O autor argumenta que a Copa do Mundo da FIFA trouxe mais maldições do que bênçãos para o Brasil, com enormes gastos em estádios que ficarão vazios, incentivando o espetáculo em vez do esporte e a violência nas arenas, em vez de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Os recursos poderiam ter sido usados para promover o esporte, educação e inclusão social.
1. - Copa do Mundo da FIFA: Benção ou Maldição ?
Autor: Fernando Zornitta
Imaginemos, como propunha John Lenon, o Brasil sem a Copa do Mundo de
Futebol e sem as exigências da FIFA que geraram uma paranóica intervenção
no país com um fim específico. Não estaríamos, eu perdendo tempo escrevendo
sobre isso e nem você lendo esse texto; e, provavelmente, nos ocupando com
algo melhor.
Não haveriam os astronômicos gastos com os estádios e com a infraestrutura
urbana para se chegar às ARENAS; nova nomenclatura dada pela FIFA, as
quais em vez de incentivar o esporte, incentivam o litígio e a luta com um só
vencedor. Estádios que foram construídos nas 12 cidades escolhidas para o
espetáculo futebolístico mas que se manterão inativos e vazios em perto de
100% do tempo e, também se prestarão a uma maior aproximação do esporte
aos negócios e o afastamento da população da prática esportiva.
É nesse ambiente do esporte espetáculo, em que o litígio entre as torcidas
organizadas ocorre; em que a violência latente naqueles que não praticam o
esporte, mas que vão aos estádios para para descarregar as suas frustrações e
gerar
violência; que nos fazem lembrar do tempo das cavernas e destas
arenas – como o novo nome ARENA indica - e que tem o seu maior exemplo
no Coliseu de Roma - onde não se compete, mas onde os atores desse circo se
degladearão, para o gozo de uma platéia ensandecida pelas batalhas, por
sangue e até a morte.´
Esse conceito de ARENA deve ser enterrado junto com a atual política da
FIFA, que prima
mais pelo negócio e pela disputa;
que
incentiva a
competição e de um único vencedor e não o esporte. O mundo de quem é
desportista; ama o futebol e entende os benefícios da pratica desportiva, deve
2. rebelar-se e plantar uma nova semente: a da prática desportiva em vez do
espetáculo futebolístico.
A Copa do mundo mais cara da história, poderia estar destinando recursos
para a melhoria dos espaços de esporte e lazer nas cercanias dos nossos lares;
para as praças, quadras, campos que dantes eram importantes para as
práticas esportivas e de lazer nas cidades brasileiras, mas que não mais
existem e estão abandonados à sua própria sorte, servindo a marginalidade, às
traças, baratas e ao mais completo esquecimento, enquanto os templos
modernosos do espetáculo futebolístico e toda a infraestrutura e obras de
mobilidade urbana para chegarmos até eles são priorizadas.
Poderiam também estar sendo destinadas a formação atlética de milhões de
crianças e jovens, que por total falta de opções podem constituir-se e
sedimentar uma geração perdida; de jovens que migram facilmente para as
drogas e para o crime; geração essa que desiludida e vendo seus pais - os seus
educadores e maiores exemplos - felizes e acostumados a ganhar migalhas e
bolsas tudo, mas que também incentivam à inanição deles próprios, a
frustração e a desesperança, por não conseguirem enxergar o futuro disso e
nem o seu próprio futuro.
Imaginemos também, esses recursos destinados a uma educação de qualidade e
para o crescimento dos mestres; para a melhoria das nossas esquecidas cidades
que, para a copa estão recebendo recursos tão somente para abrirem estradas
e caminhos dos aeroportos aos hotéis e destes para as ARENAS, deixando um
legado do sentimento de subserviência de todos.
Imaginemos mais, se estivessem sendo geradas verdadeiras oportunidades aos
milhões de talentos que o Brasil tem no esporte e que estes pudessem contar
com
infraestruturas
adequadas
e
orientação
profissional
para
o
seu
desenvolvimento humano, esportivo e o fomento dos princípios de uma
cidadania plena e da verdadeira inclusão.
Imaginemos mais, que essa orientação pudesse ser universal e chegar aos idosos
e as pessoas com deficiências em espaços adaptados e acessíveis; que fossem
oferecidos projetos e programas de verdadeira inclusão e de mitigação das
agruras que quase metade da população brasileira, formada de idosos e de
3. pessoas com deficiências, para que eles pudessem exercer os seus direitos nos
insanos
espaços
urbanos
que,
como
células
anômalas
espraiam
a
desorganização, a insalubridade, a falta de mobilidade, a exclusão e a
infelicidade; que deixam à margem quem migra para as urbes em busca da
oportunidade de trabalho, moradia, educação, saúde, lazer e serviços básicos;
mas que encontram-se na exclusão e na total falta de competência do poder
público em atender as demandas e em oferecer a melhoria da qualidade de
vida de todos.
Imaginemo-nos em vez de torcedores na Copa; como efetivos atores em
função de melhorar o país e de trazer um futuro melhor para todos e não
trocarmos tudo por uns poucos momentos de euforia pelo evento, com
submissão de um país e de toda a sua população ao circo da bola.
Imaginemos o Brasil sem a Copa e sem todos os transtornos que ela já trouxe
e que ainda há de trazer; imaginemos o Brasil sem o desconforto e a
indignação que é demonstrada e que se espraia nas manifestações contrárias
pelo país, que representa esse desconforto e contrariedade de mais de 50% da
população, que vê a Copa menos como benção e mais como maldição.
Um país que precisa de um evento como a Copa da FIFA para promover obras
de mobilidade e começar a pensar em planejamento, mesmo que só para esse
fim ou para melhorar a sua estrutura de serviços para o turismo, não pode ser
considerado um país sério. O Brasil e os brasileiros merecem mais do que
migalhas de pão e circo; merece mais coragem e menos submissão do Estado;
mais incentivo ao esporte e menos ao espetáculo e às competições.
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Fernando Zornitta, Ambientalista, Arquiteto e Urbanista, Especialista em Lazer e Recreação (Escola Superior de
Educação Física da UFRGS) e em Turismo (OMT-ONU/Gov. Italiano). Estágio de Aperfeiçoamento em Planejamento
Turístico na Un. de Messina – Itália. Período presencial do Curso de Doutorado em Planejamento e Desenvolvimento
Regional na Universidade de Barcelona (com foco no turismo e proj. de pesquisa na América Latina e Caribe). Curso
de Técnico de Realização Audiovisual e desenvolve atividades como artista plástico e designer. Tem produção literária –
livro e artigos técnicos publicados. É co-idealizador e sócio-fundador de ONGs atuantes nas áreas de meio-ambiente,
cinema e vídeo, esportes e lazer – dentre outras. É membro do GTMA (Grupo de Trabalho de Meio Ambiente do CREACE), membro do GTPA (Grupo de Trabalho em Planejamento da Acessibilidade do CREA-CE), membro do Fórum do
Idoso e da Pessoa com Deficiência do Ceará e de movimento em prol das PCDs.
E-mail: fzornitta@hotmail.com