ções de trabalho criar um clima de liberdade intelectual, vem ser discutidas e analisadas para orientar a escolha de que não limite a sua atividade a exposições, leitura ou modalidades didáticas baseadas em uma fundamentação cópia de textos. sólida. Por exemplo, a reação de alunos e professores ao uso Embora o conceito de processo ensino-aprendizagem de perguntas em classe é uma área de pesquisa de ponta tenha importância na escola em geral, no ensino das dis- para os que pretendem mudar a escola e o ensino de Ciên- ciplinas científicas tem conseqüências específicas em cias em que a função da interação social e da exposição a vários elementos curriculares. A solução de problemas é diferentes idéias é elemento essencial. Como obstáculo a um dos seus componentes essenciais, porque várias fases essa transformação, é possível identificar as representa- das reformas propostas com nomes variados de “ciência ções sociais que prevalecem entre professor e alunos. O posta em prática”, “método da redescoberta”, “método de docente é autoridade que não corre o risco de ser questi- projetos” trata-se de fazer questionamentos, encontrar onada, ou que se permita ouvir diferentes opiniões. Se, alternativas de resposta, planejar e organizar experimen- por um lado, esse papel autoritário é prejudicial, o outro tos que permitam optar por uma delas e daí produzir ou- extremo cada vez mais freqüente por força do refrão de tros questionamentos. No período 1950-70, prevaleceu a que o “aluno constrói seu próprio conhecimento” leva o idéia da existência de uma seqüência fixa e básica de com- professor a abdicar da sua função de orientador do apren- portamentos, que caracterizaria o método científico na dizado. Nesses casos, o laboratório e as aulas práticas identificação de problemas, elaboração de hipóteses e ve- podem até ser divertidas mas não levam à formulação ou rificação experimental dessas hipóteses, o que permitiria reformulação de conceitos. chegar a uma conclusão e levantar novas questões. Os novos recursos tecnológicos e, principalmente, o Com essas premissas, as aulas práticas no ensino de uso do computador criam dilemas equivalentes, podendo Ciências servem a diferentes funções para diversas con- até ser uma fonte muito eficiente de fornecimento de in- cepções do papel da escola e da forma de aprendizagem. formações. No entanto, o seu potencial como desequi- No caso de um currículo que focaliza primordialmente a librador da vigente relação professor-aluno é ainda transmissão de informações, o trabalho em laboratório é subutilizado como instrumento que possa levar o aluno a motivador da aprendizagem, levando ao desenvolvimen- deixar o seu papel passivo de receptor de informações, to de habilidades técnicas e principalmente auxiliando a para ser o que busca, integra, cria novas informações. O fixação, o conhecimento sobre os fenômenos e fatos. professor passa a ser o que auxilia o aprendiz a procurar À medida que a influência cognitivista foi se amplian- e coordenar o que aprende dentro de um esquema concei- do em base dos estudos piagetianos considerando fases tual mais amplo. Qualquer reforma deveria suscitar essas 88
  • 5. REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS questões que são básicas para uma mudança real na qua- reações adversas dos que defendiam a identidade das dis- lidade de ensino. ciplinas tradicionais, mantendo segmentação de conteú- dos mesmo nos anos iniciais da escolaridade. TEMÁTICAS Concomitantemente aos processos que ocorriam nas escolas – o fim da “guerra fria” e o agravamento dos pro- Os conteúdos e grandes temas incluídos no currículo blemas sociais e econômicos – foi incorporada a compe- das disciplinas científicas refletem as idéias correntes tição tecnológica, levando a exigir que os estudantes ti- sobre a Ciência. Na fase dos projetos de 1ª geração, a vessem preparo para compreender a natureza, o significado Ciência era considerada uma atividade neutra, isentando e a importância da tecnologia para sua vida como indiví- os pesquisadores de julgamento de valores sobre o que duos e como membros responsáveis da sociedade. Para estavam fazendo. É necessário lembrar que os cientistas tanto, os cursos deveriam incluir temas relevantes que tiveram uma atuação significativa na produção da bomba tornassem os alunos conscientes de suas responsabilida- atômica e, de alguma forma, procuravam não assumir sua des como cidadãos, pudessem participar de forma inteli- responsabilidade no conflito bélico. Pretendia-se desen- gente e informada de decisões que iriam afetar não só sua volver a racionalidade, a capacidade de fazer observações comunidade mais próxima, mas que também teriam efei- controladas, preparar e analisar estatísticas, respeitar a exi- tos de amplo alcance. gência de replicabilidade dos experimentos. A preocupação com a qualidade da “escola para todos” À medida que se avolumaram os problemas sociais no incluiu um novo componente no vocabulário e nas preo- mundo, outros valores e outras temáticas foram incorpo- cupações dos educadores, “a alfabetização científica”. A radas aos currículos, sendo que mudanças substantivas relação ciência e sociedade provocou a intensificação de tiveram repercussões nos programas vigentes. Entre 1960 estudos da história e filosofia da ciência, componentes e 1980, as crises ambientais, o aumento da poluição, a sempre presentes nos programas com maior ou menor crise energética e a efervescência social manifestada em intensidade servindo em fases diferentes a objetivos di- movimentos como a revolta estudantil e as lutas anti-se- versos. O crescimento da influência construtivista como gregação racial determinaram profundas transformações geradora de diretrizes para o ensino levou à maior inclu- nas propostas das disciplinas científicas em todos os ní- são de tópicos de história e filosofia da Ciência nos pro- veis do ensino. gramas, principalmente para comparar linhas de raciocí- As implicações sociais da Ciência incorporam-se às nio historicamente desenvolvidas pelos cientistas e as propostas curriculares nos cursos ginasiais da época e, em concepções dos alunos. seguida, nos cursos primários. Simultaneamente às trans- Fortalece essa linha o já mencionado movimento de- formações políticas ocorreu a expansão do ensino públi- nominado “Ciência para todos”, que relaciona o ensino co que não mais pretendia formar cientistas, mas também das Ciências à vida diária e experiência dos estudantes, fornecer ao cidadão elementos para viver melhor e parti- trazendo, por sua vez, novas exigências para compreen- cipar do breve processo de redemocratização ocorrido no são da interação estreita e complexa com problemas éticos, período. A admissão das conexões entre a ciência e a so- religiosos, ideológicos, culturais, étnicos e as relações com ciedade implica que o ensino não se limite aos aspectos o mundo interligado por sistemas de comunicação e internos à investigação científica, mas à correlação des- tecnologias cada vez mais eficientes com benefícios e ris- tes com aspectos políticos, econômicos e culturais. Os cos no globalizado mundo atual. A exclusão social, a luta alunos passam a estudar conteúdos científicos relevantes pelos direitos humanos e a conquista da melhora da qua- para sua vida, no sentido de identificar os problemas e lidade de vida não podem ficar à margem dos currículos buscar soluções para os mesmos. Surgem projetos que e, no momento, assumem uma importância cada vez mais incluem temáticas como poluição, lixo, fontes de ener- evidente. Pela demanda de justiça social nos atuais parâ- gia, economia de recursos naturais, crescimento popula- metros curriculares, muitas das temáticas vinculadas no cional, demandando tratamento interdisciplinar. Essas ensino de Ciências são hoje consideradas “temas trans- demandas dependiam tanto dos temas abordados como da versais”: educação ambiental, saúde, educação sexual. No organização escolar. É do período de 1950-70 o movi- entanto, a tradição escolar ainda determina que a respon- mento de Ciência Integrada, que teve apoio de organis- sabilidade do seu ensino recaia basicamente nas discipli- mos internacionais, principalmente a Unesco, e provocou nas científicas, principalmente a Biologia. 89
  • 6. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000 A reforma brasileira reforça um movimento equiva- Sputnik provocou movimento de reforma dos anos 60, o lente ao da “Ciência para todos”, sem, no entanto, incluir desempenho dos alunos norte-americanos nos testes in- cuidados para que excessos nessa postura tornem o currí- ternacionais produziu em 1985 um documento de grande culo pouco rigoroso, em nome da necessidade que se tor- impacto “A Nation at Risk” que serviu de epicentro para nou um estribilho nas publicações e avaliações oficiais uma onda de críticas ao sistema educacional norte-ame- de desenvolver “competências e habilidades”. ricano e tentativas de reformas que acabaram tendo re- O risco grave é de que se percam de vista os objetivos percussões no mundo inteiro (Gross e Gross, 1985). maiores do ensino de Ciências, que deve incluir a aquisi- No Brasil, é parte das políticas governamentais no plano ção do conhecimento científico por uma população que federal ou estaduais um conjunto de exames que se desti- compreenda e valorize a Ciência como empreendimento nam a descrever a situação nas várias unidades da federa- social. Os alunos não serão adequadamente formados se ção, no sentido de subsidiar decisões de políticas públi- não correlacionarem as disciplinas escolares com a ativi- cas. Instituições internacionais como o Banco Mundial, dade científica e tecnológica e os problemas sociais con- Banco Interamericano e a Unesco valem-se desses indi- temporâneos. Paralelamente aos movimentos nas instân- cadores para fomentar e financiar projetos que imple- cias normativas dos sistemas escolares, os livros didáticos mentem tendências que apóiam. continuaram a servir de apoio e orientação aos professo- O resultado e a validade desses exames para avaliar o res para a apresentação dos conteúdos. Uma reforma que aprendizado em Ciências são bastante contestados em tenha pleno êxito depende da existência de bons materiais, função dos instrumentos que os constituem. Discute-se incluindo livros, manuais de laboratórios e guias de profes- se as tradicionais questões de múltipla escolha são ade- sores, docentes que sejam capazes de usá-los, bem como quadas para aferir o que se pretende produzir dos alunos condições na escola para o seu pleno desenvolvimento. nas aulas de Ciências. A capacidade de resolver proble- mas e de demonstrar a compreensão conceitual e forma- Avaliação ção exige que se busquem também outras formas de veri- ficar o aprendizado. Assim, provas dissertativas e redações A avaliação sempre teve um papel central na escola teriam como função maior fazer com que os alunos es- brasileira. Uma das influências preeminentes, com uma crevam, demonstrando capacidade de organização lógica função normativa mais poderosa do que os programas e de expressão temática. oficiais, livros didáticos, propostas curriculares ou os O reconhecimento das limitações dos instrumentos de atuais parâmetros, sempre foi o exame vestibular. Assim, avaliação mais freqüentemente usados não impede, no essas provas, mais do que cumprir a função classificatória entanto, que os dados numéricos sejam divulgados como para decidir quais os alunos que podem entrar nas esco- resultados confiáveis, exercendo considerável influência las superiores, têm grande influência nos ensinos funda- na opinião que a sociedade tem da escola. Os meios de mental e médio. No entanto, os exames podem fornecer comunicação de massa divulgam esses números com in- dados sobre a população escolar cumprindo a maior fun- terpretações que, muitas vezes, exigem análises mais de- ção da avaliação, ou seja, a de informar à sociedade, às tidas, mas são aceitos sem discussão pela população em escolas, aos alunos, aos professores e aos pais sobre o geral, tornando premente a necessidade de uma coleta sis- aprendizado dos estudantes, da eficiência da escola em temática de informações coerentes das variáveis que agem função das políticas públicas e das relações contextuais no aprendizado de Ciências e que refletiram os objetivos entre os estabelecimentos de ensino e a comunidade nas do currículo. Busca-se, assim, distinguir as diferenças quais se situam. entre o currículo proposto, ideal, teórico e o seu resulta- Com a democratização do país e a disputa por verbas do, ou seja, o currículo real ou obtido. para manutenção dos sistemas escolares, aumenta a pres- Por exemplo, na avaliação dos concluintes do ensino são por dados que possam servir de indicadores que orien- médio feita em 1997 em nove estados brasileiros, verifi- tem decisões dos sistemas em todos o níveis de ensino. ca-se que em Biologia os alunos do período da manhã A competição internacional na guerra tecnológica pro- acertaram menos de 47% das questões, os da tarde, 35,5%, duziu programas internacionais de avaliação que levaram e os da noite, 29%. Em Física, foram 33% de acertos para à comparação do resultado obtido pelos alunos em algu- os alunos da manhã, 28% para os da tarde e 27,5% para mas disciplinas, incluindo as Ciências. Assim como o os da noite. Química evidenciou problemas com relação 90
  • 7. REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS a todos os conteúdos e habilidades. Os alunos da manhã saram a se estruturar grupos de professores para preparar tiveram 33% de acertos, os da tarde, 27,5%, e os da noite, materiais e realizar pesquisas sobre o ensino de ciências. 25%. Apesar das pequenas variações e diferenças nos tur- Com a expansão dos programas de pós-graduação e deli- nos examinados, o desempenho dos alunos deixa muito a neamento de uma área específica de pesquisa – Ensino desejar. de Ciências –, as organizações acadêmicas assumiram a O Sistema Nacional de Educação Básica – Saeb (1997) responsabilidade de investigar e procurar fatores e situa- e o Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacio- ções que melhorassem os processos de ensino-aprendi- nais – Inep (1999) indicam que, nas séries iniciais, em zado. Ciências, os alunos até a 4ª série saem-se bem. Nos ou- Esse movimento ocorre agora nos Centros de Ciências tros níveis, o desempenho esperado de alunos de 6ª série ou nas Universidades e ganha atenção das autoridades chega a ser atingido por 48% dos alunos, na 8ª série por federais e instituições internacionais, estabelecendo pro- 10% e, no fim do ensino médio, apenas 3% alcançam o gramas como o Premem (Projeto de Melhoria do Ensino nível desejado. Como se pode verificar por esses dados, de Ciências e Matemática) e o SPEC (Subprograma de há uma grande distância entre as propostas de reforma e Educação para a Ciência), vinculado à Capes (Fundação o resultado efetivo no aprendizado dos alunos. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su- perior) e mais recentemente o pró-Ciências e os programas Pesquisa de educação científica e ambiental do CNPq (Conselho Na- cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). As discussões sobre o ensino de Ciências e tentativa No plano internacional o processo foi equivalente. Os de transformá-lo foram promovidas e mantidas por inú- núcleos catalisadores dos movimentos dos anos 60 foram meras e diversas instituições a partir dos “projetos curri- incorporados pelas universidades. Alguns centros perma- culares” organizados nos anos 60. Na época, o Brasil já necem como o Biological Science Curriculum Study, que tinha uma história de promoção do ensino de Ciências – até hoje está produzindo inovações no ensino de Biologia. o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cul- Nos Estados Unidos foram importantes as sociedades cien- tura) em São Paulo, em que eram produzidos manuais de tíficas ao longo das décadas consideradas neste trabalho, laboratórios e textos, além de equipamentos para a expe- especialmente a American Association for the Advancement rimentação. of Science – AAAS, que teve persistente preocupação com Muitos trabalhos esparsos de iniciativas de docentes o ensino elaborando seus próprios projetos curriculares. Nos isolados ou em grupos passaram a se concentrar no IBECC anos 70, influenciada pelas tendências comportamentalistas e depois em instituições dele derivadas – Funbec e Cecisp –, proeminentes na época, preparou material para ensino de que, com o apoio do Ministério da Educação, das Funda- Ciências para crianças de escola primária. Hoje está condu- ções Ford e Rockfeller e da União Panamericana, promo- zindo o chamado Project 2061, que reúne cientistas e edu- veram intensos programas para a renovação do ensino de cadores no sentido de estabelecer o que “todos os estudan- Ciências. Especialmente significativa foi a iniciativa do tes devem saber ou fazer em ciência, matemática e tecnologia MEC, que criou em 1963 seis centros de ciências nas desde os primeiros anos de estudo até o final do curso mé- maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, dio, de modo a promover a sua ‘alfabetização científica’” Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. A es- (AAAS, 1989). Outras associações científicas, como a trutura institucional desses centros era variada. Alguns, Unesco e a International Council of Scientific Unions – ICSU, como o de Porto Alegre e Rio de Janeiro, tinham víncu- além das sociedades internacionais de Física, Química e Ma- los com Secretarias de Governo da Educação e de Ciên- temática, realizam reuniões e promovem atividades visando cia e Tecnologia, enquanto os de São Paulo, Pernambuco, o desenvolvimento do ensino de Ciências. Bahia e Minas Gerais eram ligados às Universidades. Essas No Brasil, sociedades como a SBF (Sociedade Brasi- instituições tiveram vidas e vocações diferentes, sendo que leira de Física), a SBQ (Sociedade Brasileira de Quími- algumas persistem até hoje, como a de Belo Horizonte, ca) e a SBG (Sociedade Brasileira de Genética) têm ativi- estreitamente associada à Faculdade de Educação da dades relacionadas ao ensino. A Associação Brasileira para UFMG, e o centro do Rio, que hoje é mantido pela Secre- Pesquisa em Ensino de Ciências e a Sociedade Brasileira taria da Ciência e Tecnologia. Os outros ou desaparece- para o Ensino de Biologia reúnem juntam centenas de ram ou foram incorporados pelas universidades onde pas- professores dos ensinos fundamental, médio e superior 91
  • 8. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000 para discutir problemas, apresentar trabalhos e atualizar desse esforço que levou à criação de grupos de pesquisa informações. em vários pontos do país, a maioria deles gerada pelos Incorporam-se também ao movimento de renovação pesquisadores formados nos núcleos iniciais, os resulta- instituições como museus de ciências que estabelecem dos das pesquisas ainda não atingiram os centros de deci- pontes com um público preponderantemente, mas não são, nos âmbitos federal, estadual e municipal, para in- exclusivamente, escolar a quem apresentam a ciência por fluir decisivamente na preparação e avaliação de meio de exposições e outras instalações interativas. currículos, nos projetos de aperfeiçoamento de docentes Há intensa atividade de investigação nos cursos de pós- e nas relações entre os elementos que interagem nas es- graduação, acumulando um considerável acervo de co- colas. Os professores em classe ficam cada vez mais afas- nhecimento. Investigações sobre as relações professor- tados tanto do centro de decisões políticas como dos cen- alunos, enfatizando vários aspectos do trabalho em tros de pesquisa. laboratório, discussão de problemas e o papel das pergun- Sem usar as informações de pesquisas prospectivas que tas em classe, efeito de atividades para aperfeiçoamento coletem dados para evitar esforços e desperdícios, as pro- de professores na mudança de atitude e aquisição de co- postas de reforma têm sido irrealistas ou inaceitáveis pe- nhecimentos e o papel dos centros e museus da Ciência los professores que finalmente são os responsáveis pelas são algumas das questões em que os mestrandos e douto- ocorrências em sala de aula. É tarefa urgente encontrar randos vêm trabalhando. um meio termo adequado entre os dois extremos: um das A pesquisa em ensino de Ciências levou também à for- organizações centrais trabalhando de forma isolada e ou- mação de grupos interdisciplinares, congregando profes- tro que deixa a responsabilidade sobre as decisões curri- sores de institutos de Física, Química, Biologia e das Fa- culares exclusivamente à escola e aos docentes. Se, por culdades e Centros de Educação. O primeiro programa um lado, é imprescindível a intensificação das relações de mestrado em ensino de Ciências interunidades que entre a escola e a comunidade para a formação de cida- subsiste até hoje foi instalado na Universidade de São Pau- dãos atuantes, por outro, é absurdo ignorar o que têm a lo, em que a partir dessa iniciativa formaram-se grupos dizer os cientistas e pesquisadores e o que se conhece hoje de ensino nos Institutos de Física e Química, além do de- sobre os processos de reforma curricular. senvolvimento de uma área temática de Ensino de Ciên- Os parâmetros curriculares fartamente distribuídos, na cias e Matemática para mestrado e doutorado na Facul- tentativa de produzir mudanças, usaram muito pouco o dade de Educação. considerável montante de informações existentes sobre Assim como ocorreram mudanças nos objetivos e ên- mudanças do ensino de Ciências. Os cientistas e pesqui- fase das propostas curriculares, também a pesquisa foi sadores foram alijados da produção de documentos que evoluindo no transcorrer do período considerado neste vêm levantando controvérsias entre os especialistas e di- trabalho. No início do período, foi dada ênfase para ava- ficuldades para os docentes. Caberá aos cientistas influir liação dos resultados dos projetos curriculares. O cresci- colaborando para formular propostas curriculares atua- mento das críticas ao modelo experimental, quantitativo, lizadas, relevantes e realistas, não só indicando as impro- influenciado pela linha psicometrista, gradualmente le- priedades, omissões e propostas discutíveis, mas também vou à adoção de novos paradigmas de pesquisa. Passou- propondo linhas de trabalho, sugestões para reformula- se a obter dados com observação direta, estudo de docu- ção, mudanças e substituição. Merecem também uma aná- mentos, entrevistas com os componentes e usuários dos lise detida para uso mais profundo e abrangente dos da- projetos curriculares, alunos, professores, administrado- dos obtidos nos inúmeros processos de avaliação res em projetos de pesquisa quantitativa. Dentro dessa li- empreendidos pelo Inep e pelos sistemas de várias unida- nha básica, foram usadas medidas qualitativo-fenomeno- des da federação para que sejam identificados os pontos lógicas, processos etnográficos, naturalísticos, pesquisa necessitados de intervenção como orientação para melho- participante, estudos de caso, entre outros. rar o processo educativo em todos os níveis e a confec- O debate entre os que defendem a linha por muitos cha- ção dos planos nacional e estaduais de educação. Não cabe mada experimental, que exige dados quantitativos, e os mais um trabalho isolado, de gabinete dos legisladores que preferem uma linha naturalística, que apresenta o oficiais. Ao contrário, será necessário angariar a participa- processo educacional em toda a sua complexidade de ção e adesão da sociedade em seus múltiplos segmentos, para intrincadas relações, está longe de ser encerrado. Apesar que as declarações de intenção propostas não soneguem a 92
  • 9. REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS liberdade de ação das instituições, deixando o sistema à mercê __________ . Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares na- cionais. Brasília, MEC, v.10, 1997. dos slogans em voga que refletem as políticas vigentes. DUIT, R. e TREAGUST, D. “Learning in science: from behaviourism towards social constructivism and beyond”. International Handbook of Science Education. Boston, Kluwer Academic Publisher, 1998. GROSS, B. e GROSS, R. (eds.). The great schools debate. New York, Simon & REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Schuster Inc., 1985. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS. AAAS – American Association for the Advancement of Science. Project 2061 – Avaliação de concluintes do ensino médio em nove estados, 1997: relató- rio final. Brasília, 1998 (Anexo 2). Science for all americans. Washington, 1989. __________ . Avaliação de concluintes do ensino médio em nove estados, 1997: ALVES, N. (org.). Múltiplas leituras da nova LDB: Lei de Diretrizes e Bases da relatório síntese. Brasília, 1998. Educação Nacional (Lei n. 9.394/96). Rio de Janeiro, Quality Mark, 1997. KNAPP, M.S. “Between systemic reform and the mathematics and science BRASIL. Lei n. 4.024 de 20/12/1961: fixa as diretrizes e bases da Educação classroom: the dynamics of innovation, implementation and professional Nacional. São Paulo, FFCL, 1963. learning”. Review of Educational Research. New York, v.67, n.2, 1997, __________ . Diretrizes e bases da educação nacional: Lei n. 5.692, de 11/8/1971, p.227-226. Lei n. 4.024, de 20/12/1961. São Paulo, Imesp, 1981. KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo, EPU/Edusp, __________ . Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fun- 1987. damental. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental: PESTANA, M.I. de S. et alii. SAEB 97: primeiros resultados. Brasília, Inep, 1999. documento introdutório. Brasília, MEC, 1995. TIMPANE, M. e WHITE, L.S. (eds.). “Reforming science, mathematics and __________ . Lei n. 9.394 Diretrizes e bases da educação nacional: promulga- technology education”. Higher education and school reform. San Francis- da em 20/12/1996. Brasília, Editora do Brasil, 1996. co, Jossey – Bass publishers, 1998. 93